CUMPRIMENTO
CUMPRIMENTO O PROCURADOR Geral de Justiça e
Presidente DA COMISSÃO de Concurso, Excelentíssimo Doutor SANDRO JOSÉ NEISS,
E estendo AOS MEMBROS da ILUSTRE banca as
minhas SAUDAÇÕES.
FALAR DO TEM
O tema que me foi CONFIADO, de extrema
relevância nos dias atuais, é o de número ... QUE diz respeito à/ao ...
FALAR DO MP
Nesse contexto, é inegável que o Ministério
Público, a partir da Constituição da REPÚBLICA de 1988, ESTRUTURA-SE, tanto no
ordenamento jurídico quanto no PLANO INTERNO, como INSTITUIÇÃO permanente e
dotada de autonomia, CONSTITUINDO VERDADEIRA cláusula pétrea do sistema
brasileiro.
E, SENDO essencial à prestação jurisdicional
do Estado, deve ZELAR pelo INTERESSE PÚBLICO primário, promovendo a DEFESA da
ordem jurídica, a MANUTENÇÃO do regime democrático e a PROTEÇÃO dos interesses
sociais e individuais indisponíveis.
ISSO PORQUE, no Estado Democrático de Direito,
onde o POVO é o titular do PODER SOBERANO, não se concebe que as ATIVIDADES
PÚBLICAS, em particular no seu mínimo existencial – como a GARANTIA DA
LIBERDADE, saúde, educação, segurança –, sejam TOLHIDAS POR CONTA DE fins
escusos e antirrepublicanos.
VISTO SOB ESSA PERSPECTIVA, a Constituição
DESTINA ao Ministério Público, de forma prioritária, o cuidado dos mais
relevantes INTERESSES da coletividade.
PARA OBTER ÊXITO, CUMPRE-LHE vasto rol de
FUNÇÕES, a exemplo do OFERECIMENTO da ação penal pública, a PROPOSITURA do
inquérito civil e da ação civil pública, o controle de CONSTITUCIONALIDADE, a
representação INTERVENTIVA, a REQUISIÇÃO de diligências e do inquérito
policial.
CONCLUSÃO ECA
Traz-se a contribuição da pesquisadora Josiani
Petry Veronese, para quem
“O Estatuto da Criança e do Adolescente tem a
relevante função, ao regulamentar o texto constitucional, de fazer com que este
último não se constitua em letra morta.
No entanto, a simples existência de leis que
proclamem os direitos sociais, por si só, não consegue mudar as
estruturas.
Antes há que se conjugar aos direitos uma
política social eficaz, que de fato assegure materialmente os direitos já
positivados”.
Atividade, essa, para concluir, que cabe ao
Ministério Público, em conjunto com o Estado, a família e a sociedade,
desempenhar.
CONCLUSÃO IDOSO
“Sociedades que excluem seus idosos oferecem
poucas oportunidades às novas gerações de construir relações saudáveis com a
própria velhice e prejudicam a continuidade cultural. A solução para essas
ocorrências depende mais de ações que se cumprem e acompanham no dia a dia do
que do voluntarismo ocasional dos idosos ou dos profissionais que os atendem,
ou mesmo da existência de leis, decretos ou estatutos” (NERI, 2007, p. 44).
Guimarães Rosa bem disse que “as verdades da
vida são sem prazo”.
Hermann Melville bem disse que "Saber
envelhecer é a obra-prima da sabedoria e um dos capítulos mais difíceis na
grande arte de viver."
Jean De La Bruyere bem disse que
"Esperamos envelhecer e tememos a velhice; quer dizer, amamos a vida, e
tememos a morte. "
CONCLUSÃO TRIBUTO
Nada demonstra tão claramente o caráter de uma
sociedade e de uma civilização quanto a política fiscal que o seu setor público
adota. (Schumpeter)
CONCLUSÃO MEIO AMBIENTE
“Quando a última árvore tiver caído, quando o
último rio tiver secado, quando o último peixe for pescado, a humanidade irá
entender que dinheiro não se come”. (Greenpeace)
CONCLUSÃO ACESSO À JUSTIÇA
Nosso sistema judiciário já foi descrito assim
por Mauro Cappelletti e Bryan Garth: “Ele é, a um só tempo, lento e caro. É um
produto final de grande beleza, mas acarreta um imenso sacrifício de tempo,
dinheiro e talento”.
Como diz Norberto Bobbio, o problema grave do
nosso tempo sobre os direitos do homem não é a justificação, e sim a garantia.
E aqui, finalizando com citação de Bryan Garth
e Mauro Cappelletti, que bem elucida a busca pela proteção e a justiça dos
vulneráveis: “A titularidade de direitos é destituída de sentido na ausência de
mecanismos para a sua efetiva reivindicação. O acesso à justiça pode, portanto,
ser encarado como o requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos
– de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não
apenas proclamar os direitos de todos”.
A justiça atrasada não é justiça; senão
injustiça qualificada e manifesta (Rui Barbisa).
“Justiça tardia nada mais é do que injustiça
institucionalizada” (Rui Barbosa).
CONCLUSÃO IMPROBIDADE
A moralidade administrativa está intimamente
ligada ao conceito de bom administrador, o que nos leva a considerar, segundo o
legislador grego Sólon (594 a. C), que “O homem desmoralizado não poderá
governar”.
O ato administrativo não terá que obedecer
somente à lei jurídica, mas também à lei ética, porque nem tudo que é legal é
honesto. A moral comum é imposta ao homem para sua conduta externa; a moral
administrativa é imposta ao agente público para sua conduta interna, segundo as
exigências da instituição a que serve a finalidade de sua ação: o bem comum
(MEIRELLES, Hely Lopes).
“Uma conduta compatível com a lei, mas imoral
será inválida”. (Justen Filho, Marçal).
CONCLUSÃO PENAL
Você é livre para fazer suas escolhas, mas é
prisioneiro das consequências. (Pablo Neruda)
CONCLUSÃO LIBERDADE
A liberdade não é um luxo dos tempos de
bonança; é, sobretudo, o maior elemento de estabilidade das instituições (Rui
Barbosa).
CONCLUSÃO IGUALDADE
Lutar pela igualdade sempre que as diferenças
nos discriminem; lutar pelas diferenças sempre que a igualdade nos
descaracterize (Boaventura de Souza Santos).
Temos o direito de ser iguais quando a nossa
diferença nos inferioriza; e temos o direito de ser diferentes quando a nossa
igualdade nos descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça
as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza as
desigualdades (Boaventura de Souza Santos).
A força do direito deve superar o direito da
força (Rui Barbosa).
CONCLUSÃO ELEITORAL
CONCLUSÃO GENÉRICA
ENCERRAMENTO
Agradeço o tempo que me foi
disponibilizado,
Coloco-me à disposição para eventuais
questionamentos
E EXTERNO minha satisfação em estar aqui
presente.
Muito obrigada.
Sumário
1. A IMPORTÂNCIA DA CONAMP NA EVOLUÇÃO DO
MINISTÉRIO PÚBLICO 6
2. O uso de algemas - GIAN 7
3. RELAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO COM OS MEIOS
DE COMUNICAÇÃO SOCIAL 9
4. 5. A atuação do Ministério Público como
alternativa à prestação jurisdicional - GIAN 11
5. CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL PELO
MINISTÉRIO PÚBLICO 14
6. 7. INQUÉRITO CIVIL - FELIPE 16
7. 8. Descriminalização do uso de tóxicos 18
8. Pedido de absolvição pelo Promotor de
Justiça no Tribunal do Júri 21
9. 10. Ofensas irrogadas em plenário do júri e
os crimes contra a honra 22
10. A INFLUÊNCIA DA OPINIÃO PÚBLICA NO
JULGAMENTO DO JÚRI 22
11. LIMITES ÉTICOS NA PERSUASÃO DOS JURADOS 22
12. 14. O Ministério Público e a tutela dos
hipossuficientes - GIAN 25
13. Reforma do Judiciário. Emenda Constitucional
nº 45/2004. Esquematização das principais novidades 27
14. DANO MORAL COLETIVO 35
15. 18. A INVESTIGAÇÃO CRIMINAL PELO
MINISTÉRIO PÚBLICO – FELIPE 38
16. EVOLUÇÃO INSTITUCIONAL DO MINISTÉRIO
PÚBLICO 40
17. O MINISTÉRIO PÚBLICO E A ASSISTÊNCIA À ACUSAÇÃO
43
18. O MINISTÉRIO PÚBLICO E A AÇÃO DE
ALIMENTOS. 45
19. ADOÇÃO INTERNACIONAL 48
20. A IMPETRAÇÃO DE HABEAS CORPUS PELO
MINISTÉRIO PÚBLICO 50
21. O MINISTÉRIO PÚBLICO E A IMPUNIDADE 53
22. 25. Pena de Morte e Prisão Perpétua: Visão
Crítica 55
23. LITISCONSÓRCIOS ENTRE MINISTÉRIOS
PÚBLICOS 58
24. A REDUÇÃO DA MAIORIDADE CIVIL E PENAL 60
25. 31. O Ministério Público e a Atividade
Político-Partidária 62
26. O MINISTÉRIO PÚBLICO E O INTERESSE PÚBLICO
NO PROCESSO CIVIL 64
REFERÊNCIAS 66
27. RACIONALIZAÇÃO DA INTERVENÇÃO DO
MINISTÉRIO PÚBLICO NO PROCESSO CIVIL 67
REFERÊNCIAS 69
28. 28. O Ministério Público e o Regime
Democrático 69
29. 32. Relações entre Ministério
Público e o Poder Judiciário – DÉBORA 72
30. O CRIME ORGANIZADO E PROPOSTAS PARA
ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO 74
31. - Influência dos cursos de Direito no
processo de seleção das carreiras jurídicas 78
32. CASUÍSMO DO ORDENAMENTO JURÍDICO
BRASILEIRO 80
a) Conseqüências do Casuísmo no Direito Penal
80
33. A ANENCEFALIA E O DIREITO 82
Anencefalia: conceito. 82
34. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA - INTERCEPTAÇÕES
DAS COMUNICAÇÕES TELEFÔNICAS: LIMITES E POSSIBILIDADES NO ORDENAMENTO
CONSTITUCIONAL E LEGAL VIGENTES 86
35. VIDEOCONFERÊNCIA (NO PROCESSO PENAL) 89
36. 39. A Atuação do Parquet nos 20 anos da
Constituição da República 91
37. 40. Ministério Público nos 20 anos
da cidadania – DÉBORA 93
38. A ATUAÇÃO DO MP CONTRA A CORRUPÇÃO E O QUE
VOCÊ TEM A VER COM A CORRUPÇÃO? 95
39. O MINISTÉRIO PÚBLICO COMO FATOR DE REDUÇÃO
DE CONFLITOS E CONSTRUÇÃO DA PAZ SOCIAL. ÁREA CRIMINAL: JUSTIÇA PENAL E
PACIFICAÇÃO 98
40. 46. O MP como fator de redução de
conflitos e construção da paz social: Áreas da Política Institucional e
Administrativa – Interação corporativa e responsabilidade funcional como
condição de fortalecimento institucional. 100
41. 41. A Aproximação do Ministério Público
com a sociedade – DÉBORA 103
42. 48. O Ministério Público na Tutela
do SUS 105
43. 49. O MP e a Proteção do Idoso 108
A atuação do Ministério Público na Proteção
dos direitos do idoso. Roberta Terezinha Uvo. Atuação – Revista Jurídica do
Ministério Público Catarinense. V.4, n. 8, jan/abr. 2006 – Florianópolis – pp.
123 a 132. 110
44. 50 - A atuação do Ministério Público
Estadual na proteção do meio ambiente 111
45. 41. A evolução do Ministério Público e a
responsabilidade ambiental – DÉBORA 113
46. DEONTOLOGIA 114
47. 53. MINISTÉRIO PÚBLICO: ESTRUTURA,
ORGANIZAÇÃO E FUNÇÕES INSTITUCIONAIS – FELIPE 117
48. 54. NEPOTISMO – FELIPE 119
49. 55. Reformas no Processo Penal – MÁRCIA
122
50. 56. Ações Afirmativas e Política de Cotas
na Educação 127
51. PLANO GERAL DA ATUAÇÃO 130
52. SANEAMENTO BÁSICO 134
53. LEI MARIA DA PENHA 137
54. Nova súmula vinculante garante acesso aos
autos - Caroline 140
55. Alimentos Gravídicos: Aspectos da Lei
11.804/08 - Caroline 142
56. ADOÇÃO POR CASAIS HOMOAFETIVOS 143
57. UNIÃO HOMOAFETIVA 146
58. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA 148
59. SERVIÇOS PÚBLICOS E PRIVATIZAÇÃO –
Organizações Sociais (OS) e Organizações da Sociedade Civil de Interesse
Público (OSCIP) 151
60. SÚMULA VICULANTE 153
61. A prova ilegal no Processo Penal. 155
62. Relativização da coisa julgada material.
158
63. A defesa do consumidor como elemento de
fortalecimento da cidadania 160
64. A revisão jurisprudêncial do STJ sobre o
alcance objetivo e subjetivo dos efeitos da sentença coletiva 162
65. A LEI MARIA DA PENHA E A ATIVIDADE DO MP
166
66. PRESSUPOSTOS PARA A DESCONSIDERAÇÃO DA
PERSONALIDADE JURÍDICA 168
67. O tema que me foi confiado é afeto à
tutela do idoso em situação de risco e o Ministério Público. 171
68. LIMITES DA INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO
NOS PODERES EXECUTIVO E LEGISLATIVO 174
69. MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS: LIMITES NA
APLICAÇÃO PELO MP 177
70. O CONSELHO NACIONAL DE POLÍCIA E O
CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL PELO MINISTÉRIO PÚBLICO 179
71. O instituto da falência e a ação de
cobrança 181
72. PODER INVESTIGATÓRIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
182
73. PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E
PRISÕES PROCESSUAIS 190
74. COMPATIBILIDADE ENTRE O PRINCÍPIO DA
PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E AS PRISÕES CAUTELARES. 193
75. A PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA E O
MINISTÉRIO PÚBLICO 197
76. A redução da maioridade penal 199
77. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA: AFASTAMENTO DE
AGENTE PÚBLICO - PODER GERAL DE CAUTELA 201
78. LEI MARIA DA PENHA 203
79. O MP E O CUMPRIMENTO EFETIVO DAS DECISÕES
JUDICIAIS 205
80. RESIDÊNCIA DO PROMOTOR DE JUSTIÇA 207
81. Tributação Ambiental: Princípio do
preservador premiado ou protetor-recebedor 209
82. 14 - Lei de Responsabilidade Fiscal e a
atuação dos municípios. - Thiago 213
83. OS MEMBROS DO MP COMO AGENTES POLÍTICOS
215
84. UM NOVO PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO
PARCIAL 218
85. ATO INFRACIONAL E JUSTIÇA RESTAURATIVA 224
86. Sistema PRISIONAL 228
87. atuação social do mp 231
88. DIFERENÇA DE ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
EM RELAÇÃO À DEFENSORIA PÚBLICA 233
89. O ECAD E A FISCALIZAÇÃO DO MINISTÉRIO
PÚBLICO 236
90. O MINISTÉRIO PÚBLICO E O ESTADO
DEMOCRÁTICO DE DIREITO 240
91. Fungibilidade das Tutelas de Urgência 245
92. O MINISTÉRIO PÚBLICO COM A IMPRENSA 248
93. O MINISTÉRIO PÚBLICO E A IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA 250
94. INVESTIGAÇÃO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO 253
95. O Ministério Público e o Planejamento
Urbano 256
96. Reflexos da Emenda Constitucional nº 45,
de 08 de dezembro de 2004, nas Justiças Militares Estaduais 259
97. Relacionamento do mp com o poder
judiciário 263
98. RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA 265
99. A importância do SUS e a sua implementação
269
100. TRANSGÊNICOS E O DIREITO À INFORMAÇÃO 271
101. Tribunal do Júri 273
102. O uso de algemas - GIAN 277
103. CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL
PELO MINISTÉRIO PÚBLICO 281
104. O MINISTÉRIO PÚBLICO CONTRA A CORRUPÇÃO
284
105. A INVESTIGAÇÃO CRIMINAL PELO MINISTÉRIO
PÚBLICO 286
106. OFENSAS NO JÚRI 289
107. O Ministério Público e o Planejamento
Urbano 291
108. CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL
PELO MINISTÉRIO PÚBLICO 293
109. DEFESA DOS VULNERÁVEIS 297
1. A IMPORTÂNCIA DA CONAMP NA EVOLUÇÃO DO
MINISTÉRIO PÚBLICO
Disponível em
http://www.conamp.org.br/index.php?a=conamp_historico.php.
A história da CONAMP nasce no final dos anos
60. O país vivia sob a ditadura militar quando o presidente Castelo Branco
enviou ao Congresso Nacional um projeto de Constituição, que resultaria depois
na Carta de 1967.
Em um período de censura, corria-se o risco de
que se centralizasse o modelo do Ministério Público, e que se tivesse o padrão
do Ministério Público Federal - o que não convinha aos Estados. Na época, não
existia a concepção de que o Ministério Público se dedicasse exclusivamente à
defesa da sociedade, o que acabava induzindo o legislador a seguir o modelo
federal: o Procurador da República era, ao mesmo tempo, membro do MP e Advogado
da União. Um modelo prejudicial, pois o advogado representa o cliente. E o
Ministério Público não poderia representar a vontade do Governo e, ao mesmo
tempo, defender interesses sociais colidentes com as pretensões do governante.
Promotores de Justiça não concordavam com isso.
Por este motivo, enquanto o projeto da
Constituição de 67 tramitava no Congresso, membros do Ministério Público
estiveram em Brasília para tentar manter os direitos e prerrogativas já
assegurados a eles pela Legislação então vigente. Percebeu-se então a
necessidade de um organismo de representação nacional, para que os Promotores
se fizessem ouvir.
As Associações Estaduais passaram a trocar
mais informações, a se unir em um momento em que a palavra autonomia do
Ministério Público não era muito receptiva. O Estado do Rio de Janeiro fazia
anualmente um congresso, convidando Promotores de todo o Brasil. Foi em um
destes encontros que nasceu a idéia de se fundar uma entidade que reunisse
todas as Associações do MP do país.
Em 1971, a entidade foi fundada em Ouro Preto,
Minas Gerais, para que houvesse cada vez mais um aperfeiçoamento institucional
e fosse promovida a defesa dos direitos e interesses gerais dos Promotores. Os
pioneiros foram João Lopes Guimarães, Oscar Xavier de Freitas, Lauro Guimarães,
Amâncio Pereira, José Cupertino e Castellar Guimarães, Pedro Iroíto, Valderedo
Nunes, Massilton Tenório e Jerônimo Maranhão.
O primeiro nome foi Confederação das
Associações Estaduais do Ministério Público - CAEMP. Mais tarde, com a adesão
dos ramos do Ministério Público da União, o nome mudou para Confederação
Nacional do Ministério Público - CONAMP. Recentemente, a entidade, buscando
alcançar legitimação para propor Ações Diretas de Inconstitucionalidade -
Adin's, mudou a natureza jurídica e passou a chamar-se Associação Nacional dos
Membros do Ministério Público. Mas manteve a sigla CONAMP, por já estar
consagrada na história da instituição.
A união de Promotores por meio das Associações
e o nascimento da CONAMP levaram o Ministério Público a inúmeras conquistas: em
1981, a Lei Orgânica Nacional do MP (Lei Complementar 40) – a primeira que
unificou a organização dos MPs nos Estados.
Em 1985, veio a Lei da Ação Civil Pública (Lei
7.347), que conferiu legitimação para o Ministério Público atuar na defesa dos
interesses difusos e coletivos.
Já em 1988, o Ministério Público passou a ser
uma instituição independente e defensora dos interesses da sociedade, como
prevê a Constituição. Muitos estados tiveram dificuldade de adotar o modelo
implantado pela Lei Maior, principalmente no que se referia às autonomias
administrativa e financeira. Vieram, então, em 1993, a nova Lei Orgânica
Nacional - Lei 8.625, dispondo sobre normas gerais para organização do
Ministério Público dos Estados e a Lei Complementar 75, sobre a organização, as
atribuições e o Estatuto do Ministério Público da União. Ambas regulamentaram
os avanços obtidos com a nova Carta Política.
Após um período de conquistas e com a
consolidação do Ministério Público, foi inevitável o aparecimento de reações
contra a instituição e tentativas de se diminuir as atribuições dos Promotores
e Procuradores, como a "Lei da Mordaça”, que pretende inibir a atuação
livre e independente do MP. Por isso, a CONAMP hoje entra numa nova luta,
exercendo um papel de vigília permanente para a manutenção das prerrogativas e
atribuições de defesa da sociedade.
2. O USO DE ALGEMAS - GIAN
Inicialmente, cumpre mencionar que embora
frequente o uso de algemas na atividade policial repressiva e na rotina de
condução de pessoas presas, visando sempre à manutenção da segurança da
população, a verdade é que nossa legislação processual penal, até o presente
momento, não disciplinou a utilização do objeto em questão, sendo omisso, nesse
particular, o nosso Código de Processo Penal. Registre-se que a única referência
expressa na legislação, no que diz repeito às algemas, foi taxada no art. 199
da Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/84), dispositivo que remete a
regulamentação de seu emprego à emissão de decreto federal, o qual jamais
restou elaborado.
Diante da situação lacunosa instalada no que
toca ao uso de algemas, a possibilidade de emprego do objeto começou a ser
analisada por intermédio de interpretações doutrinárias dos institutos
jurídicos em vigor, mas respeitando, principalmente, a disciplina trazida no art.
5º, incisos III (2ª parte) e X, da Constituição Federal, dispositivos estes que
proíbem a submissão do agente a tratamento desumano e garantem o direito à
intimidade, à imagem e à honra. Vale lembrar que a Carta Magna, em seu art. 1º,
prevê como princípio fundamental a dignidade da pessoa humana, regra da qual
decorrem os direitos e garantias fundamentais dos cidadãos.
Nesse mesmo passo, convém trazer à tona que as
regras mínimas da ONU a respeito do tratamento de prisioneiros, quando trata
dos instrumentos de coação, estabelecem que o uso de algemas jamais poderá
ocorrer como medida de punição. Inexiste dúvida de que as regras mínimas da ONU
não possuem a natureza de norma cogente, mas indubitavelmente serviram como
parâmetro para a interpretação da validade do emprego das algemas.
Por outro lado, mesmo não fazendo menção
expressa no que refere ao uso de algemas, o Código de Processo Penal, em alguns
dispositivos, admite a utilização de força física, desde que a estritamente
necessária, nos casos de resistência à prisão ou tentativa de fuga, conforme
previsão dos art. 284 e 292 da lei em comento. Dessa maneira, partiu-se do
entendimento de que, quando realmente necessário o uso de força, a utilização
de algemas poderia ser aceita, a fim de impedir fuga ou conter a violência de
pessoa que está sendo segregada. Constata-se, assim, que o emprego do objeto em
ações policiais sempre foi tratado de modo excepcional, nas situações
relacionadas.
De acordo com o entendimento firmado, o
Superior Tribunal de Justiça (STJ) por vezes entendeu que não existiria
constrangimento ilegal no uso de algemas, quando necessárias para a ordem dos
trabalhos e à segurança da população. Em contrapartida, havia entendimentos na
jurisprudência no sentido da anulação de sessões de julgamento pelo Tribunal do
Júri, quando da utilização de algemas sem a necessidade fundada na
possibilidade de fuga do agente.
Foi assim que, considerando a omissão legal no
que toca à possibilidade de utilização de algemas, além da superveniência de
decisão no sentido da anulação de julgamento perante o Tribunal de Júri da
comarca de Laranjal Paulista/SP, por ter havido o uso abusivo do objeto (HC nº
91.952-SP, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 7/8/2008), o Supremo Tribunal Federal
acabou editando, no dia 13 de agosto de 2008, a Súmula Vinculante nº 11, que
possui o seguinte teor: “Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência ou
de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia,
por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito,
sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da
autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem
prejuízo da responsabilidade civil do Estado”. Portanto, logo se nota que a posição
tomada pelo Supremo, quando da elaboração do enunciado da Súmula Vinculante nº
11, veio apenas referendar os entendimentos doutrinários e jurisprudenciais
atinentes à possibilidade do uso de algemas.
Atente-se a patente pertinência das decisões
tomadas pelo Supremo, no que diz respeito à anulação do julgamento e edição da
Súmula Vinculante nº 11, pois objetivam, sem dúvida, a adequação e coerência na
interpretação do uso da algema, além da prevenção ao cometimento de abusos
diuturnamente cometidos por agentes policiais no exercício de suas atividades.
É bem verdade que tal medida deveria ser tomada no âmbito legislativo ou
valendo-se do que a Lei de Execução Penal dispõe acerca da regulamentação do
tema, entretanto, não se questiona o objetivo buscado pela Suprema Corte, no
sentido de dar concreção aos direitos dos presos, em especial o direito ao
resguardo de sua dignidade humana e de sua intimidade. Mencione-se que tal
parâmetro serviu como base para vários precedentes do Supremo Tribunal Federal,
em casos dessa natureza.
Examinando, ainda que superficialmente, o teor
da Súmula Vinculante nº 11, percebe-se que o entendimento firmado pelo STF
parte de três requisitos básicos, justificadores do uso de força e, em
consequência, do emprego de algemas, quais sejam: a) a indispensabilidade dessa
medida; b) a necessidade do meio utilizado; c) a justificação, consubstanciada
para a defesa ou para vencer a resistência. Assim se denota a
imprescindibilidade da concomitância desses três elementos para tornar legítimo
o uso de algemas.
Ressalte-se a preocupação no que pertine à
observância dos termos trazidos na Súmula Vinculante nº 11, a fim de que não
sejam cometidos abusos, pois: a) eventual abuso constitui crime; b) o
desatendimento dos requisitos poderá importar violação ao princípio de
presunção de inocência; c) a dignidade da pessoa humana é princípio expresso na
Constituição Federal. Portanto, o cuidado do Supremo Tribunal Federal foi no
sentido de taxar que não se proíbe o uso de algemas, mas sim o seu abuso, sendo
que estabeleceu parâmetros visando à verificação de eventual excesso,
circunstância que tornaria a prisão ou a medida ilegal.
Nesse ponto, importante aduzir que a prisão,
mesmo que legal, torna-se humilhante e até mesmo vexatória quando há abuso no uso
de algemas, sendo que a previsão não autoriza esse tipo de constrangimento.
Desse modo, o uso de algemas deve ficar restrito aos casos extremos de
resistência e oferecimento de real perigo por parte do preso. Havendo excesso,
poderá estar configurado crime de abuso de autoridade, nos termos do arts. 3º,
alínea “i” (atentado contra a incolumidade do indivíduo) e 4º, alínea “b”
(submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não
autorizado em lei), ambos da Lei nº 4.898/65.
Por essas razões, que o teor da Súmula
Vinculante nº 11 previamente controlou eventual excesso no emprego das algemas,
tendo em vista que obriga a fundamentação escrita do modo excepcional que
justificará o uso do objeto. Havendo irregularidade nesse ponto, referente à
desnecessidade da utilização de algemas, poderá, inclusive, ser tratava a
prisão em flagrante como ilegal, importando imediato relaxamento.
Relevante, por fim, apontar que mesmo diante
da preocupação tomada pelo STF quanto ao alcance da Súmula Vinculante nº 11, o
subjetivismo de seus termos poderá gerar discussões no momento do exame do caso
concreto, especialmente no que toca aos limites dos requisitos de
indispensabilidade, necessidade e justificação.
Concluindo, no entanto, deve-se dar todo
crédito ao Supremo, pois a Súmula Vinculante nº 11 veio inspirada pelo
elogiável intenção de evitar o aviltamento da dignidade da pessoa humana de indivíduos
presos, evitando
excessos e constrangimentos desnecessários.
3. RELAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO COM OS MEIOS
DE COMUNICAÇÃO SOCIAL
A relação do Ministério Público com os meios
de comunicação social pode ser analisada sob duas óticas distintas:
1) o papel do Ministério Público no controle
dos meios de comunicação social e;
2) o papel da mídia como instrumento de
legitimação social do Ministério Público. (mais importante e que gera
mais desconforto aos que detêm o poder político e econômico).
1) Após os anos setenta, a mídia tem cada vez
mais exercido um papel predominante na formação de opinião pública por
dificultar a formação do senso crítico e massificando determinado pensamento. A
mídia faz caminhar a imagem do mundo como um todo, com a capacidade de alterar
conteúdos e a própria realidade de um determinado fato. Esta característica faz
surgir a preocupação com o controle dos abusos nos meios de comunicação. Em
nosso ordenamento jurídico, tivemos recentemente dois modelos de controle dos
meios de comunicação social: o controle total, caracterizado pela censura do
regime ditatorial pós-1964 e a fase de liberdade de imprensa, percebida com o
advento da CF/88, e caracterizada apenas pelas recomendações de caráter etário.
Nesta fase em que estamos vivendo percebe-se
que o relaxamento do controle dos meios de comunicação fez com que fatores
econômicos ditassem as regras da seleção da programação das rádios e canais
televisivos, o que por seu turno desvinculou o seu conteúdo do interesse
público. Por exemplo, o papel da televisão não é mais o de informar, mas sim,
como toda empresa, vender os seus espaços de propaganda.
Neste sentido o Ministério Público, em face de
suas funções institucionais de proteção dos interesses sociais preconizadas
pela CF/88, possui legitimidade para exercer o controle dos meios de
comunicação social, buscando adequar os excessos das programações aos padrões
de normalidade e respeito aos direitos e interesses previstos na Constituição
Federal.
Exemplos desta atuação podem ser sentidos nas
ações tomadas pelo Ministério Público:
a) Programa do Ratinho exibido pelo SBT viesse
a se adequar aos padrões ditados pela ordem pública, especialmente no que
concerne ao respeito à dignidade humana.
b) Filme Calígula – ofensa ao direito das crianças
e dos adolescentes;
c) mais recentemente, a condenação na editora
Abril S/A em ação civil pública movida pelo Ministério Público de Santa
Catarina porque ela divulgou anúncio de circulação nacional intitulado
“filhota”. No a anúncio, uma menina obtém autorização do pai para fazer
"sexo selvagem" e acordar "a vizinhança toda";
d) igualmente, a condenação da empresa de
telefonia Claro, postulada pelo Ministério Público de Santa Catarina, porque
veiculou publicidade considerada abusiva. Na peça publicitária, o menino chama
o pai de "picareta", porque teria adivinhado o valor da fatura
telefônica que a mãe manuseia.
2) Devido às atribuições definidas para o
Ministério Público pelo texto constitucional resta claro que este se tornou um
dos mais importantes agentes políticos que compõe nossa estrutura social. Esse
fato impõe ao parquet um relacionamento estreito com a sociedade, principal
destinatária de sua atuação.
Por isso, deve o Ministério Público divulgar
didaticamente sua atuação e demonstrar o sentido e a finalidade de suas ações.
O membro do Ministério Público deve considerar que a maior parte da população
não tem o mínimo conhecimento de seus direitos básicos e, neste sentido, a
divulgação didática e importância de sua atuação, além de legitimar a
instituição perante a sociedade também cumpre uma finalidade social, que é a
dar à sociedade o conhecimento mínimo de seus direitos e deveres.
Porém, essa divulgação por meio da imprensa
das atuações do Ministério Público deve ser pautada pela precaução e cautela,
principalmente quando se tratar de ações penais ou relacionadas à improbidade
administrativa.
É que a imprensa tem o poder de distorcer,
ainda que involuntariamente, o sentido das informações apresentadas pelo membro
do Ministério Público. Além disso, as informações oferecidas pelo membro do
Ministério Público à imprensa podem dar início a chamada publicidade opressiva,
que pode estigmatizar uma pessoa inocente perante a sociedade.
Não faltam exemplos de julgamentos antecipados
pela mídia, destacando-se no cenário nacional o caso da Escola Base de São
Paulo . O direito à imagem e à intimidade dos “investigados” é o principal
argumento contra a divulgação das investigações para os meios de comunicação
social e destes para o público. Com a cautela necessária, o membro do
Ministério Público evita de ser taxado de autoridade-show e não compromete a
imagem da instituição como um todo.
Outra crítica sofrida pelo Ministério Público
está relacionada ao abastecimento da imprensa com notícias de crimes e
investigações, que depois são utilizadas pelo próprio Ministério Público como
“prova” nas ações que ajuíza. Ou seja, alimenta a imprensa e depois se vale
dela para justificar suas ações.
Os abusos cometidos e das críticas recebidas
nasce a vontade política de restringir o campo de atuação do Ministério Público
e limitar sua relação com os meios de comunicação social, como, por exemplo, a
lei da mordaça, que estipula sanções penais ao agente público que “revelar
(...) ou permitir, indevidamente, que cheguem ao conhecimento de terceiro ou
aos meios de comunicação fatos ou informações de que tenha ciência em razão do
cargo e que violem o sigilo legal, a intimidade, a vida privada e a honra das
pessoas”.
Disso tudo, pode-se concluir que:
a) No controle dos abusos dos meios de
comunicação social o membro do Ministério Público deve se pautar pelos termos
da lei, pelo interesse público e pela própria convicção.
b) No uso da mídia como instrumento de
legitimação da atuação do Ministério Público, o Promotor ou Procurador de
Justiça deve agir com cautela e
procurar sempre fazer deste um canal em
benefício da sociedade e da
própria instituição.
4. 5. A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO COMO
ALTERNATIVA À PRESTAÇÃO JURISDICIONAL - GIAN
De início, necessário mencionar que o
Ministério Público é classificado na Constituição Federal como instituição
permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa
da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis (art. 127 da Constituição Federal). Nessa linha, o art. 129 da
Carta Magna arrola várias funções institucionais do Ministério Público,
inerentes à natureza da instituição, as quais são simetricamente dispostas nas
leis correlatas, referentes ao órgão e a sua atuação em juízo. Muito embora a
legislação discipline o exercício de atividades que se empreendem
essencialmente em juízo, o Ministério Público também possui instrumentos
efetivos na esfera extraprocessual, revelando-se parcela substancial da atuação
ministerial.
Sempre que possível, é preferível que o
Ministério Público atue extraprocessualmente, de modo a evitar o dificultoso
caminho das ações judiciais. Mais que simples recomendação, tal atuação é dever
do membro do Ministério Público. Nesse ponto, disciplina o art. 82, inciso IV,
da Lei Orgânica do Ministério Público de Santa Catarina que: “são funções
institucionais do Ministério Público, nos termos da legislação aplicável,
realizar audiências públicas sobre temas afetos a sua área de atuação, visando
dirimir, prevenir conflitos e buscar soluções, envolvendo a sociedade civil e
os setores interessados”. Da mesma forma, prescreve o art. 81 da referida lei:
“o órgão do Ministério Público, nos inquéritos civis ou nos procedimentos
administrativos preparatórios que tenha instaurado, e desde que o fato esteja
devidamente esclarecido, poderá formalizar, mediante termo nos autos,
compromisso do responsável quanto ao cumprimento de obrigação de fazer ou não
fazer, ou das obrigações necessárias à integral reparação do dano, que terá
eficácia de título executivo extrajudicial”. Atente-se que existem disposições
correlatas na Lei Orgânica Nacional do Ministério Público e na Lei do
Ministério Público da União, sedimentando a atuação extraprocessual da
instituição.
