DESTAQUE PROFISSIONAL
A partir deste mês de
outubro, publicaremos, mensalmente, artigo de algum profissional operador
do direito, dentre as mais diversas profissões no âmbito jurídico.
No "Destaque
Profissional" deste mês, temos a honra de postar artigo escrito
especialmente para o blog LADO DIREITO por Alice Akegawa, a qual é
advogada e professora da disciplina de Direito Civil na Fundação Educacional de
Ituiutaba associada à Universidade do Estado de Minas Gerais (FEIT-UEMG).
O tema abordado
é de grande relevância, uma vez que traz aspectos importantes do Estatuto da
Criança e do Adolescente e, além disso, tendo em vista a crescente notoriedade
do Direito das Famílias, no que tange a família propriamente dita, é, portanto,
assunto merecedor de debate e reflexão.
Não poderíamos
deixar de agradecer o imenso carinho e atenção que esta professora tem nos
prestado. Assim, aproveitamos a oportunidade para dizer um caloroso "muito
obrigado" e desejar a nossa cara Alice, uma boa caminhada neste seu
percurso de sucesso!!
E vamos ao artigo!
A SAÚDE E EDUCAÇÃO ENQUANTO DIREITOS CONSTITUCIONAIS: A INEFICÁCIA ESTATAL, SOCIAL E FAMILIAR EM GARANTI-LOS À CRIANÇA E ADOLESCENTE NO ÂMBITO ESCOLAR
Hodiernamente, a sociedade passa por velozes e profundas transformações: conceitos até então aceitos deixam de sê-lo, em razão de não mais suprirem os anseios sociais.
Uma das principais alterações no contexto jurídico-social brasileiro correspondeu à elevação da dignidade humana a princípio norteador do ordenamento jurídico (CF/88, art. 1º, inciso III) e, corolário lógico, a proteção aos direitos da criança e do adolescente sinteticamente previstos no art. 227 da Magna Carta e ramificados na legislação infraconstitucional (Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, Código Civil – CC, entre outros).
Nesse mister, do exposto pelo aludido art. 227 da Constituição Federal, depreende-se que, entre outros, a família, a sociedade e o Estado têm conjuntamente o dever prioritário de assegurar à criança e ao adolescente os direitos à saúde e à educação.
Entretanto, a atualidade mostra que tal não ocorre nem minimamente: se juridicamente homem e mulher têm as mesmas obrigações quanto aos filhos – posto exercem igualmente as atribuições da sociedade conjugal (CF, art. 226 § 5º) -, socialmente ainda não se absorveu por completo a ideia de que a mulher deixou de ser somente a dona de casa para ser também a mantenedora do lar: muitos homens ainda se escoram no ultrapassado sistema patriarcalista de educação dos filhos pela mãe, e muitas mulheres, apoiadas numa interpretação errada da emancipação feminina, relegam ao homem tal incumbência.
Essa displicência recíproca revela que os pais estão tendo dificuldades em educar seus filhos, e por isso tentam percorrer um caminho inverso: ao invés de educar seus filhos menores de acordo com a chamada “educação de berço”, tentam transferir tal responsabilidade primária às escolas, olvidando propositalmente que a função basilar da comunidade educacional é acrescer o intelecto, ou seja, somar à educação o que as crianças e adolescentes recebem em casa.
Dessarte, a escola se tornou uma válvula de escape diante das inúmeras omissões e comportamento expresso de desleixo dos pais: não tendo os menores de 18 anos preceitos de educação derivados do seu lar, os professores passaram a ter que se incumbir de preencher tal vácuo.
Entretanto, justamente por não terem as adequadas noções de respeito, fraternidade, responsabilidade e outros, criança, adolescente acabam por desvirtuarem-se e comprometerem o seu caráter e saúde psicofísica, como se constata atualmente através das várias notícias de bullying entre os colegas, agressões a professores e outras ações semelhantes.
Lado outro, o Estado também se omite ao não fornecer aos menores noções elementares de cidadania: não há hoje nas escolas disciplinas que contemplem o ensino de valores civis, de educação (e não instrução) e bem assim programas de verificação da saúde psicossocial dos alunos. O que lembra – muito pouco, diga-se de passagem – tal mister seria a figura do orientador psicopedagógico, o que por si só revela-se aquém do necessário.
Assim, a omissão da família e do Estado redundará no surgimento de jovens perturbados, desequilibrados. Por via de consequência, a transformação dos jovens em adultos com esses comportamentos, comprometerão, no futuro, a manutenção de uma sociedade democrática de direito, posto serem os menores de hoje os adultos de amanhã.
