Legalidade no uso de algemas


 Não é nova a discussão acerca da legalidade do uso de algemas para se efetuar uma prisão, seja ela prisão pena ou prisão processual (flagrante, preventiva e temporária).

Assim, verificando se tratar de tema bastante polêmico e corriqueiro em nosso dia a dia, achamos por bem fazer algumas explanações.

É importante ser esclarecido, a priori, o ponto chave onde repousa o conflito.

 A celeuma envolvendo a utilização das algemas ao se efetuar uma prisão emerge da colisão de dois mandamentos constitucionais: de um lado, o dever do Estado em garantir a segurança pública, preservando ordem e, consequentemente, a incolumidade das pessoas (art. 144, CRFB); e de outro lado, o princípio da dignidade da pessoa humana e, com ele, o da presunção da inocência (art. 1, III c/c art. 5º, LVII, ambos da CRFB).

 Então, fazendo uma análise objetiva, o emprego das algemas funciona como mais um instrumento, ao lado da arma de fogo, arma de choque etc., utilizado pelos policiais para assegurar a ordem social e manter a paz.

Todavia, ao utilizarem as algemas para dar cabo às prisões, naturalmente os policiais podem agir com excesso, valendo-se da situação para desonrar e humilhar o delinquente, expondo-o, muitas vezes, a circunstâncias vexatórias[1].


Nesse diapasão, Fernando Capez[2] pontifica:

 “Muito embora essa tríplice função garanta a segurança pública e individual, tal instrumento (algemas) deve ser utilizado com reservas, pois, se desviado de sua finalidade, pode constituir drástica medida, com caráter punitivo, vexatório, ou seja, nefasto meio de execração pública, configurando grave atentado ao princípio constitucional da dignidade humana”

 Dessa forma, direitos e princípios basilares do ordenamento jurídico acabam sendo suplantado em prol de o Estado exercer, efetivamente, sua força policial. O que se tem ilogicamente é a inversão de valores de bens jurídicos. O desejo de segurança sobrepujava o princípio da dignidade da pessoa humana, com todas suas irradiações.

 E nesse contexto que o STF, exercendo função anômala, criou a súmula vinculante n. 11[3], a qual transcrevemos:

 "Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou das autoridades e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado".  

  Verifica-se, portanto, que são apenas em algumas ocasiões que atualmente permite-se a utilização de algemas, quais sejam:

1.    Resistência do delinquente;
2.    Fundado receio de fuga; e
3.    Quando ele oferecer perigo à integridade física própria ou alheia.

 Como se trata de medida excepcional, o emprego de algemas deve estar devidamente justificado por escrito, ou pelo juiz, ou, como é mais comum, pelo policial[4] que der cabo a prisão.

A inobservância desses preceitos pode acarretar a nulidade da prisão e haver, por conseguinte, seu relaxamento.

 Por fim, cumpre dizer que comete crime de abuso de autoridade, na forma do art. 4º, “a” e “b” da Lei n. 4.898/65, o policial que algemar o indivíduo não estando presentes alguma daquelas situações mencionadas acima. E como o delito de abuso de autoridade consubstancia em crime de ação penal pública incondicionada, basta alguma pessoa levar notitia criminis para o Ministério Público, delegado, ou até mesmo ao Juiz, para a denúncia[5] ser ajuizada[6], sem prejuízo, ainda, das sanções nas esferas cíveis e administrativa.

 


[1] Medida até compreensível pelo fato de serem os policiais aqueles que vivem o calor dos fatos e visualizam com maior proximidade a reprovabilidade da conduta do delinquente. Embora compreensível, não é aceitável pelo ponto de vista jurídico.
[2] CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 301-305.
[3] Publicada no DOU de 27.06.2008
[4] Ou qualquer autoridade.
[5] Inclusive, a ação penal será iniciada independentemente de inquérito policial ou de instrumento de representação (art. 12 da Lei 4.898/65)
[6] Devemos lembrar aqui que somente o membro do MP é quem possui legitimidade para propor a ação penal pública. Recebendo o juiz a notícia da prática do crime em tela, ele tem o dever de repassar a informação ao MP, atuando como fiscal do princípio da obrigatoriedade, e o parquet, verificando não ser hipótese de arquivamento, propõe a denúncia e inicia-se a 2ª fase da persecução penal. 

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