Como decorrência da obrigação institucional de
defesa do regime democrático, o órgão do Ministério Público deve exercer sua
atuação extraprocessual observando dois aspectos em especial: a) colaborando
com o processo de organização da sociedade civil; b) implementando o contato
com a sociedade. No que diz respeito à colaboração na organização social, o
órgão ministerial deve manter relação próxima com entidades que tenham
objetivos relacionados a suas funções institucionais, as quais fornecerão ao
Ministério Público informações, subsídios e orientações técnicas para o
aprimoramento da instituição. Com relação à aproximação com a sociedade, cumpre
ao membro Ministério Público manter contato constante com associações de
moradores, sindicatos, comunidades de base ou qualquer outro agrupamento
organizado de cidadãos que busque a defesa de direitos ou a realização de um
fim social. Nesse aspecto, vê-se, frequentemente, a atuação ministerial na
realização de audiências públicas, com objetivo de solucionar problemas que
afetam diretamente a comunidade.
De outra parte, necessário referir que os
principais focos desta atuação extrajudicial são conflitos envolvendo
interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, os quais por vezes são
solucionados por meio dos compromissos de ajustamento de condutas. É bem
verdade que a esta atuação preventiva da instituição não fica circunscrita a
atividades na defesa de interesses difusos e coletivos, pois o órgão
ministerial também terá a oportunidade de atuar previamente em outras áreas.
São exemplos a defesa de interesses individuais indisponíveis, ainda que não
homogêneos (p. ex., num conflito envolvendo a prestação de alimentos a menor,
bem poderá o Ministério Público referendar um instrumento de transação entre o
devedor da prestação e o representante do menor, o qual terá a natureza de
título executivo extrajudicial, nos termos do art. 585, inciso II, do Código de
Processo Civil). Pode-se citar, ainda, sua atuação na área dos direitos da criança
e do adolescente, por intermédio da concessão da remissão, antes mesmo de
iniciado o processo judicial para a apuração de ato infracional, o que acarreta
exclusão do processo em tela, na forma do disposto no art. 126 da Lei nº
8.069/90.
Vamos nos fixar, entretanto, nos conflitos que
envolvem os direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, tendo em
vista constituírem o campo onde a atuação do Ministério Público, como
alternativa à prestação jurisdicional, se encontra mais desenvolvida.
Nesse particular, o primeiro caso de atuação
extrajudicial do Ministério Público que se tem notícia, envolvendo interesses
dessas espécies, ocorreu em 1980 e ficou conhecido como o caso da “Passarinhada
do Embu”, referente a uma ação civil pública movida contra Prefeito da cidade,
que havia oferecido a seus correligionários um churrasco de cinco mil
passarinhos. Após a condenação definitiva do Prefeito no processo de
conhecimento, transacionaram as partes – Prefeito e Ministério Público –,
durante o processo de execução, no sentido de que o pagamento da condenação
seria realizado em diversas parcelas, assegurado o recolhimento de juros e
correção monetária.
Ainda não possuíamos na época, contudo,
legislação que legitimasse a transação destes direitos, o que era essencial,
tendo em vista que, tratando-se de interesses transindividuais, em tese, não
poderiam os legitimados extraordinários disporem sobre o conteúdo material da
lide. A consagração da possibilidade excepcional de transação nessas espécies
de ações surgiu somente com a entrada em vigor do Estatuto da Criança e do
Adolescente, que em seu art. 211 dispôs que os órgãos públicos legitimados
poderiam tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às
exigências legais, o qual teria eficácia de título executivo extrajudicial. A
atuação preventiva, contudo, era limitada à resolução de conflitos envolvendo
crianças e adolescentes. Entretanto, não tardou para que adentrasse em nosso
ordenamento jurídico o Código de Defesa do Consumidor, legislação que, ao
inserir um novo parágrafo ao art. 5º da Lei da Ação Civil Pública, permitiu
fosse celebrado compromisso de ajustamento em matéria relacionada à tutela de
qualquer interesse transindividual.
Portanto, a transação nas ações para defesa de
direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos ganhou nome especial:
compromisso de ajustamento de conduta. Ressalte-se que tal instrumento de
atuação preventiva não é exclusivo do Ministério Público, podendo dele se
utilizar qualquer dos órgãos públicos legitimados à ação civil pública ou
coletiva.
Assim, as principais características do
compromisso de ajustamento de conduta são as seguintes: a) é tomado por termo
por um dos órgão públicos legitimados à ação civil pública (por isso muitas
vezes os operadores jurídicos a ele se referem como termo de ajustamento de
conduta); b) por meio dele o causador do dano assume obrigação de fazer ou não
fazer ou mesmo de indenizar o dano, sob pena de multa cominatória, podendo,
caso não honradas as obrigações pactuadas, ser executado; c) não são
necessárias testemunhas; d) em regra, não é colhido nem homologado em juízo, o
que não impede que venha a ser, caso a transação só ocorra após o ajuizamento
da ação civil pública ou coletiva.
O compromisso de ajustamento de conduta, uma vez
firmado pelo Ministério Público e independentemente de homologação do Conselho
Superior da instituição, torna-se plenamente eficaz. Pode, porém, tratando-se
de compromisso de ajustamento tomado antes da propositura da ação judicial, o
Conselho rever o ato e, se entender insatisfatória a solução alcançada,
determinar outras diligências no inquérito civil ou até mesmo determinar a
propositura de ação civil pública por outro membro da instituição. Caso o
compromisso tenha sido tomado após a propositura da ação judicial, ensina a
doutrina que, entendendo-o o juiz inadequado, deve, em analogia com o disposto
no art. 9º da Lei da Ação Civil Pública, remeter os autos ao Conselho Superior
do Ministério Público.
Cabe consignar que, após tomado o compromisso
de ajustamento de conduta, deve o Ministério Público velar pelo seu efetivo
cumprimento e, em caso de não observância dos termos pactuados, aí sim buscar a
tutela estatal por meio de processo de execução.
Concluindo, resta clara a atuação do
Ministério Público como alternativa à Prestação Jurisdicional, sendo que sua
atividade pode partir de diversas possibilidades, das quais se destaca o
compromisso de ajustamento de conduta.
5. CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL PELO
MINISTÉRIO PÚBLICO
Com o advento da Constituição Federal de 1988,
surgiu em nosso ordenamento um novo Ministério Público, voltado para o
exercício de relevantes atribuições na defesa da ordem jurídica, do regime
democrático e dos interesses individuais indisponíveis.
Nesse contexto, dentre as várias funções
institucionais atribuídas ao Ministério Público, encontradas no art. 129 da
Constituição Nacional, destaca-se o exercício do controle externo da atividade
policial, objetivando, assim, a fiscalização de atos que digam respeito à
chamada "polícia judiciária" e à apuração de infrações penais, quando
exercidas pela Polícia Civil. Pode, ainda, o Ministério Público,
excepcionalmente, controlar as atividades da Polícia Militar, desde que esta
esteja atuando na função de polícia judiciária repressiva, como nos casos do
Inquérito Policial Militar.
Tal função institucional e constitucional
fundamenta-se na defesa da ordem jurídica e, principalmente, na defesa do
regime democrático, e tem por origem abusos cometidos pela polícia durante o
período da Ditadura Militar.
No Estado Democrático de Direito, é de
fundamental importância a participação efetiva de uma instituição capaz de
conter os arroubos autoritários verificados em face do Estado. Daí a função do
Ministério Público no controle da atividade policial, fazendo com que esta atue
sempre pautada nos princípios constitucionais e legais regentes do inquérito
policial, salvaguardando a sociedade de quaisquer medidas que tendam à violação
de direitos constitucionais sociais e individuais indisponíveis.
Com este desiderato, a Constituição Nacional
garante à instituição ministerial sua independência funcional, tendo o
constituinte originário desmembrado o liame que a vinculava e a subordinava ao
Executivo, conforme previa o ordenamento constitucional anterior.
Com a edição da Carta Constitucional de 1988,
coube ao Ministério Público a titularidade exclusiva da Ação Penal Pública, com
a única ressalva da Ação Penal Privada Substitutiva, na hipótese de omissão
daquele. Daí porque ser o maior interessado na verificação da normalidade e
eficácia com que se procedeu ao procedimento investigatório do delito, diga-se,
o Inquérito Policial, do qual se servirá para formação de sua opinio delicti,
para eventual propositura da peça acusatória.
O controle externo da atividade policial tem a
exata dimensão da atribuição dominus litis, permitindo-se afirmar que nem todas
as atividades praticadas pela Policia Civil estão sob a tutela deste controle.
Não há, portanto, poder disciplinar. Em tais casos, a própria Administração Pública
detém o poder de controlar os seus próprios atos, através da chamada autotutela
administrativa, consoante entendimento evidenciado pela súmula 473 do STF:
"A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios
que os tornem ilegais, por que deles não se originam direitos; ou revogá-los,
por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos,
e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial".
Por duas razões básicas a Constituição Federal
conferiu ao Ministério Público o controle externo da atividade policial.
Primeiramente, para garantir a qualidade da investigação, estando o Parquet na
condição de seu destinatário imediato, principalmente no que se refere à
fidelidade e voluntariedade dos testemunhos, bem como para dar maior valoração
à prova técnica, visando revestir o inquérito policial de elementos fortes de
convencimento, e suficientes à propositura da ação penal. Ou seja, o controle
externo deve ser entendido como um instrumento de realização do jus puniendi.
Seu objetivo é dar ao Ministério Público um comprometimento maior com a
investigação criminal e, consequentemente, um maior domínio sobre a prova
produzida, a qual lhe servirá de respaldo na denúncia, sempre na busca dos
elementos indispensáveis para a instrução do processo. Além disso, Constituição
da República, ao conferir ao Ministério Público a atribuição do controle
externo, teve em vista a teoria da separação de poderes, conjugada com a teoria
de freios e contrapesos.
Encontram-se, na Lei Complementar n.º 75, de
25/05/93, e na Lei n.º 8.625, de 12/06/93, vários dispositivos que tratam,
direta ou indiretamente, do controle externo, pelo órgão ministerial, das
atividades policiais. Saliente-se que as regras referentes ao Ministério
Público da União são subsidiariamente aplicáveis aos Ministérios Públicos dos
Estados, por expressa disposição legal (art. 80, Lei 8.625/93).
Regulamentando o art. 129, VII, da
Constituição Federal, o Conselho Nacional do Ministério Público editou a
Resolução nº 20, de 28.05.2007.
No Estado de Santa Catarina, o controle
externo da atividade policial pelo Ministério Público está devidamente regulado
pelo Ato 63/2006, da Procuradoria Geral de Justiça.
Incluem-se, entre as prerrogativas conferidas
ao Ministério Público, ter livre ingresso em estabelecimentos policiais ou
prisionais; ter acesso a quaisquer documentos relativos à atividade-fim
policial; representar à autoridade competente pela adoção de providências para
sanar a omissão indevida, ou para prevenir ou corrigir ilegalidade ou abuso de
poder; requisitar à autoridade competente a instauração de inquérito policial
sobre a omissão ou fato ilícito ocorrido no exercício da atividade policial;
promover a ação penal por abuso de poder.
Não se deve esquecer que, de acordo com o art.
129 de nossa Lei Maior, ao Promotor de Justiça cabe zelar pelos serviços de
relevância pública. Sempre que observar abuso de poder praticado por policial
ou qualquer omissão ao princípio administrativo da indisponibilidade do
interesse público, deve ele atuar em defesa da ordem jurídica, usando dos
instrumentos legais ao mesmo dispensados, tais como o uso de requisições,
notificações e procedimentos administrativos, adotando, inclusive, as medidas
cabíveis no âmbito administrativo e judicial.
Munido dos instrumentos legais supra, revela o
Ministério Público sua importante responsabilidade de não apenas defender a
ordem jurídica e a democracia, mas principalmente de atuar em defesa dos
anseios da sociedade e na busca incessante pela promoção da justiça.
REFERÊNCIAS
TOLEDO NETO, Geraldo do Amaral. O Ministério
Público e o Efetivo Controle da Atividade Policial. Disponível em
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2812.
PALADINO, Carolina de Freitas. Investigação
pelo Ministério Público e controle externo da atividade policial: limites e
possibilidades. Disponível em http://www.lfg.com.br.
FONTANELLA, Ricardo. Controle Externo da
Atividade Policial. Disponível em www.mp.rr.gov.br/Intranet/pageDirectory/artigos/controleexterno.pdf.
LUZ, Rafael Meira e ZIESEMER, Henrique da Rosa
Obrigatoriedade do inquérito policial: insegurança e retrocesso. Disponível em
www.conamp.org.br/index.php?a=mostra_materia_capa.php&ID_MATERIA=2969.
6. 7. INQUÉRITO CIVIL - FELIPE
O inquérito civil foi introduzido em nosso
ordenamento jurídico pela Lei nº 7.347/85, em seus arts. 8º, § 1º, e 9º. Com a
boa receptividade que teve, foi constitucionalizado na mesma década pela Carta
Magna de 1988, que, no art. 129, inciso III, previu-o como uma das funções
institucionais do Ministério Público. Depois da promulgação da Constituição da
República, alguns outros diplomas legais trouxeram a figura do inquérito civil,
com textos semelhantes àquele da Lei da Ação Civil Pública. Foi o que fez a Lei
nº 7.853/89 (dispõe sobre apoio a portadores de deficiência física), Lei nº
8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), Lei nº 8.078/90 (Código de
Defesa do Consumidor), Lei nº 8.628/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério
Público) e Lei Complementar nº 75/2000 (Lei Orgânica do ministério Público da
União). Com isso, o inquérito civil ampliou seu objeto, passando a ser o
instrumento capaz de amealhar elementos para o ajuizamento de Ação Civil
Pública, visando a defesa dos interesses individuais indisponíveis, além dos
interesses individuais homogêneos, difusos e coletivos.
O inquérito civil é um instrumento
administrativo, pré-processual, que se realiza extrajudicialmente. É privativo
do Ministério Público, constituindo meio destinado a coligir provas ou
quaisquer outros elementos de convicção, que possam fundamentar a atuação
processual do Parquet. Em suma, é um procedimento preparatório destinado a
viabilizar o exercício responsável da ação civil pública. Com ele, frustra-se a
possibilidade, sempre eventual, de instauração de lides temerárias.
Além da exclusiva titularidade do Ministério
público, o inquérito civil possui como características a facultatividade, a
inquisitividade, a publicidade mitigada, a formalidade restrita e a
auto-executoriedade.
A instauração do inquérito civil não é
obrigatória. Se o Ministério público possuir outros elementos de convicção para
o ajuizamento imediato da ação civil pública (representação de terceiros,
outros procedimentos administrativos, inquérito policial, etc), poderá fazê-lo.
Em outras palavras, o inquérito civil é útil, mas não imprescindível para o
ajuizamento da demanda.
Diz que o inquérito civil é inquisitivo, pois
a ele não se aplicam os princípios constitucionais do contraditório e da ampla
defesa. Não se trata de processo administrativo (com possível aplicação de
sanção ), mas procedimento preparatório.
A despeito de ser inquisitivo, o inquérito
civil é público, em regra. Deve respeitar o princípio constitucional da publicidade
(tanto em sua instauração quanto em seu arquivamento). No entanto, quanto à
vista dos autos, pode-se determinar o seu sigilo por necessidade da própria
investigação.
O inquérito civil possui, ainda, como
característica a formalidade restrita. As normas que disciplinam sua
instauração e tramitação têm caráter administrativo, de organização interna da
própria instituição. Eventuais irregularidades não têm o condão de invalidar a
ação civil pública ajuizada.
Por fim, o inquérito civil é auto-executável.
Detém o Ministério Público o poder de realizar por si próprio as diligências
investigativas ou de determinar sua realização diretamente a terceiros.
No tocante as fases do inquérito civil,
têm-se: 1) instauração; 2) instrução; e 3) conclusão.
A instauração do inquérito civil, nos termos
do art. 2º da Resolução n. 23 do CNMP, se dará: I – de ofício; II - em face de
requerimento ou representação formulada por qualquer pessoa ou comunicação de
outro órgão do Ministério Público, ou qualquer autoridade, desde que forneça,
por qualquer meio legalmente permitido, informações sobre o fato e seu provável
autor, bem como a qualificação mínima que permita sua identificação e
localização; e III - por designação do Procurador-Geral de
Justiça, do Conselho Superior do Ministério Público, Câmaras de
Coordenação e Revisão e demais órgãos superiores da Instituição, nos casos
cabíveis. A instauração é feita por portaria (art. 4º da Res. 23 do CNMP).
N instrução, o Ministério Público detém amplos
poderes para produzir provas suficientes para o aforamento da Ação Civil
Pública. O órgão ministerial pode realizar as diligências investigativas ou
determinar a sua realização diretamente a terceiros, sem a necessidade de
recorrer ao Poder Judiciário ou qualquer outro ente público. Dentre os poderes
investigativos conferidos ao Parquet podemos citar: requisição de entrega de
certidões e documentos, realização de exames e perícias, uso de força policial,
poder de notificação para depoimentos e esclarecimentos, poder de inspeção e requisição
de matérias protegidas por sigilo.
Possível, no bojo do inquérito civil, o
Ministério Público expedir recomendação e firmar compromisso de ajustamento de
conduta (art. 5º, § 6º, Lei 7.347/85).
As recomendações devem ser devidamente
fundamentadas, visando à melhoria dos serviços públicos e de relevância
pública, bem como aos demais interesses, direitos e bens cuja defesa lhe caiba
promover (art. 15 da Res. 23 do CNMP). O compromisso de ajustamento de conduta,
por sua vez, é firmado com o responsável pela ameaça ou lesão aos interesses ou
direitos difusos, coletivos ou individuais indisponíveis, visando à reparação
do dano, à adequação da conduta às exigências legais ou normativas e, ainda, à
compensação e/ou à indenização pelos danos que não possam ser recuperados (art.
14 da Res. 23 do CNMP).
Na conclusão do inquérito civil, ou ele é
arquivado (art. 9º da Lei 7.347/85) ou o Ministério Público ajuíza a ação civil
pública.
Esgotadas todas as possibilidades de
diligências, caso se convença da inexistência de fundamento para a propositura
de ação civil pública, o membro do Ministério Público promoverá,
fundamentadamente, o arquivamento do inquérito civil (art. 10 da Res. 23 do
CNMP). Essa promoção de arquivamento deve ser submetida, em três dias, ao Conselho
Superior do Ministério Público. Este órgão colegiado pode: 1) homologar o
arquivamento; 2) converter o julgamento em diligências; e 3) rejeitar a
promoção de arquivamento, designando outro membro para a propositura da ação.
De outro lado, havendo provas ou quaisquer
outros elementos de convicção da lesão aos interesses e direitos difusos,
coletivos ou individuais indisponíveis, o ajuizamento da ação civil pública é
medida que se impõe.
No âmbito do Ministério Público catarinense, o
inquérito civil está regulamento pelo ato 81/2008/PGJ.
Trata-se, portanto, de importante instrumento
destinado privativamente ao Ministério Público. Mais do que um eficiente
instrumento de investigação, o inquérito civil tem sido um meio extrajudicial
de solução de conflitos, não só pela pactuação de compromissos de ajustamento
de condutas, como também pela realização imediata, por parte dos infratores, de
atos voltados à prevenção ou reparação de danos, em atendimento a solicitações
informais apresentadas por membros da instituição.
7. 8. DESCRIMINALIZAÇÃO DO USO DE TÓXICOS
Droga é toda substância entorpecente que causa
no homem alteração em seu estado psíquico, dando-lhe sensação de mudança da
realidade.
Por convenção legal, no Brasil algumas são
toleradas socialmente e outras não.
A Lei n. 11.343, de 23 de agosto de 2006, é a
nova Lei Antitóxicos.
Essa lei institui o Sistema Nacional de
Políticas Públicas sobre Drogas – Sisnad; prescreve medidas para prevenção do
uso indevido, atenção e reinserção do usuário e dependentes de drogas, e
estabelece normas para a repressão à produção não autorizada e ao tráfico
ilícito, além de definir ilícitos penais.
As Leis n. 6.368/76 e 10.409/02, que tratavam
do tema, foram expressamente revogadas.
O tratamento jurídico dispensado ao usuário de
drogas é um tema que, com a edição da Lei 11.343/06, em seu art. 28, tem sido
foco de constantes críticas e ensejado posicionamentos doutrinários e
jurisprudenciais divergentes.
A descrição do tipo penal, embora tenha se
mantido próxima da anterior (art. 16, da Lei 6.368/76), refere-se agora ao
consumo pessoal de drogas, sem autorização ou em desacordo com determinação
legal:
Lei n. 6.368/76, art. 16. Adquirir, guardar ou
trazer consigo, para o uso próprio, substância entorpecente ou que determine
dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com
determinação legal ou regulamentar.
Lei n. 11.343/06, art. 28. Quem adquirir,
guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo
pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou
regulamentar será submetido às seguintes penas.
Há posicionamento no sentido de que a posse de
droga para consumo pessoal deixou de ser formalmente crime, bem como há
entendimento a conduta continua a ser crime. Uma terceira tese, classifica-a
como uma nova infração penal, ao lado das contravenções penais e dos crimes.
A primeira corrente, a discussão em volta da
descriminalização do uso de drogas seria hipótese de abolitio criminis, para
tanto, ele se vale do artigo 1º da LICP. Segundo Luiz Flávio Gomes, se crime é
a infração penal punida com reclusão, a posse de droga para consumo pessoal
(com a nova lei) deixou de ser “crime” porque as sanções impostas para essa
conduta não conduzem a nenhum tipo de prisão. Tampouco passou a ser
contravenção penal (que se caracteriza pela imposição de prisão simples ou
multa).
Para a segunda corrente (Capez e Nucci), o
fato continua a ter a natureza de crime, na medida em que a própria Lei o
inseriu no capítulo relativo aos crimes e as pena (Capítulo III), além do que
as sanções só podem ser aplicadas por juiz criminal e não por autoridade
administrativa, e mediante o devido processo legal (no caso, o procedimento
criminal do Juizado Especial Criminal, conforme expressa determinação legal do
art. 48, § 1º, da nova Lei), portanto, caráter de infração de ínfimo potencial
ofensivo.
Há, ainda, uma terceira corrente, que sustenta
que o art. 28 encerra nova infração penal, ao lado dos crimes e das
contravenções penais, tendo sido operada uma “descriminalização branca”. Os
defensores dessa tese afirmam que, em termos de Política Criminal, a Lei de
Drogas não atendeu à corrente doutrinária que defendia a pura e simples
descriminalização da conduta consistente no porte para uso pessoal de
substância entorpecente. Mas, também não manteve a solução da lei anterior, que
cominava pena privativa de liberdade para esse tipo de infrator.
Isto porque, a rigor, a conduta de porte para
consumo pessoal não pode ser considerada crime ou contravenção, que são as duas
espécies de infração admitidas em nosso sistema penal. Nos termos do art. 1º da
Lei de Introdução ao Código Penal, crime é a infração penal a que a lei comina
pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou
cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei
comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa
ou cumulativamente.
Concluem asseverando que a Lei Antidrogas
acabou criando uma nova espécie de infração criminal para a qual foram
cominadas penas distintas da detenção e da reclusão. Assim, a partir de agora,
nosso sistema penal estaria convivendo com duas espécies de crimes, quanto à
natureza das penas cominadas. A conduta típica de consumir drogas seria o único
crime não punido com pena de detenção ou reclusão, enquanto que todos os demais
crimes, previstos no Código Penal ou nas leis especiais, continuariam
legalmente classificados pela marca da pena privativa de liberdade.
Nada obstante as correntes contrárias,
analisando-se os termos do dispositivo legal que trata do porte de drogas para
consumo próprio, observa-se que o legislador, em vários momentos, sinalizou sua
manutenção como crime, seja inserindo-o no Capítulo “Dos Crimes e das penas”,
seja ao afirmar que quem cometer uma das condutas descritas no caput do artigo
28 será submetido às penas de advertência sobre os efeitos das drogas,
prestação de serviços à comunidade e medida educativa de comparecimento a
programa ou curso educativo.
E não há que falar em contrariedade ao art.
5º, XLVI, da Constituição da República, porquanto esse dispositivo prevê que “a
lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes”.
A pena de advertência - até então,
desconhecida do Direito Penal brasileiro - representa uma autêntica inovação, e
consiste no esclarecimento, pelo juiz, ao condenado, sobre as conseqüências,
nocivas à saúde, do uso de drogas.
A pena de prestação de serviço à comunidade já
integra o rol das penas restritivas de direitos previsto no art. 43, do CP.
Quanto à medida educativa de comparecimento a
programa ou curso, trata-se de sanção penal nova. Deve o programa ou curso ser
previamente habilitado para que a nova medida possa ser aplicada pelo juiz.
Desta forma, o fato de o art. 28 da Lei n.
11.343/06 não mais prever (assim como fazia a Lei n. 6.368/76) a aplicação de
pena privativa de liberdade em caso de posse de droga para consumo pessoal, não
lhe retira o caráter criminoso e punível do fato.
O STF, no RE-QO 430105/RJ, cujo relator foi o
Ministro Sepúlveda Pertence, adotou a segunda corrente, consolidando o
entendimento doutrinário já prevalecente, de que o art. 28 da nova lei de
drogas não implicou abolitio criminis do delito de posse de drogas para consumo
pessoal. E, para tal conclusão, sustentou os seguintes argumentos:
1. “O art. 1º da LICP - que se limita a
estabelecer um critério que permite distinguir quando se está diante de um
crime ou de uma contravenção - não obsta a que lei ordinária superveniente
adote outros critérios gerais de distinção, ou estabeleça para determinado
crime - como o fez o art. 28 da L. 11.343/06 - pena diversa da privação ou
restrição da liberdade, a qual constitui somente uma das opções constitucionais
passíveis de adoção pela lei incriminadora (CF/88, art. 5º, XLVI e
XLVII)”.
2. “Não se pode, na interpretação da L.
11.343/06, partir de um pressuposto desapreço do legislador pelo "rigor
técnico", que o teria levado inadvertidamente a incluir as infrações
relativas ao usuário de drogas em um capítulo denominado "Dos Crimes e das
Penas", só a ele referentes. (L. 11.343/06, Título III, Capítulo III,
arts. 27/30)”.
3. “Soma-se a tudo a previsão, como regra
geral, ao processo de infrações atribuídas ao usuário de drogas, do rito
estabelecido para os crimes de menor potencial ofensivo, possibilitando até
mesmo a proposta de aplicação imediata da pena de que trata o art. 76 da L.
9.099/95 (art. 48, §§ 1º e 5º), bem como a disciplina da prescrição segundo as
regras do art. 107 e seguintes do C. Penal (L. 11.343, art. 30)”.
Diante do exposto, conclui-se pela não
descriminalização da posse de drogas para consumo pessoal, continuando as
condutas previstas no art. 28 da Lei 11.343/06, não obstante a não aplicação de
pena privativa de liberdade, serem consideradas crimes e, como tal,
penalizadas.
Nesse contexto, a Lei 11.343/06 apresenta o
artigo 28 como uma medida despenalizadora mista, pois as hipóteses dos incisos
I e III (advertência sobre os efeitos das drogas e comparecimento a programa ou
curso educativo) configuram medidas despenalizadoras próprias ou típicas, pois
afastam, por completo, a aplicação de uma pena – aplica-se uma medida
educativa, e a hipótese do inciso II configura medida despenalizadora imprópria
ou atípica, pois apesar de evitar a prisão, não afasta a aplicação de uma pena
prevista na Constituição da República (art. 5º, XLVI, "d") e no
Código Penal (art. 32, II, c/c art. 43, IV, CP) - prestação de serviços à comunidade.
Vale destacar, por fim, que o maior
significado penal dessa alteração foi, sem, dúvida a opção por uma Política
Criminal de rejeição da prisão como instrumento válido de resposta punitiva à
conduta do consumidor de drogas.
Fontes:
http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/4460/Houve-descriminalizacao-da-posse-de-drogas-para-consumo-pessoal
http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/2922/Politica-criminal-e-a-Lei-no-11343-2006-descriminalizacao-da-conduta-de-porte-de-drogas-para-consumo-pessoal
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8949
http://jusvi.com/artigos/37125
8. PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO PELO PROMOTOR DE
JUSTIÇA NO TRIBUNAL DO JÚRI
O tema a ser discutido é o pedido de
absolvição pelo Promotor de Justiça no Tribunal do Júri.
Primeiramente, deve-se levar em consideração
que o Promotor de Justiça não pode ser visto como acusador insano, querendo de
todas as formas condenar o réu mesmo diante da comprovação efetiva de total
irresponsabilidade pela prática do crime que lhe foi imputado.
Aliás, diante do novo Sistema Constitucional,
compete ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica, do regime democrático
e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, conforme estabelece o
art. 127, da Carta Magna, circunstância que evidencia a necessidade de os
membros buscarem a efetivação da verdade processual e não a condenação de
alguém a qualquer custo, incumbência habitualmente relegada aos assistentes de
acusação.
Os membros do Ministério Público não são
acusadores autômatos, máquinas produzidas para, infalivelmente, acusar, tendo a
obrigação primordial de zelar para que haja justiça nos julgamentos.
Existem abalizados julgamentos no sentido de
que deve ser utilizada a regra exposta no art. 385, do Código de Processo Penal,
que por extensão e na falta de outro dispositivo, aplica-se também ao processo
dos crimes da competência do Júri.
Outrossim, o Promotor de Justiça precisa atuar
com ética, analisando o réu não como mero objeto do processo, mas como sujeito
de direitos para o qual a Constituição Federal previu uma série de garantias
processuais que devem ser obrigatoriamente respeitadas.
Ademais, já se foi a época que o Promotor de
Justiça era um cego e sistemático acusador público, perseguidor implacável do
réu, profissional que representava a sociedade e tentava a todo custo a
condenação, pouco importando que tivessem sido dadas ao acusado as condições
plenas de provar a sua inocência. Ele não pode contribuir para a condenação de
alguém, sem que para isso haja justa causa indiscutível, ou seja, uma
consistência probatória tendente a efetivar a responsabilização penal absoluta
do réu, principalmente ante a existência de um leque probatório à sua
disposição.
A propósito, o Promotor de Justiça deve ser
imparcial, pois ao mesmo tempo em que lhe cabe a condição de parte acusadora,
deve promover e fiscalizar a lei, nos termos do art. 257, do Código de Processo
Penal.
Embora a acusação pública seja feita em nome
da sociedade, jamais pode ser movida por sentimentos de ódio ou vingança,
deixando-se de lado a lógica jurídica e sustentando a acusação apenas numa
eloqüência vazia de argumentação.
O verdadeiro papel do Promotor de Justiça é a
busca incessante da justiça. Por isso, é seu dever propugnar pela verdade real,
zelar cuidadosamente para que os julgamentos sejam imparciais, tentando evitar,
assim, eventual erro judiciário.
Atue na área criminal ou não, o membro do
Ministério Público deve procurar sempre a verdade, devendo conhecer com
altivez, quando for o caso, a improcedência da sua pretensão.
Em face do preceito constitucional, a
instituição do Ministério Público deve ser sempre legal e juridicamente
democrática, cuidando para que haja coerência em todos os julgamentos, sejam
eles proferidos pelo Juiz Singular ou pelo Tribunal do Júri, sendo certo que
tais ações caracterizarão, sem sombra de dúvidas, o verdadeiro, real e
responsável papel de guardião da Constituição da República e fiscal da lei.
Então, se estiver presente no julgamento em
plenário do Júri qualquer causa que possa redundar na decretação da inocência
do réu pronunciado por quaisquer dos crimes dolosos contra a vida, cumpre ao
Ministério Público, operador do direito e defensor do regime democrático e dos
direitos sociais e individuais indisponíveis (dentre os quais a liberdade de um
cidadão que foi injustamente acusado da prática de um delito), postular sua
absolvição, mesmo que ele seja condenado posteriormente pelo Conselho de
Sentença.
Assim, estará cumprindo seu mister
institucional, bem como tranqüilizando sua consciência, posto que a função de
Promotor de Justiça não se coaduna com a possibilidade de ser cometida qualquer
injustiça.
Concluindo, cumpre salientar que o próprio
Montesquieu já deixou registrado que “a injustiça feita a um é uma ameaça feita
a todos”.
(O texto acima foi extraído do material para a
prova de Tribuna que foi elaborado pelos candidatos do Concurso do MP/SC de
2005).
9. 10. OFENSAS IRROGADAS EM PLENÁRIO DO JÚRI E
OS CRIMES CONTRA A HONRA
O Código Penal tipifica, nos artigos 139 a
140, os crimes contra a honra, que são: calúnia, injúria e difamação.
Honra é o conjunto de atributos morais,
físicos e intelectuais de uma pessoa, que a tornam merecedora de apreço no
convívio social e que promovem a sua auto-estima. Divide-se em: honra objetiva
(sentimento que o grupo social tem a respeito dos atributos físicos, morais e
intelectuais de alguém) e honra subjetiva (sentimento que cada um tem acerca
dos próprios atributos).
O Código Penal pune quem caluniar alguém,
imputando-lhe falsamente fato definido como crime (calúnia); quem difamar
alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação (difamação); e quem
injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro (injúria).
A calúnia e a difamação ferem a honra
objetiva, sendo necessário à consumação o conhecimento de terceiros, enquanto a
injúria atinge a honra subjetiva, consumando-se quando a ofensa chega ao
conhecimento do ofendido.
O Código Penal prevê, no art. 142, algumas
causas de exclusão da antijuricidade dos crimes de difamação e injúria, dentre
as quais se destaca a do inciso I, também chamada de imunidade judiciária,
segundo a qual não constitui injúria ou difamação punível a ofensa irrogada em
juízo, na discussão da causa, pela parte ou por seu procurador.
Quanto à natureza jurídica desse dispositivo,
a doutrina diverge: o art. 142 contém causas excludentes de ilicitude; b) a
hipótese é de inexistência do elemento subjetivo do tipo, afastando a
tipicidade penal; e c) trata-se de causa excludente da punibilidade. Prevalece
o entendimento de que o art. 142 elenca causas excludentes de ilicitude ou da
antijuridicidade, de maneira que haverá o fato típico na injúria e na
difamação, porém, nas hipóteses elencadas, ele não será antijurídico.
Essa excludente abrange tanto a ofensa oral,
que pode ocorrer em Júris e debates em audiência, quanto a ofensa escrita, por
meia de petições, alegações finais, recursos e outras peças processuais, desde
que exista nexo entre a ofensa e a discussão da causa.
Vale destacar que o dispositivo abrange apenas
ofensas feitas em juízo, que não consistam na imputação de crimes, porquanto
apenas afasta a difamação e a injúria.
Ponto que precisa ser esclarecido refere-se
aos limites subjetivos (ativo e passivo) da imunidade judiciária.
No que concerne aos limites subjetivos, é
necessário que a conduta tenha sido praticada pela parte ou seu procurador, tal
como dispõe expressamente o texto legal, ou pelo Ministério Público quando
intervir como parte processual. Parte é qualquer dos sujeitos da relação
processual: autor, réu, litisconsorte e interveniente etc.; procurador, por sua
vez, é o representante legal da parte com capacidade postulatória, ou seja, o
advogado, que "é indispensável à administração da justiça" (art. 133
da CF, 1a parte).
Ainda, no caso do Ministério Público, o art. 41,
V, da Lei n. 8.626/93 (LONMP) prevê a inviolabilidade dos membros do MP pelas
opiniões externadas ou pelo teor de suas manifestações processuais ou em
procedimentos, nos limites de sua independência funcional.
Outros "agentes processuais", como,
por exemplo, juiz, escrivão, perito, testemunha não estão acobertados pela
imunidade judiciária, podendo, eventualmente, resguardarem-se pelo inciso III,
na condição de funcionário público ou, ainda, pelo art. 23, III (1a parte),
desde que ajam no "estrito cumprimento de dever legal".
