FURTO: saiba mais
É uma constante nos tempos
atuais a prática reiterada de furtos. Se não for o crime com maior número de
ocorrência, com certeza está entre eles. Uma pesquisa realizada pelo IBGE[1]
assevera que entre setembro de 2008 a setembro de 2009, quase 12.000.000 (doze milhões)
de pessoas foram vítimas de furto ou de roubo no Brasil. Isto significa que em 16
(dezesseis) anos toda população já terá sido vítima do ilícito.
Tipificado no art. 155 do
código penal, inaugurando o título II “Dos Contra o Patrimônio”, o furto
consiste na subtração, para si ou para outrem, de coisa alheia móvel com animus
definitivo de assenhoreamento.
Pela região topográfica a
qual está situado o delito furto, não resta dúvida quanto ao bem jurídico
tutelado por ele: o patrimônio.
É um crime comum, razão
pela qual pode ser perpetrado por qualquer pessoa, exceto o proprietário.
Por outro lado, não se
pode olvidar da figura do funcionário público. Este, ao subtrair ou facilitar para que seja
subtraído bem público ou particular, valendo-se, para tanto, das facilidades
que o cargo lhe oferece, incorrerá no peculato-furto (art. 312,
§1º, CP) e não o crime de furto do art. 155 do CP.
No que tange ao sujeito
passivo, deve-se fazer importante observação. A doutrina nacional nos apresenta três correntes. A primeira aduz que sujeito passivo é somente o proprietário da
coisa alheia móvel; a segunda menciona ser o proprietário e o possuidor legítimo
(contrato de comodato, p.ex.) e por fim, a terceira e majoritária, assevera que
é sujeito passivo de furto o proprietário, o possuidor e o detentor.
É o exemplo de A que
empresta o carro para seu amigo B ir a uma festa. B deixa furtar o carro de A.
Neste caso, estarão caracterizados dois sujeitos passivos no furto, tanto A (que
era proprietário do veículo), como B, seu amigo que detinha a posse legítima.
Ressalte-se que para haver
existir o furto a coisa deve ser alheia!
Coisa de ninguém (coisa
que nunca teve dono), coisa abandonada (que já pertenceu a alguém, mas foi
dispensada) não pode ser objeto material de furto, sendo sua subtração um
indiferente penal.
Por outro lado, a
subtração da coisa perdida (res
desperdita) não é um fato atípico e sim crime de apropriação indébita de
coisa achada (art. 169, §Ú, II, CP).
E quanto à coisa
esquecida?
Incorre no crime de furto
aquele que, p.ex., adentra numa loja e leva o celular de um cliente que o
esqueceu no vestuário?
Sim, é furto subtrair
coisa esquecida[2].
Tentativa
Por seu crime
plurisubsistente, isto é, os atos da conduta podem ser fracionados, a tentativa mostra-se possível.
O príncipe do Direito
Penal, Nelson Hungria, traz o exemplo do agente que, tentando surrupiar o
dinheiro dentro da calça da vítima, se depara com o bolso vazio. Tem-se aí uma
tentativa punível ou um crime impossível?
A resposta é simples. Se a
vítima trazia dinheiro consigo no bolso em que o punguista não colocou a mão,
estar-se-á configurada a tentativa, visto que presente a impropriedade relativa
do objeto[3].
Diferente seria se a
vitima não portasse quantia alguma consigo, fato que por mais que o infrator
quisesse subtrair os bens da vítima ele jamais conseguiria, evidenciando,
portanto, o crime impossível (impropriedade absoluta do objeto)
Consumação:
Existem quatro teorias que
tentam explicar a consumação do furto, a saber:
a)
Contrectatio:
o
crime se consuma com o simples contato com a coisa alheia.
b)
Amotio:
consuma-se o furto com a posse da coisa subtraída para o agente, mesmo que num
curto espaço de tempo, independente de seu deslocamento, posse mansa e
pacífica.
c)
Ablatio: a
consumação se dá com o deslocamento da rés após o apoderamento.
d)
Ilatio:
ocorre
a consumação após o ladrão levar a res
ao lugar desejado, estando ela a salva.
