DESTAQUE PROFISSIONAL do mês





O Destaque Profissional deste mês fica a cargo do experiente advogado Fernando Alves Viali Filho, o qual também é professor na Fundação Educacional de Ituiutaba associada à Universidade do Estado de Minas Gerais (FEIT-UEMG), nas matérias de Direito Penal e Processo Penal.

O artigo traz à tona discussão sobre pedofilia e seus desdobramentos processuais, mormente no que tange à prisão do acusado. Será a privação de liberdade do investigado essencial para a instrução penal?

Vejamos o artigo.



      
 
PEDOFILIA À LUZ DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL PENAL




       Atualmente, a comunidade acadêmica jurídica tem discutido – seja por meio de seminários, dissertações e trabalhos de conclusão de curso – o instituto da pedofilia como objeto de estudo da ciência penal motivada pelo anseio social diante da lamentável, porém costumeira barbárie sexual praticada contra criança ou adolescente.
Os meios de comunicação hodiernamente veiculam matérias jornalísticas apresentando violência sexual praticada contra menores impúberes e, ao final, conclamando a elaboração de leis penais mais rígidas, mais severas, menos tolerantes, suplicando a criminalização da pedofilia de forma emergencial.
Mesmo após o advento da Lei 12.015 de 07 de agosto de 2009, que inseriu no capítulo II do Código Penal Brasileiro a tutela jurídica penal aos crimes sexuais contra vulnerável na tentativa de incriminar toda e qualquer ofensa à liberdade sexual das crianças e adolescentes, a discussão acadêmica a cerca da tipicidade da pedofilia ainda permanece, eis que a lei penal não utilizou a rubrica penal pedofilia.
A lei penal, no entanto, mesmo não inserindo a rubrica penal pedofilia descreve, minuciosamente, nos preceitos primário dos artigos 217-A, 218, 218-A e 218-B as condutas típicas penais que correspondente à ofensa a liberdade sexual do vulnerável, menor de 14 anos (criança ou adolescente) ou qualquer outra pessoal que – por doença mental ou qualquer outra causa – não possa oferecer resistência.
Portanto, o instituto da pedofilia à luz da ciência penal, como direito material é por demais clara e objetiva, não justificando qualquer debate sobre o tema da tipificação penal da pedofilia após o advento da Lei 12.015/2009 que expressamente espelha o estupro de vulnerável.
Lado outro, o que embala a presente análise é unicamente a caracterização prática do estuprador de vulnerável. Ciente de que lei penal claramente define a conduta típica do repugnante crime, como se pode de maneira justa, apontar com exatidão a autoria e materialidade desse delito?
Cediço é o fato de que a única instituição competente para concluir pela autoria e materialidade penal é o Poder Judiciário, por meio de uma sentença devidamente transitada em julgado. Deste modo, somente diante dos efeitos da coisa julgada da sentença penal condenatória poder-se-ia, com segurança, concluir pela materialidade e autoria do estupro contra vulnerável (pedofilia).
Entretanto, não se pode olvidar a comum aplicação das medidas cautelares como instrumentos de garantia da aplicação da lei penal, recentemente reguladas pela lei 12.403/2011, sobretudo diante dos crimes contra liberdade sexual do vulnerável, cuja tutela estatal jamais aguardaria a superveniência do trânsito em julgado da sentença penal.
Neste contexto, a presente e singela análise aponta os desafios dos operadores do direito – Policiais Militares, Policiais Civis, Ministério Público, Magistrados e advogados – responsáveis pela efetivação da tutela jurisdicional penal, alertando sobre os riscos de injustiça quando da conclusão prematura e superficial sobre à autoria delitiva dos crimes relacionados à proteção sexual do vulnerável, especialmente quando da fundamentação da aplicação de medida cautelar privativa de liberdade (prisão preventiva), senão vejamos:
Mesmos nos crimes contra a economia popular ou de lavagem de dinheiro, que afrontam contundentemente o erário, maculando a imagem das instituições públicas que - em tese igualmente repugnante, vil, bárbaro – há certa aceitação social de que os investigados e denunciados respondam seus processos em liberdade, usufruindo da constitucional garantia da não culpabilidade ou popularmente conhecida presunção de inocência, como por exemplo, as recentes concessões de habeas corpus em benefício dos denunciados nos esquema da quadrilha do contraventor Cachoeira no Centro Oeste do Brasil.
Diametralmente oposta é a situação nos casos de estupro de vulnerável, em que mera denúncia anônima contra determinada pessoa, não se tolera sequer o início da instrução processual sem antes da privação de liberdade do indiciado.
Com a alteração do Código Penal levada a efeito pela Lei 12.015/2009, e consequente aglutinação do antigo artigo 213 (conjunção carnal) e 214 (ato libidinoso) o atual estupro de vulnerável se caracterizará independentemente da existência de conjunção carnal, ou seja, qualquer ato libidinoso contra menor de 14 anos caracterizar-se-á estupro de vulnerável. Logo, a dificuldade de se provar a materialidade (ou autoria) deste crime é notória. Justamente por isso, especial atenção deve pairar sobre qualquer denúncia ou acusação relacionado à matéria.
