Evolução da tipicidade penal
Na
última postagem mostramos a diferença entre injusto típico (ou injusto penal) e
tipo total de injusto (http://bloogladodireito.blogspot.com.br/2013/12/diferenca-entre-injusto-penal-e-tipo.html).
Na
ocasião, para explicar a distinção entre os dois termos, tivemos que discorrer
brevemente sobre a evolução passada pelo tipo, enquanto componente do primeiro
substrato do conceito estratificado de crime, antes de adentrarmos efetivamente
no assunto que interessava. Ou seja, discorremos sobre a evolução do fato típico.
No
entanto, neste artigo, falaremos sobre a evolução da tipicidade penal,
enquanto elemento integrante do fato típico[1]
(que é formado pela conduta + resultado + nexo causal + tipicidade penal).
Leciona
Rogério Sanches que o tipo penal sofreu algumas mudanças ao longo do
desenvolvimento da teoria geral do delito.
Segundo
a teoria
Tradicional, tipicidade penal era compreendida apenas sob seu
aspecto formal.
Considerava-se típica a ação do agente que subsumia com perfeição ao tipo penal
incriminador previsto em lei. Não havia mais nada a se analisar, senão esse
enquadramento. A título de exemplo, reputava-se típica, para essa teoria, o
simples arranhão no braço de uma pessoa, respondendo o autor da conduta pelas
penas do art. 129, caput, CP.
Entretanto,
para a doutrina
moderna, tipicidade penal deixa de ser apenas este mero
engendramento de conduta. Agora, para configuração da tipicidade penal,
exige-se também a relevância da lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico
tutelado, isto é, para ser típica a ação do indivíduo, esta precisa
efetivamente lesar o bem jurídico que visou proteger o legislador, sob pena de se
reconhecer a atipicidade da conduta.
Assim,
voltando ao exemplo anterior, o simples arranhão causado numa terceira pessoa,
agora, não pode ser mais considerado conduta típica penal, posto que a vítima
não sofre relevante lesão a sua integridade física. Aplica-se, in casu, o princípio da bagatela ou da
insignificância para afastar a tipicidade material (vide explicação do princípio (http://bloogladodireito.blogspot.com.br/2013/12/principio-da-insignificancia.html) .
Nesse
passo, depreende-se que, para a teoria moderna, tipicidade penal é igual junção
da tipicidade formal com a tipicidade material (tipicidade penal = tipicidade
formal + tipicidade material).
Salienta-se
que, após o surgimento da teoria moderna da tipicidade, o doutrinador argentino
Eugênio Raul Zaffaroni, visando dar coerência ao ordenamento jurídico, bem como
harmonizar as normas de direito penal com os outros ramos do direito,
aperfeiçoa a tipicidade penal elaborada pela teoria moderna e cria a tipicidade
conglobante.
Como
o próprio nome sugere, conglobante significa juntar, compactar, resumir e isso
foi o que realmente objetivou Zaffaroni ao desenvolver a tipicidade
conglobante: criar uma teoria que resumisse no tipo o verdadeiro sentido na
norma penal, o que realmente quis o legislador ao determinar uma proibição.
Sustenta
o autor que tipicidade penal é a soma da tipicidade formal com a tipicidade
conglobante. Por sua vez, tipicidade conglobante é formada pela tipicidade
material e pela conduta antinormativa.
Assim,
para considerar um fato como sendo típico, a conduta do agente tem que se
amoldar com perfeição ao tipo penal incriminador previsto em lei, sua conduta
tem que lesar relevantemente o bem jurídico tutelado pela norma penal, bem como
a conduta do agente deve ser antinormativa, ou seja, não pode ser ordenada nem
fomentada pelo direito.
Sobre
o tema, pontua o i. autor argentino:
“O tipo é criado pelo legislador para tutelar
o bem contra as condutas proibidas pela norma, de modo que o juiz jamais pode
considerar incluídas no tipo aquelas condutas que, embora formalmente se
adequem à descrição típica, realmente não podem ser consideradas contrárias à
norma e nem lesiva do bem jurídico tutelado”.
No
entendimento de Zaffaroni, não pode o Estado considerar típica a ação do
policial em virtude do fato de existir outra lei que ordena o miliciano agir de
tal maneira. Faltaria, no caso, a antinormatividade da conduta do agente.