O STF e o STJ já decidiram
no sentido de que a consumação do furto se dá com perda, no todo ou em parte,
da possibilidade de contato material com a res
pelo proprietário. Por via transversa acatou a teria amotio, segundo a qual o crime se consuma logo com a posse da coisa
subtraída pelo infrator.
Majorantes
A pena do caput é
aumentada em um terço, se o crime é cometido durante o repouso noturno.
Furto
privilegiado
Para o crime de furto ser
privilegiado necessário é a conjugação dos seguintes elementos:
a)
Primariedade do agente
b)
Pequeno valor da coisa furtada
Agente primário é aquele
que não é reincidente e já quanto ao pequeno valor da coisa furtada, é assente
na doutrina a quantia: não pode ultrapassar um salário mínimo.
Benefício da minorante:
A)
Substituir a pena de reclusão pela detenção
(o que interfere diretamente no regime de cumprimento da pena); ou
B)
Diminuir a pena de 1/3 a 2/3; ou
C)
Substituir a pena privativa de liberdade
pela de multa.
Cláusula
de equiparação
Interessante notar a
equiparação feita pelo legislador entre coisa alheia móvel e energia elétrica,
ou mesmo qualquer outra que tenha valor econômico.
Essa energia pode ser
biológica, mecânica, térmica enfim, se for possível apreciá-la economicamente,
está apta a ser objeto de furto.
Exemplo comum é o famoso
“gato”, em que as pessoas não pagam a concessionária de energia e esta, depois
de cortada, é religada pelo próprio agente direito no padrão[4].
Furto
qualificado
No furto qualificado,
previsto no §4º do art. 155 do estatuto repressivo, estão elencadas todas das
circunstâncias que imprimem ao delito um cunho de maior gravidade, motivo pelo
qual o preceito secundário prevê pena de reclusão de 2 (dois) a 8 (oito) anos,
enquanto que a pena do caput, que é a do furto simples é 1 (um) a 4 (quatro)
anos.
-
Rompimento de obstáculo
A destruição ou o
rompimento de obstáculo é a primeira qualificadora contida no §4º do artigo sob
análise. Significa que caso o agente
destrua alguma barreira para conseguir dar cabo ao seu intento, seja
arrombando, degradando, demolindo, destruindo quaisquer objetos que dificulte a
subtração da coisa, qualifica o furto.
A doutrina sempre se
lembra do exemplo do ladrão de toca CD. Quando este quebra o vidro do carro
para furtar o toca CD, rompe um obstáculo o qual está dificultando a subtração
do objeto visado, configurando, desse modo, a qualificadora.
Por outro lado, se o
agente quebrar o vidro do carro para furtar o veículo, pasmem, o furto será
simples e não qualificado, porquanto quando a violência é exercida sobre o
próprio objeto de furto não há incidência da qualificadora.
Reflita o quanto é difícil
explicar isso para uma pessoa não pertencente ao mundo do direito. Dizer para
ela que se um ladrão quebrar o vidro do carro para furtar o toca CD nele
contido, incorre numa pena bem menor em comparação aquele que quebra o vidro do
carro e leva o próprio veículo. Tentei dizer isso para um membro da família, resultado: a
pessoa sorriu e disse que eu precisava estudar “direito”.
-
Abuso de confiança, mediante fraude, escalada ou destreza.
Outra qualificadora prevista no §4º sobrevém
quando o furto é cometido mediante abuso de confiança, ou mediante fraude,
escalada ou destreza.
Abuso de confiança é uma
circunstância subjetiva, reveladora de maior periculosidade do agente que não só
furta, mas viola a confiança depositada nele[5].
Normalmente sempre aparece
em questões a pergunta se a relação de emprego ou de hospitalidade já configura
essa qualificadora. A resposta só pode ser negativa, visto que exige-se um
especial vínculo de lealdade ou de fidelidade entre a vítima e o agente.
