Emendatio Libelli X Mutatio Libelli

Temas instigantes são os institutos da Emendatio e Mutatio Libelli, previstos, respectivamente, nos artigos 383 e 384 do Código de Processo Penal.

Cuida-se de matéria de extrema relevância no âmbito da persecução penal in judicio, uma vez que atua limitando a tutela jurisdicional conforme requerido na inicial acusatória manejada pelo Ministério Público, inibindo decisões ultra e extrapetitas, além de contemplar o denunciado com a garantia do exercício do direito constitucional do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LV, CRFB).

Afirma-se isso porque a matéria Emendatio e Mutatio Libelli está ligada ao princípio da consubstanciação, que se traduz na regra segundo a qual o denunciado se defende dos fatos contra ele imputado e não da capitulação jurídico legal, contida na denúncia. Ainda, guarda consonância com o princípio correlação, que consiste na necessária observância da sentença com os fatos articulados na denúncia ou queixa-crime (v.g., não pode o magistrado conhecer qualificadora não imputada ao réu).

Superada essa fase introdutória, cumpre-nos trazer à colação a dicção do artigo 383, caput do CPP, que se refere à Emendatio Libelli:

Art. 383.  O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em consequência, tenha de aplicar pena mais grave. (destacado).

Depreende-se da leitura do aludido dispositivo que ocorrerá Emendatio Libelli quando o juiz, sem alterar a descrição dos fatos inseridos na denúncia ou queixa, atribuir ao caso examinado definição jurídica diversa daquela escolhida pelo MP ou querelante, ainda que tenha de aplicar pena mais grave.

É o exemplo da denúncia que narra um furto (art. 155 do CP) e o Promotor de Justiça, desatento, capitula o fato como sendo roubo (art. 157 do CP). Diante de tal situação, cabe ao magistrado, no momento de proferir a sentença, desclassificar uma infração por outra, em observância ao Princípio da Consubstanciação.

Comumente a doutrina apresenta três formas de Emendatio Libelli, a saber:

a)   Emendatio libelli por defeito de capitulação.
Quando o juiz subsume os fatos narrados na exordial acusatória em outro tipo penal, em razão de ter o MP ou querelante errado na capitulação jurídica dos mesmos, conforme citado no exemplo acima.

b)   Emendatio libelli por interpretação diferente.
Aqui o magistrado realiza interpretação distinta daquela efetuada pelo MP e querelante, em relação aos fatos narrados da denúncia ou queixa, no que resulta em condenação por outro delito (v.g., denúncia de furto mediante fraude – art. 155, §4º, II, CP – e o juiz, pela narrativa dos fatos, sem alterá-los, entende ser estelionato – art. 171, caput, CP).

c) Emendatio libelli por supressão de elementar e/ou circunstância.
Nesta hipótese, o julgador desclassifica a conduta do agente para tipo penal diferente daquele descrito na peça criminal, ao fundamento de não restar comprovado na fase probatória a existência de uma circunstância ou elementar pertencente à figura típica imputada ao acusado. A título de exemplo, ocorrerá esta forma de emendatio libeli quando o MP denunciar o agente por furto qualificado por destruição ou rompimento de obstáculo (art. 155, §4º, I, CP) e, durante a fase instrutória, sobrevier aos autos laudo pericial que informe que o agente subtraiu a res sem nada danificar. Desse modo, outra saída não resta ao juiz senão condenar o acusado por furto simples (art. 155, caput, CP), uma vez que houve supressão da circunstância destruição ou rompimento de obstáculo.

Por outro norte, tratando-se da mutatio libelli, esta ocorrerá quando, durante o curso da instrução processual, surgir prova de elementar ou circunstância de infração penal não contida na peça acusatória, no que resultará na alteração dos fatos nela descrito, bem como em nova tipificação delitiva.

Constatando o surgimento dessa circunstância ou elementar, o magistrado deve oportunizar a acusação o aditamento da denúncia, porquanto o réu, por força do princípio da consubstanciação, defende-se dos fatos que lhe foram imputados.

 Assim, supondo que o parquet tenha imputado ao réu o crime de furto e, posteriormente, a vítima declara em juízo que o mesmo empregou violência para subtrair a res que lhe pertencia. Nessa hipótese, como surgiu à elementar violência que transformou o furto em roubo, o julgador tem que remeter os autos ao MP a fim de que a denúncia possa ser aditada, no prazo de 05 (cinco) dias, de modo à nela mencionar o emprego da referida violência.

Recebendo o aditamento, o magistrado ouvirá a defesa do acusado também no prazo de 05 (cinco) dias, e, tão logo, designará nova Audiência de Instrução e Julgamento. Salienta-se que as partes poderão arrolar 3 (três) testemunhas para serem ouvidas nesta audiência, devendo requerê-las por ocasião do aditamento, sob pena de preclusão consumativa.

Insta registrar que na mutatio libelli há o acrescido de elementar e circunstância de infração penal, razão pela qual a denúncia é aditada, diferentemente do que acontece na ementaditio libelli, em os fatos narrados na peça criminal são inalterados. O magistrado tão somente altera a capitulação jurídica da inicial acusatória em razão de sua interpretação, por erro do MP, ou por supressão de elementar ou circunstância do delito imputado ao acusado.

Para facilitar a compreensão, segue alguns exemplos:

- furto x roubo = mutatio libelli
- roubo x furto = emendatio lebelli
- furto mediante fraude x estelionato = emendatio libelli
- estelionato x furto mediante fraudo = mutatio libelli
- estupro x estupro de vulnerável = mutatio libelli
- estupro de vulnerável x estupro = emendatio libelli

A despeito da mutatio libelli, esta não pode ser aplicada em segundo grau de jurisdição, por força do que dispõe o artigo 617 do CPP, bem como a súmula 454 do STF. Todavia, tratando-se de competência originária do tribunal (p.ex., prefeito), essa regra não prevalece, porquanto a razão de ser da vedação da mutatio libelli nos trubunais é evitar a supressão do primeiro grau de jurisdição, não ocorrendo na hipótese de quem possui competência originária.

Sobre o tema, leciona Renato Brasileiro de Lima (Lima, 2014, pág. 1.489):

“(...) fosse possível sua  aplicação em segunda instância (mutatio libelli), haveria supressão do primeiro grau de jurisdição, já que o acusado veria impossibilitado de se defender quanto à imputação diversa perante o juiz de 1ª instância. Logo, se o art. 384 do CPP não foi aplicado no primeiro grau de jurisdição, não poderá haver o aditamento da peça acusatória em sede recursal (...)”

Convém esclarecer que o legislador possibilitou à aplicação das medidas despenalizadoras previstas na lei 9.099/95, se, com a emendatio ou mutatio libelli, sobrevier crime de menor potencial ofensivo (v.g., denúncia de lesão corporal gravíssima – art. 129, §2º, CP - desclassificada depois para lesão corporal de natureza leve – art. 129, caput). Destarte, tem-se que é plenamente possível o MP conceder transação penal e suspensão condicional do processo ao acusado que teve sua conduta desclassificada, contanto preencha os requisitos estabelecidos para tanto.

Em suma, esses são os aspectos principais da emendatio e mutatio libelli.

Em caso de dúvidas, deixe aqui sua pergunta!



Um comentário :

  1. Muito bom, porém eu só conhecia 2 tipos de Emendatio Libelli, quais sejam, por defeito na capitulação e por supressão de circunstância, via a emendatio libelli por interpretação diferente relacionada com o defeito na capitulação. Vivendo e aprendendo. Ops, lendo e aprendendo.

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