Como o texto legal não refere que a injúria ou
difamação deve ser dirigida contra a parte contrária ou seu procurador, não
exclui a imunidade mesmo quando a ofensa é dirigida contra alguém estranho à
relação processual (exemplo: testemunha, perito ou qualquer terceiro), desde
que haja conexão com a causa em discussão. Essa ausência de restrição legal
adequa-se ao princípio da ampla de defesa.
Há divergências apenas no tocante à ofensa ao
juiz. Para alguns aí existiria o crime, por ser o magistrado imparcial e
presidir o processo. Para outros não subsiste a ofensa uma vez que a lei não
ressalva, além do que eventual ofensa, ainda que relacionada ao processo,
poderia configurar desacato.
No caso dos advogados, o art. 133 da
Constituição da República dispõe que “O advogado é indispensável à
administração da justiça, sendo inviolável por seu atos e manifestações no
exercício da profissão, nos limites da lei”. Essa lei era justamente o artigo
142, I, do Código Penal. Porém, com relação aos advogados, surgiu uma regra
especial que se encontra no artigo 7º, § 2º, da Lei n. 8.906/1994 (Estatuto da
OAB):
O advogado tem imunidade profissional, não
constituindo injúria, difamação ou desacato puníveis qualquer manifestação de
sua parte, no exercício de sua atividade, em juízo ou fora dele, sem prejuízo
das sanções disciplinares perante a OAB, pelos excessos que cometer.
Trata-se de regra mais abrangente, pois exclui
a injúria e a difamação até fora do Juízo estendendo-se à esfera policial,
civil, comissão parlamentar de inquérito etc. Não ficando também restrita a
causa sub iudice, bastando que esteja no exercício regular da advocacia.
Por essa regra, aplica-se o art. 142, I,
apenas a quem não exerce a advocacia, já que para estes prevalece o tratamento
especial do artigo 7º, § 2º, do Estatuto da OAB.
O Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao
apreciar as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 1127 e 1105 que
questionavam diversos dispositivos do Estatuto da OAB (Lei n. 8.906/94), julgou
constitucional a norma que estabelece que no exercício da profissão, o advogado
é inviolável por seus atos e manifestações. Todavia, derrubou a expressão “ou
desacato” no parágrafo 2º do artigo 7º do Estatuto. Com essa decisão, o
desacato passou a ser punido.
Quanto aos limites objetivos, a regra é a
mesma para o Júri, para audiências ou mesmo no caso de ofensas em petições.
Para que haja a exclusão, a ofensa deve relacionar-se diretamente com a causa
em questão, ou seja, somente incidirá a excludente se a ofensa irrogada em
juízo tiver nexo com a discussão da causa. Logo, dois requisitos precisam
fazer-se presentes: a) que a ofensa seja irrogada em juízo; e b) que se
relacione com a causa em discussão, havendo, necessariamente, relação causal
entre o embate e a ofensa.
A excludente, neste caso, justifica-se por duas
razões básicas: de um lado, para assegurar a mais ampla defesa dos interesses
postos em juízo, sem o receio de que determinado argumento ou determinada
expressão possa ser objeto de imputação criminal; de outro lado, a veemência
dos debates, o ardor com que se defende esses direitos pode resultar,
eventualmente, em alusões ofensivas a honra de outrem, embora desprovidas do
animus ofendendi.
Em suma, deve-se ter em mente que é o ânimo de
debater, movido pelo interesse público e pela utilidade processual, que
justifica a exclusão do crime, e não de ofender a honra dos denunciantes,
havendo limites à imunidade judiciária.
Fonte:
Capez
Sinopse 8
http://www.conjur.com.br/2006-mai-17/supremo_derruba_dispositivos_estatuto_advocacia
10. A INFLUÊNCIA DA OPINIÃO PÚBLICA NO
JULGAMENTO DO JÚRI
O funcionamento do Tribunal do Júri é pautado
pela conjugação do entendimento do senso comum de justiça do homem,
representado pelo jurado, com a aplicação técnico-jurídica do conhecedor do
Direito (o Juiz togado). Sua essência reside, pois, não na idéia de que os
leigos em Direito julgam melhor do que os conhecedores da técnica jurídica, e
sim na lógica de que uma pena quase não deve ser aplicada enquanto a culpa não
for manifesta aos olhos do senso comum.
Paralelamente a isso, tem-se o papel da
imprensa na construção, solidificação e expansão da democracia, uma vez
considerado que, inegavelmente, as informações veiculadas na mídia influenciam
sobremaneira a opinião pública, como tal considerada o senso comum vigente na sociedade
civil a respeito de um determinado assunto. Contudo, sem liberdade de imprensa
certamente não há democracia.
De todo modo, as relações entre imprensa e o
Poder Judiciário nunca deixaram de ser conturbadas, e na geografia do Júri a
questão adquire maior relevo, dada a emotividade em que ordinariamente são
envolvidos os julgamentos em plenário. E isso possui um forte apelo junto à
opinião pública. Mães de vítimas que pranteiam durante a sessão de julgamento;
advogados que anunciam novos fatos bombásticos, capazes até de mudar o curso do
processo; grupos organizados que mobilizam protestos, com faixas, cartazes e
alto-falantes, defronte ao prédio do Fórum, e exigindo a condenação ou – o que
é menos corrente – a absolvição do réu. Tudo isso é notícia, a matéria-prima da
imprensa.
Some-se a essa observação a circunstância de
que a imprensa possui uma função social, cumprindo-lhe noticiar adequadamente
como se desenvolvem as atividades jurisdicionais, inclusive, um julgamento em
plenário.
Ocorre que a imprensa desconhece, em todos os
seus meandros, a estrutura e o modus faciendi da atividade jurisdicional. Em
determinados casos, as cautelas legais, que em sua maioria se justificam em
respeito aos princípios constitucionais garantidores de certos direitos aos
réus, são confundidos com regalias e benesses concedidas graciosamente pelos
magistrados. Daí origina-se uma distorção no conteúdo da informação levado ao
cidadão que, por esse motivo, passa a formar uma opinião a respeito do assunto
a partir de premissas equivocadas ou insuficientes.
Em verdade, a imprensa possui o poder de
absolver ou condenar previamente um réu perante a opinião pública e, com isso,
influir no convencimento dos jurados e na atuação da acusação e da defesa em
plenário. Há sempre muitos interesses em jogo, principalmente em se tratando de
casos que alcançam repercussão maciça. Em situações tais, quando a concorrência
imprime entre os setores da imprensa uma verdadeira competição pela informação
privilegiada, os chamados "furos de reportagem", a primeira vítima é
sempre a verdade.
Tem-se tornado comum que repórteres e
redatores de jornais, iludidos pelas primeiras aparências, no atabalhoamento da
vida jornalística, cometam gravíssimas injustiças, lavrando a priori
“sentenças” de condenação ou absolvição, que pesam na opinião pública e têm
grande responsabilidade pelos veredictos.
Ora, poder-se-ia dizer justamente que, em
razão do livre exercício do direito à informação, que de uma só vez assiste ao
cidadão e ao agente de imprensa, não há controle algum sobre o conteúdo da
notícia que se dá a respeito do aludido caso, de tal sorte que a imprensa, ou
uma parte dela, poderá apresentar sem maiores obstáculos a sua própria versão,
atribuindo desde logo a responsabilidade pelo delito ao réu ou, o que nem
sempre acontece, absolvendo-o da acusação.
Por esse motivo, cumpre à própria imprensa
realizar um autocontrole prévio – o que em hipótese alguma se confunde com
censura – a fim de preservar a imagem das pessoas submetidas a investigação ou
julgamento em juízo e, principalmente, os valores intrínsecos ao processo
criminal. Trata-se de entender que a atividade jurisdicional se realiza com
sustentação em determinados princípios, tais como o do devido processo legal e
o da presunção de inocência. Se o limite da legalidade se antepõe até mesmo ao
julgador, com maior razão a premissa se aplica aos agentes de informação.
A imprensa responsável está preocupada na
mantença da ordem democrática, o que é vital para o seu livre desempenho, mas
também deve estar consciente de que a liberdade de informação jornalística não
pode ultrapassar os limites da legalidade, ameaçando e lesando direitos. Cabe à
própria imprensa, pois, no nascedouro de suas publicações e edições, coibir
abusos e excessos que constituam mácula à legalidade e aos princípios
democráticos.
Se os jurados são prestigiados em nosso
ordenamento pelo fato de julgarem com um "sentimento de justiça",
torna-se importante que somente os fatos atinentes à causa sejam trazidos à sua
apreciação, nunca as versões de determinados segmentos da imprensa, revestidos
de aparente legitimidade em função da aquiescência que a opinião pública lhes
outorga. A pressão da opinião pública afeta sobremaneira a atuação do jurado na
sessão de julgamento, a tal ponto que, principalmente em casos de grande
repercussão, seu veredicto já encontra-se elaborado antes mesmo do sorteio de
seu nome para compor o Conselho de Sentença, a despeito do que ele possa ouvir
ou ver durante a sessão. Decerto, à imprensa cabe noticiar, ainda que emitindo
juízos de valor, mas em hipótese alguma lhe é deferido o direito de julgar, à
mercê dos princípios processuais que assistem ao acusado.
Conseqüências processuais ocasionadas pela
influência da opinião pública no julgamento dos crimes afetos ao Júri
Atualmente os limites territoriais do País não
mais são obstáculos à mobilização da população pela opinião pública nos casos
de grande repercussão, em face do papel fundamental que exerce a imprensa, de
difundir nacionalmente a matéria jornalística.
Entretanto, na tentativa de ao menos minorar
os efeitos que a pressão popular pode exercer sobre o julgamento pelo Júri, o
Código de Processo Penal disciplinou o desaforamento, que nada mais é do que o
deslocamento da competência para o julgamento de um foro para outro nos casos
em que a ordem pública o reclamar, ou houver dúvida sobre a imparcialidade do
júri, segurança pessoal do réu ou mora na realização do julgamento.
Interessa, para efeito da presente abordagem,
o desaforamento quando houver dúvida sobre a imparcialidade do júri,
fundamental que é na realização da justiça. Estará ela comprometida quando o
crime, apaixonando a opinião pública, gera no meio social animosidade,
antipatia e ódio ao réu. Evidentemente, o simples noticiário não reflete, em regra,
manifestação da coletividade ou estado de ânimo da população, sendo necessário
comprovação de que existe uma predisposição desta contra o acusado para que se
defira o desaforamento, comprovação que se faz por meio de indícios capazes de
produzir receio fundado sobre a mesma, não necessitando de juízo de
certeza.
11. LIMITES ÉTICOS NA PERSUASÃO DOS JURADOS
O ponto culminante do procedimento dos delitos
dolosos contra a vida é, sem dúvida, o julgamento pelo Tribunal do Júri.
Para seus defensores, o júri é a garantia
democrática do indivíduo, em determinados crimes, ser julgado por seus
concidadãos, acima das normas inflexíveis da lei. Entendem que a sociedade é
representada por membros de ilibada idoneidade, que procura restabelecer o
equilíbrio quebrado pela ofensa ao direito. Afirmam que o júri, julgando o
criminoso e não o crime, não está adstrito ao critério legal e às prevenções
profissionais, é capaz de humanizar a lei e melhor discernir sobre os réus
merecedores de pena. Por fim, sustentam que a verdade proclamada por sete
cidadãos é mais segura que a proclamada por apenas um. A este respeito
Canelutti formulou a seguinte metáfora: “O juízo colegiado é comparado a uma
visão binocular: se a natureza nos dotou de dois olhos, em lugar de um só, é
porque uma única imagem não basta para que seja visto o que deve ser
completamente visto e o que devemos ver”.
Para outros, certo é que o Júri, nos seus
primórdios, foi um respiradouro às reinvindicações populares, suprimindo o
julgamento dos acusados pelos juízes togados, integrantes da nobreza que
desapareceram depois que os ditos juízes passaram a vir do povo. Afirmam, no
entanto, que a justiça comtemporânea assumiu feições que está a exigir pessoas
especializadas e de alto espírito crítico, deixando-se os juízes leigos
demasiadamente a julgar pelo sentimentalismo, para deixarem impunes os mais
graves crimes. Acrescentam que, a julgar pelos resultados alcançados em outros
países, o júri somente aprova quando existem condições favoráveis para uma
democracia direta, o que não existe no Brasil devido à condição geográfica, ao
baixo nível cultural, à baixa moralidade, à falta de educação cívica e ao
desinteresse pela coisa pública.
Essa corrente foi capitaneada por Nelson
Hungria, para o qual “O famigerado Tribunal do Júri, osso de megatério que
persiste em ligar repressão penal e regime democrático, redundou pela sua
incompetência e frouxidão, em favor indireto da criminalidade”.
Para opositores ou defensores dessa
instituição, no entanto, é certo que nela os debates provocam as mais
desencontradas paixões.
A cumulação na instrução em Plenário e nos
debates, dos sistemas da concentração, oralidade e imediatidade oferecem
condições especiais de expressividade às provas produzidas durante o
processo.
Na dialética desse momento, o debatedor
vale-se de duas contigências que, mesmo separáveis, no mais das vezes são
apresentadas juntas:
a) O discurso, como manifestação oral
persuasiva, utilização da retórica, da “conversa amiga, macia”, da contundência
ordinatória, do apelo emocional, etc.
b) A interpretação cênica, mímica, teatral,
irreverente, gesticular.
A importância deste desempenho está em
alcançar os limites da verdade possível, extraída dos elementos autuados ou, do
plano sociológico, filosófico, antropológico de elementos não necessariamente
contidos no processo. É a interpretação oral ou cênica de tudo que pudesse ter
animado o fato e tem a finalidade maior de ampliar imaginariamente os detalhes
da hipótese defendida.
E é justamente essa representação em
plenário, feita pelo Promotor de Justiça e pelo Advogado de defesa, com seus
poderes informativos, que possui poder persuasivo sobre os jurados,
induzindo-os a projetarem-se mentalmente à situação de violência do caso
concreto para que possam avaliar a conduta do agente nas circunstâncias em que
agiu.
O importante é identificar no ato
violento contra a vida a censura ou aprovação da conduta do agente, com a mais
ampla visão fática, pois o Júri não está adstrito ao alegado e provado nos
autos, nem à estreiteza dos textos, e não seria Júri se deixasse de sentir o
conjunto das realidades individuais e sociais atinente ao caso concreto. Por
todas essas razões, necessário é que se imponham limites éticos à atuação em
plenário por parte dos debatedores, de forma a não afastar os princípios
constitucionais e legais atinente ao processo criminal.
O Tribunal do Júri não pode ser
apresentado como um espetáculo burlesco, de guerra entre o bem e o mal, como se
o Promotor de Justiça personificasse um acusador intransigente, que quer
prender o réu, tira-lo do convívio de sua família e transferi-lo para o
Presídio; e o Advogado de Defesa caricaturado como figura do bem e do perdão,
sempre pugnando pela liberdade de todos os acusados.
O plenário do Júri não é local para
gritos, choros, simulação de desmaios, piadas ou xingamentos, pois desvirtuam a
função de socialização e democratização de Justiça atribuída ao Conselho
Popular, que deve se aproximar ao máximo da verdade dos fatos para que possa
aprovar ou reprovar a conduta ilícita que lhes é posta para exame e
deliberação, pois julgam segundo a sua consciência e os ditames da justiça,
fazendo a lei para cada caso.
Assim, dentro de uma representação destinada a
informar o jurado, pode-se fazer apelo tanto à sugestão afetiva quanto à
persuasão puramente racional, mas sempre dentro de determinados limites éticos,
tanto da parte acusatória, como da defensora. É que um julgamento feito pelo
Tribunal do Júri, ao contrário do que muitos pensam, não é loteria. Depende,
sim, de algumas peripécias, mas deve ser o seguro resultado de uma conduta bem
planejada e executada com rigor, desde a fase do inquérito policial até o
plenário do Júri.
O Júri não é uma aventura a que se
atrevam os que se distingüem somente pela audácia e sede de fama, é tarefa
destinada aos mais aptos, aos mais preparados e conscientes, que tenham as
qualidades mínimas necessárias à magnitude da atividade, e que não ponham em
risco a liberdade do réu ou a segurança da sociedade tão-somente para a
satisfação de vaidades mal disfarçadas.
A advertência se impõe: acusadores e
defensores só terão a perder com divagações impertinentes, hipérboles vazias ou
embustes patéticos.
O acusador, por decoro próprio e, sobretudo,
por obrigação estrita, jamais deverá injuriar o réu, ou por qualquer forma
olvidar-se do respeito devido ao Tribunal. Pelo contrário, refletido e
moderado, embora enérgico em sua argumentação, deve produzir a acusação sem
cólera, sem arrebatamento, sem exageração. Jamais deve o acusador dirigir-se ao
acusado, e sim ao Júri, expondo os fatos e as circunstâncias, estes sim, com
toda pujança e eloqüência.
O defensor, exímio tribuno de defesa, do mesmo
modo, deve apresentar seus argumentos dentro de um plano previamente traçado,
de acordo com uma linguagem fluente e clara, sem rodeios e tiradas literárias,
ferindo os pontos em debate. O discurso do causídico há de ser simples,
objetivo, convincente. Isso não quer dizer vulgaridade, que seria o contrário
do preciosismo.
Na esteira dessas afirmações, não se quer
criticar a instituição, que deve persistir, mas tão-só alertar que a atividade
do debatedor em plenário, por envolver interpretação informativa, persuasiva,
indutora, perfeitamente adequada e necessária ao Tribunal do Júri, deve
pautar-se pela obediência aos princípios éticos e as provas colhidas durante a
instrução criminal.
O orador deve empenhar-se em persuadir de que
está certo e de que sua tese deve ser vencedora, usando linguagem intelegível
para que, efetivamente, a “transformação” do jurado seja “conseqüência de sua
fala”, mas usando de seu poder de persuasão deve ter cuidados com a
teatralização, para que não decaia ao nível de um espetáculo burlesco, nem à
linguagem deficiente ou vulgar a ponto de prejudicar a substância do bom
senso.
Conjugada a arte de persuadir com a ética,
manter-se-á a dignidade do Tribunal do Júri, o respeito aos cidadãos-jurados e
a justiça ao réu.
Ganha, pois, a sociedade.
Fontes:
- Material de apoio que alguns promotores
utilizaram no último concurso do MP/SC.
- TROVÃO, Edilberto de Campos. Reflexões de um
aprendiz de promotor de justiça no Tribunal do Júri. Curitiba : J.M,
1995.
12. 14. O MINISTÉRIO PÚBLICO E A TUTELA DOS
HIPOSSUFICIENTES - GIAN
De início, necessário mencionar que o
Ministério Público é classificado na Constituição Federal como instituição
permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa
da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis (art. 127 da Constituição Federal). Nessa linha, o art. 129 da
Carta Magna arrola várias funções institucionais do Ministério Público,
inerentes à natureza jurídica da instituição, as quais são simetricamente
dispostas nas leis correlatas, referentes ao aludido órgão e a sua atuação em
juízo.
Explicitando a atuação do Ministério Público,
dispõe o art. 82 do Código de Processo Civil que os órgãos da instituição
intervirão nas demandas em que há interesses de incapazes, nas causas
concernentes ao estado da pessoa, pátrio poder (hoje poder familiar), tutela,
curatela, interdição, casamento, declaração de ausência e disposição de última
vontade, nas ações que envolvem litígios coletivos pela posse de terra rural e
nas demais causas em que há interesse público evidenciado pela natureza da lide
ou qualidade da parte.
Nesse ponto, revela-se importante referir que
especificamente no processo não criminal, o Ministério Público pode figurar
como órgão agente e órgão interveniente. O agir como órgão interveniente fica
patente quando o Ministério Público atua como fiscal da lei (custos legis),
sendo que ao exercer atividade de substituto processual, como parte pro populo,
na chancela dos interesses transindividuais e nas ações de cunho político, se
revela como órgão agente. Se não bastasse, poderá atuar fora do âmbito
processual, na homologação de acordos extrajudiciais.
Em contrapartida, ao Judiciário foi outorgada
a tarefa de exercer jurisdição, e para que esteja descomprometido com qualquer
dos litigantes, deverá ser inerte. Em razão disso, foi deferida ao Ministério
Público a atribuição de quebrar a inércia, movimentando o Poder Judiciário,
isso porque o Estado não pode ficar imóvel frente a determinadas situações que
lhe cabe resolver. Assim, quando o Ministério Público toma a iniciativa de
provocar a jurisdição, está desenvolvendo atividade de natureza processual na
tutela de determinados interesses, atuando, assim, como órgão agente.
Destaca-se a atuação ministerial, como órgão
agente, quando figura como substituto processual e como parte pro populo. Dessa
forma, agirá como substituto processual quando atuar em defesa de direito
personalizado, sendo sua legitimação extraordinária. Nesses casos, o direito
que se põe em causa não lhe pertence, motivo pelo qual somente poderá agir
quando demonstrado o interesse público. Quando agir em defesa de direito
despersonalizado, sua atuação será denominada como a parte pro populo.
Como órgão interveniente, o Ministério Público
não atua de forma parcial, mas sim oficia no estrito cumprimento das normas
jurídicas, na chamada condição de custos legis (fiscal da lei). Está, pois, de
certa forma desvinculado dos interesses das partes. Cumpre ressaltar, todavia,
que o Ministério Público, mesmo quando atuar como órgão agente, não deixará de
exercer a função de fiscal da lei, eis que jamais perderá seu compromisso com o
fiel cumprimento e aplicação do ordenamento jurídico vigente.
Portanto, pode-se dizer que o Ministério
Público deverá agir no processo sempre que houver previsão legal expressa ou
quando houver interesse público decorrente da natureza da lide ou qualidade da
parte. Nesse passo, uma das situações que caracteriza o interesse público para
a atuação ministerial é a presença em juízo dos hipossuficientes. Caracterizada
estará a presença de um hipossuficiente na relação processual quando houver em
desequilíbrio ou desigualdade entre as partes litigantes. Lembre-se a clássica
definição de Rui Barbosa acerca do conceito de igualdade: “a igualdade consiste
em tratar desigualmente os desiguais, na proporção da desigualdade”. É
exatamente este o critério que fundamenta a atuação do Ministério Público em
relação aos hipossuficientes.
Atente-se que sempre que existir uma parte
hipossuficiente em relação à outra, o Ministério Público deverá intervir no
processo como fiscal da lei, verificando a correta aplicação dos ditames
firmados pelo ordenamento jurídico no caso concreto. Cite-se, como exemplo, a
situação em que um incapaz é parte, hipótese em que o Ministério Público deve
ser chamado a se manifestar nos autos.
Haverá situações em que o Ministério Público
deverá exercer atividades como órgão agente em defesa dos hipossuficientes.
Como exemplo, mencione-se a atuação em defesa das populações indígenas,
devendo-se ressaltar que a Constituição Federal de 1988 expressamente conferiu
atribuição ao órgão ministerial na defesa em juízo dos interesses das
populações dessa natureza (art. 129, inciso V, da Constituição Federal).
Outra situação é a defesa das pessoas necessitadas,
incluindo entre estas as crianças, adolescentes e incapazes em geral. Há, em
inúmeras situações, expressa previsão legal autorizando o Ministério Público a
ter a iniciativa de processualmente buscar satisfazer o direito pleiteado por
um necessitado como substituto processual. Como exemplo, pode-se apontar a
legitimidade ativa do Ministério Público em ações de investigação de
paternidade.
No mais, matéria frequentemente trabalhada
pelo Ministério Público quando da atuação em juízo, especificamente na tutela
do hipossuficientes, diz respeito à defesa dos interesses difusos e coletivos.
Nesses casos, a atuação ministerial revela-se imprescindível, pois
possivelmente se um indivíduo tivesse que pleitear a tutela de interesse dessa
natureza contra aquele que causou lesão, não lograria êxito, pois normalmente a
situação do agente causador do dano é privilegiada frente ao individuo
particularmente considerado, o que evidencia efetiva hipossuficiência. Poderá
ocorre, por outro lado, que o interesse lesado seja de valor ínfimo a ponto de
não justificar a ação pelo particular, mas uma vez que muitas pessoas foram
lesadas, admitida será a defesa coletiva (ex.: pequenas lesões a inúmeros
consumidores), isso porque em tais hipóteses o causador do dano acaba por ficar
em situação de extremo privilégio.
Com relação às pessoas hipossuficientes
relacionadas aos interesses difusos e coletivos, embora estejam implicitamente
consideradas na maior parte da legislação que trata sobre o tema, o Código de
Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) fez menção expressa à situação de
hipossuficiência, inclusive facilitando a defesa de seus direitos em juízo.
Assim, para evitar que interesses dessas
espécies fiquem desprotegidos, o Ministério Público detém instrumentos eficazes
para a tutela das pessoas em situação de hipossuficiência, dentre os quais se
destaca a Ação Civil Pública. Prevista na Lei nº 7.347/85, a Ação Civil Pública
destina-se à proteção de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos
e, embora o seu art. 5º traga hipóteses de legitimação concorrente para sua
propositura, o seu manejo é diuturnamente realizado pelo Ministério Público. É
bem verdade que a Lei nº 7.347/85 inicialmente delimitou o âmbito de
abrangência da Ação Civil Pública, arrolando determinadas matérias para a
tutela, no entanto, o Código de Defesa do Consumidor ampliou o objeto da norma,
destinando-a a qualquer interesse difuso e coletivo. Cite-se como exemplos as
ações em defesa do meio ambiente, ao consumidores, ao patrimônio público, etc.
Registre-se que, na defesa dos interesses em
questão, poderá ocorrer que o Ministério Público atue extraprocessualmente,
exercendo atividades no bojo de Inquéritos Civis, dos quais poderão resultar
Compromissos de Ajustamento de Condutas.
Destaque-se, por fim, que o Ministério Publico
está legitimado também a zelar pela efetiva prestação de serviços de relevância
pública, isso porque, por vezes, os destinatários não teriam condições de
sozinhos pleitearem a sua correta concessão, cabendo ao órgão ministerial agir
para que sejam oferecidos corretamente.
Concluindo, resta clara a atuação do
Ministério Público na defesa dos hipossuficientes, sendo que sua atividade pode
partir de diversas situações, expressamente autorizadas na legislação vigente.
13. REFORMA DO JUDICIÁRIO. EMENDA
CONSTITUCIONAL Nº 45/2004.
ESQUEMATIZAÇÃO DAS PRINCIPAIS NOVIDADES
Pedro Lenza (Texto extraído do Jus Navigandi
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6463)
O objetivo deste estudo não é aprofundar as
mudanças, mas, simplesmente, identificar, esquematizar e organizar as
principais novidades para facilitar o estudo, após ter apresentado um
brevíssimo histórico com um alerta sobre a redação do texto da emenda. Em
outras oportunidades, certamente, poderemos analisar cada um dos itens da
Reforma.
1. Breve histórico de sua tramitação
(...)
2. Esquematização das alterações trazidas pela
EC n. 45/2004
Podemos destacar as principais novidades:
1) A todos, no âmbito judicial e
administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que
garantam a celeridade de sua tramitação. (art. 5.º, LXXVIII, e art. 7.º da EC
n. 45/2004).
2) A previsão do real cumprimento do princípio
de acesso à ordem jurídica justa, estabelecendo-se a Justiça Itinerante e a sua
descentralização, como a autonomia funcional, administrativa e financeira da
Defensoria Pública Estadual (arts. 107, §§ 2.º e 3.º; 115, §§ 1.º e 2.º; 125,
§§ 6.º e 7.º; 134, § 2.º; 168, e art. 7.º da EC n. 45/2004).
3) A possibilidade de se criar varas
especializadas para a solução das questões agrárias. Nessa linha de
especialização em prol da efetividade, sugerimos também varas especializadas
para as áreas do consumidor, ambiental, coletiva etc. (art. 126, caput);
4) A "constitucionalização" dos
tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos, desde que
aprovados pelo quorum qualificado das emendas constitucionais (art. 5.º, §
3.º).
5) A submissão do Brasil à jurisdição do
Tribunal Penal Internacional (TPI), cuja criação tenha manifestado adesão (art.
5.º, § 4.º).
6) A federalização de crimes contra direitos
humanos, por exemplo, tortura e homicídio praticados por grupos de extermínio,
mediante incidente suscitado pelo Procurador-Geral da República (PGR) no STJ,
objetivando o deslocamento da competência para a Justiça Federal. Busca-se,
acima de tudo, adequar o funcionamento do Judiciário brasileiro ao sistema de
proteção internacional dos direitos humanos (art. 109, V-A e § 5.º).
7) Previsão do controle externo da
Magistratura por meio do Conselho Nacional de Justiça, como a criação de
ouvidorias para o recebimento de reclamações (arts. 52, II; 92, I-A, e § 1.º;
102, I, "r"; 103-B, e art. 5.º da EC n. 45/2004).
8) Previsão do controle externo do MP por meio
do Conselho Nacional do Ministério Público, como a criação de ouvidorias para o
recebimento de reclamações (arts. 52, II; 102, I, "r"; 130-A e art.
5.º da EC n. 45/2004).
9) A ampliação de algumas regras mínimas a
serem observadas na elaboração do Estatuto da Magistratura, todas no sentido de
se dar maior produtividade e transparência à prestação jurisdicional, na busca
da efetividade do processo, destacando-se: a) a previsão da exigência de três
anos de atividade jurídica para o bacharel em Direito como requisito para o
ingresso na carreira da Magistratura; b) aferição do merecimento para a
promoção conforme o desempenho, levando-se em conta critérios objetivos de
produtividade; c) maior garantia ao magistrado para recusar a promoção por
antiguidade somente pelo voto fundamentado de 2/3 de seus membros, conforme procedimento
próprio e assegurasda a ampla defesa; d) impossibilidade de promoção do
magistrado que, injustificadamente, retiver autos em seu poder além do prazo
legal, não podendo devolvê-los ao cartório sem o devido despacho ou decisão; e)
previsão de cursos oficiais de preparação, aperfeiçoamento e promoção de
magistrados, constituindo etapa obrigatória do processo de vitaliciamento; f) o
ato de remoção, disponibilidade e aposentadoria do magistrado, por interesse
público, fundar-se-á em decisão por voto da maioria absoluta (e não mais 2/3)
do respectivo tribunal ou do Conselho Nacional de Justiça, assegurada ampla
defesa; g) previsão de serem as decisões administrativas dos tribunais tomadas
em sessão pública; h) o fim das férias coletivas do Poder Judiciário, tornando
a atividade jurisdicional ininterrupta; i) a previsão de número de juízes
compatíveis com a população; j) a distribuição imediata dos processos em todos
os graus de jurisdição (art. 93).
10) Ampliação da garantia de imparcialidade
dos órgãos jurisdicionais pelas seguintes proibições: a) vedação aos juízes de
receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas
físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em
lei; b) instituição da denominada quarentena, proibindo membros da Magistratura
de exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastaram, por
aposentadoria ou exoneração, pelo prazo de três anos. A quarentena também se
aplica aos membros do MP (art. 95, par. ún., IV e V, e 128, § 6.º).
11) Previsão de que as custas e os emolumentos
sejam destinados exclusivamente ao custeio dos serviços afetos às atividades
específicas da Justiça, fortalecendo-a, portanto (art. 98, § 2.º).
12) Regulação do procedimento de
encaminhamento da proposta orçamentária do Judiciário e solução em caso de
inércia. Proibição de realização de despesas ou a assunção de obrigações que
extrapolem os limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias, exceto
se previamente autorizadas, mediante a abertura de créditos suplementares ou
especiais (art. 99, §§ 3.º, 4.º e 5.º).
13) A extinção dos Tribunais de Alçada,
passando os seus membros a integrar os TJs dos respectivos Estados e
uniformizando, assim, a nossa Justiça (art. 4.º da EC n. 45/2004).
14) Transferência de competência do STF para o
STJ no tocante à homologação de sentenças estrangeiras e a concessão de
exequatur às cartas rogatórias (art. 102, I, "h" (revogada); 105, I,
"i", e art. 9.º da EC n. 45/2004).
15) A ampliação da competência do STF para o
julgamento de recurso extraordinário quando se julgar válida lei local
contestada em face de lei federal. Muito se questionou sobre essa previsão.
Observa-se que ela está correta, já que, quando se questiona a aplicação de
lei, acima de tudo, há um conflito de constitucionalidade, pois é a CF que fixa
as regras sobre competência legislativa federativa. Por outro lado, quando se
questiona a validade de ato de governo local em face de lei federal, acima de
tudo, estamos diante de questão de legalidade a ser enfrentada pelo STJ, como
mantido na Reforma (art. 102, III, "d", e 105, III, "b").
16) A criação do requisito da repercussão
geral das questões constitucionais discutidas no caso para o conhecimento do
recurso extraordinário. Essa importante regra vai evitar que o STF julgue
brigas particulares de vizinhos, como algumas discussões sobre
"assassinato" de papagaio ou "furto de galinha", já
examinadas pela mais alta Corte (art. 102, § 3.º).
17) A adequação da Constituição, no tocante ao
controle de constitucionalidade, ao entendimento jurisprudencial já pacificado
no STF, constitucionalizando o efeito dúplice ou ambivalente da Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI) e Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC)
como o seu efeito vinculante. Ampliação da legitimação para agir. Agora os
legitimados da ADC são também da ADI (e não mais somente os quatro que
figuravam no art. 103, § 4.º, revogado). Apenas para se adequar ao entendimento
do STF e à regra do art. 2.º, IV e V, da Lei n. 9.868/99, fixou-se, expressamente,
a legitimação da Câmara Legislativa e do Governador do DF para a propositura de
ADI, e, agora, ADC (art. 102, § 2.º; 103, IV e V; revogação do § 4.º do art.
103 e art. 9.º da EC n. 45/2004). (1)
18) Ampliação da hipótese de intervenção
federal dependendo de provimento de representação do Procurador-Geral da
República para, além da já existente ADI Interventiva (art. 36, III, c.c. 34,
VII), agora, também, objetivando prover a execução de lei federal (pressupondo
ter havido a sua recusa). A competência, que era do STJ, passa a ser do STF
(art. 34, VI, primeira parte, c.c. o art. 36, III; revogação do art. 36, IV, e
o art. 9.º da EC n. 45/2004).
19) Criação da Súmula Vinculante do STF (art.
103-A e art. 8.º da EC n. 45/2004).
20) A aprovação da nomeação de Ministro do STJ
pelo quorum de maioria absoluta dos membros do SF, equiparando-se ao quorum de
aprovação para a sabatina dos Ministros do STF, e não mais maioria simples ou
relativa como era antes da Reforma (art. 104, parágrafo único).
21) Previsão de funcionamento no STJ: a) da
Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados, cabendo-lhe,
dentre outras funções, regulamentar os cursos oficiais para o ingresso e
promoção na carreira; b) e do Conselho da Justiça Federal como órgão central do
sistema e com poderes correicionais, cujas decisões terão caráter vinculante
(art. 105, par. ún., I e II).
22) No âmbito trabalhista, dentre tantas
modificações, podemos destacar: a) o aumento da composição do TST de 17 para 27
Ministros, deixando-se de precisar convocar juízes dos TRTs para atuar como
substitutos; b) em relação ao sistema de composição, reduziram-se as vagas de
Ministros do TST oriundos da advocacia e do Ministério Público do Trabalho.