Nesse
sentido, embora muitos possam dizer que o policial agiu acobertado com a causa de
justificação do estrito cumprimento do dever legal, preconizado no art. 23,
inciso III do CP, o argentino compreende que o fato nem mesmo deve ser
concebido como sendo típico, uma vez que a conduta examinada não é
antinormativa e sim conforme o direito.
Como
bem observa Rogério Sanches, as causas justificantes do estrito cumprimento do
dever legal e do exercício regular do direito sofrem, na teoria da tipicidade
conglobante de Zaffaroni, um deslocamento para a tipicidade.
Interessante
notar que, com o deslocamento destas duas causas de excludentes de ilicitude
para a tipicidade, a nosso ver, são resolvidos alguns problemas constatados na
prática.
É
o caso da não imputação penal das pessoas que cometem lesão corporal, ou até
matam o oponente, quando da prática de esportes. Teoricamente, a persecução
penal deveria ser iniciada, uma vez evidente a execução de conduta
formalmente típica. No entanto, isso ordinariamente[2] não ocorre porque se sabe, de antemão, que todas as lesões (ou mortes)
ocorridas durante a atividade esportiva estão acobertadas pela causa de
exclusão da ilicitude do exercício regular do direito.
Frisa-se
que, no exemplo, sem a adoção da teoria da tipicidade conglobante, haveria uma
lacuna para explicar juridicamente porque a primeira fase persecução penal não
é deflagrada, posto que não pode subsistir valoração prévia de causa
descriminante que justifique a inércia da polícia investigativa.
Em outras palavras, quando o delegado de polícia se deparar com um fato típico possivelmente acobertado com alguma causa excludente de ilicitude, não deve deixar de instaurar o inquérito policial, pelo contrário, deve iniciá-lo e averiguar se a conduta perpetrada pela agente, embora típica, é ou não antijurídica.
Em outras palavras, quando o delegado de polícia se deparar com um fato típico possivelmente acobertado com alguma causa excludente de ilicitude, não deve deixar de instaurar o inquérito policial, pelo contrário, deve iniciá-lo e averiguar se a conduta perpetrada pela agente, embora típica, é ou não antijurídica.
Inclusive,
este entendimento é sustentado com base na teoria da ratio
cognoscendi, em que, a priori, todo fato típico é igualmente considerado
antijurídico, até que se prove o contrário. Há uma presunção iures tantum de que todo fato típico,
seja também ilícito, motivo pelo qual tanto a primeira fase, como a segunda da
persecução penal tem que inaugurada, posto que somente assim os fatos poderão
ser melhor elucidados.
Nesse
diapasão, retornando ao exemplo dos esportistas, para toda lesão que um atleta
provocar no outro[3]
(exceto lesão simples e culposa que dependem de representação), deveria ser
instaurado um inquérito policial para, somente depois, reconhecer a
justificante do exercício regular do direito.
Contudo
e ainda bem, esse absurdo não ocorre. E a única explicação jurídica que
visualizamos para tentar explicar porque não se inicia, normalmente, a
persecução penal nestes casos é o fato de a conduta desenvolvida pelos atletas
não ser antinormativa, mas sim fomentada pelo direito, razão pela qual, com
fundamento na teoria da tipicidade conglobante, não devem ser consideradas
condutas típicas.
Em
suma, tentamos expor toda evolução da tipicidade penal, como elemento integrante do
fato típico, começando pela teoria tradicional, depois pela teoria moderna e
culminando com a teoria da tipicidade conglobante desenvolvida por Eugênio Raul
Zaffaroni. Esta última e, não por menos, é a que vem ganhando maior espaço e
aceitação na doutrina e jurisprudência, sobretudo por servir de corretivo para
o conceito de tipicidade penal idealizado pelas correntes anteriores.
[1]
Importa registrar que tanto Rogério Greco, como César Roberto Bitencourt
utiliza como título “evolução do tipo”, ao invés de “evolução do fato típico”,
podendo levar o leitor distraído ao erro de modo a confundir os vocábulos. Por
outro lado, fica fácil assimilar esta diferença quando se faz a leitura do
manual do Professor Rogério Sanches, em que demonstra claramente a evolução da
tipicidade penal propriamente dita, aperfeiçoada por Zaffaroni.
[2] Porém, é importante esclarecer que o atleta tem de obedecer às regras do esporte, caso contrário indubitavelmente cometeria um delito.
[2] Porém, é importante esclarecer que o atleta tem de obedecer às regras do esporte, caso contrário indubitavelmente cometeria um delito.
[3] O
Anderson Silva toda luta seria indiciado.
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