Nesse mister, o presente debate propõe-se à releitura dos mecanismos jurídicos e sociais que hoje teoricamente viabilizariam a efetivação dos direitos e deveres do menor de 18 anos de idade, por meio dos direitos fundamentais pertinentes a todo cidadão brasileiro e outras normas correlatas (arts. 1º, II, III; 5º, I; 6º; 205; 227; 229, todos da Constituição Federal Brasileira de 1988; Lei nº 8.069/90 - Estatuto da Criança e do Adolescente; entre outros). Bem assim, a discussão buscará repensar a participação e distribuição de responsabilidades entre Estado, família e sociedade nesse contexto, tanto no aspecto jurídico quanto no social.
Ao se constatar a fática incapacidade de Estado, família e sociedade garantirem de per si a educação e saúde do menor, mister se faz uma releitura não só da atinente estrutura jurídica hoje vigente como também da própria interação entre as instituições ora aludidas.
Bem assim, ao se comprovarem ser insuficientes os próprios mecanismos jurídicos que teoricamente se propõem a garantir e regular os direitos à educação e saúde, denotar-se-á a necessidade de sua reforma através das competentes considerações e debates a respeito. Lado outro, ao se verificar a insuficiência, não das normas jurídicas vigentes, mas sim das comentadas instituições (Estado, família e sociedade), insta analisar a forma pela qual faticamente se comportam em relação ao tema, e ato contínuo propor soluções para tanto.
Introduzir essa discussão na seara jurídica é possibilitar o debate de um fato social atual de suma importância: apesar de os menores de 18 anos de idade precisarem de orientação, proteção e responsabilidade, o que se observa atualmente é um descaso generalizado com tais misteres: crianças e jovens perambulam pelas ruas sem rumo e sem condições dignas de (sobre)vivência, porque os pais não zelam por eles, ou porque não têm condições para tanto; a seu turno, as instituições públicas não possuem uma estrutura prática e fática suficiente a atenderem a tais abandonados; e não raras vezes, quando condenados a medidas socioeducativas, os menores acabam por aprenderem o que não deviam nas instituições privativas de liberdade: aprendem a ser delinquentes.
A aparelhagem jurídica, quando aplicada, surte pouco efeito no que tange às garantias fundamentais da população infantojuvenil: é incapaz de coibir e punir adequadamente aos responsáveis legais, e bem assim é falha no tocante a uma participação mais incisiva da sociedade. É dizer: a legislação aplicável ao menor deve ser revista, de forma a que possa alcançar efetivamente pais, família e o próprio Estado.
Nesse cenário atual, para que o destino das garantias fundamentais se concretize para os menores de 18 anos de idade, far-se-ão necessárias outras medidas judiciais que viabilizem os preceitos constitucionais inerentes ao direito à vida, a cidadania, enfim, à dignidade na sua totalidade.
Depreende-se que a efetivação dos direitos e deveres fundamentais da criança e do adolescente por intermédio de seu responsável legal merece ser revista pelos operadores do direito visando à mantença da família e estruturação do jovem, haja vista que os mecanismos judiciais não estão alcançando o seu objetivo, pois a população infantojuvenil ainda se encontra no escuro. Nota-se que, a legislação infantojuvenil só é enxergada como norma protetiva olvidando-se o seu caráter preventivo e punitivo, não basta que tal regramento legal estabeleça direitos sem os deveres correlatos.
Dessa forma, é possível trazer a baia algumas soluções plausíveis para questão ora apresentada, vejamos:
· Expor a forma pela qual Estado, família e sociedade vêm interpretando as normas jurídicas acerca da garantia e proteção dos direitos à saúde e educação da criança e do adolescente;
· Buscar, ainda que perfunctoriamente, as razões pelas quais existe a discrepância entre a teoria e prática dos direitos aludidos;
· Analisar mecanismos legais existentes, que têm por finalidade obrigar ao exercício da proteção e garantia ao menor;
· Buscar outros substitutos legais para a imposição ao Estado, à família e à sociedade, da concretização da garantia e proteção aos direitos do menor.
Certo que o menor é pessoa e, portanto tem direito à proteção de sua dignidade (CF, art. 1º, III), segue-se que também aquiesce à educação e saúde no âmbito escolar.
O tema em debate consigna que há alguns juristas que discutam sobre os direitos da criança e do adolescente no geral, mas não especificamente os seus deveres como forma de manter da unidade familiar, pois o foco da literatura infantojuvenil legal se norteia apenas quanto as suas garantias esquecendo que aos jovens não basta apenas dar lhes direitos mas exigir seus deveres quando causa dano a outrem de qualquer natureza.
Nesse ínterim, não há na comunidade científica qualquer pesquisa que tenha como foco a possibilidade de se aplicar o termo de ajustamento de conduta aos responsáveis legais da criança e do adolescente como meio de se evitar a destituição do poder familiar.
Por sua vez, é escasso o número de cientistas juristas que venha a estudar tal realidade, tanto é que, na atualidade nenhum autor produziu doutrina, acerca do tema ora perquirido com suas peculiaridades.
