Minuciosa análise do HOMICÍDIO





Já dizia Nelson Hungria, não por menos que “o homicídio é o tipo central dos crimes contra a vida, é o ponto culminante na orografia dos crimes (...) é o crime por excelência”.[1]


Acertadas foram as palavras desse autor. O homicídio é o crime mais vil, sórdido, repugnante cometido por uma pessoa face a outra, evidenciando que às vezes torna-se impossível distinguir o homem de um animal.


  Destaca-se que, com a ocorrência do homicídio, o Estado externa a falha de seu dever constitucional em garantir a segurança.


No entanto, por mais que o poder estatal atue no sentido de estacar o crime, nunca conseguirá impedir todos eles e sempre continuará ocorrendo. O crime está impregnado na sociedade, e por mais que exista o policiamento ostensivo e preventivo da Polícia Militar, nem sempre será possível coibir a prática de delitos.

      Visto isto, vamos ao que interessa.

O homicídio, segundo a melhor doutrina, consiste na morte da pessoa viva causada por outro homem. Ao lado da instigação (induzimento ou auxílio) ao suicídio (art. 122 do CP), do infanticídio (art. 123 do CP) e do aborto (art. 124 do CP), compõe os chamados crimes contra a vida.

Está previsto no art. 121 do Código Penal, podendo ser realizado de diversas maneiras e por qualquer pessoa[2] e, a depender da forma e do motivo pelo qual o autor o perfaz, sua pena pode ser alterada, tanto em abstrato, como na terceira fase de aplicação da pena, tratando-se de majorantes e minorantes.

Vejamos o referido artigo na íntegra:

Homicídio simples
Art. 121.  Matar alguém:
Pena - reclusão, de seis a vinte anos.
Caso de diminuição de pena
§ 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, ou juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.
Homicídio qualificado
§ 2° Se o homicídio é cometido:
I - mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe;
II - por motivo fútil;
III - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum;
IV - à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido;
V - para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime:
Pena - reclusão, de doze a trinta anos.
Homicídio culposo
§ 3º Se o homicídio é culposo: (Vide Lei nº 4.611, de 1965)
Pena - detenção, de um a três anos.
Aumento de pena
§ 4o No homicídio culposo, a pena é aumentada de 1/3 (um terço), se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima, não procura diminuir as consequências do seu ato, ou foge para evitar prisão em flagrante. Sendo doloso o homicídio, a pena é aumentada de 1/3 (um terço) se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (quatorze) ou maior de 60 (sessenta) anos. (Redação dada pela Lei nº 10.741, de 2003)
§ 5º - Na hipótese de homicídio culposo, o juiz poderá deixar de aplicar a pena, se as consequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária.       (Incluído pela Lei nº 6.416, de 24.5.1977)
§ 6o  A pena é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado por milícia privada, sob o pretexto de prestação de serviço de segurança, ou por grupo de extermínio.       (Incluído pela Lei nº 12.720, de 2012)

Com o intuito de facilitar a compreensão do artigo 121 do CP, abaixo segue as informações importantes e que são comumente cobradas no exame da Ordem e em Concursos Públicos acerca do delito de homicídio.

Objeto jurídico

Vida da pessoa.

Objeto Material[3]
A pessoa sobre quem recai a ação ou omissão.

Sujeito Ativo
É qualquer ser humano que pratica a figura típica descrita em lei.

Sujeito Passivo
É o titular do bem jurídico lesado ou ameaçado, ou seja, qualquer pessoa viva.

Consumação
Como se trata de um crime material, sua consumação se dá com a produção do resultado naturalístico morte.

Elemento Subjetivo
Dolo e culpa.

Tentativa
Há possibilidade de ser tentado, porquanto trata-se de um crime material e plurissubsistente[4].  Dessa forma, ocorrerá a tentativa quando o agente na fase de execução do delito, não o realiza por circunstâncias alheias a sua vontade.

Ressalte-se que no direito penal brasileiro não se pune a cogitação e os atos preparatórios do crime, característica esta inerente do direito penal do inimigo. No entanto, pode ser que os atos preparatórios de uma infração penal já seja figura típica autônoma prevista no Estatuto Repressivo, v.g., a formação de quadrilha tendo com o fim de cometer crimes (art. 288 do CP).


ATENÇÃO!
Como se verifica no texto da lei, o homicídio ocorre na sua forma dolosa e culposa, classificando-se o primeiro em homicídio simples, privilegiado, qualificado ou majorado, e o segundo (culposo) em simples e majorado.