De acordo com Damásio,
citado por Rogério Sanches[6],
fraude é “meio enganoso capaz de iludir a vigilância do ofendido e permitir
maior facilidade na subtração do objeto material (...)”
O objetivo da fraude é
diminuir a vigilância da vítima a fim de que o agente possa consumar mais
facilmente o furto. É o exemplo do agente que simula interesse na compra da
motocicleta, com pretexto de testá-la, bem como de ir buscar o dinheiro, toma-a
do proprietário e dela já se apossa.
A escalada, por sua vez,
consubstancia-se no uso de via anormal para ingressar no local em que se
encontra a coisa visada, p.ex., penetração via subterrânea.
Por fim, a destreza
qualificadora do furto é aquela que tem o sentido de sagacidade mesmo, ou seja,
quando o agente, por meio de habilidade física e manual pratica o crime sem que
a vítima perceba.
-
Chave falsa
O emprego de chave falsa é
outra qualificadora, a qual o legislador quis inserir.
Ensina Damásio de Jesus,
citado por R. Sanches[7]
que chave falsa “é todo o instrumento, com ou sem forma de chave, destinado a
abrir fechaduras. Ex.: gazuas, grampos, pregos, arames etc.”
A famigerada ligação
direta não foi prevista como qualificadora, não podendo, portanto, fazer uma
interpretação extensiva in malam partem considerando-a qualificadora do uso de
emprego de chaves falsas.
-
Concurso de pessoas
O concurso de pessoas no
furto, ao contrário da qualificadora da extorsão, basta somente que haja
participação no crime de outro agente, consoante art. 29 do CP, sendo
dispensável que ambos realizem em conjunto o núcleo do tipo (subtrair). Se, v.g., A contribuir com o fornecimento de
um pé de cabra (auxílio material) para B furtar C, caso B dê cabo ao crime, ele
e A responderão em conjunto por furto qualificado mediante concurso de pessoas.
Última qualificadora do
§4º é a subtração de automóvel realizada pelo indivíduo, o qual almeja
transportá-lo para outro Estado-membro ou para o exterior.
Importante mencionar que
caso o agente seja pego antes de ultrapassar outro estado ou país, responderá
tão somente por furto simples e não como tentativa de furto qualificado na
forma do §3º, porquanto o furto já se consumara quando o delinquente for
detido. Lembrem-se da teria adotada para a consumação do furto: amotio!
Importante !
É isento de pena quem
praticar furto contra o cônjuge (na constância da sociedade conjugal),
ascendente e descendente (art. 181 do CP).
Conclusão
De forma simples e
abordando os principais assuntos, essa é a disposição material do crime de
furto, e que, por sinal, é bastante comum e com elevadas taxas de ocorrência no
Brasil.
Muitas das vezes esse
delito sobrevém em tempos festivos, em que devido a pouca vigilância das
pessoas, os infratores adentram nas casas, carros, shoppings e fazem
literalmente a festa.
É fato aquele brocardo: a
ocasião faz o ladrão. Sendo assim, nos precavemos dessas situações a fim de não
termos prejuízos desnecessários e que não alimentemos a sorte desses
desafortunados com descuidos e desatenção.
[1] http://saladeimprensa.ibge.gov.br/pt/noticias?view=noticia&id=1&busca=1&idnoticia=1786
[2] A
diferença entre coisa perdida e coisa esquecida é que nesta, o dono sabe onde
deixou a res e pode depois retornar
para pegá-la.
[3]
Objeto é tudo aquilo contra a qual se dirige a conduta do agente.
[4] Se
o medidor do padrão for alterado o crime não será o de furto e sim o de
estelionato (art. 171, CP).
[5]
Magalhães Noronha.
[6] CUNHA,
Rogério Sanches. Manual de Direito
Penal. Salvador: editora juspodivm, 2013. pp. 281
[7] CUNHA,
Rogério Sanches. Manual de Direito
Penal. Salvador: editora juspodivm, 2013. pp. 282
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