Dessa vez, eles ocupam somente 1/5, os outros 4/5 são preenchidos entre juízes
dos Tribunais Regionais do Trabalho, provenientes da Magistratura da carreira,
indicados pelo próprio Tribunal Superior; c) fixação do número mínimo de sete
juízes para os TRTs; d) modificação da competência da Justiça do Trabalho; e)
previsão da criação da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de
Magistrados do Trabalho e do Conselho Superior da Justiça do Trabalho, este
último deverá ser instalado no prazo de 180 dias; f) a lei criará varas da
Justiça do Trabalho, podendo, nas comarcas não abrangidas por sua jurisdição,
atribuí-las aos Juízes de Direito, com recurso para o respectivo Tribunal
Regional do Trabalho; g) previsão de criação, por lei, do Fundo de Garantia das
Execuções Trabalhistas, integrado pelas multas decorrentes de condenações
trabalhistas e administrativas oriundas da fiscalização do trabalho, além de
outras receitas (arts. 111, §§ 1.º, 2.º e 3.º (revogados); 111-A; 112; 114; 115
e arts. 3.º, 6.º e 9.º da EC n. 45/2004);
23) Fixação de novas regras para a Justiça
Militar (art. 125, §§ 3.º, 4.º e 5.º);
24) Como fixado para a Magistratura (art. 99,
§§ 3.º ao 5.º), regulação do procedimento de encaminhamento da proposta
orçamentária do MP e solução em caso de inércia. Proibição de realização de
despesas ou a assunção de obrigações que extrapolem os limites estabelecidos na
lei de diretrizes orçamentárias, exceto se previamente autorizadas, mediante a
abertura de créditos suplementares ou especiais (art. 127, §§ 4.º, 5.º e 6.º).
25) Nos mesmos termos da Magistratura,
diminuição do quorum de votação para a perda da garantia da inamovibilidade de
2/3 para a maioria absoluta (art. 128, § 5.º, I, "b").
26) Ampliação da garantia de imparcialidade
dos membros do MP: a) vedação do exercício de atividade político-partidária,
sem qualquer exceção; b) vedação do recebimento, a qualquer título ou pretexto,
de auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou
privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei; c) instituição, conforme já
vimos, e nos termos da Magistratura, da denominada quarentena, proibindo-os de
exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastaram, por
aposentadoria ou exoneração, pelo prazo de três anos (art. 128, § 5.º, II,
"e", "f", e § 6.º).
27) Conforme já vimos para a atividade
jurisdicional, também no sentido de se dar maior produtividade e transparência
no exercício da função, na busca da efetividade do processo, destacam-se, para
o MP: a) a obrigatoriedade de as funções só poderem ser exercidas por
integrantes da carreira, que deverão residir na comarca da respectiva lotação,
salvo autorização do chefe da instituição; b) a previsão da exigência de três
anos de atividade jurídica para o bacharel em Direito como requisito para o
ingresso na carreira do MP; c) a distribuição imediata dos processos; d) e, no
que couber, as regras já apresentadas em relação ao art. 93 para a Magistratura
(art. 129, §§ 2.º, 3.º, 4.º e 5.º).
28) A EC n. 45/2004 entrou em vigor na data de
sua publicação, em 31 de dezembro de 2004, e foi promulgada em 8 de dezembro de
2004 (art. 10 da EC n. 45/2004).
3. Ações diretas de inconstitucionalidade já
propostas até a presente data (2.2.2005)
(...)
4. Conclusão
A emenda, de um modo geral, nesse primeiro
balanço, parece bastante adequada, abrindo as portas para que as reformas
processuais se implementem na busca e na retomada da credibilidade do
Judiciário, infelizmente abalada pela ineficiência processual dos últimos anos.
Esperamos que não seja apenas mais uma lei, mas, acima de tudo, o despertar de
uma nova mentalidade.
14. DANO MORAL COLETIVO
O dano, além da ação lesiva e do nexo causal,
é um dos pressupostos da responsabilidade civil, e sua definição pode ser
resumida como sendo uma lesão a bens juridicamente protegidos, como vida,
liberdade, imagens, crédito comercial, propriedade, entre outros.
Para a sua caracterização jurídica, é
necessária a demonstração do prejuízo e da lesão jurídica, que são os elementos
de fato e direito, respectivamente. Porém, para ser passível de concretizar o
direito à reparação, há de ser injusto, certo, atual, pessoal e direto,
admitindo-se, excepcionalmente, a perda de uma chance e os danos futuro, a
pessoas da família, e reflexo.
A doutrina faz uma divisão relativa ao dano em
patrimonial e moral, a depender dos reflexos da esfera de direitos atingida.
Este, especificamente, é o resultado de uma agressão direcionada ao mundo
interior do psiquismo do homem, ocasionando sensações desconfortáveis e
constrangedoras.
O dano moral é reconhecido pela doutrina,
jurisprudência e legislação, inclusive no art. 5º, V e X, da Constituição
Federal de 1988 (CF), in verbis:
“V – é assegurado o direito de resposta,
proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à
imagem”.
“X – são invioláveis a intimidade, a vida
privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização
pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.
As mudanças profundas da organização social,
que podem ser visualizadas por meio da globalização atual, modificaram o
Direito como um todo, especialmente o Direito Civil, conduzindo a
preponderância do coletivo sobre o individual.
Esse panorama, por sua vez, originou o dano
moral coletivo, que seria o prejuízo ocasionado em desfavor de toda uma
comunidade, ou seja, contra um conglomerado de pessoas que estão unidas em um
determinado território, em decorrência de fatores comuns.
O Código de Defesa do Consumidor (CDC – Lei n.
8.078/1990), aliás, no art. 6º, VI, menciona expressamente o direito do
consumidor à reparação por danos morais coletivos e difusos.
Veja-se:
“Art. 6º – São direitos básicos do consumidor:
[...]
VI – a efetiva prevenção e reparação de danos
patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos”.
Entre as diversas possibilidades existentes,
está o dano ambiental; situação em que se lesiona o equilíbrio ecológico e, ao
mesmo tempo, se afetam valores comunitários como a qualidade de vida e a saúde.
O ambiente habitado pela população, ademais,
deve ser entendido como unitário e de responsabilidade de preservação por
todos, conforme determina a própria CF em seu art. 225, caput:
“Todos têm direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de
defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
Essa norma constitucional demonstra a
preocupação com a manutenção de ambientes sadios e equilibrados.
Qualquer deterioração cometida contra o espaço
de uma sociedade é particularmente perversa, pois rompe o equilíbrio do
ecossistema e coloca em risco todos os seres vivos que possuem uma
interdependência naquele meio, incluindo-se, aí, o homem.
O instrumento processual adequado para que se
promova a defesa dos valores coletivos, na ocorrência de dano contra o meio
ambiente, entre outras situações, é a ação civil pública aplicável nesse caso,
regulamentada pela Lei n. 7.347/1985.
Dessa feita, o amparo legislativo que
possibilita a reparação de dano moral a interesses coletivos, como é a hipótese
do meio ambiente, está calcado no art. 6º, VI, do CDC e no art. 1º, I, da Lei
referida, com a redação conferida pelo art. 88 da Lei n. 8.884/1994, a seguir
transcrita:
“Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei,
sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e
patrimoniais causados:
I – ao meio-ambiente”.
Os malefícios causados não estão ligados
somente às repercussões físicas no patrimônio ambiental, mas, também, ao
sentimento dos habitantes de determinada zona urbana ou rural, tanto no aspecto
íntimo do homem quanto na qualidade de vida.
Diz-se zona urbana porque, assim como em
locais onde predominam as matas e florestas, os danos ambientais podem ser
verificados nas cidades, como ocorre, por exemplo, quando há a supressão de
certas árvores ali existentes.
É certo que, a partir da universalização do
meio ambiente consagrada pela CF, este passou a pertencer a todos e se tornou
um bem de uso comum, tutelado pelo Poder Público e pela sociedade.
Os dispositivos legais até então mencionados
estabelecem, portanto, a possibilidade real de reparação civil por danos morais
e patrimoniais causados ao meio ambiente, cumulados e independentes um do
outro.
Primeiro porque o art. 225, § 3º, da CF
estabelece a reparação dos danos perpetrados contra o meio ambiente, nos planos
administrativo, penal e civil. Segundo porque o já aludido art. 5º do mesmo
Diploma reconhece a legalidade do pleito indenizatório em casos de abalo moral.
Não bastasse isso, a leitura dos arts. 1º, I,
e 10, da Lei da Ação Civil Pública aponta na mesma direção.
Ante tudo o que foi exposto, é possível
concluir que a responsabilidade pelo dano moral coletivo caminha no coerente e
indispensável rumo da coletivização, ampliando o raio de incidência do ato
ilícito pelo dano injusto, dentro de um contexto amplo e globalizado.
Tal fato aumenta as perspectivas de uma
consolidação da ordem jurídica mais justa e eficaz.
Isso porque a gravidade do dano moral coletivo
causado ao meio ambiente impõe a necessidade de uma efetiva coibição, para a
qual o ordenamento jurídico está amparado com a legislação infraconstitucional
da ação civil pública e do código consumerista, além da carta constitucional.
Referências:
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6183
http://www.uj.com.br/publicacoes/doutrinas/3625/DANO_MORAL_COLETIVO_E_OS_DIREITOS_METAINDIVIDUAIS
http://www.azevedosette.com.br/noticias/noticia?id=1583
http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=%22dano+moral+coletivo%22&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=4
15. 18. A INVESTIGAÇÃO CRIMINAL PELO
MINISTÉRIO PÚBLICO – FELIPE
A legitimidade do Ministério Público no
exercício da investigação criminal tem sido tema de intenso debate na doutrina
e jurisprudência pátrias, especialmente nas últimas décadas.
Por muito tempo, o Ministério Público
realizou, de forma direta, a investigação criminal, sem que se fosse
questionada a sua legitimidade. Todavia, a partir de 1992, com as Promotorias
de Justiça e as Procuradorias da República agindo de forma eficiente e chegando
em figuras criminosas até então inatingíveis, surgiu, de forma mais vigorosa,
forte oposição às investigações criminais realizadas pelo Órgão Ministerial.
A posição daqueles que se opõem à atividade
investigativa pelo Ministério Público sintetiza-se, basicamente, em dois
argumentos: a investigação pré-processual é de monopólio da Polícia Judiciária,
conforme o disposto no art. 144, § 1º, incisos I e IV, e § 4º, da Constituição
da República; e, a norma constitucional e infraconstitucional não contemplou
qualquer hipótese de o Ministério Público apurar, diretamente, infrações
penais, o que não lhe confere legitimidade para realizar a investigação criminal.
Esses argumentos, no entanto, não têm qualquer
fundamento.
Não há monopólio da Polícia na investigação
criminal. Analisando o art. 144, § 1º, I e IV, e § 4º, da Constituição da
República, verifica-se existir tão-somente uma exclusividade da polícia federal
no exercício na função de polícia judiciária (que é diferente da função de
apurar infração penais) da União. Isso significa, apenas, segundo afirma Ela
Wiecko Wolkmer de Castilho , que a polícia civil estadual, por exemplo, não
pode investigar crimes de competência da Justiça Federal.
Além de nenhuma norma conferir a exclusividade
das investigações criminais às Polícias Federal e Estadual, abundantes são as
que a afastam. O Código de Processo Penal, por exemplo, deixa claro que a
apuração de infrações penais pode ser realizada por outros órgãos e que o
Ministério Público pode dispensar o inquérito policial para o oferecimento da
denúncia (arts. 4º; 12; 27; 39, § 5º; 46, § 1º; e 47).
Assim, não há qualquer usurpação de
competência. As polícias civil e federal investigam por meio de inquérito
policial – este, sim, é um instrumento exclusivo seu -, enquanto o Ministério
Público apura os ilícitos penais por meio de seus procedimentos administrativos
próprios (PIC – procedimento investigatório criminal, no âmbito do MPSC). O que
deve haver é uma cooperação entre as instituições para a consecução de objetivo
comum, qual seja, diminuir a impunidade na seara criminal.
De outra ponta, há previsões constitucionais e
legais no ordenamento jurídico pátrio conferindo ao Ministério Público a
legitimidade para exercer a investigação criminal.
Além da Constituição da República incumbir ao
Ministério Público a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos
interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127), promoveu-lhe, entre
outras, as seguintes funções: exercer, privativamente, a ação penal pública;
expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência,
requisitando informações e documentos para instruí-los; exercer o controle externo
da atividade policial; e requisitar diligências investigatórias e a instauração
de inquérito policial (art. 129).
Não bastassem as abrangentes funções
investigatórias atribuídas pelo constituinte, a legislação infraconstitucional
traz diversas abribuições do Órgão Ministerial nessa seara, principalmente, nos
arts. 8º da LC 75/93 e 26, I, da Lei 8.625/93.
Portanto, sem qualquer sustentação a tese
contrária à investigação criminal pelo Ministério Público. Como se vê, a
atividade de investigação criminal não está restrita às instituições policiais,
e o Ministério Público é uma das instituições que tem atribuição para
procedê-la.
Para reforçar a tese favorável à legitimidade
do Ministério Público na investigação criminal, lança-se mão de outros
argumentos.
1. Pela teoria dos poderes implícitos (quem
pode o mais pode o menos), o simples fato de a Constituição da República
conferir ao Ministério Público o exercício, privativo, da ação penal pública
(art. 129, I, da CF) já lhe dá a atribuição para investigar. Do contrário,
afirma René Ariel Dotti , o Órgão Ministerial ficaria refém da Polícia para uma
possível deflagração de ação penal, ou seja, tornar-se-ia um mero repassador de
provas colhidas por outra instituição.
Destarte, se a finalidade das investigações criminais
é recolher indícios suficientes para a propositura da ação penal e se o
Ministério Público, a teor do que dispõe o art. 41, parágrafo único, do Código
de Processo Penal, prescinde do inquérito policial para a deflagração desta, é
possível concluir que tal investigação é apenas um dos meios para a
constituição da justa causa, estando em grau inferior de importância em relação
a denúncia. Em outras palavras, é possível concluir que a denúncia do
Ministério Público é o mais, e a investigação criminal, o menos, e quem tem a
função maior também tem a menor.
2. No direito comparado, aliás, encontram-se
diversos sistemas jurídicos em que o Ministério Público tem poderes
investigatórios na seara criminal. Países como França, Portugal, Espanha,
Alemanha, Itália e Estados Unidos atribuem ao Promotor a função de exercer atos
de investigação pré-processuais. A plena atividade de investigação criminal é,
portanto, uma tendência dos ordenamentos jurídicos contemporâneos. Negá-la no
Brasil seria um verdadeiro retrocesso social.
3. Há, também, determinadas situações que
recomendam a atuação do Ministério Público e não da Polícia. Em alguns casos,
seja pela magnitude da infração, seja pelas pessoas envolvidas na autoria do
delito, é mais coerente que o Ministério Público exerça diretamente as
investigações criminais, sobretudo pelos princípios e garantias que lhe foram
atribuídos na Constituição da República (principalmente a independência
funcional e a inamovibilidade). Em função disso, situando-se as investigações no
campo da macrocriminalidade e figurando autoridades administrativas ou agentes
policiais como protagonistas do delito, deve o Ministério Público apurar tais
infrações por estar imune a injunções indevidas e a influências externas
capazes de mitigar ou inviabilizar as investigações.
4. A legitimidade do Ministério Público para
promover o inquérito civil é incontestável (MP é o titular exclusivo). No
exercício dessa função, inúmeras são as ocasiões em que o Órgão Ministerial,
exercendo uma investigação de natureza não criminal para a proteção de direitos
difusos e coletivos, vislumbra a ocorrência de um ilícito penal. Nesses casos,
não se justifica a instauração de inquérito policial, pois diligências
complementares – quando necessárias - são suficientes para a formação da
convicção acerca da propositura ou não da ação penal. Assim, nada mais razoável
do que se instaurar uma ação penal com subsídio nos autos de um inquérito civil
(hoje, no âmbito do MPSC, existe um instrumento próprio – o PIC, já mencionado
acima).
5. Por fim, o próprio Conselho Nacional do
Ministério Público – CNMP -, órgão que exerce o controle externo do Ministério
Público, regulamentou a investigação criminal pelo Órgão Ministerial na
resolução n. 13/2006. Antes disso, o MPSC já havia disciplinado essa função
ministerial por meio do Ato conjunto n. 001/2004/PGJ/CGMP. A investigação
criminal deve ser exercida por meio do procedimento investigatório criminal –
PIC.
Diante de todos esses argumentos, é inegável a
possibilidade de o Ministério Público exercer a investigação criminal. Não se
quer, aqui, defender Promotor de Justiça faça às vezes de autoridade policial e
saia à caça de bandidos, como se policial fosse. As Polícias civil e federal
têm as funções de polícia judiciária e de investigação criminal, sendo órgãos
de extrema importância dentro da administração, devendo continuar seu ofício de
repressão a criminalidade. Contudo, em determinados casos, quando o dominus
litis entender necessário, pode ele mesmo colher elementos que configurem justa
causa para oferecimento de denúncia, pois tem legitimidade para tanto.
16. EVOLUÇÃO INSTITUCIONAL DO MINISTÉRIO
PÚBLICO
As raízes históricas do Ministério Público,
embora possam ser encontradas na história antiga entre os egípcios, gregos e
romanos, certamente é na França do século XIV que o seu perfil institucional é
idealizado na figura dos então denominados “procuradores do rei”, corpo de
funcionários encarregados da tutela dos interesses do Rei, o qual na época
encarnava o Estado.
Historicamente o principal interesse do Rei
consistia em exercer o controle social por meio da justiça criminal, delegando
os poderes de denunciar e perseguir os criminosos aos seus Procuradores, os
quais detinham essa iniciativa ao lado dos juízes inquisidores – mais ou menos
na forma como o CPP de 1941, nos artigos 26 e 531, em sua redação original,
previa o procedimento judicialiforme. Além de acusadores públicos, os
Procuradores defendiam outros interesses do Rei, verdadeiro longa manus do
soberano naquele turbulento período da história francesa em que o extremo
absolutismo do monarca imperava.
O direito brasileiro, inspirado na legislação
portuguesa do século XVI o qual, por sua vez em muito se parece com os
institutos jurídicos franceses, dado o tronco comum do sistema jurídico
romano-germânico, basicamente seguiu os contornos institucionais conferidos aos
Procuradores do Rei franceses para organizar o que mais tarde viria a ser a
instituição do Ministério Público. Com a criação dos Tribunais de Relação na
Bahia em1609, fez-se necessário a atuação do Procurador da Coroa e da Fazenda
naquela instituição, o que seria desempenhada pelo então denominado Promotor de
Justiça. Porém, em 1763, diante do imenso avanço econômico que o ciclo da
mineração causou, transfere-se a sede da Colônia de Salvador para o Rio de
Janeiro, fundando-se nesta cidade a Casa de Suplicação em 1808 – órgão recursal
das decisões da Relação da Bahia, na qual se exige a atuação do Promotor de
Justiça, o que motiva que este cargo e aquele de Procurador dos feitos da Coroa
e da Fazenda sejam cingidos, passando a serem ocupados por dois titulares. É o
primeiro passo para a separação total das funções da Procuradoria Jurídica do
Império e do Ministério Público em suas feições atuais.
Por muitos anos, inclusive após a proclamação
da República, já sob a égide da Constituição de 1891, a função criminal
desempenhada pelos membros do Ministério Público é de longe a mais importante,
tendo inclusive o Código Criminal de 1832 reservado uma seção para tratar dos
Promotores de Justiça. Não é por outra razão que ainda hoje quando se fala em
Promotores de Justiça pessoas leigas imediatamente o associem à acusação
criminal.
Propositadamente, a carta constitucional de
1937 esvazia por completo a abordagem jurídica do Ministério Público como
instituição. Porém, logo em seguida com a edição do CPP em 1941, atribui-se ao
Órgão poderes de requisição de inquérito policial e diligências, tornando-se
regra legal a sua titularidade na promoção da ação penal pública. Ainda sob a
ditadura Vargas, o CPC de 1939 atribui ao Ministério Público atribuições como
órgão interveniente no processo civil em algumas demandas, fato este que, de
algum modo, pode ser explicado pelas raízes históricas da instituição, sempre
ligada aos interesses do “Rei”.
Entretanto, é durante as décadas de 70 e 80
que o Ministério Público começa a se firmar como instituição essencial a função
jurisdicional a partir da emenda constitucional 77 de 1977 que exige a edição
de lei complementar a fim de estabelecer as normas gerais de organização dos
Ministérios Públicos estaduais, o que é feito logo em seguida com a LC nº
41-81. Além disso, a Lei nº 6.938-81 afeta ao Ministério Público a ação
reparatória de danos ao meio ambiente e a terceiros, o que ensejou a criação da
ação civil pública pela Lei nº 7.347-85. O Ministério Público está
definitivamente abrindo espaço para sua autonomia financeira e institucional
frente aos demais poderes instituídos, deixando de ser órgão coadjuvante
especialmente no cenário criminal, para assumir as suas feições atuais de
instituição essencial à democracia republicana.
Nesse sentido, a Constituição da República de
1988 sedimenta as bases institucionais do Ministério Público atual, tratando-o
como instituição permanente – da mesma forma que o fez em relação às forças
armadas – pautada pelos princípios da unidade, indivisibilidade e independência
funcional. Em que pese haver diversas discussões acadêmicas a fim de localizar
o Ministério Público dentre os poderes da República – a história brasileira
justifica essa discussão ao centralizar o MP ora dentro do poder executivo (CF
de 1934; emenda de 1969 à CF de 1967), ora do judiciário (CF de 1891; CF de
1967), ora de forma independente (CF de 1949 e CF de 1988) – o certo é que tais
discussões se mostram inócuas, pois irrelevante sob à ótica institucional do MP
localizá-lo dentro desse ou daquele poder constituído, ou ainda como formador
de um quarto poder. Tanto é assim que a preocupação da CF de 1988 pautou-se em
conceder ao MP atribuições e garantias de poder. Nesse sentido a afirmação de
Mazzilli segundo a qual o “MP sem ser poder, possui atribuições e garantias de
poder”.
Sob a nova ordem constitucional, editam-se a
LC 75-93 que regulamenta e organiza do MPU e Lei nº 8.625-93 denominada de Lei
Orgânica Nacional do Ministério Público que trata das normas gerais de
organização dos Ministérios Públicos Estaduais.
A grande quebra de paradigma, dessa
forma, sem sombra de dúvida, são os contornos constitucionais dado ao MP pela
CF de 1988 em relação às suas atribuições. Segundo o art. 127, caput, da CF,
incumbe ao MP a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos
interesses sociais e individuais indisponíveis. Não por outra razão em tema de
direitos difusos e coletivos, a legislação que se seguiu ao texto
constitucional ampliou extraordinariamente as atribuições do MP em diversas
áreas: pessoa portadora de deficiência (Lei nº 7.853-89); investidores no
mercado de valores mobiliários (Lei nº 7.913-89); criança e adolescente (Lei nº
8.069-90); consumidor e outros interesses difusos e coletivos (Lei nº
8.078-90); patrimônio púbico (Leis nº 8.429-92; 8.625-93 e LC 75-93); ordem
econômica e livre concorrência (Lei nº 8.884-94) dentre tantas outras
leis.
A defesa da ordem jurídica e do regime
democrático, por outro lado, revelam a importância do MP não só como função
essencial à administração da justiça, mas sim à própria existência do Estado,
na medida em que o cumprimento da lei, em uma ordem democrática, é condição
para liberdade das pessoas. Nesse sentido a LONMP bem desenvolveu a vontade
constitucional, ao devotar a instituição à promoção das medidas necessárias
para garantir o respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância
pública aos direitos assegurados pela CF; exercer o controle externo da
atividade policial tendo em vista os valores democráticos; ao conferir-lhe
funções institucionais ligadas à soberania e representatividade popular e à
defesa dos direitos políticos no processo eleitoral; a iniciativa de ações em
defesa de direitos constitucionais bem como a promoção de responsabilidade de
autoridades e a defesa do estado de Direito e das instituições democráticas.
Dessa forma, o modelo de mero agente processual foi deixado de lado pela CF de
1988, exigindo-se do MP no mais das vezes uma atuação incansável na esfera
extrajudicial de modo a buscar efetivamente sua autonomia institucional.
A função no processo penal, por outro lado,
não deixou de ter importância ao MP; porém, deixou de representar a sua quase
única atuação. Veja que a legitimidade política e democrática do Poder
Judiciário repousa no resguardo de sua independência, para o qual concorre a
iniciativa do MP, desonerando os juízos do absurdo lógico numa democracia de
atuarem de ofício no processo penal, acusando e julgando.
Assim, passando pela história da instituição
do MP, e à luz da suas novas atribuições constitucionais, impõe-se que seus
membros, não mais do Estado, mas Procuradores e Promotores de Justiça sejam
realizadores de positivas transformações sociais, sendo insuficiente sua
atuação meramente processual como fiscalizador da ordem jurídica. O débito
político contraído pelo MP perante o poder constituinte é grande e por isso
deve ser adimplido em toda a sua amplitude, exigindo-se da instituição um novo
paradigma capaz de equacionar harmonicamente as expectativas sociais e os
resultados objetivamente alcançados.
17. O MINISTÉRIO PÚBLICO E A ASSISTÊNCIA À
ACUSAÇÃO
A Constituição Federal de 1988 outorgou ao
Ministério Público a função institucional de promover, privativamente, a ação
penal pública.
No entanto, sendo o ofendido o titular do bem
jurídico lesado ou posto em perigo, o art. 268 do Código de Processo Penal,
confere-lhe a faculdade de auxiliar a Instituição na acusação de quaisquer
crimes que se apuram mediante ação penal pública incondicionada ou condicionada
à representação, denominando-lhe assistente.
A titularidade da assistência à acusação
pertence ao próprio ofendido ou seu representante legal e, na falta destes, ao
cônjuge, ascendente, descendente ou irmão.
Tal intervenção como auxiliar do Ministério
Público se dá através de advogado constituído mediante procuração com poderes
expressos e o ingresso nos autos é permitido a partir do recebimento da
denúncia até enquanto não houver trânsito em julgado da sentença. Em casos de
admissão em segunda instância, cabe ao relator a admissão do assistente (analogia
ao art. 557, CPP).
O Ministério Público deve ser necessariamente
ouvido acerca do pedido de assistência, podendo impugná-lo tão somente no caso
de ilegitimidade de parte ou se constatar irregularidades na documentação que
instruir pedido.
Após a manifestação do Promotor de Justiça, ao
Magistrado compete decidir, admitindo ou não o assistente, sendo que, contra
tal decisão não cabe qualquer recurso, embora a jurisprudência entenda cabível
o mandado de segurança ou a correição parcial.
As atribuições do assistente estão previstas
no art. 271 do Código de Processo Penal, sendo a primeira delas propor meios de
prova. Tourinho Filho entende que o assistente não pode arrolar testemunhas,
uma vez que o momento oportuno para tal ato é o oferecimento da denúncia e seu
ingresso ocorre após tal recebimento. Já para Mirabete, nada impede que o Juiz
defira a inquirição de testemunhas arroladas pelo assistente, desde que não
excedam ao limite legal, pois as mesmas poderiam ser ouvidas como testemunhas
do Juízo. Entretanto, antes de decidir sobre a realização de qualquer prova
proposta pelo assistente, deverá ouvir o Ministério Público.
Ademais, poderá requerer perguntas às
testemunhas; participar dos debates orais em qualquer procedimento, em ambos os
casos logo após a intervenção do Promotor de Justiça; e arrazoar quaisquer
recursos interpostos pelo Ministério Público e, consoante a doutrina,
contra-arrazoar os recursos da defesa. Não havendo interposição de recurso pelo
acusador oficial no prazo legal, poderá fazê-lo o assistente dentro de quinze
dias, em caráter supletivo.
O assistente receberá o processo no estado em
que ele se encontrar, não tendo direito à reprodução de atos praticados sem a
sua interferência, ainda quando posteriores ao pedido de intervenção. Após a
sua admissão, será intimado de todos os atos do processo, por intermédio de seu
procurador. Não comparecendo, sem motivo de força maior devidamente comprovado,
o processo prosseguirá a partir de então, independentemente de nova
intimação.
Oportuno mencionar a celeuma em torno da
amplitude deste instituto após o advento da Constituição Federal de 1988.
Há quem defenda que a atuação do assistente é
limitada, não lhe sendo possível modificar, ampliar ou corrigir a atividade do
titular da ação penal.
Faz-se uma análise das razões históricas que
fizeram com que o legislador, quando da elaboração do Código de Processo Penal,
na década de quarenta, adotasse o instituto da assistência da acusação.
Sustenta-se que, nessa época, o Órgão do
Ministério Público era visto como parte parcial no feito, voltado par atender
certas pretensões do Poder Executivo, razão pela qual a assistência tinha como
razão de ser a desconfiança no Ministério Público, o temor da parcialidade e
favoritismo no monopólio do exercício da ação penal, a preocupação pelas
possíveis influências do poder a que estava vinculado. Atualmente tais
preocupações não têm razão de ser, diante da robustez teórica do Ministério
Público, sua atuação imparcial, autonomia e independência funcional.
Além disso, a figura do assistente de acusação
encontrava respaldo em um sistema em que a promoção da ação penal pública não
era conferida com exclusividade à instituição do Ministério Público, o que não
mais ocorre após a Constituição de 88, que instituiu o monopólio em favor da
Instituição.
Dessa forma, adota-se a idéia que, intervindo
no processo criminal, ele passa a ser coadjuvante do Ministério Público,
auxiliando-o apenas na colheita de provas, bem como na exposição da verdade dos
fatos para a aplicação da lei, ressaltando-se, porém, que a ação penal pública
é privativa do Promotor de Justiça e, por isso, a atuação do assistente é
meramente participativa.
Tal afirmação decorre do fato de que o
interesse do bem público geral do Ministério Público no exercício da ação penal
pública não coincide com o interesse secundário do assistente. Enquanto este
busca a condenação criminal e reparação do dano, aquele busca, imparcialmente,
a aplicação da lei, tanto que pode pedir a absolvição do acusado, se assim resultar
do conjunto probatório.
Enquanto o Promotor de Justiça
preocupa-se com o devido processo legal e a busca da verdade real, pois não
interessa à comunidade a condenação de pessoa inocente, aduz-se que o
assistente é parcial, pois intervém na ação penal almejando seu interesse civil
na reparação decorrente do ato ilícito, motivo pelo qual aduz-se que a atuação
do assistente deve ser limitada e não pode interferir na atuação do Ministério
Público.
Outra corrente entende que a posição da
vítima, no processo penal, atuando como assistente de acusação, não mais pode
ser analisada como mero auxiliar da acusação, que almeja unicamente conseguir a
sentença condenatória, para que sirva de título executivo judicial a ser
deduzido no cível.
A assistência pode ter interesse social, tendo
como finalidade a cooperação na repressão do crime e na justa aplicação da
pena, não sendo norteada apenas pelo sentimento de vingança e reparação civil,
motivo pelo qual o assistente exerce nitidamente o direito de agir, manifestando
pretensão contraposta à do acusado.
Conclui-se que a admissão da vítima e dos
demais legitimados como assistente permite a realização de todos os atos que
lhe são atribuídos pelo Código de Processo Penal, atuando de forma conjunta e
harmônica com a acusação, não apenas como parte interessada na indenização
civil, mas também visando à justiça da decisão para a efetiva prevenção e
repressão da criminalidade.
18. O MINISTÉRIO PÚBLICO E A AÇÃO DE
ALIMENTOS.
Primeiramente, cumpre destacar que a participação
do Ministério Público no processo de alimentos deve ser analisada tendo-se em
consideração que ele pode exercer a função de custus legis ou de parte, em
razão da função institucional de defesa dos interesses individuais
indisponíveis preconizada no art. 127 da Constituição Federal de 1988.
A legitimação do Parquet para atuar como
fiscal da lei encontra-se fundamentada no art. 82 do Código de Processo Civil.
Além disso, a Lei n. 5.478/68 (Lei de Alimentos), em seus arts. 9º e 11, impõe
a obrigatoriedade da intervenção do representante do Ministério Público em tais
ações, sem necessidade de distinguir os casos em que haja interesse de menores
e incapazes daqueles em que as partes sejam maiores e capazes.
Isso decorre do fato de que a presença do Ministério
Público na ação de alimentos justifica-se pela necessidade de se examinar o
fiel cumprimento das disposições processuais e materiais, além de atentar para
que haja repartição equânime dos encargos da obrigação alimentar.
A intervenção se faz necessária quer se trate
da ação ordinária, da ação de execução, revisional ou exoneratória, implicando
nulidade do feito a ausência de intimação do Ministério Público para
manifestar-se.
Ainda, é obrigatória a manifestação do
Ministério Público em acordo extrajudicial firmado por pais de menores em ação
de alimentos, a fim de evitar prejuízos aos interesses de incapazes. A Quarta
Turma do Superior Tribunal de Justiça (Notícia do STJ de 12/2/2009), em votação
unânime, deu provimento ao recurso do Ministério Público do Rio Grande do Sul,
para anular a sentença que havia declarado extinta a ação de alimentos de dois
menores representados pela mãe contra o pai, sem a intervenção do órgão
Ministerial.
Importante registrar que o Ministério Público
de Santa Catarina possui o ato n. 103/2004/PGJ, que orienta acerca da
racionalização da intervenção do Ministério Público no processo civil, sem
caráter vinculativo, em respeito ao princípio da independência funcional,
permitindo aos Órgãos de Execução, não se vislumbrando interesse relevante a
reclamar a sua tutela, manifestar-se apenas formalmente, declinando de maneira
sucinta as razões do seu posicionamento.
Dentre as hipóteses elencadas no ato, tem-se:
“ação de alimentos e revisional de alimentos entre pessoas capazes”.
Destaca-se que, conforme prevê o § 1º do art.
3º: “a prerrogativa de optar pela intervenção meramente formal, nos termos
deste Ato, não implica renúncia ao direito de receber os autos com vista nas
hipóteses em que a lei prevê a participação do Ministério Público no
feito”.
Em relação à legitimidade ativa, verifica-se
que a atribuição Ministerial para promover e acompanhar ações de alimentos está
expressamente estabelecida no Estatuto da Criança e do Adolescente, como
conseqüência imediata da Doutrina da Proteção Integral, consoante dispõe o art.
201, III, do ECA
Nesse contexto, o Promotor da Infância e da
Juventude, agindo como órgão de Estado, em defesa das crianças e dos
adolescentes – merecedores de um tipo todo especial de atenção e proteção –
terá legitimidade para a iniciativa da ação de alimentos quando incidentes, no
caso concreto, duas condições: alimentando com idade até dezoito anos
incompletos (art. 2º do ECA) e que o direito do tutelado se encontre ameaçado
ou violado por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsáveis. Nesse sentido,
é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça: REsp n. 659.498/PR, rel. Min.
Jorge Scartezzini, DJU de 14/2/2005.
O posicionamento adotado tem como fundamento o
disposto no art. 148, parágrafo único, “g”, do ECA, acerca da competência da
Justiça da Infância e da Juventude para conhecer somente de ações de alimentos
quando se tratar de criança ou adolescente que se encontrar nas situações
previstas no art. 98.
Contudo, há decisão reconhecendo a
legitimidade do Ministério Público, caso não exista Defensoria Pública no
município, para propor ação de execução de alimentos quando ele mesmo já a
havia referendado. O entendimento da Terceira Turma do Superior Tribunal de
Justiça é que, se o Ministério Público teve legitimidade para promover o
acordo, terá também para executá-lo, independentemente de o menor encontrar-se
sob a guarda e responsabilidade de sua mãe (REsp 510969 / PR, rela. Mina. Nancy
Andrighi, j. em 6/10/2005).