Em outras palavras, não há na doutrina material específico que discuta a eficácia fática – ou melhor, a ineficácia – do respeito aos direitos e garantias fundamentais de que trata o assunto. Não é demais se lembrar aqui, que por “eficácia” adota-se o conceito bem exposto por Reale (2002, p. 112):
A eficácia se refere, pois, à aplicação ou execução da norma jurídica, ou por outras palavras, é a regra jurídica enquanto momento da conduta humana. A sociedade deve viver o Direito e como tal reconhecê-lo. Reconhecido o Direito, é ele incorporado à maneira de ser e de agir da coletividade. O certo é, porém, que não há norma jurídica sem um mínimo de eficácia, de execução ou aplicação no seio do grupo.
Ainda sobre o tema, Rossato (2011, p.74) demonstra a importância constitucional da família, sociedade e Estado em tutelar os direitos da criança e do adolescente, delimitado no art. 227, caput¸ da Constituição Federal:
Em verdade, o art. 227 representa o metaprincípio da prioridade absoluta dos direitos da criança e do adolescente, tendo como destinatários da norma a família, a sociedade e o Estado. Pretende, pois, que a família se responsabilize pela manutenção da integridade física e psíquica, a sociedade pela convivência coletiva harmônica, e o Estado pelo constante incentivo à criação de políticas públicas.
Inobstante, encontram-se na doutrina elementos que podem contribuir para a discussão do tema, tais como considerações sobre os deveres dos responsáveis legais e direitos do menor de 18 anos tatuados na Carta Magna (Bastos e Martins, 2001); comentários sobre o direito à educação e saúde do menor (Silva, 2001); abordagem específica e detalhada sobre o direito da criança e do adolescente (Maciel, 2011), bem como a vulnerabilidade do menor e os respectivos cuidados necessários (Pereira e Oliveira, 2009).
Soma-se ao amor do debate reconhecer que a comunidade infantojuvenil é titular de direitos e deveres, tão-logo Venturi (2010, p. 169) deduz que:
Para a transformação da percepção dos direitos não basta, portanto a afirmação de que se é sujeito de direitos. Precisa-se compreender de modo distinto como se reconhecer as competências jurídicas por meio da legitimação de participação social de crianças e adolescentes pela afirmação de suas competências sociais.
Portanto, a efetividade das garantias fundamentais da criança e do adolescente preceituadas no direito constitucional por intermédio de seu responsável legal – notadamente a saúde e educação – somente se dará com a aplicação da norma objetivando a manutenção da sociedade democrática de direito em conformidade com a evolução da humanidade.
REFERÊNCIAS:
ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1998.
BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Curso de direito constitucional. 2ª ed. São Paulo : Saraiva, 1999, vol. 6, tomo II.
BRASIL, Presidência da República. Direitos humanos: percepções da opinião pública: análise de pesquisa nacional.VENTURI, Gustavo (org.). Brasília: Secretaria de Direitos Humanos, 2010.
BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal Anotada. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.
CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional Didático. 5. ed. rev. atual. Belo Horizonte: Del Rey, 1997.
CAVALLIERI, Alyrio. Falhas do estatuto da criança e do adolescente. CAVALLIERI, Alyrio (org.). Rio de Janeiro: Forense, 1997.
ISHIDA KENJI, Válter. Estatuto da criança e do adolescente: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Atlas, 2000.
LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Ação Civil Pública – Nova Jurisdição Trabalhista Metaindividual – Legitimação do Ministério Público. São Paulo : LTr. 2001
LIBERATI, Wilson Donizeti. Direito à educação: uma questão de justiça. São Paulo: Malheiros, 2004.
MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade (coord.). Curso de Direito da Criança e do Adolescente: Aspectos Teóricos e Práticos. 5.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.
NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Estatuto da criança e do adolescente comentado: Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. 4. ed.rev.aum. e atual. por Paulo Lúcio Nogueira Filho. São Paulo: Saraiva,1998.
PEREIRA, Tânia da Silva (coord.), OLIVEIRA, Guilherme de (coord.). Cuidado e Vulnerabilidade.São Paulo: Atlas, 2009.
RODRIGUES M., Cláudia Beatriz, SANTOS RIBEIRO, Vauledir. Estatuto da Criança e do Adolescente: Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Campinas: Jurídica Mizuno,1999.
REALE, Miguel, Lições preliminares de direto. 27 ed. 9ª tiragem. São Paulo: Saraiva, 2002.
ROSATO, Luciano A, LÉPORE, Paulo Eduardo, CUNHA, Rogério S. Estatuto da Criança e do Adolescente: comentado- Lei 8.069/1990- Artigo por Artigo. 2 ed. rev, atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 10. ed. rev. atual. nos termos da Reforma Constitucional (até a Emenda Constitucional n.º 31, de 14.12.2000). São Paulo: Malheiros, 2001.
TAVARES FARIAS, José de. Comentários ao estatuto da criança e do adolescente. Rio de Janeiro: Forense, 1999.
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