 Recentemente na vizinha cidade de Santa Vitória o Sr. G.G.P, 44, fora acusado por sua enteada de ter praticado estupro de vulnerável contra suas filhas menores de 06 (seis) e 04 (quatro) anos de idade. O acusado, trabalhador rural, contava com 20 (vinte) anos de união estável com a avó das vítimas, há meses cuidava das netas (vítimas) deixadas em sua companhia pela própria mãe para que pudesse trabalhar. Justamente na última festa natalina realizada no casebre do denunciado, a mãe das menores se dirige à Policial Militar noticiando que outro menor de 08 (oito) anos de idade – primo das vítimas – teria presenciado o Sr. G.G.P. passado a língua e o dedo nas partes íntimas das vítimas.
Instaura-se o inquérito policial, a autoridade Policial ouve o menor que teria presenciado, porém nega que viu, mas que as vítimas lhe teriam contado, a mãe e a tia da vítima, semelhantemente como fez a Xuxa em rede Nacional, resolvem declarar que também já foram vítimas sexuais do padrasto G.G.P. quando eram crianças e viviam em sua companhia.
Diante dos fatos, a autoridade policial representa pela prisão preventiva e após parecer favorável do Ministério Público, a prisão preventiva foi decretada, o pedido de revogação indeferido, encontrando-se o processo a espera de julgamento de Habeas Corpus pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais.
Para muitos a medida cautelar (prisão preventiva) aplicada neste caso foi acertada, na medida em que a sociedade não poderia esperar a superveniência da sentença penal transitada em julgado, justamente pelo fato de que a figura do padrasto que abusa sexualmente das filhas ou das netas de sua companheira lamentavelmente é comum nos dias atuais.
Contrário senso, sem qualquer paixão profissional diante do caso, a presente análise tem como objetivo maior tão somente apontar para os necessários detalhes que fomentam a conclusão sobre a autoria e materialidade delitiva, cuja decisão somente poderia ser alcançada através da instrução processual penal, jamais por indícios probatórios unilateralmente produzidos por quem se diz vítima.
O depoimento da mãe e da tia das pretensas vítimas (de 04 e 06 anos de idade) jamais poderia servir de fundamento para o decreto prisional, eis que a mãe e tia não seriam testemunhas descompromissadas, desinteressadas ou imparciais. Simples desavença familiar com o companheiro de sua mãe poderia culminar a acusação de um crime que – diga-se de passagem – não deixa vestígios.
Interessante, ainda, o fato de que a mãe e a tia das menores (vítimas) afirmando que conheciam a índole pervertida do acusado, porque no passado também foram vítimas sexuais do réu, mesmo que não quisessem denunciar à autoridades por medo ou receio, jamais poderiam ter a coragem ou audácia de deixar suas filhas de 04 e 06 anos de idade na companhia daquele monstro pedófilo.
Tais circunstâncias somente poderiam ser analisadas, acatadas ou afastadas por meio da regular instrução processual que homenagearia os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, institutos ainda não consagrados, eis que a instrução processual ainda não se iniciou.
         Mesmo sem a possibilidade de produzir provas, ou ao menos contraditar aquelas efetivadas administrativa e unilateralmente em sede de inquérito policial, o acusado sofre os efeitos da prisão preventiva que, mesmo teoricamente tratando-se de medida cautelar, não tem outro efeito senão o real cumprimento de pena antecipada sem o devido processo penal.
   Não é crível que o Poder Judiciário, em um Estado Democrático de Direito, sustente que o denunciado possa cumprir a medida cautelar privativa de liberdade somente para garantir a futura aplicação da lei penal, conveniência  da instrução processual penal ou mesmo para garantia da ordem pública e ao final da instrução penal, em caso de absolvição, retorne ao seio social como se nada tivesse acontecido.
Conclui-se, portanto, que, diante de qualquer denúncia ou notícia crime cuja natureza corresponda a crime sexual contra vulnerável, a prudência do operador do Direito deve ser maximizada, ressaltando que toda informação prestada pode ter sim uma segunda versão. Logo, a oitiva da parte contrária (acusado) ou de testemunhas imparciais não suspeitas poderia nortear a tutela jurisdicional mais justa, mesmo nos casos de aplicação de medida cautelar.
Por tudo isso, a instrução processual penal - como instrumento de garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa – seria meio único é hábil capaz de concluir pela prática da autoria e materialidade sobre qualquer fato que atente contra a dignidade sexual do vulnerável (pedofilia).
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            Fernando Alves Viali Filho – Advogado Mestre em Direito Consitucional pela UEMG, sócio diretor da Viali Assessoria Jurídica, Professor de Direito Penal e Processual Penal na FEIT-UEMG.
 

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