Entendeu a relatora do processo, Ministra
Nancy Andrighi, que o art. 201, III, do ECA dá ao órgão ministerial pertinência
subjetiva para promover e acompanhar as ações de alimentos, não figurando – no
referido dispositivo de lei – qualquer ressalva ou condição capaz de limitar a
atuação do Ministério Público na defesa dos interesses da infância e da
juventude. Segundo ressalta a relatora, é preciso observar que "a proteção
do ECA é ampla, no sentido de salvaguardar os direitos das crianças e dos
adolescentes em todos os casos, inobstante a existência de ‘situação irregular’
ou de abandono, visto que à própria condição de pessoa em desenvolvimento
subjaz a vulnerabilidade e fragilidade a serem tuteladas pela sociedade”.
Para a ministra, os dispositivos inseridos no
Estatuto não podem ter aplicação restrita aos procedimentos da competência da
Justiça da Infância e da Juventude, já que isso dificultaria a principal
finalidade da lei – que é a ilimitada e incondicionada proteção da criança e do
adolescente. A relatora salientou que é possível verificar a violação de direito
da criança, qual seja: não-cumprimento de obrigação de prestar alimentos
assumida pelo alimentante em termo de acordo referendado pelo Ministério
Público, o qual, diante da ofensa a direito indisponível da menor e da inércia
do Estado em prover a comarca local da Defensoria Pública, invocou para si a
defesa do direito subjetivo, em nome próprio, como substituto processual.
Além disso, explicou que o caso trata da
execução de acordo referendado pelo Ministério Público, no atendimento à
comunidade, com o objetivo de preencher lacuna relativa à ausência de
Defensoria Pública no município paranaense de Francisco Beltrão. "Se não
amparada pelo Ministério Público, como poderia se socorrer a população que não
tem condições de arcar com as despesas advindas de um processo, notadamente em
uma comarca destituída de Defensoria Pública?", questionou a ministra.
Tal enfoque, segundo a relatora, seria
suficiente para conferir legitimidade ativa ao Ministério Público para a
propositura da ação em questão. Assim sendo, de acordo com ela,
"encontra-se perfeitamente caracterizada a legitimidade do Ministério
Público para atuar como substituto processual na ação de execução de prestação
alimentícia em face do pai e em favor do menor, nos termos da literalidade do
artigo 201, III, do ECA (...) não se descurando que a execução encontra-se
fundada em acordo que o próprio MP referendou". Diante disso, a ministra
Nancy Andrighi deu provimento ao recurso para declarar o reconhecimento da
atuação do órgão ministerial como "legitimado extraordinário" na
defesa do interesse da criança.
Registra-se, ainda, outra hipótese de
legitimidade ativa do Ministério Público para requerer alimentos prevista na
Lei n. 8.560/92.
Com efeito, esta lei concede legitimação ao
Parquet para ação de investigação de paternidade ao dispor em seu art. 2º, §
4º, que “se o suposto pai não atender no prazo de 30 dias a notificação
judicial, ou negar a alegada paternidade, o Juiz remeterá os autos ao
representante do Ministério Público para que intente, havendo elementos
suficientes, a ação de investigação de paternidade”.
Tal legitimidade se subordina a
indisponibilidade do interesse individual, sendo, portanto, conferida mesmo nos
casos em que o registro de nascimento tenha sido lavrado anteriormente à edição
do referido diploma legal.
O art. 7º da mencionada lei dispõe que “sempre
que nas sentenças de primeiro grau se reconhecer a paternidade, nela se fixarão
os alimentos provisionais ou definitivos do reconhecido que deles necessite”.
Por conseguinte, sempre que o Ministério
Público estiver legitimado para a investigação de paternidade, em idênticas
circunstâncias está o mesmo legitimado para requerer alimentos em favor do
investigando.
Concluindo, o Promotor de Justiça deve atuar,
tanto como custos legis quanto como legitimado ativo, pautado sempre na sua
função constitucional de defesa dos interesses indisponíveis, dentre eles o
direito a alimentos, participando em todas as causas que envolver interesse de
menores e incapazes, sendo-lhe facultada a manifestação em se tratando de
maiores e capazes, sempre fundamentada, bem como agindo como parte nos casos
afetos à Infância e Juventude e nas hipóteses em que a tutela dos interesses do
menor esteja prejudicada pela omissão do Estado em prestar a devida assistência
judiciária gratuita, tendo em vista que a atuação do Ministério Público deve
ser eficaz e completa na defesa integral dos direitos indisponíveis, mormente
das crianças e dos adolescentes.
19. ADOÇÃO INTERNACIONAL
A adoção, instituto civil de direito de
família, é um ato jurídico bilateral que gera laços de paternidade e filiação
entre pessoas para as quais tal relação não existe naturalmente. Trata-se de
uma ficção jurídica segundo a visão clássica de Arnaldo Wald.
É certo que os institutos jurídicos ao longo
da historia modificam-se na medida em que as relações sociais de cada época o
exigem, não sendo diferente com o instituto da adoção que remonta ao direito
romano, evoluindo por meio do direito canônico até chegar aos dias atuais cujo
trato legislativo, no Direito brasileiro, encontra-se no Código Civil e na Lei
8.069-90, também conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Nesse sentido, a legislação, em regra reflexo do tempo e da cultura vivida pela
sociedade em que ela emergiu, partiu de uma total discriminação quanto à figura
dos filhos adotados, para a elevação destes à igualdade plena com relação aos
filhos biológicos.
É certo que o atual texto normativo
constitucional, em seu art. 227, § 6º, revela o valor da igualdade entre os filhos
como um dos princípios vetores do Direito de Família: "os filhos, havidos
ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e
qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à
filiação." Daí porque as discriminações legalizadas pelo revogado Código
Civil de 1916 não poderem subsistir ante a nova ordem jurídico constitucional
pós 1988, fato que se consolidou em termos legais com a edição do ECA em 1990 e
do novo Código Civil, em 2002. Imagine-se que a adoção pelo antigo Código não
concedia direitos hereditários ao adotado e que todos os direitos e deveres que
advinham do parentesco natural permaneciam inalterados pelo novo vínculo criado
pela adoção, à exceção do poder familiar, à época denominado de pátrio poder. O
filho, portanto, pelo Código revogado, sofria um processo de
"coisificação", isto é, constituía-se em mero objeto de um quase
empréstimo, na qual a titularidade de possuidor poderia ser transferida com
possibilidade de retorno ao status quo ante. Essa realidade não mais subsiste
em razão da supremacia dos direitos constitucionalizados decorrente da força
normativa da Constituição.
Com base na nova principiologia
constitucional, o ECA introduz em suas disposições a “doutrina da proteção
integral”, baseada no reconhecimento de direitos especiais e específicos de
todas as crianças e adolescentes. É possível, assim, em nível normativo,
afirmar que além dos direitos fundamentais da pessoa humana, goza a criança e o
adolescente do direito subjetivo de desenvolvimento físico, mental, moral,
espiritual e social, preservando-se sua liberdade e dignidade. O ECA ainda
estabelece o dever em se assegurar à criança e ao adolescente, com prioridade
absoluta, dentre outros direitos, a convivência familiar, tornando-se, agora, o
instituto da adoção, como uma efetiva ferramenta para minimizar os efeitos
devastadores do abandono moral e afetivo que assolam milhares de jovens
brasileiros.
Nesse sentido, a adoção deve sempre pautar-se
em expandir a proteção dos direitos fundamentais do adotado, pois a sua única
finalidade atual é garantir a efetiva convivência familiar de modo a fortalecer
o desenvolvimento emocional da criança e do adolescente. Não por outra razão
deixou de existir com edição do novo Código Civil a adoção simples, passando
esta a ser sempre plena e irrestrita. Limita-se este novo Diploma legal a
repetir as previsões do ECA trazendo poucas modificações e, em tema de adoção
por estrangeiros, remete toda a sua regulamentação à lei especial (ECA). De qualquer
maneira, é certo que segundo ambas as legislações no que se refere à adoção, há
preferência na adoção de crianças e adolescentes brasileiros por pessoas
nacionais, sendo a adoção estrangeira encarada como medida excepcional. Isso é
facilmente explicável considerando o histórico no desvirtuamento que
recorrentemente havia nas denominadas “adoções internacionais”, pois é certo
que essas são mais suscetíveis de fraudes e ilicitudes possibilitando o tráfico
de crianças e adolescente.
Não por outra razão o Brasil, por meio do
decreto legislativo nº 3.087-99, ratificou a convenção de Haia, cujo texto
normativo enumera diversos requisitos para se possibilitar a adoção de crianças
de um dos países signatários por casais estrangeiros. São exigidos, dentre outros
requisitos, que a adoção atenda o interesse superior da criança; a existência
de estudo social realizado no país do casal pretendente, noticiando a
impossibilidade de colocação da criança em família substituta de seu país de
origem; a inexistência de alguma forma de pagamento na constituição da adoção;
haja, quando possível, o respeito pela vontade da criança ou do adolescente
etc.
Segundo o ECA, o casal estrangeiro pretendente
em adotar uma criança brasileira deverá se habilitar perante a comissão estadual
judiciária de adoção (CEJA) a qual compete emitir um laudo de habilitação para
instruir o processo de adoção. No Estado de Santa Catarina, essa comissão foi
instituída pelo provimento 01-93 da Corregedoria-Geral de Justiça, com suas
atribuições definidas no provimento nº 12-93. Os Casais estrangeiros deverão
apresentar dentre outros documentos, estudo biopsicossocial elaborado no local
de sua residência, atestados de saúde físico e mental, certidão de antecedentes
criminais; certidão de casamento; passaporte; atestado de residência;
declaração de rendimentos; documento expedido pela autoridade estrangeira do
respectivo domicílio, comprovando estar o casal habilitado a adotar consoante
as leis de seu país.
É certo lembrar que antes de deferida a
adoção, o art. 51, § 4º do ECA veda a saída do infante do país em qualquer
hipótese. Assim, o estágio de convivência deverá ser realizado em território
nacional por período não menor de 15 dias – para crianças de até 2 anos de
idade – ou não menor de 30 dias, quando o adotando superar àquela idade.
Não se deve esquecer, ainda, que o art. 45 do
ECA estabelece que é necessária a autorização dos pais do adotante para que a
adoção ocorra, ou ainda, a destituição do poder familiar. Importante destacar
que a doutrina majoritária, capitaneada pelo magistério de Maria erenice
Dias, entende ser possível cumular os pedidos de destituição e adoção na mesma
demanda, entendimento este que vem sendo seguido pela jurisprudência do
Tribunal de Justiça de Santa Catarina (Ap. 2005.005558-1; Ap.
2007.061277-2 e Ap. 2007.014052-5). Vale ressaltar, porém, que o STJ, em
julgados de sua 3º Turma, ainda mantém sua orientação no sentido de ser
necessária ação própria de destituição do poder familiar a fim de que os
genitores biológicos exerçam com plenitude o contraditório e a ampla defesa
(Resp nº 283092 e Resp nº 476382).
O processo de adoção é de competência da vara
especializada da Infância e Juventude e, por esta razão, incumbe ao Ministério
Público fiscalizar a sua tramitação, desde a fase de habilitação no cadastro de
pretendentes, até a fase de ultimação do vínculo adotivo a ser entabulado por
meio de uma sentença constitutiva da autoridade judiciária competente.
Em razão da peculiaridade que as adoções
internacionais envolvem, deve o Ministério Público estar atento a qualquer
indício indicativo de desvirtuamento do procedimento adotivo, o qual pode
servir de fachada para ação de grupos criminosos voltados à prática do tráfico
de crianças. Além do que, conforme o ECA prevê, deve-se tentar esgotar todas as
possibilidades de colocação do menor em família substituta nacional para só
assim se abrirem as portas à adoção estrangeira.
De outro lado, recentes estatísticas apontam
que os casais estrangeiros, diferente dos brasileiros, constantemente realizam
adoções visando à ajuda humanitária, estando mais abertos a adotar crianças de
etnias diferentes das suas, bem como de mais idade, crianças que em nosso país
são consideradas inadotáveis. Há grande procura pelos casais brasileiros por filhos
adotivos que possuam características físicas semelhantes às suas, visando,
desta forma, evitar a constatação imediata da origem da filiação por parte de
terceiros. Além disso, a baixa taxa de natalidade dos países desenvolvidos
impulsiona cada vez mais a adoção por estrangeiros em países mais pobres como o
Brasil.
Assim, as restrições existentes na legislação
brasileira à adoção por estrangeiros devem ser entendida pelos órgãos
responsáveis pelo processamento e fiscalização de tal procedimento, como medidas
preventivas e protetivas aos direitos fundamentais das crianças e adolescentes
brasileiros, priorizando a manutenção de sua nacionalidade originária e
convivência com famílias brasileiras. Entretanto, em não sendo possível sua
adoção por pessoas brasileiras, deve-se oportunizar aos infantes por meio da
“adoção internacional”, o convívio familiar de modo a garantir um
desenvolvimento afetivo saudável num lar estrangeiro, cujos casais, em sua
grande maioria, diferentemente dos brasileiros, buscam crianças com idade acima
dos quatro anos de idade seja de qual raça for, optando muitas vezes em adotar
vários irmãos a fim de manter o elo familiar que os unem, demonstrando que
primeiramente desejam ser pais, enquanto que os casais brasileiros procuram em
sua grande maioria criar a ilusão de família natural, tendo como objetivo
adotar bebês brancos e saudáveis ainda nos primeiros seis meses de vida.
20. A IMPETRAÇÃO DE HABEAS CORPUS PELO
MINISTÉRIO PÚBLICO
Quando em atos persecutórios ou na aplicação
da lei penal a liberdade de ir e vir é atingida ou ameaçada indevidamente, seja
por ilegalidade ou abuso de poder, a pretensão de imediato restabelecimento do
direito de ir e vir, ou de remoção da ameaça que sobre ele paira, é deduzida em
juízo com o pedido de habeas corpus. Instaura-se, pois, um processo cujo
objetivo final é a concessão da ordem de impedir ou fazer cessar a ameaça ao
direito de ir e vir.
Introduzido no Brasil por meio do Código de
Processo Criminal de 1832, é certo que hoje o habeas corpus constitui uma das
mais importantes garantia fundamental inscrita no rol do art. 5º da
Constituição da República de 1988, cujo objetivo é a proteção da liberdade de
locomoção. Daí porque os enunciados nº 693 e 694 da súmula do Supremo Tribunal
Federal realcem não ser cabível a ação de habeas corpus contra decisão
condenatória de multa ou relativo a processo em curso por infração penal a que
a pena pecuniária seja a única cominada – por analogia, o enunciado abrange as
medidas do art. 28 da Lei 11.343-06 – ou ainda contra sentença que imponha a
exclusão militar ou perda de patente ou de função pública. Isso porque nesses
casos a liberdade de locomoção não irá sofrer qualquer tipo de ameaça.
É claro que a ação de habeas corpus na grande
maioria das vezes se insurge contra atos de ilegalidade ou abuso de poder que
atentem contra a liberdade de locomoção na esfera criminal, mas é possível sua
impetração no juízo cível quando a ameaça ou lesão deste emanarem, embora não
seja a regra.
Torna-se evidente que essa ação autônoma de
impugnação é um grande instrumento de proteção aos direitos fundamentais do
acusado numa situação em o Estado haja iniciado atos de persecução penal,
conferindo o Código de Processo Penal, no art. 654, caput, a qualquer pessoa,
em seu favor ou de terceiro, capacidade postulatória para impetrar o HC. A
ampliação da legitimidade ativa para essa ação é a prova da importância
jurídica desse remédio constitucional na proteção dos direitos fundamentais
daquele indivíduo cuja liberdade de locomoção esteja ameaçada.
Ocorre que, no mesmo dispositivo legal
supramencionado, legitima-se também a impetrar HC o Ministério Público,
instituição que, segundo o art. 257, I, do CPP, cabe promover, privativamente, a
ação penal pública. Ou seja, o MP tem legitimidade privativa para denunciar
alguém pela prática de crimes e, ao mesmo tempo, tem legitimidade para proteger
essa mesma pessoa de qualquer ilegalidade ou abuso de poder que possa ocorrer
antes, durante ou após o curso da ação penal. A questão, então, que se mostra
controversa é saber como compatibilizar essas duas atuações do Ministério
Público e como essas atuações podem ser entendidas no sistema acusatório penal
estabelecido como garantia fundamental na Constituição de 1988.
O Ministério Público é o titular do direito de
ação nos processos em que a res in judicium deducta versa sobre crimes de ação
pública. Nesse sentido, o MP pede, promove, impetra, litiga. Titular da
pretensão punitiva e do direito de acusar, é evidente que o Ministério Público
tem a função e papel de parte na relação processual que se instaura a partir da
ação penal. Assim, a função de acusar, defender e julgar, hoje, são desempenhas
por sujeitos processuais diversos, garantindo assim o respeito ao contraditório
e ao devido processo legal acusatório.
Ocorre que para resguardar o direito de
liberdade do autor do crime e porque o caráter retributivo da pena o obriga a
um julgamento sobre a pessoa do acusado, deu o Estado caráter processual à
persecução penal de maneira que a pena somente pode ser aplicada depois da
sentença condenatória. Daí o procedimento acusatório ser imprescindível a um
processo constitucionalmente democrático, em que o magistrado imparcial aplica
as normas do direito objetivo, dando a cada um o que é seu.
Além disso, o Ministério Público representa o
interesse público do Estado no processo penal, sendo, por isso mesmo, parte
formal. Incorreto seria conceber o MP como um órgão sui generis no processo
penal, pois sua qualidade de parte é cristalina. Se o MP fosse imparcial,
desnecessária a figura do juiz no processo. No processo penal o MP atua como
parte, pois, se assim não o for, debilitada estará a função repressiva do
Estado. Ademais, o que caracteriza o conceito de parte não é a parcialidade ou
imparcialidade, e sim a titularidade de direitos próprios em relação ao
conteúdo do processo. Embora o ius puniendi seja de titularidade do Estado, o
seu exercício é de titularidade privativa do MP quando se tratar de crimes cuja
ação penal seja pública, sendo portanto certo denominar o MP de parte, embora
em sentido estritamente formal ou processual.
Assim, como titular do direito de exercer a
ação penal, o MP não só pode como deve fiscalizar a fiel execução da lei penal,
constituindo tal mister como projeção da incidência da força normativa dos
direitos e garantias fundamentais do acusado frente o ius puniendi de
titularidade estatal. Nesse sentido dispõe o art. 257, II, do CPP. Logo, o MP,
como órgão da lei, pode pedir a absolvição do réu ou deixar de recorrer contra
uma sentença absolutória, ou ainda impetrar HC nos termos do art. 654, caput,
do CPP, sem destruir a qualificação de parte que ostenta no processo penal.
Logo, é possível dizer que enquanto o juiz atua em função do interesse externo
da composição da lide, o MP atua em função de interesses públicos conexos com
os interesses em conflito, esforçando-se pela constituição de uma sentença
justa.
Em última análise, a legitimidade o MP para
impetração de HC em favor do acusado demonstra que, de acordo com o art. 127 da
CF, ao MP, em toda a sua atuação, incumbe a defesa da ordem jurídica, do regime
democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Diante de uma
ilegalidade patente o MP como instituição constitucionalmente consagrada à
proteção da ordem jurídica e ao regime democrático, está obrigado a autuar em
prol da defesa dos direitos e garantias fundamentais, dentre os quais a
liberdade de locomoção.
Por outro lado, o MP deve evidenciar seu
interesse de agir em favor do direito à liberdade do paciente, pois não é
admissível que o Parquet se utilize do HC para indiretamente assegurar um
direito acusatório. Nesse sentido o STF já se pronunciou diversas vezes desde
1993, reconhecendo que o HC como um instrumento vocacionado exclusivamente à
proteção da liberdade individual e não como meio de sanear processo
eventualmente nulo por ilegalidades ou abuso de poder.
Como defensor da ordem jurídica, o MP vela não
só pela efetiva observância da lei pelos poderes públicos, mas de toda norma
jurídica – princípios e regras – e ainda das decisões dos tribunais. Não por
outra razão o STF amplia o cabimento do HC para questionar a ilegalidade de
inquéritos policiais e processos em que possa resultar a privação à liberdade
de locomoção, cujos elementos de prova se baseiem em meios de prova que
afrontem um processo penal justo e democrático como, por exemplo, inquéritos em
haja a quebra de sigilo bancário injustificadamente (HC 84869) ou mesmo em que
haja o flagrante desrespeito à incidência do enunciado nº 11 da súmula
vinculante do STF.
Por fim, deve-se ressaltar que a impetração de
HC pelo MP, cujos membros são investidos de capacidade postulatória genérica,
somente se legitima em relação ao membro que tiver conhecimento da ocorrência
do constrangimento ou ameaça à liberdade em razão do exercício de suas funções,
bem como nos limites de suas atribuições. Logo, se a ilegalidade é verificada
no julgamento de um processo pela turma recursal que tramita no juizado
especial de determinada comarca, somente o promotor de justiça com atribuições
perante esta terá legitimidade para impetrar HC diretamente no Tribunal de
Justiça local (após o julgamento do HC 86099, a súmula 690 do STF restou
prejudicada).
Ademais, após a Lei 8.625-93, ficou superada a
dúvida sobre a possibilidade de impetração de HC por Promotores de Justiça
perante tribunais de segundo grau, pois a lei anterior restringia essa
possibilidade somente aos Procuradores de Justiça. De todo modo, a impetração
de HC pelo MP não só encontra respaldo legal no CPP e na LONMP, mas deve ser
entendida como uma imposição constitucional ao Ministério Público, instituição
voltada à proteção da ordem jurídica e do regime democrático, sendo nesse
último sentido, garantidor e promotor do efetivo respeito à dignidade da pessoa
do acusado no processo penal.
21. O MINISTÉRIO PÚBLICO E A IMPUNIDADE
Todos os dias nos deparamos com notícias e
reportagens relativas ao aumento da criminalidade, da corrupção, mau trato do
dinheiro público etc, de modo que a sensação da população como um todo é de
absoluta impunidade de grande parte daqueles que afrontam a coletividade em
seus valores mais básicos, em benefício próprio.
Nesse passo, tem o Ministério Público
relevante papel na diminuição desta sensação geral, uma vez que, dotado de uma
série de garantias constitucionais que lhe garantem o pleno exercício das suas
prerrogativas, dentre as quais se enquadra a privatividade da ação penal,
possui o membro do Parquet o poder-dever de agir em prol dos interesses da
sociedade.
São crescentes os números de homicídios,
roubos, latrocínios, e outros crimes bárbaros que aterrorizam a população e
impõem freios ao nosso desenvolvimento social. Muitas vezes o cidadão tem seus
bens privados por assaltantes e nem procura a polícia, pois acredita na
impunidade do ofensor.
Como detentor exclusivo da ação penal pública,
o Ministério Público deve agir com rigor e segurança na instrução criminal em
que oficia, para que a punição imposta ao infrator da Lei penal sirva de
exemplo e desestímulo para todos os demais que pretendem ganhar a vida de
maneira criminosa, e conseqüentemente aumentando a credibilidade da sociedade
nos poderes constituídos e no combate a impunidade.
Ao Ministério Público são proporcionados inúmeros
instrumentos para dar efetividade a um massivo combate à impunidade penal,
iniciando-se pela requisição de abertura de Inquérito Policial à autoridade
competente, bem como o seu respectivo acompanhamento até a propositura de
eventual denúncia.
No mesmo norte, sendo o Ministério Público
destinatário do Inquérito Policial e titular da ação penal pública,
conferiu-lhe a Constituição Federal poderes de controle externo sob a atividade
policial, podendo averiguar a efetiva investigação e repressão dos crimes que
chegam ao conhecimento da Polícia. Inclusive já tendo sumulado o Superior
Tribunal de Justiça (234) que a participação de membros do Parquet na
investigação policial não dá azo a uma eventual suspeição posterior pela
propositura da denúncia.
Entretanto, resta evidente que a exclusiva
fiscalização ministerial não terá qualquer efeito se a atividade policial não
for aprimorada em todos os sentidos. Ninguém dúvida que o crime caminha para
uma acentuada especialização e profissionalização, requerendo, por
conseqüência, um acompanhamento estrutural e técnico das nossas polícias, que
deveriam estar muito mais preparadas e treinadas para um efetivo combate a
impunidade. De maneira que, com baixos salários e despreparadas, muitas vezes a
polícia mais assegura a impunidade que a reprime.
No que assiste a instrução criminal possui o
Ministério Público instrumentos processuais próprios para apuração da
responsabilidade penal e o combate a impunidade como um todo. Podem ser citados
a Lei dos Crimes Organizados, Escuta Telefônica e os crimes hediondos, dando
tratamento mais rigoroso a determinados crimes e vários outros previstos na
nossa legislação adjetiva. Também merece especial destaque a Lei n. 9.613/98
que em boa hora tipificou os crimes de lavagem de dinheiro, punindo de modo
específico aqueles que legalizam os bens provenientes de vários ilícitos
(tráfico de entorpecente, crimes contra o sistema financeiro nacional etc).
Contudo, não se olvida que o aumento da
criminalidade é um retrato fiel da nossa realidade econômica, um país que tem
uma das maiores economias do mundo e ao mesmo tempo uma das piores
distribuições de riqueza, não pode, unicamente através da persecução penal,
persuadir toda a forma de impunidade. Deve-se criar uma política de
oportunidades onde a sociedade e o Estado possam proporcionar empregos e
atividades a população mais carente do nosso país.
Temos também uma das maiores cargas
tributárias existentes, que realmente não se coadunam com os parcos serviços
prestados pelo Estado. Grande parte dos recursos públicos que serviriam para a
execução de políticas sociais é diluído por agentes públicos na ânsia de
enriquecer as custas do erário.
Na verdade, o exemplo a ser dado deveria
partir daqueles a quem o povo, efetivo titular do poder na ordem democrática,
outorga os seus mandatos, bem como dos seus agentes que no trato com os
dinheiros públicos confundem o patrimônio da coletividade com os seus,
angariando verdadeiras fortunas decorrentes de práticas espúrias e desvirtuando
a finalidade do Estado, que é o bem comum.
Como forma de combater essa mazela, o
Ministério Público tem buscado a punição de eventuais corruptos, principalmente
por meio da Lei 8.429/92 (Lei da Improbidade Administrativa), a qual trouxe
amplos poderes para que o parquet e outras entidades, punam e recuperem todos
os valores ilicitamente acrescidos aos patrimônios dos agentes públicos e dos
respectivos beneficiários dos seus atos, que sofrerão sanções civis,
políticas e administrativas decorrentes dos seus atos, independentemente das
sanções criminais.
O Ministério Público do Estado de Santa
Catarina, em projeto pioneiro no país, igualmente tem voltado especial atenção
ao aspecto preventivo da corrupção.
Diante dessa necessidade e das dificuldades em
se coibir práticas corruptas que estão arraigadas na sociedade brasileira, o
promotor de Justiça do Estado de Santa Catarina, Affonso Ghizzo Neto,
considerando que uma das soluções seria a atuação preventiva dos agentes
sociais, iniciou um programa de mobilização e conscientização social denominado
“O que você tem a ver com a corrupção?”.
O projeto visa principalmente dimunuir a
educar e estimular as novas gerações, mediante a conscintização, em médio e
longo prazos, dos malefícios que a corrupção traz à vida de todos, bem como
almeja diminuir a impunidade por meio da criação de um canal direto para o
oferecimento de denúncias, pela polulação.
Outrossim, é patente a participação do MP em
toda espécie de ação que vise a punição ou anulação de atos lesivos ao Estado,
como é o caso igualmente da ação popular, quando o MP poderá até mesmo tomar a
titularidade desta nos casos de abandono pelo autor da causa.
Finalmente temos o exemplo das ações civis
públicas, que na tutela dos interesses difuso e coletivos presta ampla
titularidade ao Ministério Público para que reprima a impunidade daqueles que
se valem do poder econômico em prejuízo dos hiposuficientes, a exemplo das
ações propostas com fulcro no CDC, ou mesmo dos poluidores que são obrigados a
prevenção, repressão ou indenização resultante da degradação do meio ambiente,
ou ainda nos poderes conferidos pelo ECA quando o Estado ou a sociedade não
atende aos ditames da doutrina da proteção integral.
Diante do exposto, concluí-se que o Ministério
Público, no uso de suas prerrogativas, tem amplos poderes para diminuir a
impunidade que, em nosso país, existe nas mais variadas formas, tendo o
Promotor de Justiça, repita-se, o poder-dever de velar pelos interesses da
sociedade nos mais variados casos, seja na esfera criminal, na dos direitos
indisponíveis ou na dos difusos e coletivos.
Fontes:
- Material de apoio que alguns promotores
utilizaram no último concurso do MP/SC.
- Material enviado pelo Dr. Affonso Ghizzo
Neto, promotor de justiça do MP/SC.
22. 25. PENA DE MORTE E PRISÃO PERPÉTUA: VISÃO
CRÍTICA
A prisão perpétua, assim como a pena de morte,
constitui tema que no Brasil só pode ser discutido do ponto de vista filosófico,
moral etc.. Juridicamente enfocado, a conclusão não pode ser outra: ela está
terminantemente proibida pela atual Constituição da República (art. 5º, XLVII).
Para superar essa barreira constitucional, em tese, existiriam três caminhos: o
da emenda constitucional, o da lei ordinária e o do plebiscito.
A via da emenda constitucional que
viabilizaria no nosso país a prisão perpétua ou a pena de morte acha-se
bloqueada pelo que está previsto no art. 60, §4º, da Constituição, que cuida de
uma das chamadas cláusulas pétreas (normas supraconstitucionais). Referida
norma constitucional proíbe a deliberação de qualquer proposta de emenda
tendente a abolir “os direitos e garantias individuais”. A vida e a liberdade,
indiscutivelmente, constituem direitos individuais (art. 5º), razão pela qual
não podem ser afetados por nenhuma emenda constitucional.
Particularmente no que diz respeito à prisão
perpétua, semelhante iniciativa legislativa também encontraria o obstáculo no
princípio da individualização da pena prevista no art. 5º, XLVI, da CR. Na
medida em que a prisão perpétua impede qualquer progressão de regime prisional,
assim como o livramento condicional, colidiria frontalmente com o mencionado
princípio.
A revisão constitucional, prevista no art. 3º
do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, também possui limites. O
poder de revisão é um poder criado pela Constituição e regulado por ela; é
dizer, é um poder constituído e não constituinte. Sendo assim, não pode dispor
contra suas opções fundamentais. Não é um poder de fazer “nova” Constituição,
senão o de guardá-la e defendê-la, propiciando a sua acomodação a novas
conjunturas.
Algumas normas, mais precisamente as chamadas
normas-princípios, não podem ser objeto de revisão porque são intocáveis.
Existe um núcleo “supraconstitucional” que não pode ser afetado, nem sequer
pela revisão constitucional. Este núcleo está constituído pelos princípios
básicos constitucionais, como os estabelecidos nos arts. 1º ao 5º, da CR, cuja
imodificabilidade está garantida pelo art. 60, §4º, da CR.
Outra via possível, em tese, para a adoção da
pena de morte ou da prisão perpétua seria a da lei ordinária. Mas qualquer
iniciativa legislativa deste teor seria absolutamente inconstitucional na
medida em que violaria os dispositivos constitucionais já citados que proíbem
tanto a pena de morte, salvo em caso de guerra declarada, como a de prisão
perpétua (art. 5º, XLVII).
Quanto ao plebiscito, dispõe o art. 49, XV, da
CR, que cabe ao Congresso Nacional, com exclusividade, convocá-lo, não
existindo nenhum obstáculo constitucional expresso para tal convocação.
Contudo, se a pena de morte e a prisão perpétua não podem ser reconhecidas por
emenda constitucional, nem pela lei ordinária, perde todo o sentido convocar o
povo para opinar em plebiscito sobre algo que juridicamente é impossível.
Assim, conclui-se que todas as vias jurídicas
acham-se bloqueadas para introdução no Brasil da pena de morte e da prisão
perpétua.
O Estatuto de Roma, que criou o Tribunal Penal
Internacional e previu a pena de prisão perpétua, foi ratificado pelo Brasil. A
doutrina vem salientando que o este Tribunal cuidará de crimes graves, não
previstos na legislação interna. Dessa forma, a vedação constitucional valeria
internamente, não nas relações do Brasil com a comunidade internacional.
Para Luiz Flávio Gomes, todas as vezes que o
Brasil tiver que “entregar” (que não se confunde com extraditar) alguém para
ser julgado pelo Tribunal Penal Internacional, deve fazer a ressalva da pena de
prisão perpétua, salientando que a entrega é condicionada à não-aplicação dessa
pena, que é vedada pela nossa Constituição.
Por oportuno, vale discorrer acerca dos
motivos pelos quais se postula tanto a pena de morte ou a de prisão perpétua
atualmente.
Poucos países não tiveram um grande incremento
da criminalidade, sobretudo depois da Segunda Guerra mundial. Esse incremento
gerou a demanda de políticas criminais “duras”. Em muitos lugares se fala em
“guerra” ou “luta” contra a criminalidade. Ganhou proeminência o chamado
movimento da lei e da ordem.
Exatamente esta demanda de endurecimento
político-criminal é que vem sendo a responsável pela severidade de vários
sistemas penais, mais precisamente das respostas que o Estado deve dar para
controlar o gravíssimo problema da criminalidade.
Da análise do conjunto dessas respostas
estatais é possível detectar dois grupos bem delineados: o das respostas
puramente repressivas, baseados no endurecimento do sistema penal e no
incremento da persecução criminal; e o das respostas mais globais, de natureza
predominantemente preventiva.
Por uma série de razões, que tocam
principalmente a política econômica adotada em cada país e a justa distribuição
da riqueza, sempre foi e continua sendo muito mais fácil adotar o primeiro
modelo de política criminal, puramente repressivo. A forma mais econômica e,
muitas vezes, mais demagógica de dar uma resposta estatal “popular” ao problema
de delinqüência, consiste na promulgação de uma lei penal dura. Do ponto de
vista econômico e do simbolismo, nada é menos custoso.
Ocorre que o complexo da delinqüência, que é
plurifatorial, possui inúmeras vertentes. E a simples promulgação de uma lei,
por mais dura que seja, acaba não surtindo os efeitos desejados.
Os exemplos dessa política criminal puramente
repressiva são, nos dias atuais, incontáveis. Os Estados Unidos, por exemplo,
declararam guerra ao narcotráfico, sobretudo nos anos 80, e ainda hoje o
problema continua se avolumando. No Brasil, por sua vez, houve também adoção
explícita dessa mentalidade de “luta” contra o crime a qualquer preço. O
coroamento dessa política repressiva veio com a denominada Lei dos Crimes
Hediondos. Não se observou, contudo, qualquer diminuição do número de
seqüestros, estupros, roubos ou homicídios praticados no país.
A eficácia do sistema penal, e particularmente
da lei penal, depende, em suma, de um conjunto muito complexo de fatores.
Como destaca a moderna Criminologia, nem o
incremento das taxas de criminalidade registrada significa, sem mais, um
fracasso do controle social penal, nem, tampouco, parece viável um sistemático
e progressivo endurecimento deste para alcançar cotas mais elevadas de
eficácia.
O controle social penal tem limitações
estruturais inerentes à sua própria natureza e função, de modo que não é
possível exacerbar indefinidamente sua efetividade para melhorar, de
forma progressiva, seu rendimento. A prevenção eficaz do crime não deve se
limitar ao aperfeiçoamento das estratégias e mecanismos de controle social.
Mais leis, mais penas, mais policiais, mais juizes, mais promotores, mais
prisões, significa mais presos, porém não necessariamente menos delitos.