HOMICÍDIO DOLOSO SIMPLES (caput)
Realização da conduta descrita no tipo penal. Constitui o tipo básico fundamental que contém os componentes essenciais do crime.
Pena – Reclusão de 6 (seis) a 20 (vinte) anos
P.S.: Se o homicídio for praticado em atividade típica de grupo de extermínio constitui crime hediondo.

HOMICÍDIO PRIVILEGIADO (§1º)
Devido à circunstância de caráter subjetivo, o homicídio privilegiado beneficia o agente com uma redução de pena de 1/6 a 1/3, tendo em vista os motivos determinantes da conduta injusta praticada pelo agente ter um menor grau de reprovabilidade.

É uma causa especial de diminuição de pena.

Extremamente fundamental é não confundir essa causa de diminuição com a atenuante da alínea “a” do inciso III do art. 65 do CP, vez que para ser privilegiado o homicídio, não deve restar dúvidas quanto ser o motivo de relevante valor social ou moral o real causador do delito.





O Ministro Carlos Ayres Britto, no HC 89.814 MS, com maestria expôs a distinção entre a causa de diminuição e a atenuante mencionada:

“É certo que o §1º do art. 121 e alínea “a” do inciso III do art. 65 ambos do Código Penal estão a tratar de situações distintas. Explico. Tais dispositivos normativos guardam uma distinção incontestável: a causa especial de diminuição de pena de que trata a primeira parte do §1º do artigo 121 do Código Penal incide apenas naquelas situações em que o agente pratique a conduta IMPELIDO por motivo de relevante valor social ou moral. É dizer: a configuração de homicídio privilegiado pelo motivo de relevante valor moral depende da prova de que o agente atuou no calor dos fatos, impulsionado, dominado pela motivação relevante.
Por outra volta, a atenuante da alínea “a” o inciso III do art. 65 do Código Penal destina-se àquelas hipóteses em que, a despeito da relevância da motivação, não se pode afirmar que o agente tenha praticado o delito num contexto tal capaz de desencadear um imediata reação. Noutro falar, tal cinscunstância atenuante incide, residualmente, naqueles caso em que, comprovado o motivo de relevante valor moral, não se pode afirmar que a conduta do agente seja fruto do instante dos acontecimentos”.

 

HOMICÍDIO QUALIFICADO (§2º)

É um tipo penal derivado, em que a pena cominada é de 12 a 30 anos. São circunstâncias que demonstram de forma ululante o quão é censurável a conduta do delinquente.

O legislador previu hipóteses qualificadoras de ordem subjetivas e objetivas.

As de ordem subjetivas são causadas por motivos:
a) Torpe
b) Fútil
c) Por conexão (teleológica ou consequencial)

As de ordem objetivas:
a) Meio Cruel (fogo, veneno, asfixia, explosivos etc.)
b) Surpresa
c) Qualquer outro motivo torpe.

As qualificadoras esposadas nesse parágrafo devem ser consideradas como circunstâncias e não como elementares do tipo, isso porque o crime restaria configurado mesmo que o agente não se valesse dos meios e motivos nele previsto. Como se sabe, elementares são “elementos” que integram o tipo fundamental e que se retirados do contexto fático conduz a atipicidade absoluta, ao passo que circunstâncias são elementos acessórios do tipo penal, que poderão ou não incidir no caso concreto, servindo somente para aumentar ou diminuir a pena.

A compreensão dessa diferença é necessária para discernir se os participantes de um homicídio cometido em sede de concurso de pessoas responderão por homicídio simples ou qualificado.  Pode ser que apenas um dos agentes tenha agido com motivo torpe, sem que seu partícipe tivesse ciência de tal desígnio, ocasião em que o primeiro responderá por homicídio qualificado e o segundo por homicídio simples.

Não se pode olvidar o que diz o artigo 30 do CP “Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime”.


HOMICÍDIO CULPOSO (§3º)

Ocorre quando o agente por negligência, imprudência ou imperícia retira a vida de outra pessoa, respondendo por homicídio a título de culpa.


Como se sabe, o elemento subjetivo de todo delito é o dolo, desse modo, o agente apenas comete crime culposo se assim estiver previsto no tipo penal incriminador, tal como no tipo penal sob análise.

Pena – Detenção, de um a três anos.


 
HOMICÍDIO MAJORADO (§4º e 6º§)
Crime majorado previsto no §4 e no novel §6º do artigo 121 são causas especiais de aumento de pena, portanto são aplicados na terceira fase na dosimetria da pena.

