Fungibilidade Recursal
A aplicabilidade de um importante princípio
Para cada tipo de decisão resistida e passível de impugnação há um
recurso cabível, atendendo ao princípio da adequação recursal. Tanto o CPC
(art. 496) como a legislação extravagante, v.g.,
a Lei 9.099 (Juizados Especiais), elencam as “espécies” do gênero recurso. Poderia,
assim, haver a “troca” de um recurso por outro, por reputá-lo mais adequado?
Em situações de incerteza quanto à adequação de um recurso, ou seja, quando
a lei não estabelece com clareza qual é o cabível para determinada decisão, a
doutrina e a jurisprudência ditam os caminhos a serem seguidos.
Mas e quando a própria jurisprudência não firma posicionamento concreto a
respeito, e há posicionamentos doutrinários divergentes?
Bom, é aí que surgem, senão soluções para o impasse, posicionamentos
dominantes e norteadores de precedentes significativos.
O art. 810 do CPC de 1939 previa expressamente a Fungibilidade dos Recursos, in
verbis:
Art. 810. “Salvo a hipótese de
má-fé ou erro grosseiro, a parte não será prejudicada pela interposição de um
recurso por outro, devendo os autos ser enviados à Câmara, ou turma, a que
competir o julgamento”.
Tal artigo não foi conservado no CPC atual (1973), mas subsiste na teoria
geral dos recursos como princípio, o qual passamos a analisar.
Fungível é tudo aquilo que pode ser substituído, trocado. Nesse diapasão
há possibilidade de se “trocar” um recurso por outro quando a lei é omissa,
divergente, ou na doutrina e jurisprudência há dúvida objetiva sobre qual recurso cabível para o caso. Ressalte-se
que não é uma “troca” aleatória.
Para o desenvolvimento do tema, citamos o caso de uma decisão que exclui
um litisconsorte ativo, por falta de legitimidade. Qual o recurso cabível? Faça
uma pausa agora e responda antes de prosseguir, dando a si mesmo uma
argumentação que reputar convincente.
Refletiu? Respondeu? Convenceu a si mesmo(a)? Pois bem. É cediço que, na
prática, para a impugnação de uma decisão como esta, o recurso que se interpõe
é o agravo de instrumento. Entretanto, seguindo instrução literal da lei,
estaríamos falando de apelação, justamente pelo caráter de sentença dessa
decisão.
Sentença? Sim.
Para se bem entender este raciocínio, precisamos saber o conceito de sentença.
Segundo disposição do art. 162, §1º, CPC (com redação modificada em 2005) “é o ato do juiz que implica alguma das
situações previstas nos arts. 267 e 269 desta Lei.”.
Tomando o exemplo dado, temos que a exclusão de um litisconsorte por
falta de legitimidade é hipótese do art. 267, VI, caracterizando, portanto, sentença.
Para este tipo de decisium, o
recurso cabível é a apelação, segundo inteligência do art. 513 da mesma Lei. E
por que é admitido na prática forense, em alguns casos, tanto a apelação como o
agravo? É justamente pela aplicação do princípio da fungibilidade recursal.
No exemplo dado, aqueles que
entendem se tratar de uma sentença, e certos pela interpretação literal da lei,
pugnam pelo entendimento de ser cabível apelação. Já aqueles que visualizam uma
decisão interlocutória, defendem a interposição de agravo.
Ao nosso ver, o segundo posicionamento se revela mais adequado, mormente
porque se há interposição de apelação, os autos devem ser remetidos para
instância superior, impondo aos demais litisconsortes reconhecidamente
legitimados uma espera incabível pelo julgamento de uma situação que não lhes
atine.
Além disso, como a própria lei não é clara, não se pode obstar o regular
andamento do processo por uma falha da lei.
A titulo de curiosidade, antes da Lei 11.187 de 19.10.2005, a qual
alterou redação do art. 522 do CPC, não havia uma certeza de qual era o recurso
cabível para decisão interlocutória. Desse modo, uns interpunham agravo, outros
apelação, em face de um indeferimento de tutela antecipada, por exemplo.
Nessa época, entendimentos divergentes prejudicaram a muitos por terem
ingressado com um determinado recurso e vê-lo negado pelo órgão que o recebeu.
Entretanto, a mesma parte o havia reputado correto, seja pela interpretação da
lei, ou pelo entendimento de outros órgãos. Havia uma verdadeira balbúrdia de
entendimentos em relação à interposição de recurso adequado contra decisão
interlocutória.