O controle da criminalidade, em síntese, exige
uma política coordenada tanto repressiva quanto preventiva.
No que concerne à repressão, para que as
pessoas sejam motivadas de acordo com a norma penal, respeitando-a, é preciso
que a lei penal, como já dizia Beccaria, seja aplicada de forma rápida, certa e
infalível: “não é a crueldade das penas um dos maiores freios dos delitos,
senão a infalibilidade delas [...] a certeza do castigo, ainda que moderado,
causará sempre maior impressão que o temor de outro castigo mais terrível, mas
que aparece unido com a esperança de impunidade”.
Defender a pena de morte, portanto, é defender
o atraso, é reconhecer a regressão antropológica e moral do homem, tão
combatida pelas idéias iluministas e humanitárias do Século XVIII.
23. LITISCONSÓRCIOS ENTRE MINISTÉRIOS
PÚBLICOS
A questão do litisconsórcio entre as
instituições é matéria controvertida na doutrina e jurisprudência, tendo o
Superior Tribunal de Justiça já se manifestado acerca da sua possibilidade
(REsp n. 382659 / RS, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, Primeira Turma, j. em
2/12/2003).
Ao comentar o tema Hugo Nigro Mazzilli
relembra, como ocorreu a luta pela aprovação da atuação conjunta dos
Ministérios Públicos para uma atuação mais eficiente, especialmente em matéria
ambiental.
No VI Congresso Nacional do Ministério Público
em São Paulo, no ano de 1985, a tese não foi aprovada, sendo adotada apenas a
solução intermediária de assistência listisconsorcial.
Em 1988, nos trabalhos da Assembléia Nacional
Constituinte, houve nova tentativa, mas também não se obteve êxito.
O primeiro diploma legal que previu a
possibilidade de litisconsórcio entre os Ministérios Públicos foi o Estatuto da
Criança e do Adolescente, em seu art. 210, § 1º.
Com a colaboração de Nelson Nery Júnior e
Antônio Herman Benjamin é que foi encaminhada nova proposta ao Congresso
Nacional, que foi aprovada em dois dispositivos do Código de Defesa do Consumidor.
O art. 82, § 2º, do CDC repetiu o texto do
210, § 1º, do ECA e foi vetado.
No entanto, o art. 113 do CDC acrescentou
parágrafos ao art. 5º da Lei 7.347, entre eles, o § 5º, que repete o teor do
ECA. O artigo 113 do CDC, posto com o mesma redação do referido artigo 82, § 2º
(vetado), foi sancionado: “admitir-se-á o litisconsórcio facultativo entre os
Ministérios Públicos da União, do Distrito Federal e dos Estados na defesa dos
interesses e direitos de que trata esta lei”.
As razões do veto do artigo 82, § 2º, do CDC
foram: a) o dispositivo fere o artigo 128, § 5º, da CF que reserva à lei
complementar a disciplina da organização, atribuições e estatuto de cada MP; b)
somente poderia haver litisconsórcio se a todos e a cada um dos MP tocasse qualidade
que lhe autorizasse a condução autônoma do processo, o que o artigo 128 da CF
não admitiria.
Diante da incoerência do veto ao 82, § 2º, do
CDC e da sanção do artigo 113, também do CDC (este tendo acrescentado o § 5º ao
artigo 5º da Lei 7347), surgiram correntes contrárias e favoráveis ao
litisconsórcio.
Teothonio Negrão prega que o art. 113 do CDC
também fora vetado expressamente pelo Presidente, mas, por engano, a publicação
oficial do Código de Defesa do Consumidor os deu como sancionados, quando, em
realidade, foram vetados.
Vicente Grego Filho diz ser inconstitucional o
referido § 5º: “É curial que a atuação do MP acompanhe a competência dos órgaõs
jurisdicionais perante os quais atua. Assim, se a competência para o processo é
da Justiça Federal, o Ministério Público estadual não pode atuar
perante ela e vice-versa. O direito brasileiro tem conhecido delegações
de atribuições do Ministério Público federal para o estadual. como, por
exemplo, a promoção da execução da dívida ativa federal ou a ação penal nos
crimes de tráfico de entorpecentes com o exterior, mas sempre vinculado à
competência do juiz perante o qual atua. Lei ordinária não poderia
quebrar o sistema. Viola o parágrafo o próprio sistema federativo, porque
subverte as competências das autonomias.” (Comentários ao CDC, coord. Juarez de
Oliveira, São Paulo, Saraiva).
No entanto a corrente predominante até o
momento defende o § 5º é constitucional e está em vigor. Os argumentos da
corrente favorável são:
a) “(...) a organização do Ministério Público
hoje nada tem a ver com a dos órgaõs jurisdicionais. E em nada desnatura o
princípio federativo que o MP estadual tenha algumas funções perante a JF ou
vice-versa, como até há poucos anos ocorria nas execuções fiscais e ainda
ocorre na Justiça Federal e trabalhista; nas cartas precatórias ou de ordem; na
ação penal por tráfico de entorpecentes para o exterior; na avaliação de renda
e prejuízos decorrentes de autorização para pesquisa mineral; na possibilidade
de o MP Federal interpor recurso extraordinário perante tribunais estaduais (LC
75/93, art. 37, parágrafo único);
b) Embora tenha a CF reservado à Lei
Complementar de cada MP a disciplina de suas atribuições, organizações e
estatuto, isto não significa que a lei federal ordinária não possa cometer
atribuições ao MP, ou que à disciplina processual esteja ele imune; c) Os
princípios da unidade e indivisibilidade do MP só valem dentro de cada
instituição; não podem ser invocados para disciplinar a atuação de
Ministérios Públicos dos Estados diversos, ou entre a destes e o da
União, nem mesmo a atuação dos diversos Ministérios Públicos da União entre si,
a não ser considerando unidade e indivisibilidade sob o aspecto puramente
abstrato. No mesmo sentido diz Motauri: “Em verdade, ditos princípios
somente valem dentro de cada Instituição: assim, o MP de SP é uno e
indivisível, como o é, por exemplo o MP Federal. No entanto, não existe um MP
que possamos chamar de nacional, abarcando a todos, que seja uno e
indivisível.”
Como já afirmado a maioria da doutrina e
jurisprudência admitem o litisconsórcio em comento. Questão que surge: perante
qual justiça será proposta a ação em listisconsórcio? Segundo a doutrina
depende do interesse tutelado. Se Federal, na Justiça Federal. Se Estadual, na
Justiça Estadual. Contudo, o STF, em decisão unânime de seu Pleno, decidiu que,
pertencente o Ministério Público Federal à estrutura da União, as ações por ele
aforadas devem ter curso perante a justiça federal, nos termos do art. 109, I,
da CF – RE 228.955-9, 10/02/2000). Motauri conclui: “Em corolário, o
litisconsórcio entre MPs do Estado e da União (incluídos o Federal e o do
Trabalho) somente pode ocorrer em ações ajuizadas perante a justiça federal
- e não a estadual. (...) se a lei admite o litisconsórcio entre MPs e se
estes ao ingressarem com a ação civil pública o fazem por direito próprio
- e não dependência um do outro – por certo que o disposto no art. 5º, §
5º, autoriza também cada um deles a propor demanda isoladamente”.
A possibilidade de litisconsórcio entre os
Ministérios Públicos repercurte, sobremaneira, em benefício da coletividade, na
defesa dos interesses de maior abrangência social.
Isso porque, em sede de Ação Civil Pública, a
natureza dos interesses difusos faz com que a matéria, muitas vezes, não possa
ficar circunscrita a limites geográficos, pois, em matéria de meio ambiente ou
tutela do consumidor, é comum o interesse objetivado dizer respeito tanto à
esfera federal, estadual e municipal, sendo que a integração é importante para
a atuação ministerial na defesa desses interesses e direitos da sociedade, o
que já vem surtindo efeitos positivos, pois, conforme o Ministro do Superior
Tribunal de Justiça Humberto Gomes de Barros, no voto do REsp citado alhures: “a
atuação do Ministério Público em defesa da Ordem Jurídica e da Carta Cidadã tem
sido digna de louvor e homenagens”.
24. A REDUÇÃO DA MAIORIDADE CIVIL E PENAL
Tanto a maioridade civil quanto a penal, no
sistema brasileiro, são prévia e abstratamente definidas pela legislação
adotando-se um critério biológico no qual o fator tempo é preponderante,
segundo o qual se presume que o indivíduo, ao atingir determinada idade, passa
a ter o discernimento necessário de suas condutas e, desse modo, a responder plenamente
por seus atos, quer na esfera criminal, quer na civil. Importante destacar,
porém, que muito embora a questão civil seja, via de regra, adstrita a
interesses de particulares, a imputabilidade penal é matéria de alta indagação
prevista no corpo constitucional (art. 228).
Até recentemente eram distintos os momentos em
que restavam alcançadas as maioridades penal e civil, haja vista que aquela se
implementava aos 18 anos de idade e esta aos 21.
Tal dicotomia, contudo, restou superada com o
advento do Código Civil de 2002, que reduziu para os 18 anos o patamar
referente à maioridade civil, contexto que repercutiu sobremaneira nas relações
sociais, pois se por um lado todos os sujeitos que satisfaçam tal requisito
passam a ter capacidade plena de contrair obrigações e dispor livremente de
seus bens, por outro enfoque mitigam-se as hipóteses de responsabilização civil
dos progenitores por atos dos filhos menores que estejam sob sua guarda,
cabendo frisar também a redução no volume de processos a ensejar intervenção do
Ministério Público como fiscal da lei na tutela dos interesses dos incapazes.
Entretanto, se relativamente definida a
questão referente à maioridade civil, o mesmo não se pode dizer com relação à
penal, ensejadora de séria problemática e acalorados debates ideológicos nos
últimos tempos, motivados sobretudo pela aparente escalada do número de
infrações graves cometidas por menores de idade, gerando natural perplexidade e
fazendo com que boa parte da mídia conduza a opinião pública leiga a clamar
pela redução da idade de imputabilidade penal, fazendo surgir defensores de
diversas teses, ora pretendendo sua fixação nos 16 anos, ora adotando-se
critério biopsicológico segundo o qual se deva realizar avaliação técnica para
detectar-se o grau de compreensão do infrator sobre a gravidade do ato por ele
cometido.
Reflexo desse movimento é o fato de existirem
3 projetos de emenda constitucional tramitando no Senado (Comissão de
Constituição e Justiça), como se a mera alteração normativa possuísse o condão
de estancar a criminalidade que assola o meio social.
Cabe ressaltar, porém, que não são poucas as
vozes que defendem a impossibilidade de reforma constitucional neste aspecto
por entenderem que se trata de direito individual erigido ao status de cláusula
pétrea nos termos do art. 60, §4º, inciso IV, da CF, e, por isso, somente
podendo ser suprimido por nova Assembléia Nacional Constituinte, contexto que
parece distante da realidade brasileira neste momento.
De todo modo, partindo-se da hipótese de ser
possível a Emenda Constitucional no caso e, assim, analisando-se o mérito da
questão: há ou não a necessidade de diminuir a maioridade penal?
Tratando-se de menores de 18 anos, a
legislação Brasileira há muito considera que a pessoa abaixo dessa faixa etária
não tem o desenvolvimento capaz de compreender exatamente a natureza da sua
conduta, não estando apta a ser condenada a uma pena, mas precisa, em casos
graves, de internação em estabelecimento adequado a formá-lo para a vida
social. Melhor dizendo, enquanto o menor, porque sequer formada por inteiro sua
personalidade, deve ser educado para o convívio em sociedade, o maior, porque
desvirtuado seu processo de formação, deve ser reeducado e ressocializado. Ora,
se são distintas as necessidades, impõe-se seja distinto o tratamento legal.
Sobre o adolescente, vejamos o seguinte
trecho:
“É comum períodos de serenidade sucederem-se a
outros de extrema fragilidade emocional com demonstração freqüente de
instabilidade. Sentem-se imortais, fortes, capazes de tudo. As emoções são
contraditórias. Deprimem-se com facilidade, passando de um estado meditativo e
infeliz para outro pleno de euforia.” (ZAGURY, Tânia. Educar sem culpa. p. 82).
Somem-se a isso, as influências negativas
sobre muitos adolescentes do meio familiar e ou social. A autodeterminação é
neles incompleta, por força de fatores endógenos e é influenciado pelos fatores
ambientais. O adolescente, pois, se é criado num mosteiro, tende a virar um
monge; se é criado na criminalidade, torna-se um delinqüente em potencial.
Observa-se também que boa parte daqueles que
bradam por mudanças no ordenamento jurídico neste tocante possuem a falsa
impressão de que impera a impunidade nos casos de atos infracionais praticados
por adolescentes, o que não condiz com a realidade, porquanto o Estatuto da
Criança e do Adolescente prevê uma série de medidas sócio-educativas, dentre as
quais a internação por até 3 (três) anos, sendo possível até mesmo a internação
provisória por até 45 dias.
Ocorre que a sociedade hodierna é pautada pela
lógica da vingança e do revanchismo e, assim, passa-se a propalar a falácia de
que o prazo limítrofe de 3 anos seria insuficiente para reprimir e prevenir a
criminalidade, olvidando-se de atacar a real causa do problema, qual seja, a
incapacidade do Estado de oferecer Centros de Internação adequados ao alcance
do desiderato ao qual se propõe.
Ou seja, reconhecendo a falência do sistema de
tratamento psicossocial dos menores infratores, os defensores da redução da
maioridade penal, ao invés de combater pela implementação de políticas públicas
adequadas a garantir os direitos dos adolescentes, preferem defender que tais
garantias sejam restritas a um grupo menor de indivíduos.
Esquecem que a Constituição da República e o
ECA se norteiam pela Doutrina da Proteção Integral, segundo a qual é dever da
família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com
absoluta prioridade, a efetivação dos direitos hábeis ao desenvolvimento sadio
das crianças e dos adolescentes.
A lógica da lei, todavia, deve ser a lógica da
razão, desapegada de comoções circunstanciais, e é dentro de tal contexto que o
Ministério Público deve batalhar incansavelmente pelo respeito das garantias
dos menores inseridos na criminalidade e, através de seus órgãos de execução,
fiscalizar a atuação do Estado e mesmo da sociedade, assumindo papel de
destaque na busca de um sistema onde nossas crianças e adolescentes possam
superar a delinqüência ao invés de serem alijadas do convívio
comunitário.
25. 31. O MINISTÉRIO PÚBLICO E A ATIVIDADE
POLÍTICO-PARTIDÁRIA
A Constituição da República de 1988, na
redação anterior à Emenda Constitucional nº 45/2004, não tornava absoluta a
vedação de atividade político-partidária aos membros do Ministério Público, já
que fazia expressa ressalva às exceções contidas na lei infraconstitucional
(art. 128, §5º, II, e). Aos juízes a vedação é absoluta, conforme se infere da
redação do art. 95, parágrafo único, III, da Constituição da República, o qual
não sofreu qualquer alteração desde a promulgação desta.
É evidente que ao juiz e ao promotor de
justiça, como cidadãos, não se lhes pode vedar tenham opinião
político-partidária. Entende-se, contudo, como atividade
político-partidária, incompatível com a necessária isenção de ânimo para
as questões submetidas à apreciação do magistrado e do membro do Ministério
Público, a filiação a partidos políticos, o exercício de qualquer ação direta
em favor de um partido e a participação em campanhas promovidas por partidos
políticos.
Devem, ainda, abster-se de qualquer ato de
propaganda ou de adesão pública a programas de qualquer corrente ou partido
político, bem como abster-se de promover ou participar de desfiles, passeatas,
comícios e reuniões de partidos políticos. Considera-se, ainda, atividade político-partidária:
fundar partidos políticos, bem como pertencer a órgãos de direção partidária ou
ainda concorrer a postos eletivos.
Pressupõe atividade político-partidária
concorrer a cargos eletivos tanto do Poder Executivo como do Poder Legislativo,
pois que a filiação a partido e a campanha eleitoral dela são indissociáveis.
Já o exercício de cargos administrativos como
secretário de Município ou de Estado, ou ministro de Estado, ou ainda chefe de
gabinete ou assessores de autoridades administrativas, por si mesmo não
pressupõe necessariamente atividade político-partidária, embora os ocupantes de
tais cargos possam nela envolver-se. A correta proibição dessas atividades não
se encontra no art. 128, §5º, II, e, da Constituição, e sim na vedação de
exercício ainda que em disponibilidade, de qualquer outra função pública, salvo
uma de magistério (art. 128, §5º, II, d).
Excetuadas as hipóteses cobertas pela norma do
art. 29, §3º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, o qual
determina que o membro do Ministério Público admitido antes da promulgação da
Constituição de 1988 poderá optar pelo regime anterior no que respeita às
garantias e vantagens, não é permitido o exercício de cargo público, salvo uma
de magistério.
A Lei Orgânica do Ministério Público da União
(Lei Complementar nº 75/93) dispõe ser vedado o exercício de atividade
político-partidária aos seus membros, ressalvada a filiação e o direito de
afastar-se para exercer cargo eletivo ou a ele concorrer (art. 237). Dispõe,
ainda, que a filiação a partido político impede o exercício de funções
eleitorais para o membro do Ministério Público até 2 (dois) anos de seu
cancelamento (art. 80).
Já a Lei Orgânica Nacional do Ministério
Público (Lei nº 8.625/93) mencionou a filiação partidária e outras exceções
previstas em lei (art. 44, V) como ressalva à vedação de atividade
político-partidária por membro do Parquet.
Por sua vez, a Lei Orgânica do Ministério
Público de Santa Catarina (Lei Complementar nº 197/2000) já vedava qualquer
atividade político-partidária ao membro do Ministério Público que tivesse
ingressado na carreira a partir de 5 de outubro de 1988 (art. 158 c/c art. 201,
§1º).
O Supremo Tribunal Federal, pelo seu Plenário,
limitou o alcance da norma inscrita no art. 44, V, da Lei Orgânica Nacional do
Ministério Público, ao afirmar que
[...] a única exegese constitucionalmente
possível é aquela que apenas admite a filiação partidária de representante do
Ministério Público dos Estados-membros, se realizada nas hipóteses de
afastamento, do integrante do Parquet, de suas funções institucionais, mediante
licença, nos termos da lei. (ADIn 1.377-7-DF, j. 3-6-98).
Da mesma forma, apreciando o alcance dos arts.
80 e 237, V, da Lei Orgânica do Ministério Público da União, a mesma corte só
entendeu admissível a filiação partidária do membro do Ministério Público que
esteja afastado de suas funções institucionais, mas ressaltou a necessidade de
que este cancele sua filiação partidária antes de reassumir suas funções, quaisquer
que sejam, e apontou a impossibilidade de que desempenhe funções pertinentes ao
Ministério Público Eleitoral antes de dois anos após o cancelamento da filiação
(ADIn 1.371-8-DF, j. 2-6-98).
Assim, para que possa concorrer a pleito
eleitoral, o membro do Ministério Público deve se afastar de suas funções
institucionais nos 6 (seis) meses anteriores à eleição, conforme previsto no
art. 1º, II, j, da Lei Complementar nº 64/90 (Lei de Inegibilidades). Se o
membro do Ministério Público pretender concorrer ao cargo de Prefeito ou de
Vice-Prefeito da respectiva comarca, ele deve afastar-se de suas funções nos 4
(quatro) meses anteriores ao pleito, sem prejuízo dos vencimentos integrais
(art. 1º, IV, b, LC nº 64/90). Se pretender concorrer ao cargo de Vereador,
deverá observar o prazo de 6 (seis) meses, como estabelece o art. 1º, VII, da
LC nº 64/90. O prazo de desincompatibilização se prolonga por todo o período
eleitoral.
Conforme entendimento do Supremo Tribunal
Federal contido nas ADIn’s 1.371 e 1.377, acima mencionadas, os membros do
Ministério Público não podem exercer o cargo estando filiados. Dessa forma,
somente após se desimcompatibilizarem (nos prazos da Lei Complementar nº
64/90), devem efetuar a necessária filiação partidária, não lhes sendo exigível
o prazo anual previsto no art. 18, da Lei nº 9.096/95 (Lei dos Partidos
Políticos).
Para Hugo Nigro Mazzilli, as vedações são
garantidas para um correto e isento exercício das relevantes funções cometidas
a seus membros, e o exercício de atividade político-partidária por membro do
Ministério Público absorve, desvia e desprofissionaliza seus agentes. Quando
assumem posturas político-partidárias, aproximam-se demasiadamente de
tendências e grupos políticos, de forma incompatível com uma atuação isenta. O
exercício de atividade político-partidária, a disputa de cargos eletivos e o
financiamento de campanhas também levam a compromissos e aproximação, de acordo
com as lições desse autor.
Assim, com o advento da Emenda Constitucional
nº 45/2004, que retirou da redação do art. 128, §5º, II, e, “salvo exceções
previstas na lei”, a atividade político-partidária por membro do Ministério
Público passou a ser absolutamente vedada.
O Conselho Nacional do Ministério Público, no
exercício da competência fixada no art. 130-A, §2º, II, da Constituição da
República, editou a Resolução nº 5, de 20 de março de 2006, para disciplinar o
exercício de atividade político-partidária e de cargos público por membros do
Ministério Público Nacional.
De acordo com a redação do art. 1º de referida
Resolução, os membros do Ministério Público que ingressaram na carreira após a
publicação da Emenda nº 45/2004 estão proibidos de exercer atividade
político-partidária.
Quanto ao exercício de outra função pública,
salvo uma de magistério, entendeu o Conselho Nacional do Ministério Público que
somente estão autorizados a exercê-la o membro que integrava o Parquet em 5 de
outubro de 1988, data da promulgação da Constituição da República, e que tenham
manifestado a opção pelo regime anterior.
A Resolução esclareceu, ainda, que o inciso IX
do artigo 129 da Constituição não autoriza o afastamento de membros do
Ministério Público para exercício de outra função publica, senão o exercício da
própria função institucional e nessa perspectiva devem ser interpretados os
arts. 10, IX, c, da Lei nº 8.625/93, e 6º, §§ 1º e 2º, da Lei Complementar nº
75/93. Assim também deve ser interpretado o art. 44, parágrafo único, da Lei nº
8.625/93.
Estabeleceu a Resolução, por fim, que os
membros afastados para o exercício de cargo público deveriam retornar aos
órgãos de origem no prazo de 90 dias, desde que não tivessem optado pelo regime
anterior à promulgação da Constituição de 1988.
Diante do exposto, pode-se observar que após a
publicação da Emenda nº 45/2004, e de acordo com as regras estabelecidas pelo
Conselho Nacional do Ministério Público, o membro que ingressou na carreira
após a Emenda em tela está proibido de exercer qualquer atividade
político-partidária, não podendo se afastar de suas atividades para concorrer a
cargo eletivo senão pela via da exoneração.
26. O MINISTÉRIO PÚBLICO E O INTERESSE PÚBLICO
NO PROCESSO CIVIL
Com a Constituição de 1988 o Brasil incorporou
ao seu ordenamento postulados inerentes ao Estado Social — o que implicava o
compromisso político de implementá-los mediante ações positivas, na perspectiva
da realização do bem comum.
O panorama jurídico que então se delineara
trouxe conseqüências importantes para o Ministério Público, inclusive no que
tange à forma como tradicionalmente vinha atuando no processo civil. É
indubitável a relevância dada ao Parquet com a Constituição de 1988. A evolução
foi tal que o Ministério Público ainda não conseguiu exercer com plenitude suas
múltiplas atribuições.
Em conformidade com o art. 127 da Carta Magna,
o Ministério Público é o órgão incumbido da defesa da ordem jurídica, do regime
democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, tarefa para a
qual, além das funções expressamente previstas no art. 129 do texto
constitucional, ficou aberta a possibilidade de lhe serem conferidas outras,
desde que sejam compatíveis com sua finalidade constitucional e não envolvam
representação judicial e consultoria de entidades públicas.
Relativamente à participação do Parquet no
processo civil, o código atual sistematizou sua função em título próprio (arts.
81 a 85). Atuando na condição de custos legis, as hipóteses de intervenção do
Ministério Público estão previstas no art. 82, I, II e III.
A interpretação dos dois primeiros incisos do
artigo mencionado, além da primeira parte do inciso III, não enseja
dificuldade. Porém, quando o Código preceituou a intervenção do Ministério
Público “nas causas em que há interesse público evidenciado pela natureza da
lide ou qualidade da parte” (art. 82, III, CPC), gerou forte controvérsia na
doutrina e na jurisprudência, cuja polêmica gira em torno da expressão
“interesse público”, já que todas as colocações em torno do conceito pecam pela
imprecisão e pela excessiva generalidade.
Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello,
interesse público “é aquele que o ordenamento positivo qualifica como tal, por
submetê-lo a um regime jurídico de direito público, dominado pelos princípios
da supremacia do interesse público sobre o privado e da indisponibilidade do
interesse público”.
Embora o Estatuto Processual Civil só faça
referência ao interesse público no inciso III do art. 82, é certo que toda e
qualquer atuação do Ministério Público, no processo civil, somente se faz em
nome do interesse público, que se evidencia pela natureza da lide em causas que
a aplicação do direito objetivo não pode ficar circunscrita às questões
levantadas pelos litigantes, mas, ao contrário, deve alcançar valores mais
relevantes que tenham primado na resolução processual do litígio.
Deve-se estabelecer a distinção entre
interesse público, entendido como o interesse do bem geral, e o interesse da
Administração. É sempre pelo primeiro deles que deve zelar o Ministério Público
– ou seja, a simples presença de pessoa pública ou entidade da Administração direta
ou indireta não justifica, por si só, a intervenção ministerial. A qualidade da
parte à qual alude o dispositivo sob análise como forme de influência no
interesse público não se manifesta pela personalidade do litigante, mas pela
condição em que demanda ou é demandado. Assim é que a simples presença de
pessoa jurídica de direito público, que já goza, no processo, de diversas
normas que excepcionam o princípio da igualdade entre as partes, em causas cujo
interesse é meramente patrimonial, não é suficiente para caracterizar o
interesse público a exigir a intervenção ministerial.
O Ministério Público tem o encargo de
patrocinar os interesses públicos primários, que remontam à sociedade como tal
e a seus valores — e não os secundários, cujo titular é o Estado como pessoa
jurídica. Ao Ministério Público é categoricamente vedado o patrocínio de
entidades estatais (art. 129, inc. IX). Constitui aberração a intervenção do
Ministério Público em causas nas quais é parte uma entidade estatal, só pela
presença destas no processo.
O interesse público mencionado no art. 82 do
CPC, para embasar a atuação do Ministério Público como custos legis, quer
significar um interesse geral ligado a valores de maior relevância, vinculado
aos fins sociais e às exigências do bem comum, e deve coincidir com os
interesses sociais mencionados no art. 127 da Constituição da República.
Uma vez identificado o interesse público, em
que pese o entendimento de autores que sustentam que o art. 82, III do CPC
confere ao Ministério Público atribuição para intervir nas causas em que haja
interesse público, mas não obrigatoriedade, a maior parte da doutrina entende
que a atuação do Ministério Público não é facultativa, mas sempre obrigatória,
em decorrência da própria indisponibilidade dos interesses cuja tutela se acha
a seu cargo. Além disso, intervindo como fiscal da lei, a atuação do Parquet é
sempre imparcial.
Em contrapartida, a doutrina é pacífica no
sentido de conferir ao próprio Ministério Público a avaliação quanto à presença
ou ausência de interesse público a reclamar sua intervenção como fiscal da lei,
a partir do exame do caso concreto. Não se trata, aqui, de avaliação
discricionária, sob os critérios de conveniência e oportunidade. Trata-se de
operação de natureza interpretativa, cabendo ao Ministério Público
manifestar-se quanto à ocorrência de interesse público sempre que se ache em
litígio algum direito indisponível da parte, ou que o objeto da causa esteja
sob a regência de normas de ordem pública.
A falta de intervenção do Ministério Público,
nas causas em que há interesse público, acarreta a nulidade do processo a
partir do momento em que o órgão deveria ter sido intimado, como expressamente
enuncia o art. 246 do CPC. Trata-se de nulidade absoluta, e a falta de
intervenção do Ministério Público torna a sentença rescindível, por força do
art. 487, III do mesmo diploma processual.
O que se evidencia é que o Ministério Público
não fica atrelado à determinação judicial, competindo-lhe larga margem de
independência na avaliação do interesse público. Nesse caso, tendo o órgão do
Parquet entendido que não há interesse público a justificar sua intervenção no
processo, e dele divergindo o juiz, insistindo pela manifestação ministerial, a
solução será a remessa dos autos ao Procurador Geral de Justiça, tomando-se por
analogia o art. 28 do Código de Processo Penal. O certo é que a intervenção do
Ministério Público está relacionada com o zelo do interesse público. Por isso,
a este compete a avaliação atinente.
REFERÊNCIAS
ALBERTON, José Galvani. Parâmetros da atuação
do Ministério Público no Processo Civil em face da nova ordem constitucional.
Disponível em
http://www.conamp.org.br/index.php?a=mostra_artigos.php&ID_MATERIA=1236.
CACCURI, Antônio Edvig. O Ministério Público e
as causas de interesse público. In Revista dos Tribunais, ano 92, v. 814. P.
753-766.
FERNANDES, Carlos Henrique. Ministério Público
e Interesse Público – a hipótese prevista no art. 82, III, parte final, do
Código de Processo Civil. In ATUAÇÃO – Revista Jurídica do Ministério Público
Catarinense. n.º 2. Jan-abr/2004. P. 11-51.
27. RACIONALIZAÇÃO DA INTERVENÇÃO DO
MINISTÉRIO PÚBLICO NO PROCESSO CIVIL
A Constituição Federal de 1988 estabeleceu um
novo formato para o Ministério Público, conferindo-lhe atribuições na defesa
dos interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis.
Neste tocante, a sociedade, através do
constituinte, teve o propósito de municiar o Ministério Público de instrumentos
e garantias para que, através de seus membros, tivesse uma atuação efetiva na
defesa dos interesses sociais.
Com o despertar cada vez mais intenso do
sentimento de cidadania e o descrédito das instituições públicas, a sociedade
recorre ao Ministério Público para a concretização de seus direitos individuais
e sociais de cidadão.
Todavia, nas duas últimas décadas assumiu o
Ministério Público volume de atribuições além de sua capacidade de desempenho.
A responsabilidade da Instituição acha-se superdimensionada, exigindo assim uma
racionalização de sua atividade, escoimando resquícios incompatíveis com a
eficácia que a sociedade espera de sua atuação. Com efeito, torna-se
imprescindível estabelecer prioridades, concentrando-se a força de trabalho nas
macrofunções institucionais.
A racionalização da atuação do Ministério
Público no processo civil, como órgão interveniente, constitui estratégia
fundamental na consecução dos objetivos finalísticos da Instituição. Mais dos
que suprimir atribuições, importa adotar políticas organizacionais internas de
maior amplitude para elevar o nível de eficiência dos órgãos de execução. Os
planos de atuação, nesse contexto, são instrumentos fundamentais para a
consecução dos objetivos institucionais.
Registre-se aqui a impossibilidade de
resolução do problema com a criação de novos cargos para fazer frente às demandas
sociais, considerando a carência de recursos da grande maioria dos Ministérios
Públicos, além da limitação de gastos com pessoal, imposta pela Lei de
Responsabilidade Fiscal (2% da receita líquida do Estado).
Surgem, então, uma série de propostas para que
a atuação dos órgãos de execução ministerial seja racionalizada, a fim de se
obter resultados úteis e eficientes na defesa dos direitos metaindividuais
conferidos ao Parquet pelo constituinte.
A primeira medida diz respeito à mudança da
forma de atuação do Ministério Público como custos legis. Premissa sempre
presente na atividade do Promotor deve ser a utilidade e efetividade de sua
atuação para avaliação da necessidade de enfrentamento do caso concreto.
Outra possibilidade é a não participação do
órgão de execução do Parquet em feitos sem interesse social. Além disso,
outra forma de racionalização de atuação no processo civil está relacionada com
a dispensa de manifestação na fase recursal pelo representante de primeiro
grau, já que a manifestação ministerial seria apresentada pelo representante da
instância superior.
A fim de uniformizar e incentivar a adoção da
racionalização da atuação funcional, por deliberação do Conselho Nacional dos
Corregedores-Gerais do Ministério Público dos Estados e União, adveio a famosa
“Carta de Ipojuca (PE)”, de 13 de maio de 2003, que prescreveu a necessidade de
racionalizar a intervenção do Parquet no processo civil, através de
recomendações a seus membros, indicando, respeitada a independência funcional,
as lides em que a intervenção ministerial se mostra desnecessária.
Além disso, em seu 41º Encontro, o Conselho
Nacional dos Corregedores-Gerais do Ministério Público dos Estados e da União
editou a “Carta de Florianópolis”, de 19 de agosto de 2004, reconhecendo a necessidade
de racionalização das atribuições legais da Instituição Ministerial, reservando
a implementação desta política aos Ministérios Públicos da União e dos Estados,
por intermédio de seus órgãos de administração superior, cujo poder-dever
orientará a edição de atos regulamentadores.
A respeito, no âmbito do Ministério Público do
Estado de Santa Catarina, foi editado o Ato Conjunto n.º 178/2001/PGJ/CGMP, do
Procurador-Geral de Justiça e do Corregedor-Geral do Ministério Público, que
dispensa a manifestação do Promotor de Justiça em grau de recurso sobre as
razões e contra-razões das partes, consignando nos autos que a manifestação do
Ministério Público será apresentada, se for o caso, pelo Órgão de Segunda
Instância.
Além disso, em 05 de outubro de 2004 o Procurador-Geral
de Justiça editou o Ato nº 103/2004/PGJ, republicado em 10 de maio de 2005,
que, respeitado o princípio da independência funcional, passou a vigorar como
parâmetro de orientação na atuação ministerial, sem caráter vinculativo.
Por este Ato, tem-se que, intimado a
pronunciar-se na condição de fiscal da lei, o órgão do Ministério Público, não
vislumbrando interesse relevante a reclamar sua tutela, poderá dar à
intervenção caráter meramente formal, declinando de maneira sucinta as razões
do seu posicionamento, indicando ainda as hipóteses em que é admitido tal juízo
. Reforça ainda que, quando houver intervenção em defesa de interesse
tutelável, recorrendo as partes, poderá o órgão do Ministério Público de
primeiro grau manifestar-se apenas sobre os pressupostos de admissibilidade do
recurso.
Analisando a Carta de Ipojuca e a Carta de
Florianópolis, além das recomendações expedidas pelos Ministérios Públicos
estaduais, um ponto sobressai: a desnecessidade da intervenção ministerial em
processos que digam respeito a direitos individuais disponíveis, salvo a
existência das hipóteses previstas no artigo 82 do Código de Processo Civil.
Ao pretender racionalizar suas atividades como
fiscal da lei, outro objetivo não parece ter o Ministério Público senão o de
encontrar caminhos capazes de permitir-lhe o resgate de seu compromisso
institucional, visando, nos limites de suas atribuições e das consequentes
responsabilidades, para atender as demandas atuais da sociedade brasileira.
A racionalização da intervenção do Ministério
Público no processo civil como fiscal da lei é uma questão que precisa ser
olhada, sobretudo, sob a ótica do compromisso e da responsabilidade das
instituições públicas com a realização dos fins do Estado, afastando-se por
inteiro as paixões pessoais ou corporativas. Assim sendo, o Ministério Público
deve pautar sua atuação na área cível por uma postura de integração com a
sociedade, assumindo o papel de articulador social, visando colaborar nas
soluções efetivas dos problemas da comunidade.
