Não
é nova a discussão acerca da legalidade do uso de algemas para se efetuar uma
prisão, seja ela prisão pena ou prisão processual (flagrante, preventiva e temporária).
Assim,
verificando se tratar de tema bastante polêmico e corriqueiro em nosso dia a
dia, achamos por bem fazer algumas explanações.
É
importante ser esclarecido, a priori,
o ponto chave onde repousa o conflito.
A
celeuma envolvendo a utilização das algemas ao se efetuar uma prisão emerge da
colisão de dois mandamentos constitucionais: de um lado, o dever do Estado em
garantir a segurança pública, preservando ordem e, consequentemente, a
incolumidade das pessoas (art. 144, CRFB); e de outro lado, o princípio da
dignidade da pessoa humana e, com ele, o da presunção da inocência (art. 1, III
c/c art. 5º, LVII, ambos da CRFB).
Então,
fazendo uma análise objetiva, o emprego das algemas funciona como mais um
instrumento, ao lado da arma de fogo, arma de choque etc., utilizado pelos
policiais para assegurar a ordem social e manter a paz.
Todavia,
ao utilizarem as algemas para dar cabo às prisões, naturalmente os policiais
podem agir com excesso, valendo-se da situação para desonrar e humilhar o
delinquente, expondo-o, muitas vezes, a circunstâncias vexatórias.
Nesse
diapasão, Fernando Capez
pontifica:
“Muito embora essa tríplice função garanta a
segurança pública e individual, tal instrumento (algemas) deve ser utilizado
com reservas, pois, se desviado de sua finalidade, pode constituir drástica
medida, com caráter punitivo, vexatório, ou seja, nefasto meio de execração
pública, configurando grave atentado ao princípio constitucional da dignidade
humana”
Dessa
forma, direitos e princípios basilares do ordenamento jurídico acabam sendo
suplantado em prol de o Estado exercer, efetivamente, sua força policial. O que
se tem ilogicamente é a inversão de valores de bens jurídicos. O desejo de
segurança sobrepujava o princípio da dignidade da pessoa humana, com todas suas
irradiações.
E
nesse contexto que o STF, exercendo função anômala, criou a súmula vinculante
n. 11, a
qual transcrevemos:
"Só é lícito o uso de algemas em caso de
resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física
própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a
excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar civil e
penal do agente ou das autoridades e de nulidade da prisão ou do ato processual
a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado".
Verifica-se,
portanto, que são apenas em algumas ocasiões que atualmente permite-se a
utilização de algemas, quais sejam:
1.
Resistência do delinquente;
2.
Fundado receio de fuga; e
3.
Quando ele oferecer perigo à integridade física própria ou alheia.
Como
se trata de medida excepcional, o emprego de algemas deve estar devidamente
justificado por escrito, ou pelo juiz, ou, como é mais comum, pelo policial
que der cabo a prisão.
A
inobservância desses preceitos pode acarretar a nulidade da prisão e haver, por
conseguinte, seu relaxamento.
Por
fim, cumpre dizer que comete crime de abuso de autoridade, na forma do art. 4º,
“a” e “b” da Lei n. 4.898/65, o policial que algemar o
indivíduo não estando presentes alguma daquelas situações mencionadas acima. E
como o delito de abuso de autoridade consubstancia em crime de ação penal
pública incondicionada, basta alguma pessoa levar notitia criminis para
o Ministério Público, delegado, ou até mesmo ao Juiz, para a denúncia
ser ajuizada,
sem prejuízo, ainda, das sanções nas esferas cíveis e administrativa.
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