Depois da Lei 11.187 restou firmado o cabimento de agravo, retido ou de
instrumento, conforme o caso, para impugnação de decisão interlocutória. Contudo,
não se pôs fim às discussões quanto à ocorrência do exemplo dado no início da
abordagem do tema.
Nos casos em que se possa figurar a fungibilidade recursal, é mister a
presença de dois elementos, sem os quais o princípio trabalhado não poderá ter
incidência, quais sejam: a inexistência de erro grosseiro e dúvida objetiva
quanto ao recurso cabível.
Poderíamos dizer que os dois elementos estão interligados. Haverá erro
grosseiro, por exemplo, quando a parte interpõe recurso especial face a uma sentença de
primeira instância, não havendo dúvida que, neste caso, o correto seria
apelação.
Afora os equívocos grosseiros, se o advogado entende ser cabível apelação
ou agravo, a doutrina aconselha, segundo o que se vê na prática, pleitear já
nos pressupostos de admissibilidade do meio impugnativo, pela fungibilidade
recursal, uma vez que o entendimento do órgão o qual receberá a petição, poderá
ser diverso.
Superada a fase de familiaridade com o princípio em estudo e mostrada a
possibilidade de haver a troca de um recurso por outro, é preciso ficar atento:
ao “trocar” um recurso por outro, deve-se ter em vista todas as suas
características inerentes, especialmente quanto ao prazo, sob pena de não ser
admitido por preclusão temporal.
E aqui, finalmente, chegamos ao ápice do estudo pretendido: tempestividade
na aplicação do princípio da fungibilidade recursal.
Quando há dúvida objetiva sobre a interposição de agravo ou apelação, por
exemplo, a maioria dos doutrinadores “aconselham”[1] a
interposição no prazo do recurso menor. Como assim?
O agravo tem prazo de 10 dias, a apelação de 15 dias. Desse modo, mesmo que o
advogado A entenda ser cabível apelação, o “ideal” é que se interponha tal
recurso no prazo do agravo, porquanto existe dúvida entre o cabimento desde e
daquele.
Logo, parece ser limitada nossa capacidade de defender um entendimento.
Ora, se há dúvida objetiva quanto à
interposição de um determinado recurso e o advogado A defende a ideia de ser
cabível apelação, por que deveria seguir um bom senso vinculado, interpondo um
recurso de acordo com o prazo de outro? Estaríamos diante de aplicação parcial
de um princípio? Estaria a jurisprudência dizendo que é possível a
fungibilidade recursal, mas o prazo deve ser sempre o menor? Há, de fato,
fungibilidade?
Pugnamos pela ideia de que se a lei permite a aplicação do Princípio da
Fungibilidade Recursal, ao defender o cabimento de determinado recurso, o
advogado deve obedecer todas suas características imanentes, deixando de lado a
aplicação do prazo de outro que poderia ser cabível, tendo em vista falha legal
e, consequentemente, a nuvem de dúvida.
Ademais, se a lei não é precisa, tal fato não pode permitir que a parte
sofra prejuízos ao reputar mais adequado determinado meio de impugnação para o decisório resistido.
Demonstrada a inexistência de má-fé e de erro grosseiro da parte, quando
impetrado determinado recurso, logicamente deve-se respeitar o prazo
característico do mesmo, não se ater ao de outro.
Portanto, escolhido o meio impugnativo e sendo eficaz ao que se
destina, entendemos que os r. órgãos acolhedores dos recursos devem observar as
características do recurso escolhido pela parte, nos casos como do exemplo dado
e outros nos quais persistam dúvida objetiva.
Logo, se a parte pleiteia pela aplicação do Princípio da Fungibilidade
Recursal, caso o órgão recebedor tenha entendimento diverso mas aceita a
fungibilidade, evidentemente que todas as características próprias do recurso impetrado devem ser
consideradas, principalmente quanto ao prazo.
Somente dessa forma estaremos diante da efetiva aplicação da Fungibilidade Recursal e das garantias de ampla defesa e contraditório.
[1] Neste
sentido: SILVEIRA, Marcelo Augusto da. Manual dos Recursos Cíveis – 1ª ed. São
Paulo: Lemos e Cruz, 2010, pp. 73.
Por que é agravo de instrumento na decisão que se pretende retirar a parte de um litisconsórcio ativo?
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