REFERÊNCIAS
ALBERTON, José Galvani. Parâmetros da atuação
do Ministério Público no Processo Civil em face da nova ordem constitucional.
Disponível em
http://www.conamp.org.br/index.php?a=mostra_artigos.php&ID_MATERIA=1236.
AUAD FILHO, Jorge Romcy. A intervenção do
Ministério Público no processo civil à luz do Estatuto do Idoso. Disponível em
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10021.
HENRIQUES, Gabriela de Borges. Comentários aos
artigos 81 a 85 do Código de Processo Civil - do Ministério Público. Disponível
em http://www.tex.pro.br/wwwroot/00/00c0081a0085.php.
ROCHA, Vera Nilva Álvares. Racionalização da
Intervenção do Ministério Público no Processo Civil. Boletim Científico, ESPMU,
Brasília, a. III – n. 10, p. 173-176, jan./mar. 2004.
TRAJANO, Fábio de Souza. Racionalização da
Atividade Ministerial na Defesa do Consumidor. Revista Jurídica do Ministério
Público Catarinense – Atuação n. 1, set./dez. 2003. Publicação conjunta da
Procuradoria-Geral de Justiça e da Associação Catarinense do Ministério Público
(ACMP).
28. 28. O MINISTÉRIO PÚBLICO E O REGIME
DEMOCRÁTICO
A história registra que o conceito,
características e importância da democracia têm sofrido incessantes
transformações no curso do tempo.
Num sentindo mais amplo, desde a idade
clássica até os nossos dias, a democracia sempre foi entendida como sendo a
forma de governo em que a titularidade do poder soberano pertence ao povo, ou
seja, cujo poder político é exercido por ele, estando a exigir um permanente
diálogo entre o Estado e a Sociedade.
Nas palavras do estadista norte-americano
Abraham Lincoln, que ofereceu uma visão mais atual de como entendemos o sistema
democrático, a democracia é o governo “do povo, pelo povo e para o povo".
Considerando que a história da humanidade é a
história do conflito entre autoridade e liberdade, o regime democrático
apresenta-se como o mais adequado à descentralização do poder, garantindo os
direitos fundamentais e possibilitando a criação de uma ordem social, sob o
império da soberania popular.
Assim, há estreita ligação entre democracia e
um Ministério Público forte e independente. Um Ministério Público forte, mas
submisso, só pode convir a governos totalitários.
O Ministério Público brasileiro, como
instituição, só nasceu na República, pois no Brasil-Império e no Brasil-Colônia
os procuradores do rei eram meros representantes dos interesses da Coroa.
Com a proclamação da República, coube a Campos
Salles, na qualidade de Ministro da Justiça do Governo Provisório, fazer com
que o Ministério Público brasileiro ganhasse contornos de instituição. Ao
preparar a edição do Decreto nº 848, de 11 de outubro de 1890, que dispôs sobre
a Lei Orgânica da Justiça Federal, fez consignar na exposição de motivos:
O Ministério Público é instituição necessária
em toda organização democrática e imposta pelas boas normas da justiça, à qual
compete: velar pela execução das leis, decretos e regulamentos que devam ser
aplicados pela Justiça Federal e promover a ação pública onde ela convier”
Depois de vários avanços e retrocessos de
nossa República, quando alternamos entre período de ditadura e renascimento
democrático, a Constituição de 1988 conferiu ao Ministério Público à defesa do
regime democrático, conforme dicção do art. 127, caput.
Porque está investido de uma parcela da
soberania estatal e comunga de sua estrutura, o Ministério Público é órgão do
Estado. Por isso, a estrutura e o funcionamento do Parquet espelham, com
bastante correspondência e realismo, a fisionomia do Estado do qual é
integrante.
A Constituição de 1988, fruto da ruptura com a
ditadura antecedente, assentou-se num modelo estritamente democrático. De forma
natural, destinou nosso Ministério Público à defesa do regime que lhe era mais
caro.
A rigor, portanto, o Ministério Público pode
existir seja num regime autoritário, seja num regime democrático; poderá ser
forte tanto num, quanto noutro caso; porém, só será verdadeiramente
independente num regime essencialmente democrático, porque não convém a governo
totalitário algum que haja uma instituição, ainda que do próprio Estado, que
possa tomar, com liberdade total, a decisão de acusar governantes ou de não
processar os inimigos destes últimos.
Em verdade, a instituição mal sobrevive nos
regimes totalitários, porque é de sua essência a construção de uma sociedade
regida pela supremacia da vontade popular, pela preservação da liberdade e da
igualdade de direitos.
Ministério Público e democracia guardam,
portanto, grandes afinidades e uma certa cumplicidade no combate à desigualdade
social.
Para Hugo Nigro Mazzilli, para que o
Ministério Público dê cumprimento ao elevado mister de defesa do regime
democrático, há alguns princípios que devem iluminar sua atuação. Deverá,
assim, zelar para que:
a) existam mecanismos pelos quais a grande
maioria do povo possa tomar decisões concretas, não apenas para escolha de um
governante ou de um legislador a cada meia dúzia de anos e, a partir daí, faça
este o que bem entender, mesmo contrariamente o que prometeu antes de ser
eleito, mas sim para que o povo possa decidir as grandes questões que digam
respeito ao destino do País e possa controlar o exercício do mandato dos que
foram eleitos, o que inclui necessariamente a cassação do eleito, em caso de
violação dos compromissos partidários;
b) funcionem efetivamente esses canais de
manifestação (como criação, fusão, extinção de partidos; sufrágios freqüentes
não só para investidura dos governantes, como também para
as grandes questões nacionais etc.);
c) haja total liberdade no funcionamento desses
canais de controle;
d) sejam validamente apurados os resultados
dessas manifestações (eleições, plebiscitos, referendos);
e) sejam efetivamente cumpridas as decisões
ali tomadas (dever positivo);
f) seja combatido qualquer desvio de
cumprimento das decisões ali tomadas (dever negativo);
g) sejam prioritariamente defendidos “aqueles
que se encontram excluídos, os empobrecidos, os explorados, os oprimidos,
aqueles que se encontram à margem dos benefícios produzidos pela sociedade”.
Este mesmo autor nomeia os seguintes meios ou
instrumentos que possui o Ministério Público para fazer valer todas essas
potencialidades:
a) a ação penal, para responsabilizar todos
aqueles que, ao violarem as regras democráticas, também cometam ações
penalmente típicas;
b) a ação de inconstitucionalidade e a
representação interventiva, para assegurar a prevalência dos princípios
democráticos;
c) o inquérito civil e a correspondente ação
civil pública, especialmente para cobrar o zelo pelo efetivo respeito dos
Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados
na Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia;
d) o controle externo da atividade policial,
para assegurar não só o cumprimento dos seus deveres de zelo pela ordem jurídica,
como ainda e principalmente para evitar abusos contra as liberdades individuais
e sociais e, sobretudo, para evitar que o Ministério Público só trabalhe nos
casos que a polícia queira;
e) a visita aos presos, que hoje se amontoam
em cadeias e presídios condições subumanas, para as quais fecham os olhos a
sociedade e o Estado;
f) o zelo pelos direitos constitucionais do
cidadão, podendo ouvir representantes da sociedade civil e promover audiências
públicas;
g) a defesa de minorias (como vítimas de preconceitos,
as pessoas portadoras de deficiência, os idosos, os índios, as crianças e
adolescentes);
h) o combate à inércia governamental em
questões como mortalidade infantil, falta de ensino básico, falta de
atendimento de saúde, defesa do meio ambiente e do consumidor, entre outras
prioridades.
Incumbe-lhe, portanto, incursionar-se cada vez
mais no sistema democrático, combatendo a inconstitucionalidade das leis que
não correspondam ao interesse geral; a improbidade administrativa; as fraudes
eleitorais; o eventual desequilíbrio na separação e independência dos poderes;
a violação dos princípios de igualdade, da liberdade, da dignidade da pessoa
humana e da cidadania, buscando, assim, assegurar o direito à vida, à
alimentação, à educação, à segurança, à saúde, ao trabalho, bem como o acesso à
justiça e tudo o mais que decorra do regime democrático.
29. 32. RELAÇÕES ENTRE MINISTÉRIO
PÚBLICO E O PODER JUDICIÁRIO – DÉBORA
As primeiras bases teóricas a respeito da
separação de poderes do Estado foram lançadas na antiguidade grega por
Aristóteles, em sua obra “Política”, pela qual o filósofo prescreveu a
existência de três funções distintas do poder soberano. Em linhas gerais,
pode-se afirmar que as funções distintas observadas por Aristóteles consistiam
nas funções de elaborar normas gerais (legislar), aplicar tais normas ao caso
concreto (julgar) e executá-las nos casos concretos (executivo).
Sucede que Aristóteles descreveu a
concentração de tais funções na figura de um soberano, decorrendo desta concepção
teórica a forma de governar denominada de absolutismo, tendo como figura mais
conhecida o soberano Luis XIV, autor da frase “O Estado sou eu”.
Posteriormente, sob as influências do Estado
liberal burguês, Montesquieu aprimorou a tese de Aristóteles para então lançar
a obra o “Espírito das Leis”, através da qual defendia que três funções
soberanas estavam relacionadas com três órgãos distintos, autônomos e
independentes entre si.
A teoria burguesa serviu de sucedâneo para o
desenvolvimento das revoluções americana e francesa, redundando na “Declaração
dos Direitos do Homem e do Cidadão”.
Dessa forma, cada órgão do Estado exercia uma
função típica, relacionada à sua natureza, de maneira autônoma e independente,
sem a interferência de outro órgão incumbido de função diversa da sua.
A divisão de funções atrelada a cada órgão do
Poder Soberano fez surgir a teoria dos freios e contrapesos, consagrada na
maioria das Constituições e associada ao Estado Democrático de Direito. Na
Constituição Federativa do Brasil, a essência da teoria está revelada em seu
artigo 2° da seguinte forma: “São Poderes da União, independentes e harmônicos
entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. Tem-se, assim, a síntese
da Teoria da Separação dos Poderes.
De outro lado, é importante anotar que a
teoria de Montesquieu sofreu abrandamentos em decorrência das realidades
sociais e históricas, de forma que cada órgão do Poder Soberano passou a
exercer uma função típica predominante de acordo com sua natureza, mas também
outras funções atípicas.
Como exemplos, cito a função típica do Poder
Legislativo de editar normas gerais e a função atípica de julgar os crimes de
responsabilidade cometidos pelo Presidente da República, consoante autoriza o
art. 52, inciso I, da Constituição Federal. Por sua vez, o Poder Judiciário
está atrelado à função típica de aplicar a lei ao caso concreto, ao passo que
acumula a função atípica de elaborar o regimento interno dos Tribunais, de
acordo com o prescrito no art. 96, inciso I, da Constituição Federal.
Impende registrar que a inter-relação de
funções entre um órgão e outro do Poder Soberano não implica ofensa ao
princípio da separação dos Poderes, na medida em que a delimitação das funções
foi prevista constitucionalmente pelo poder constituinte originário.
Como o tema ora a ser explanado refere-se, em
parte ao Poder Judiciário, conveniente traçar algumas de suas principais
funções, características e prerrogativas.
O Poder Judiciário exerce a função típica
jurisdicional, sem se olvidar das funções atípicas de natureza
executivo-administrativa, a exemplo da capacidade de organizar suas
secretarias, conforme art. 96, inciso I, alínea b, e a concessão de licença e
férias a seus membros, de acordo com o art. 96, inciso I, alínea f, ambos da
Constituição Federal.
As características, por sua vez, referem-se,
em síntese, à inércia jurisdicional – estampada no art. 2° do CPC e 24 do CPP –
pela a qual o Poder Judiciário somente se manifesta mediante provocação das
partes, bem como a característica da definitividade das decisões judiciais, as
quais ficam acobertadas pela coisa julgada material e formal quando
insuscetíveis de reforma pelo Tribunal.
E como forma de permitir a função jurisdicional
em consonância com o Estado Democrático de Direito, o legislador constituinte
originário acobertou o Poder Judiciário de garantias. Ora, as garantias
constitucionais do Poder Judiciário são relevantes na tripartição dos poderes,
uma vez que asseguram a independência na tomada de decisões.
De acordo com a lição de José Afonso da Silva
(na obra: Curso de Direito Constitucional Positivo), as garantias dividem-se
em:
Garantias Institucionais: são as garantias da
própria instituição, relacionadas com a autonomia orgânico-administrativa e
autonomia financeira. Ou seja, cabe ao Judiciário eleger seus órgãos diretivos,
elaborar regimento interno, organizar a estrutura administrativa e encaminhas
as propostas orçamentárias
Garantias funcionais: são as garantias que
asseguram a independência e a imparcialidade dos membros. São elas:
Vitaliciedade: significa que o magistrado só
perderá o cargo por sentença judicial transitada em julgado, adquirida dois
anos de efetivo exercício no cargo. Está prevista no art. 95, inciso I, da
Constituição Federal.
Inamovibilidade: prevista no art. 95, inciso
II, da Constituição Federal, garante ao magistrado a impossibilidade de remoção
sem o seu consentimento, salvo por interesse público mediante o voto da maioria
absoluta do tribunal respectivo.
Irredutibilidade de vencimentos: segundo o
art. 95, inciso III, da Constituição Federal, o subsídio do magistrado não
poderá ser reduzido.
Por derradeiro, para garantir a imparcialidade
dos órgãos judiciários, aos magistrados foram impostas as vedações previstas no
parágrafo único do art. 95 da Constituição Federal.
São elas: Exercer outro cargo, ainda que em disponibilidade, salvo uma
de magistério; Receber custas ou participação em processo; Dedicar-se à
atividade político-partidária; Receber a qualquer título ou pretexto, auxílios
ou contribuições de pessoas físicas ou entidades; Exercer a advocacia no juízo
ou tribunal do qual se afastou, antes do decurso de 3 anos a contar do
afastamento.
Igualmente, a estrutura do Poder Judiciário
está prevista constitucionalmente no art. 92 da Constituição Federal.
Depreende-se, da leitura deste artigo, que o constituinte não inseriu o
Ministério Público como órgão integrante do Poder Judiciário.
E nem poderia ser diferente. Explico o porquê.
Ao Ministério Público foi reservado espaço
próprio na Constituição Federal, atribuindo-lhe o status de função essencial à
justiça e conferindo a ele defesa da ordem jurídica, do regime democrático e
dos interesses sociais e individuais coletivos, conforme preconiza o artigo 127
da Constituição Federal.
Ainda que o Ministério Público tenhas as
mesmas garantias institucionais (autonomia funcional, administrativa e
financeira), dos membros (vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de
subsídios), bem como determinados impedimentos imputados a seus membros, em
tudo equiparando ao Poder Judiciário em termos de garantias constitucionais, a
instituição não faz parte deste Poder.
Assim, a valorização do Ministério Público é
da essência da Constituição Federal, pois a instituição está destinada a ser um
órgão de defesa da sociedade, e não do Poder Soberano estatal, como é o Poder
Judiciário. Podemos afirmar, nesse contexto, que o Ministério Público é órgão
de Poder Soberano sob o ponto de vista da soberania do povo, uma vez que “todo
o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos”, nos
termos do parágrafo único do art. 2° da Constituição Federal.
Nessa ordem de idéias, para a consolidação do
Estado Democrático, não basta a imparcialidade do Poder Judiciário, porquanto é
indispensável a existência de um órgão igualmente independente que promova a
defesa dos interesses sociais, razão pela qual o Ministério Público é essencial
à função jurisdicional do Estado, sem que faça parte do Poder Judiciário.
30. O CRIME ORGANIZADO E PROPOSTAS PARA
ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
1. Direito penal de emergência e objeto da lei
A lei das organizações criminosas é uma
expressão do direito penal de emergência, caracteriza-se pela quebra de
garantias, justificada por um situação excepcional.
Trata-se de lei eminentemente processual, pois
prevê meios de prova e procedimentos investigatórios, decorrentes de quadrilha,
bando, organizações ou associações criminosas de qualquer tipo.
a) Quadrilha ou banco (art. 288 do CP): é
associação estável e permanente de mais de três pessoas com o fim de praticar
uma série indeterminada de crimes. Consuma-se independentemente da prática dos
delitos para os quais os agentes se associaram.
b) Associações criminosas: estão previstas em
leis especiais: art. 35 da Lei de Drogas; art. 2.º da Lei 2.889/56 (genocídio);
art. 16 e 24 da Lei 7.171/83 (Lei de Segurança Nacional); e
c) Organizações criminosas: segundo professor
Fernando Capez o conceito de organização criminosa pode ser extraído do Tratado
de Palermo: “entende-se por:
"Grupo criminoso organizado" - grupo
estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando
concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou
enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou
indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material”. Em
contraposição, há os que sustentam que não há definição legal para organização
criminosa. Nesse sentido, Luiz Flávio Gomes.
2. O Ministério Público e a atividade
investigatória.
O Parquet é o titular exclusivo da ação penal
pública (art. 129 da CF/88). No entanto, para o exercício de suas funções,
necessita de suporte probatório mínimo para o ajuizamento da ação penal e a
obtenção de algumas providências cautelares.
A Constituição Federal atribui ao Ministério
Público poderes investigatórios ao assegurar, no art. 129, incisos VI e VIII, a
prerrogativa de utilizar requisição ministerial para obtenção de documentos e
realização de diligências, depreendendo-se que, se o parquet pode o mais, vale
dizer, requisitar que outros realizem diligências consideradas necessárias para
o esclarecimentos de fatos, ele pode, com muito mais razão, fazer o menos, ou
seja, realizar e conduzir suas próprias investigações. A atividade
investigatória decorre, portanto, do natural exercício da ação penal.
A Lei orgânica nacional do Ministério Público
- Lei n. 8.625/93 - regulamentou o disposto na CF/88 assegurando
definitivamente a figura da requisição ministerial e a lei que trata do crime
organizado dispõe que, em qualquer fase de persecução criminal, poder-se-á
fazer uso dos meios operacionais previstos na inovadora lei. Portanto, o
parquet pode utilizar-se dos procedimentos especiais da lei para obtenção de
provas, quando da realização de investigação própria.
3. Alguns procedimentos previstos na Lei para
combater o crime organizado
A) A quebra do sigilo de dados bancários,
financeiros, fiscais e eleitorais (art. 2.º, III)
A Lei nº 9.034/95 surge como forma de dotar os
órgãos encarregados da persecução criminal de meios operacionais e jurídicos
para atuarem no combate ao crime organizado. No entanto, o legislador, no afã
de mostrar à opinião pública sua indignação com o avanço da criminalidade,
elaborou uma lei permeada de defeitos técnicos, razão pela qual a doutrina e
jurisprudência começam a apontar inconstitucionalidades e restrições ao alcance
da mesma.
Em vista disso, o art. 3.º, da referida lei,
ao atribuir ao juiz a tarefa de colher provas fora do processo, agindo de
ofício, quebrou o princípio da imparcialidade, violando também o devido
processo legal, que não existe sem o pressuposto de uma jurisdição independente
e imparcial (ADIN 1.570).
Nesse julgado, o STF entendeu que em relação
aos dados fiscais e eleitorais, o art. 3.º foi declarado inconstitucional, pois
atentava contra o sistema acusatório, atribuindo ao juiz funções de
investigação, revestindo-se da figura do juiz inquisidor.
No tocante ao sigilo de dados bancários e financeiros,
o STF entendeu que o artigo foi revogado pela superveniência da LC 105/01, que
passou a disciplinar a matéria.
Segundo a LC 105/01 são legitimados a quebrar
o sigilo bancário e financeiro: juiz, comissão parlamentar de inquérito,
autoridades fazendárias no curso do procedimento fiscal. E quanto ao Ministério
Público?
Há divergência de posicionamentos:
a) o Ministério Público pode decretar
diretamente a quebra de sigilo bancário quando o caso envolver verbas públicas,
em vista do poder de requisição (art. 129, VIII, da CF), conforme MS 21.729
(1995).
b) O Ministério público não está autorizado,
necessitando, em todas as hipóteses, de interferência do Poder Judiciário. É o
entendimento que predomina do STJ (RHC 20.329) e STF (21.301).
B) Captação e interceptação ambiental
A Lei 9.296/96: não só ratificou o princípio
da intangibilidade do direito à intimidade como regra constitucional, como
estabeleceu de forma clara os estreitos limites da interceptação das
comunicações telefônicas, com o propósito de dotar o ordenamento jurídico de
meios eficazes e adequados no combate ao crime organizado. Pode ser utilizada
em investigação criminal e em instrução processual penal, podendo ser empregada
em qualquer espécie de comunicação telefônica, incluindo-se aí aquelas em
sistema de informática e telemática.
C) Infiltração de agentes policiais (art.
5.º)
O agente infiltrado é pessoa infiltrado é
pessoa integrante da estrutura dos serviços policias ou de inteligência,
que é introduzida dentro de uma organização criminosa, ocultando-se sua
verdadeira identidade e tendo como finalidade a obtenção de informações para
que seja possível sua desarticulação.
Limites: o agente fica autorizado para
praticar crime de quadrilha ou bando e, assim o fazendo, estará protegido pelo
estrito cumprimento do dever legal. Se vier a cometer crime de homicídio
coagido por integrante da organização, igualmente, não responderá pelo delito
por inexigibilidade de conduta diversa.
4. Propostas de atuação ministerial:
O cenário atual vem mostrando que o Ministério
Público afasta-se, cada vez, mais daquela idéia de reprodutor daquilo que foi
apurado no inquérito policial, participando atividade investigatória no combate
ao crime organizado.
Visando cooperar com a elaboração e
aperfeiçoamento de doutrina institucional sugiro as seguintes propostas
operacionais e institucionais de atuação ministerial face dos crimes praticados
por organizações criminosas ou não :
2. O Parquet deve participar e acompanhar,
segundo o seu juízo, da apuração de infrações penais que representem maior
ameaça ao meio social, ao lado da autoridade policial, acompanhando-as,
sugerindo medidas, orientando-as e colaborando com a investigação;
● O Ministério Público tem legitimidade para
conduzir e realizar investigações próprias, mediante procedimento
investigatório (64), podendo e devendo para tanto, requisitar dos órgãos
públicos os meios e serviços necessários, bem como assessoramento técnico das
entidades de estudo e pesquisa;
O Ministério Público pode se utilizar dos
meios legais existentes, durante suas investigações, visando obter peças de
informação, podendo buscar, quando necessário, apoio operacional junto aos
comandos das polícias local e da Procuradoria Geral de Justiça.
A investigação ministerial pressupõe a
existência de policiais exclusivamente voltados para o trabalho de
investigação, o que demanda a criação de uma seção de investigação ministerial,
responsável pela apuração da criminalidade organizada (entendendo-se crimes de
corrupção, roubo de cargas, etc), a qual deve ser subordinada hierárquica e
administrativamente ao Ministério Público.
A Administração Superior do Ministério Público
deve traçar política de aproximação com os comandos das Polícias e
Superintendências das Receitas Federal e Estadual, observando-se as seguintes
sugestões : a) estreitar laços funcionais, através da realização de operações
de investigação e repressão ao crime; b) realizar convênios de cessão de
viaturas e policiais para realização de investigações sensíveis (66) a cargo do
parquet, objetivando suprir os órgãos ministeriais dos meios materiais; c)
criar banco de dados relacionados com crimes de repercussão, realizando troca
de informações com outras centrais de inteligência e órgãos fiscais; d) efetuar
convênios nacionais e internacionais de cooperação técnica com academias de
polícia, buscando ensinar técnicas de investigação aos membros do parquet; e)
ministrar estudos e trocar experiências sobre o tema "O parquet e a
investigação", propondo-se a médio prazo, a mudança na estrutura
investigatória, sugerindo-se a subordinação da polícia judiciária ao titular da
ação penal, nos moldes de diversos países europeus.
Finalizando, o real enfrentamento da
criminalidade organizada, que sabidamente norte a corrupção e o tráfico de
inteligência, a capacitação dos membros das instituições que atuam na
persecução penal, ou seja, policiais civis e militares, agentes, peritos,
membros do Ministério Público e Magistrados, medida esta associada à
integração dos sistemas de informação governamental, incluindo-se aí
instituições financeiras e tributárias, para obter-se ação igualmente
organizada e com a convergência de resultados.
Parte da palestra de Denílson Feitosa
(Ex-Secretário-Geral do Grupo Nacional de Combate às Organizações Criminosas
(GNCOC) no seminário realizado pelo Ministério Público de Santa Catarina em
setembro de 2007:
"As organizações criminosas seguem a
lógica da complexidade, e não da simplicidade. Elas se interligam a outras
organizações e a instituições públicas", disse Feitoza. É por isso que ele
instruiu os participantes do seminário a ampliar os conhecimentos adquiridos na
carreira jurídica, para uma atuação mais ampla possível e de forma conjunta,
lançando mão de sistemas de gestão da informação e utilizando métodos, técnicas
e ferramentas adequados para lidar com as informações necessárias. "É
preciso situar as organizações criminosas em toda a sua teia concreta de
inter-relações", defendeu. Além disso, lembrou que, para combater o crime
organizado, é necessário pensar também na repercussão social, especialmente
porque este influencia na economia.
Em sua palestra, prestou informações técnicas,
discorreu sobre as diversas disciplinas e marcos teóricos que devem ser
aplicados conjuntamente ao Direito e falou sobre ferramentas e meios de exercer
a inteligência e a contra-inteligência, no âmbito do Ministério Público. Para
ele, o Promotor de Justiça atualmente deve pensar o crime organizado de forma
preventiva, e não apenas repressiva. E também reunir forças com as Polícias,
avaliando o contexto da sociedade e os interesses conflitantes que envolvem o
mundo do crime. "A organização econômico-financeira, comercial,
tecnológica e política do mundo possibilita a manutenção e/ou surgimento das
organizações ciminosas",
31. - INFLUÊNCIA DOS CURSOS DE DIREITO NO
PROCESSO DE SELEÇÃO DAS CARREIRAS JURÍDICAS
O Ensino Jurídico no Brasil tem sido
fortemente impulsionado no sentido da criação de novos cursos e da ampliação
das facilidades de acesso.
O aumento da procura dos cursos jurídicos não
significa de nenhum modo que esteja aumentando o grau de eficácia dos direitos
dos cidadãos ou que as instituições públicas e privadas estejam cada vez mais
ditando o seu comportamento pelo respeito aos direitos alheios, ao utilizarem
com mais intensidade mão-de-obra juridicamente qualificada.
Ao contrário, o aumento pela procura dos
cursos jurídicos deve-se fundamentalmente ao crescimento da oferta de postos de
trabalho com formação jurídica no setor público, decorrente da elevada
litigiosidade das instituições públicas e do alto índice de violação dos
direitos dos cidadãos.
O diploma de bacharel em Direito alimenta a
ilusão de acesso rápido a um emprego certo com um bom salário e, portanto, de
sobrevivência condigna para aqueles que ingressam nos cursos jurídicos.
Os anos em que o futuro operador do direito
passa na faculdade e a forma como ele os aproveita são cruciais para o
desenvolvimento de suas futuras atividades profissionais. Cabe à faculdade,
além de preparar tecnicamente o bacharel, incutir-lhe consciência social a
respeito de suas funções quando operador do Direito.
A educação assume, assim, papel fundamental na
definição do perfil do operador jurídico, tornando-se relevante, inclusive,
para a mudança deste. Contudo, o que se verifica é que não há nas faculdades
orientação vocacional acerca da carreira jurídica que o bacharel mais se
identifica, a fim de orientá-lo a seguir o caminho que mais se enquadra no seu
perfil.
O ensino jurídico atual encontra-se em crise,
devido à existência de um grande número de faculdades de Direito no país. E tal
fato reflete diretamente nos últimos resultados da OAB, os quais demonstram um
alto índice de reprovação dos bacharéis. Estes graduandos se vêem suscetíveis a
uma avaliação ao fim do seu curso jurídico de forma que possa ser avaliado e
sofra uma seleção para somente assim estar apto ao exercício da advocacia.
O operador jurídico atual enfrenta o desafio
de resgatar sua credibilidade, que tem sido questionada em virtude das péssimas
condições de ensino das diversas faculdades que surgem a cada dia no país.
Deve-se observar que as faculdades de Direito
devem deixar de ser centros de transmissão de informação, para se dedicarem,
prioritariamente, à formação da personalidade do aluno, do futuro advogado,
juiz, promotor, defensor público, de sujeitos que saibam reagir frente aos
estímulos do meio sócio-econômico. As faculdades deveriam ensinar o aluno a
pensar, e não somente a decorar textos presentes em Códigos.
Na realidade, o que se deve fazer, em primeiro
lugar, é reforçar nos cursos de Direito, para todos os alunos, a formação
humanística, estimulando a aquisição de conhecimentos sobre história e a
realidade das sociedades humanas, para que o profissional do direito, seja qual
for a área de sua escolha, saiba o que tem sido, o que é e o que pode ser a
presença do direito e da justiça no desenvolvimento da pessoa humana e das
relações sociais. A par disso, devem ser transmitidas noções básicas de
disciplinas relacionadas com os comportamentos humanos, como a antropologia, a
sociologia, a psicologia, pois, seja qual for o conflito jurídico, esses
aspectos sempre estarão presentes e é importante que o profissional do direito
saiba reconhecê-los.
È necessário que haja uma melhora no ensino
jurídico das faculdades. Onde o rigor se iniciaria no ensino, na possibilidade
de um aprendizado mais prático, através da exigência de estágios diversos e da
facilitação para a realização destes.
No currículo, deve ser abandonada qualquer
preocupação extensiva, desenvolvendo-se o programa em três eixos - fundamental,
profissional e de formação prática -, voltado primordialmente para a
conscientização da responsabilidade social do jurista. Nas atividades práticas,
além dos exercícios reais ou fictícios de patrocínio e assessoramento jurídico
em estágios ou escritórios-modelo, devem ser estimulados projetos de ação
social junto à comunidade para a melhoria do acesso ao Direito, à Justiça e à
cidadania.
Na formação para o mercado de trabalho, as
escolas de Direito devem priorizar o estudo da deontologia das profissões
jurídicas, entre elas a da magistratura, da advocacia, da consultoria jurídica,
do Ministério Público e do magistério jurídico.
Os cursos de Direito devem formar e consolidar
grupos de estudo e de pesquisa para o levantamento das necessidades jurídicas
das comunidades e regiões a que estão vinculadas e para a priorização da
formação profissional destinada a atuar junto a elas na melhoria do acesso ao
Direito e à Justiça.
A responsabilidade das faculdades de Direito
não é apenas a de colocar em sala de aula professores que conheçam as matérias,
mas que saibam transmiti-las e que saibam despertar nos seus alunos o interesse
em estudá-las e delas fazer uso em benefício de todos. O Direito não se aprende
somente para si mesmo, mas para os outros.
Enfim, a finalidade do ensino jurídico deve
ser a de formar profissionais de alto nível, capazes de pensar nos problemas da
sociedade brasileira e de formular soluções jurídicas para equacioná-los, assim
como de estudar os meios de assegurar a todos o acesso ao Direito e à Justiça.
Assim, os alunos sentiriam-se mais seguros e preparados para escolherem a
carreira que pretendem seguir.
32. CASUÍSMO DO ORDENAMENTO JURÍDICO
BRASILEIRO
O Direito, em um de seus prismas, pode ser
visto como um conjunto de normas jurídicas tendentes a regular o comportamento
social tendo em vista a concretização da Justiça e da Segurança Social. Estas
normas não cominam um plano imaginário ou especialmente preparado para a
incidência normativa. Elas atuam no cotidiano social, configurando-se do jeito
que ele realmente é e não da forma pela qual foi imaginado. São os fatos
sociais em toda a sua complexidade que oferecem subsídios para o conteúdo das
normas jurídicas. Por isso, advém a afirmação de que o Direito, antes de ser um
fenômeno jurídico, é um fenômeno social.
O problema que se configura na determinação da
realidade fática é a sua modificação, enquanto o Direito, pela sua própria
essência, representa uma estruturação pouco permeável a bruscas modificações.
Sua adequação à realidade é lenta. A falta de sincronia existente, pela rápida
evolução do fenômeno social e a lenta adaptação da seara jurídica, constitui
disparidades jurídicas que comprometem a eficácia do ordenamento.
Todavia, se o descompasso entre a norma e a
realidade for tão relevante que não expresse as reais forças motrizes do poder
social existente na sociedade, acarretará as denominadas Leis Folhas de Papel,
aquelas que não passam de um papel escrito, sem valor algum, onde não há
cumprimento de suas normas. Passa a ter valor, apenas, formal, não dispondo de
forças para ver seu texto cumprido. Desta forma, uma grande distância entre a
realidade social e a fática gera ineficácia normativa.
Contudo, a necessidade da regulamentação do
novo cotidiano fático acaba por criar uma superinflação legislativa. Há
inúmeras leis regulando inúmeros fatos. É o casuísmo do ordenamento jurídico
brasileiro.
Dentro de tal ordem, nem mesmo os operadores
do direito têm capacidade intelectiva de captar e manter na memória essa
imensidão normativa. Que dirá o cidadão, muitas vezes cidadão só no título.
Assim, toda a força do direito reside numa farsa, a de que todos devem conhecer
a lei.
a) Conseqüências do Casuísmo no Direito Penal
É no Direito Penal que o casuísmo das leis
ganha relevo ainda mais preocupante. Segundo a conveniência e a oportunidade
avaliada pela Administração, recorre-se à repressão penal, construindo-se tipos
penais abertos, com constante reenvio a normas regulamentadoras, que dão o
conteúdo dos elementos normativos do tipo. Só agora definir crimes por medidas
provisórias constitui absurdo, mas, um dia, lá atrás no tempo, isso aconteceu.
Além disso, a inflação legislativa dá a falsa impressão de segurança à
população, tudo impulsionado por parte de uma imprensa que dramatiza, em busca
da audiência.
Em inúmeros casos o legislador, levado pela
"urgência" e pelo ineditismo das novas situações, não encontra outra
resposta (na verdade, nem sequer busca outra resposta) que não seja a
conjuntural ("reação emocional legislativa"), que tende a ser de
natureza "penal", dependendo dos benefícios eleitorais que possa
alcançar. Invoca-se o Direito penal como instrumento para soluções de
problemas, mas se sabe que seu uso recorrente não soluciona coisa alguma. Nisso
reside o simbolismo penal.
Vários são os exemplos do que acaba de ser
narrado (cf. O Estado de S. Paulo de 18.05.08, p. C6, matéria assinada por
Laura Diniz): a partir de um fato midiático, a mídia pressiona e o Congresso
Nacional cede, editando nova lei. Vejamos:
1) no final dos anos 80 e começo dos anos 90,
em razão da onda de seqüestros (do empresário Abílio Diniz, de Roberto Medina –
irmão de um parlamentar, na época – etc.) veio a lei dos crimes hediondos (Lei
8.072/1990), que aumentou penas, criou crimes, cortou direitos e garantias
fundamentais etc.;
2) em dezembro de 1992 a atriz Daniela Perez
foi assassinada brutalmente pelo casal Guilherme de Pádua e Paula Thomaz.