Conforme explicitado no parágrafo quarto, em caso de crime culposo o agente terá sua pena acrescida em 1/3 quando:
a) O delito for originado por inobservância de regra técnica de profissional, arte ou ofício;
b) Ausência de imediato socorro a vítima;
c) O autor não procurar diminuir as consequências de seus atos;
d) O agente fugir para evitar a lavratura do APF.
Na segunda parte do referido parágrafo quarto, o legislador previu que se a vítima do crime de homicídio doloso for criança menor de 14 anos ou pessoa acima de 60 anos, a punição do autor acresce, outrossim, em 1/3.

Interessante notar que a lei n.º 12.720/2012 introduziu no sistema jurídico penal o §6º no art. 121, o qual prevê majoração da pena no crime de homicídio de 1/3 a 1/2 quando cometido por milícia privada, sob o pretexto de prestação de serviço de segurança, ou praticado por grupo de extermínio.

Ferindo o princípio da legalidade estrita, o legislador não conceituou o que vem a ser milícia privada e grupo de extermínio, ficando a cargo da doutrina fazer tal distinção.

Rogério Sanches entende por grupo de extermínio “a reunião de pessoas, matadores, “justiceiros” (civis ou não) que atuam na ausência ou leniência do poder público, tendo como finalidade a matança generalizada, chacina de pessoas supostamente etiquetadas como marginais ou perigosas[6].”

A milícia privada, por sua vez, esclarece que é aquele formado por “grupo de pessoas (civis ou não...) armadas, tendo como finalidade (anunciada) devolver a segurança retirada das comunidades mais carentes, restaurando a paz. Para tanto, mediante coação, os agentes ocupam determinado espaço territorial. A proteção oferecida nesse espaço ignora o monopólio estatal de controle social, valendo-se de violência e grave ameaça[7]”.


CONCLUSÃO

Em síntese, esses são os temas mais relevantes acerca do homicídio, crime que agride o bem jurídico mais importante da pessoa humana, qual seja, a vida. Nas palavras de Impallomeni, citado por Fernando Capez[8] “todos os direitos partem do direito de viver, pelo que, numa ordem lógica, o primeiro dos bens é o da vida”.



   DESAFIO

A fim de fomentarmos o debate e colocarmos em prática o conhecimento adquirido, segue algumas perguntas intrigantes, as quais esperamos ser respondidas por vocês, caros leitores.  

1)            É possível a coautoria por omissão no homicídio?

2)            A prática de ofendículos pode representar dolo eventual no caso de homicídio?

3)            A paixão violenta configura o privilégio do art. 121, parágrafo 1.º?

4)            Há diferença entre o domínio de violenta emoção logo em seguida a injusta provocação da vítima, prevista no parágrafo 1.º do art. 121, e a atenuante genérica indicada no art. 65, inciso III, alínea "c", última parte?

5)            É possível a existência de homicídio privilegiado e qualificado ao mesmo tempo?

6)            Caso exista de forma concomitante um homicídio qualificado e privilegiado, ele pode ser considerado hediondo?

7)            Se o homicídio intentado por motivo fútil constitui uma qualificadora, será que aquele cometido sem motivo algum também não pode qualificá-lo?

Aguardamos suas respostas!






[1] HUNGRIA, Nelson. Comentário ao Codigo Penal. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1953, pp 26.
[2] Crime comum.
[3] Bem sobre o qual recai a conduta
[4] Crime subsistente é aquele cuja ação se compõe de vários atos, podendo a conduta ser fracionada.
[5]  Disponível em http://www.jusbrasil.com.br/filedown/dev4/files/JUS2/STF/IT/HC_89814_MS_1278993402688.pdf
[6] Disponível em  http://atualidadesdodireito.com.br/rogeriosanches/2012/09/28/comentarios-a-lei-no-12-720-de-27-de-setembro-de-2012/
[7]Disponível em  http://atualidadesdodireito.com.br/rogeriosanches/2012/09/28/comentarios-a-lei-no-12-720-de-27-de-setembro-de-2012/
[8] CAPEZ, Fernando. Curso de direito Penal. São Paulo: Editora Saraiva, 2012, pp. 23.

Um comentário :

  1. Gostei muitissimo da explanacao em torno do assunto abordado, no entanto, para responder aos questionamentos requer uma analise mais aprofundada das questões, entendo que todo crime êh subjetivo.

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