Daniela era filha da escritora Glória Perez, que fez um movimento nacional pró
endurecimento da lei dos crimes hediondos (veio, com isso, a Lei 8.930/1994,
que incluiu o homicídio qualificado como crime hediondo);
3) em 1997 a mídia divulgou imagens chocantes
de policiais militares agredindo e matando pessoas na Favela Naval
(Diadema-SP); a repercussão imediata foi a edição da lei de tortura (Lei
9.455/1997);
4) em 1998 foi a vez da "pílula
falsa" (ganhou notoriedade o caso do anticoncepcional Microvlar, que
continha farinha, o que não evitou a gravidez de incontáveis mulheres); esse
constitui um exemplo marcante não só de Direito penal midiático como,
sobretudo, eleitoreiro. O legislador brasileiro, sob os efeitos do
"escândalo dos remédios falsos", não teve dúvida em reagir
imediatamente: elaborou primeiro a Lei 9.677/98, para alterar o marco penal de
diversas condutas relacionadas com o tema (a falsificação de remédio agora é
sancionada, no mínimo, com dez anos de reclusão. Por meio do mesmo diploma legal,
outras condutas não tão graves, como a falsificação de creme para alisar o
cabelo, passaram a receber a mesma punição). Depois, publicou-se a Lei
9.695/98, para transformar diversos desses delitos em "hediondos" (o
que, desde aquela outra lei, já se pretendia, mas que, por defeito de técnica
legislativa não se conseguiu). De forma inédita, a lei foi aprovada em quarenta
e oito horas;
5) em novembro de 2003 a estudante Liana
Friedenbach e seu namorado Felipe Caffé foram brutalmente assassinados por um
grupo de criminosos, sendo que o chefe da quadrilha era um menor
("Champinha"). O Congresso Nacional se mobilizou rapidamente,
incontáveis projetos foram apresentados para ampliar ou tornar mais rígida a
internação de menores infratores;
6) em maio de 2006 ocorreram os ataques do PCC
(Primeiro Comando da Capital), que assassinaram vários policiais. Logo em
seguida o Senado aprovou nove projetos de lei, incluindo-se, dentre eles, o RDD
(Regime Disciplinar Diferenciado Máximo);
7) em fevereiro de 2007 o menor João Hélio
Fernandes, de seis anos, foi arrastado e morto, num roubo ocorrido no Rio de
Janeiro. Em seguida a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado
aprovou proposta de redução da maioridade penal, porque um dos autores do roubo
era menor. Esse projeto está pronto para ir ao plenário e só está aguardando
(evidentemente) um outro fato midiático;
8) em 2008, para tentar coibir a expansão das
milícias no Rio de Janeiro, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei
que altera vários dispositivos do Código Penal, sem nenhuma chance de efeito
prático (até porque, para evitar a impunidade, bastaria cumprir a lei vigente).
Foi mais uma "legislação penal de emergência", ou seja, mais uma
inovação legislativa apressada, que foi editada para acalmar os ânimos da
população (isto é: "mostrar serviço à sociedade");
9) ainda em 2008, depois da absolvição do
fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, o Congresso Nacional aprovou o fim do
protesto por novo júri.
O legislador precisa se convencer de que a Lei
deve ser a expressão da vontade do Povo, da vontade Geral. Deve atender às
necessidades e aos anseios da coletividade, do corpo social, pois não legisla
para si ou para seus pares tão-somente.
No entanto, não pode ceder ao clamor popular e
à pressão dos meios de comunicação, sob pena de aprovar leis que recrudescem a
legislação penal sem a necessária atenção e estudo, sem ponderar sobre os
verdadeiros motivos da criminalidade, impulsionados pelo calor dos
acontecimentos, com sede de vingança e rápida solução, ainda que paliativa.
É claro que a missão da lei, notadamente a
penal em um Estado Democrático de Direito é a de materializar condutas que
acompanhem os conflitos e anseios sociais, não sendo imutáveis, portanto.
Contudo, não estamos mais vivenciando a mera e pura formalidade legal, eis que
no caso exemplificativo do Brasil adotou-se o regime democrático, sendo o
conteúdo social da norma elencada em seu grau máximo.
A lei transformada em mero condutor da
política governamental acaba por definhar toda uma estrutura de proteção do
Estado, principalmente em termos de Direito Penal (por conta de sua
característica de fragmentariedade), a ponto de transitar de um lícito para um
delito ou majorar o grau de poder governamental em função tão somente de uma
decisão unilateral normativa sem critérios.
Portanto resta a questão: retornaremos ao
“status” do casuísmo e da observância cega à lei que tanto legitimou Estados
despóticos e ausentes e racionalismo? Não podemos pensar sempre a curto prazo,
com soluções imediatistas, onde se prefere o simplismo, herança do regime
ditatorial da década de 60 e do comportamento apolítico da população, de modo
geral.
33. A ANENCEFALIA E O DIREITO
ANENCEFALIA: CONCEITO.
A Anencefalia trata-se de uma má-formação
congênita que ocorre por volta do 24º dia após a concepção, quando o tubo
neural sofre um defeito em seu fechamento. Desta irregularidade resulta uma
estrutura encefálica inexistente ou, caso existente, amorfa, estando solta no
líquido amniótico ou deste separada somente por uma membrana. Segundo o
Conselho Federal de Medicina, em sua Resolução n.º 1.752/04, os anencéfalos são
natimortos cerebrais, e por não possuírem o córtex, mas apenas o tronco
encefálico.
Certo é que a anomalia é incompatível com a
vida, pois é letal em 100% dos casos. A incompletude do encéfalo determina que
cerca de 75% dos fetos nasçam mortos e que os 25% restantes apenas sobrevivam
poucas horas, dias ou semanas.
Números existentes apontam a incidência de 0,6
portadores de anencefalia para cada mil fetos nascidos vivos, sendo o Brasil o
quarto país no mundo com o maior número de incidência de fetos anencefálicos,
ficando atrás apenas de México, Chile e Paraguai. Estima-se que a Justiça
brasileira já tenha permitido, nos últimos 15 anos, ao menos, 5.000 abortos de
fetos anencefálicos.
Hipóteses legais de aborto.
O art. 128 do Código Penal prevê duas
hipóteses nas quais a interrupção da gestação ou aborto não sofrerá punição.
Uma delas é o aborto necessário, quando a continuidade da gravidez coloca em
risco a vida da gestante. A segunda hipótese prevista no referido artigo é o
aborto humanitário ou sentimental. Neste caso, não se pune a interrupção da
gravidez decorrente de estupro.
Logo, se a interrupção da gestação for
embasada em qualquer outro fundamento, a conduta será tida por ilícita, sofrendo
os responsáveis a incidência da pena cominada pelos arts. 124 a 126 do CP. Isto
posto, somente não haverá discussão quanto à legalidade do abortamento de
anencéfalos se a gestação puder ser enquadrada nas hipóteses literalmente
previstas no sistema repressivo de inaplicabilidade da pena. Indo além da
subsunção do fato na norma, este método de interpretação aplicado na questão da
anencefalia leva a se considerar legal a conduta abortiva dos fetos portadores
desta má-formação, a partir de uma interpretação dos artigos do Código Penal
conforme a Constituição e os princípios soberanos elencados na Carta, sem
redução de texto.
Assim, foi lançada a tese de que o abortamento
de anencéfalos se enquadra na hipótese do art. 128, I, CP, qual seja, de aborto
necessário. Partindo do pressuposto que para ter vida é preciso ter saúde, os
defensores desta forma de interpretação afirmam que a gestação de anencéfalos
ocasionaria um mal-estar físico e psicológico que permitiriam a incidência da
permissão prevista neste inciso, tratando a situação como um estado de
necessidade, no qual a supressão da vida do anencéfalo visa preservar um
bem maior, qual seja, o direito da mãe ao
exercício da vida em sua plenitude.
A visão de interrupção terapêutica da
gestação, em razão do risco que se põe à mulher, é a posição adotada pela
Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde – CNTS, responsável pelo
ajuizamento da ADPF 54, que buscou amparo legal para que os profissionais da
saúde possam vir a realizar a interrupção da gravidez nos casos de gestação de
feto anencefálico, sem sofrerem as punições prevista no Código Penal.
Direitos envolvidos: um paralelo.
A questão em pauta tornou-se mais polêmica com
a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental n.º 54, ajuizada pela Confederação
Nacional dos Trabalhadores em 2004. A reincidência de casos levou o ministro do
STF, Marco Aurélio de Mello, no dia 1º de julho de 2004, a autorizar o aborto
de anencéfalos em todo o Brasil, mediante liminar. No entanto, no dia 20 de
outubro de 2004, o plenário do STF deu parecer contrário à liminar,
derrubando-a por 7 votos a 4.
A decisão concessiva do Ministro do STF não
somente afastou a ilicitude ou a culpabilidade da conduta por inexigibilidade
de outra conduta, mas a própria tipicidade, considerando que não existe aborto
quando o produto da concepção é anencefálico, pois não há vida em
potencial.
Emerge a idéia que o encéfalo não é
considerado um ser humano vivo. Isso porque, ganha espaço a noção de que só há
vida quando o cérebro superior (encéfalo) se forma e funciona normalmente. A
idéia de vida, neste caso, fica indissoluvelmente associada à de
personalidade.
Entre 2001 e 2006, os tribunais de Justiça do
País receberam 46 pedidos de interrupção da gravidez de anencéfalos. Em 54% dos
casos, a decisão foi favorável à mulher, permitindo o procedimento. Em outros
35% o pedido foi negado. Nas demandas restantes, o tempo para decisão foi tão
longo que o feto morreu antes de proferida a sentença.
Marco Aurélio amparou seu entendimento em preceitos
constitucionais, como:
3. Dignidade da pessoa humana, no caso, da
mulher, que deve ter a opção de conduzir a gestação, da qual resultará fruto
inviável;
4. Legalidade, por todos os direitos que
amparam tal entendimento, os quais são constitucionalmente defendidos na Carta
Maior como direitos fundamentais da pessoa humana;
5. Liberdade e autonomia da vontade, no
sentido de livre-arbítrio da mãe;
6. Direito à saúde da gestante: na gravidez de
fetos anômalos, as gestantes contraem várias complicações como, por exemplo, a
deslocação da placenta, o trabalho de parto demora de 2 a 3 vezes mais, é de 3
a 5 vezes maior a incidência de hipotonia uterina e hemorragia no pós-parto.
Pelo fato da mulher não amamentar, a involução uterina é mais lenta, suscitando
sangramentos. Além do mais, inclui-se no conceito de saúde o bem-estar
psicológico, vastamente abalado pela obrigatoriedade de levar a termo uma
gestação nas condições impostas;
7. Não submissão à tortura ou a tratamento
desumano ou degradante, livrando a mãe da exposição a tamanho sofrimento.
Ainda, pode-se acrescentar o direito à
igualdade, o qual se manifesta, neste caso, como o direito a ter uma gestação
saudável, viável, da qual resulte, como ocorre na grande maioria dos casos, uma
vida, tão esperada pelos pais e familiares, em função da qual crescem inúmeros
planos e sentimentos felizes. Em suma, impor à mulher o dever de carregar
por nove meses um feto que sabe, com plenitude de certeza, não sobreviverá,
causando-lhe dor, angústia e frustração, importa violação a vários direitos
fundamentais protegidos na Carta Republicana de 1988.
Pelo fato da patologia resultar em
inviabilidade de vida extra-uterina, levanta-se a tese de antecipação
terapêutica do parto, e não aborto. Segundo Luís Roberto Barroso, representante
da CNTS, no aborto a morte do feto deve ser resultado direto dos meios
abortivos, sendo imprescindível tanto a comprovação da relação causal como a
potencialidade da vida extra-uterina do feto, o que não ocorre na antecipação
do parto de um feto anencefálico. Logo, não há potencial de vida a ser
protegido; somente o feto com capacidade potencial de ser pessoa pode ser
sujeito passivo de um aborto.
Questiona-se o anacronismo da legislação
penal. Em 1940, quando editada a Parte Especial do diploma, a tecnologia
existente não possibilitava o diagnóstico preciso de anomalias fetais
incompatíveis com a vida. Assim, estar-se-ia privilegiando o positivismo
exacerbado em detrimento da interpretação evolutiva teleológica (dos fins
visados pela norma), desperdiçando o avanço tecnológico destinado a melhorar a
vida das pessoas.
Em contraposição, o Ministro Eros Grau, na
ocasião em que o STF revogou a liminar concedida pelo Ministro Marco Aurélio,
afirmou que a manutenção dessa terceira modalidade de aborto seria como
permitir que o judiciário reescreve-se o Código Penal.
No mesmo sentido, na defesa da separação dos
poderes, o procurador geral da República, Cláudio Fonteles, alega em seu
parecer que a interpretação conforme a Constituição somente pode ser adotada
quando o legislador não pode ter reconhecido, nos termos em que se coloca, o
seu entender, o que não ocorreria no caso. Outrossim, para o jurista, ao
Tribunal Constitucional cabe declarar (ou não) a inconstitucionalidade (ou
ilegalidade) da norma em causa, mas não pode substituí-la por outra, pois sua
função é de controle, de caráter essencialmente negativo.
Neste entendimento, o bem maior a ser
preservado pela legislação penal é a vida, fonte primária de todos os outros
bens jurídicos, que é atemporal. As hipóteses que se permite atentar contra ela
estão elencadas de modo restrito, taxativo, inadmitindo-se interpretação
extensiva, ou mesmo analogia in malan partem. Prevalece, assim, o princípio da
reserva legal.
No caso a interrupção da gestação está-se
abreviando a expectativa de vida já curta do nascituro, privando-o do que ele
necessita para sua sobrevivência ate a morte natural. Ademais, a lei põe a
salvo desde a concepção os direitos do nascituro (art. 2º, CC), bem como a
Convenção Americana sobre Direito Humanos que afirma: “Toda pessoa tem direito
a que se respeite sua vida. Este direito estará protegido pela lei a partir do
momento da concepção". Assim, se a criança nasceu com vida, tornou-se
sujeito de direitos, ainda que a ciência o condene à morte pela precariedade de
sua conformação. Viável ou não, o infante reveste-se de personalidade.
Direito comparado.
Atualmente, nos países da América do Norte,
Europa e parte da Ásia é permitido o aborto em todos os casos de malformações
incompatíveis com a vida. Desde 2003, a Argentina tem lei semelhante. A
proibição permanece em países muçulmanos, em parte da África e da América
Latina, segundo relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS). Isso mostra
como a discussão não é pacífica, predominando a proibição nas regiões mais
conservadoras e religiosas.
----
O Direito emerge como o instrumento idôneo
para solucionar essa questão, que envolve valores sociais/morais tão amplos.
Nessa situação específica, coloca-se em debate bens jurídicos tutelados, por
isso se faz necessário o uso da ponderação. Desse critério deve sobressair, não
o direito subjetivo superior na forma abstrata, conceitual, mas sim, o direito
que confere maior eficácia concreta à norma no caso em estudo, naquele
momento.
Por fim, o direito à vida não tem somente uma
acepção, relacionada ao direito de continuar vivo, mas também está condicionado
a uma vida digna e viável, do ponto de vista da sobrevivência, o que não se
verifica no feto anencefálico.
34. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA - INTERCEPTAÇÕES
DAS COMUNICAÇÕES TELEFÔNICAS: LIMITES E POSSIBILIDADES NO ORDENAMENTO
CONSTITUCIONAL E LEGAL VIGENTES
Conceituação
O art. 5º, XII, da Constituição Federal
estabeleceu a inviolabilidade das comunicações telefônicas, salvo por ordem
judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação
criminal ou instrução processual. A Lei nº 9.296/1996 regulamentou esse
dispositivo constitucional.
Na doutrina não há um conceito unânime do que
seja “interceptação telefônica”.
Guilherme de Souza Nucci a conceitua como
sendo a captação da comunicação telefônica feita por pessoa diversa dos
interlocutores e sem o consentimento destes.
Segundo o mesmo doutrinador, outras formas de
captação de conversas, não abrangidas pela Lei nº 9.296/1996, seriam: a)
interceptação ambiental: dá-se quando terceiro capta, sem autorização, conversa
ambiental mantida por outras pessoas; b) escuta ambiental ou telefônica: ocorre
quando um terceiro grava a conversação alheia (ambiental ou telefônica), com o
consentimento de apenas um dos interlocutores; c) captação direta: ocorre
quando um dos interlocutores capta a conversa sem o conhecimento/consentimento
do outro.
Fernando Capez, no entanto, divide o termo
interceptação telefônica (em sentido amplo) em interceptação telefônica em
sentido estrito (“interceptação telefônica” segundo Nucci) e escuta telefônica
(com idêntico sentido ao anteriormente mencionado), ampliando, assim, o âmbito
fático de abrangência da Lei das Interceptações Telefônicas.
Qualquer que seja a conceituação adotada, no
entanto, para modalidades de captação de conversas remanescentes, têm a
doutrina e a jurisprudência utilizado regramento jurídico diverso, obtendo como
parâmetros o direito à privacidade (art. 5º, X, da CF/88), o princípio da
proporcionalidade, as excludentes da ilicitude (legítima defesa de terceiro)
etc.
A Lei nº 9.296/1996, além da interceptação das
comunicações telefônicas, abrange igualmente a de informática (computador) e
telemática (junção entre os recursos da informática e das telecomunicações
[telefonia, satélite, cabo etc]).
Requisitos
Segundo a previsão constitucional (art. 5º,
XII) e infranconstitucional (art. 2º da Lei 9.296/96), são requisitos à
interceptação das comunicações telefônicas:
8. Ordem judicial (do juiz competente para a
ação principal): não se admite, como regra geral, a interceptação telefônica
sem prévia autorização judicial. A prova, nestes casos, será geralmente
considerada ilícita;
9. Para fins de investigação criminal ou
instrução processual penal: embora haja algumas decisões isoladas admitindo a
interceptação para fins de instrução em processo civil (ex.: TJ/RS), a ampla
maioria da doutrina e da jurisprudência só a admitem nos termos previstos na
CF, ou seja, se destinada à apuração da infração penal;
10. Houver indícios razoáveis da autoria ou
participação em infração penal;
11. A prova não puder ser feita por outros
meios disponíveis;
12. O crime investigado deve ser punido com a
pena de reclusão: tal restrição apresenta-se - segundo Guilherme de Souza Nucci
-, demasiadamente ilógica, na medida que crimes bastantes comuns, como a ameaça
efetuada por telefone, não podem ser objeto tal meio de prova.
Os Tribunais Superiores, no entanto, vêm
admitindo a denúncia por delitos apenados com detenção, em tais circuntâncias,
quando conexos com crimes punidos com reclusão (os quais justificariam a
interceptação). Pensamento contrário redundaria num grande incentivo à
impunidade.
Limites e Possibilidades
O art. 10 da Lei das Interceptações
Telefônicas prevê que constituí crime punido com reclusão, de dois a 4 anos,
realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou
telemática, ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com
objetivos não autorizados em lei.
O Código de Processo Penal, em sua nova
redação determinada pela Lei 11.690/2008, também previu que:
São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas
do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a
normas constitucionais ou legais.
§ 1o São também inadmissíveis as provas
derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade
entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte
independente das primeiras.
§ 2o Considera-se fonte independente
aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da
investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da
prova
§ 3o Preclusa a decisão de
desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta será inutilizada por
decisão judicial, facultado às partes acompanhar o incidente.
Por meio de tais dispositivos verifica-se que
a utilização ilegal da interceptação telefônica pode gerar conseqüências nos
âmbitos material e/ou processual.
No material tem-se o possível cometimento de
crime, apenado com reclusão de 2 a 4 anos, o qual, por ser considerado de média
gravidade, acaba por obstar o oferecimento de benefícios como a transação penal
e o sursis processual.
No âmbito processual, por sua vez, a prova
será considerada ilícita (por violação a dispositivo constitucional e/ou a
direito material infraconstitucional), devendo, após o trânsito em julgado da
decisão, ser a prova desentranhada dos autos e inutilizada.
Segundo a adoção da teoria dos frutos da
árvore envenenada, hodiernamente, pelo Código de Processo Penal, quaisquer
provas que derivarem da inicialmente ilícita igualmente deverão ser
consideradas contaminadas.
Há, no entanto, segundo a doutrina e a
jurisprudência, exceções às regras gerais anteriormente mencionadas. São
algumas delas:
Durante situação de flagrante delito, se a
comunicação telefônica é utilizada como meio para a prática da respectiva
infração penal, ela pode ser interceptada e gravada, independente de ordem
judicial e do conhecimento ou consentimento dos interlocutores. Ex.: Polícia
realiza interceptação telefônicas sobre ligação do seqüestrador, objetivando a
localização e liberdação da vítima seqüestrada. Trata-se da utilização, segundo
o doutrinador Denilson Feitoza, da legítima defesa de terceiro, afastando-se a
ilicitude criminal e cível da sobre a prova colhida, a qual poderá inclusive,
neste caso, ser utilizada para embasar eventual condenação criminal do
sequestrador.
Como preceitua o STF, nenhum direito
fundamental é absoluto, não devendo os mesmos serem utilizados para
salvaguardar a prática de infrações penais. No presente caso, o direito de
sigilo/intimidade não pode se sobrepor ao direito à vida.
Utilização da prova ilícita em favor do réu:
amplamente aceita pela doutrina e pela jurisprudência, a utilização da prova
ilícita pelo réu é admitida como um meio de provar sua inocência. Isto porque,
reiterando o anteriormente exposto, nenhum direito fundamental pode ser
considerado absoluto e, segundo o princípio da proporcionalidade, justifica-se
a violação do sigilo/privacidade de outrem para garantir-se o direito à
liberdade, ou seja, evitar-se uma condenação injusta.
Utilização da prova ilícita pro societaet: O
doutrinador Fernando Capez admite que, sob raras hipóteses, em se tratando de
crimes demasiadamente graves (v.g. organizações criminosas de alta
periculosidade), o direito ao sigilo deva ceder frente a necessidade de se
tutelar a vida, o patrimônio e a segurança dos cidadãos, o que justificaria a
adoção de uma prova normalmente considerada ilícita. Esse posicionamento, no
entanto, não encontra acolhida pacífica junto aos Tribunais pátrios.
Como excepciona o próprio Código de Processo
Penal (art. 157, §§ 1º e 2º), se uma prova derivada de outra ilícita puder ser
obtida por meio de uma fonte independente (aquela que por si só, seguindo os
trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal,
seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova. Ex.: Testemunha descoberta por
meio de interceptação telefônica ilícita. Essa mesma testemunha, no entanto, é
mencionada em outra prova, agora lícita, e seria descoberta de qualquer
maneira), deverá ser considerada como um meio lícito de prova.
Enfim, inúmeras são as hipóteses nas quais a
licitude das interceptações telefônicas será questionada, e seu resultado
dependerá sempre da análise detalhada do caso concreto.
Para essa análise devem ser utilizados como
parâmetros as normas constitucionais e infraconstitucionais anteriormente
mencionadas, primando-se pela proteção não só do sigilo e da privacidade, mas
igualmente da vida, da integridade física, da segurança e dos demais direitos
fundamentais previstos em nossa Constituição Federal.
Fontes:
- FEITOZA, Denilson. Direito Processual Penal:
teoria, crítica e práxis. 5ª ed. Niterói, RJ : Impetus, 2008.
- AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Processo
Penal. 4ª ed. São Paulo : Método, 2008.
- CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal.
14ª ed. São Paulo : Saraiva, 2007.
- NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e
processuais penais comentadas. 2ª ed. São Paulo : RT, 2007.
35. VIDEOCONFERÊNCIA (NO PROCESSO PENAL)
Um tema que sempre causou discussão na
doutrina e jurisprudência pátria é a utilização da videoconferência para o
interrogatório do réu. Aqueles que impugnam o uso da aludida tecnologia pela
Justiça brasileira apontam inúmeras críticas à inovação. Contudo, um dos
principais fundamentos considerado pelos defensores dessa corrente - a falta de
previsão expressa no Código de Processo Penal que autorizasse essa forma de
interrogatório - não mais deve ser considerado, haja vista que a Lei 11.900/09
tratou de positivar a matéria.
No processo civil todo tipo de modernização
eletrônica já é admitida (e vem sendo praticada). A vida moderna seria
impraticável sem a informatização. A Justiça criminal de diversos países
desenvolvidos (Estados Unidos, Itália etc.) já utiliza a videoconferência desde
a década de 90, atenta às evoluções tecnológicas. E o que se passa no Brasil?
Somente agora é que, no processo penal brasileiro, podemos usar a
videoconferência.
A informatização do Judiciário, em sua
plenitude, não é uma questão de utilidade, sim, de necessidade. De todo modo,
as inovações tecnológicas sempre estão acompanhadas de desconfiança e
resistência. Assim o foi, por exemplo, com o emprego das máquinas de escrever,
hoje obsoletas, no cotidiano forense, pois muitos argumentavam que sua utilização
impossibilitaria o reconhecimento da autenticidade da autoria da peça
processual.
Superando-se, portanto, eventual sentimento de
aversão às mudanças, são vários os argumentos favoráveis ao uso da
videoconferência na Justiça criminal: risco de fugas, risco de resgates,
economia orçamentária etc.
O argumento desfavorável mais repetido é o de
que com a videoconferência impede-se o contato físico do réu com o juiz. Na
década de sessenta foram proclamados o Pacto Internacional dos Direitos Civis e
Políticos e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Estes tratados falam
em contato pessoal do acusado com o juiz. Por óbvio que naquela época
“analógica” tal contato pessoal somente poderia ser o físico. Hoje, porém, tais
dispositivos devem ser interpretados progressivamente (ou seja: digitalmente,
não analogicamente).
O sistema de videoconferência é uma nova forma
de contato direto ("pessoal"), não necessariamente no mesmo local.
Como sublinhou a Min. Ellen Gracie, "Além de não haver diminuição da possibilidade
de se verificarem as características relativas à personalidade, condição
sócio-econômica, estado psíquico do acusado, entre outros, por meio de
videoconferência, é certo que há muito a jurisprudência admite o interrogatório
por carta precatória, rogatória ou de ordem, o que reflete a idéia da ausência
de obrigatoriedade do contato físico direto entre o juiz da causa e o acusado,
para a realização do seu interrogatório".
Por outro lado, os adeptos da ideologia da
eqüidade (os chamados minimalistas ou progressistas) atrapalham o debate sereno
e racional sobre o tema porque se prendem (analogicamente) ao método, não à
essência ou à forma do ato. Ora, desde que observadas todas as garantias
constitucionais, internacionais e legais, não há como reconhecer a invalidade
da videoconferência. Essa formalidade (respeito às garantias fundamentais) é o
que mais importa. Não interessa tanto o método (tecnológico), sim a forma
(circunstâncias do ato).
Nem eficientismo (sustentado pelos que só
querem punir mais rapidamente o réu) nem garantismo vesgo (analógico). O sonho
do moderno processualista consiste em alcançar um modelo de processo penal
eficiente E com garantias: a videoconferência tem que acontecer em sala
especial nos presídios, com acesso público, a presença de um funcionário
judicial neste local se faz necessária, a comunicação direta e privada – linha
telefônica exclusiva - entre o réu e o seu advogado é totalmente imprescindível
etc. O fundamental, como se vê, não é o método, sim a forma (porque forma é
garantia no processo penal). E todas essas formas foram garantidas pela Lei
11.900/2009.
Não se pode olvidar, contudo, o caráter
excepcional da utilização de tal método de interrogatório. De acordo com a nova
redação conferida aos § § 1º e 2º do art. 185 do CPP, a regra geral continua
sendo a realização do interrogatório no estabelecimento prisional, de forma que
a videoconferência somente será cabível extraordinariamente, desde que
caracterizada uma das situações previstas num dos incisos do § 2º. São elas:
prevenção à segurança pública (quando exista fundada suspeita de que o preso
integre organização criminosa ou de que, por outra razão, possa fugir durante o
deslocamento) OU viabilizar a participação do réu no referido ato processual,
quando haja relevante dificuldade para seu comparecimento em juízo, por
enfermidade ou outra circunstância pessoal OU impedir a influência do réu no
ânimo de testemunha ou da vítima, desde que não seja possível colher o
depoimento destas por videoconferência, nos termos do art. 217 deste Código OU
gravíssima questão de ordem pública.
Como forma de assegurar os direitos do réu e
de respeito ao princípio do contraditório, o mesmo deverá ser intimado com
antecedência de dez dias da decisão que determinar a realização do seu interrogatório
por meio da videoconferência.
Não se olvide também que as normas previstas
no CPP garantem total respeito às garantias do acusado, como, por exemplo, a
existência de um canal de comunicação reservado com seu defensor e o
acompanhamento telepresencial da oitiva da vítima e das testemunhas.
Frisa-se que o argumento de que o
interrogatório assim realizado impede o contato do juiz com o acusado, o que
prejudicaria o exercício da ampla defesa, não merecer de forma alguma ser
acolhido. Há de se notar que a realidade não é essa. Da mesma maneira do
interrogatório realizado na sala de audiência ou no estabelecimento prisional,
a utilização da videoconferência, nos moldes aqui defendidos, também permite
que o magistrado tome contato com todas as reações do interrogando, como se
estivesse na presença física do acusado ou réu.
Desde que se assegure a fluência dos quadros
de vídeo; a nitidez das imagens com possibilidade de zoom; o uso de telas
amplas de alta definição; a clareza do áudio; o sincronismo áudio-vídeo, de
modo a impedir atrasos, interrupções ou perda de dados; o controle da câmera
remota pelo magistrado; um canal reservado de voz para a defesa; scanner e
impressora em rede para a transmissão de documentos, entre outros equipamentos,
não há razão para temer a videoconferência criminal. O conteúdo transmitido
pela rede pode ser acessado por qualquer pessoa, garantindo a publicidade do
ato judicial. Possibilita-se a gravação dos eventos para memória futura, com
uso processual na própria instância ou no grau recursal, ou em exibições em
plenário do júri, tudo de modo a predominância do interesse público e da
verdade real, com pleno respeito às garantias individuais no processo
penal.
Por fim, cabe destacar que o papel do
Ministério Público é de extrema importância na implementação de um sistema que
possibilite a utilização de videoconferências com o efetivo respeito às
mencionadas garantias constitucionais, atuando não apenas como mero instrumento
acusatório, mas sobretudo como verdadeiro fiscal da lei.
36. 39. A ATUAÇÃO DO PARQUET NOS 20 ANOS DA
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA
Segundo registros históricos, o Ministério
Público é uma instituição milenar. Conta-se que já na antiga civilização
egípcia, há aproximadamente quatro mil anos, existia a figura de um
“funcionário do rei”, incumbido das atribuições de castigar culpados, reprimir
os violentos, proteger os cidadãos pacíficos, acolher os pedidos do cidadão
justo e verdadeiro, perseguir os malvados e mentirosos, ser marido da viúva e
pai dos órfãos e fazer ouvir as palavras da acusação.
Contudo, sua origem mais citada é a Ordenança
de 25 de março de 1302, de Felipe IV, o Belo, rei da França, o qual impôs aos
seus procuradores que prestassem o mesmo juramento dos juízes, vedando-lhes
patrocinarem outros que não o rei.
No Brasil, seguindo a tradição portuguesa,
tanto na Colônia quanto no Império, sob a égide das Ordenações Afonsinas, as
funções ministeriais ficaram a cargo do Procurador da Coroa, com vinculação
direta ao rei ou ao imperador. Não existia, destarte, como órgão público
autônomo.
Foi somente no princípio da República que
adquiriu o status de instituição, com o advento do Decreto nº 848, de
11.10.1890. Mas somente a partir do ano de 1981, com a edição da Lei
Complementar nº 40, que o Ministério Público passou a ter um papel relevante na
república brasileira.
Muitos foram os avanços e retrocessos, mas o
fato é que o Ministério Público seguiu uma trajetória sempre ascendente, quanto
ao número de suas atribuições e ao esboçamento de um modelo que vai se
construindo, paulatinamente, por força da evolução histórica e social do país.
A sua grande transformação deveu-se ao
constituinte originário de 1988, do qual recebeu um legado de imensas e
complexas atribuições com nítida destinação social. Anteriormente, o papel do
Ministério Público cingia-se à persecução criminal e de raras atribuições na
área cível, na qualidade de um mero fiscal da aplicação da lei.
A Constituição instituiu um sofisticado
paradigma de garantia dos direitos inscritos em todos os níveis da pirâmide do
ordenamento jurídico pátrio. E para a efetivação destes direitos, incumbiu ao
Ministério Público a defesa da sociedade, conferindo-lhe o papel central de
grande provocador do Poder Judiciário.
Erigido à instituição permanente e essencial à
função jurisdicional do Estado, o Ministério Público recebeu, entre outras, a
incumbência de defender a ordem jurídica, o regime democrático e os interesses
sociais e individuais indisponíveis; de promover, privativamente, a ação penal
pública; de zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de
relevância pública aos direitos constitucionais; de promover o inquérito civil
e a ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio
ambiente e de outros interesses difusos e coletivos; de exercer outras funções
que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade (art. 127 e
art. 129, CR/88).
Munido de poderes para interposição da ação
direta de inconstitucionalidade, da representação para fins de intervenção,
para a fiscalização do patrimônio público e dos serviços de relevância pública,
para atuação junto aos Tribunais de Contas e poderes de ajuizamento de ações
cíveis e criminais, o Ministério Público converteu-se em autêntico agente
político.
Ainda, foi assegurado ao Parquet a plena
independência e um elevado grau de autonomia frente aos Poderes do Estado,
possibilitando a propositura de ações contra agentes dos Poderes Executivo,
Legislativo e do Judiciário.
Completados vinte anos de promulgação da Constituição
da República em cinco de outubro de 2008, nota-se que, embora seja um
curto período de tempo para os padrões históricos, foi uma longa e profícua
jornada rumo à concretização dos fundamentos do Estado Democrático de Direito.
Efetivamente, vem o Ministério Público
ocupando, em todos os seus níveis e em todas as suas áreas de atuação, espaços
cada vez maiores no exercício de funções de grande relevo à manutenção do
equilíbrio jurídico da sociedade, seja como órgão fiscal da legalidade, seja como
agente da proteção dos valores da ordem jurídica e, consequentemente, dos
direitos individuais e coletivos.
No balanço das realizações do Ministério
Público ao longo destes vinte anos da Constituição Republicana, pode-se
afirmar, com segurança, que a Instituição consolidou seu papel de agente de
transformação social com firme e pioneira atuação no campo cível, a partir do
manejo preciso dos instrumentos como recomendação, termo de ajustamento de
conduta e ação civil pública em defesa dos interesses da sociedade.
O Ministério Público, que ajuizou a imensa
maioria das ações civis públicas que tramitaram ou tramitam perante os juízos
de todo o país, tem atuado vastamente na tutela dos interesses
transindividuais, como saúde, educação, patrimônio público, moralidade pública,
consumidor, meio ambiente, idoso, criança e adolescente, com implicações
inclusive na gestão das políticas públicas.
Este campo de atuação assinala, à evidência,
um caráter fortemente político, enquanto alcança o interesse de lideranças
políticas, da classe empresarial, dos detentores do poder econômico e do
próprio Estado.
Como novo ator no cenário político nacional, o
Ministério Público se firmou nestes vinte anos de Constituição como defensor
das minorias e da cidadania, e como instrumento de efetivação do direito
social, capaz de corrigir e direcionar as políticas públicas.
No campo penal, percebe-se nitidamente a
inquietação da sociedade com relação à segurança pública, que padece de
problemas estruturais nas duas pontas do sistema: na fase investigatória e na
fase de cumprimento da pena imposta, o que, não raras vezes, tem conduzido a
distorções que acabam resultando em inaceitável impunidade. Daí a necessidade
de forte atuação do Ministério Público nessas duas pontas.
Assim, a investigação criminal deve ser
reconhecida como atividade da qual também é incumbido o Ministério Público, não
existindo óbice constitucional para que a instituição se valha dessa atribuição
para garantir a punição de crimes que de outra forma talvez não seriam objeto
da persecução penal.
No que tange à execução da pena, é necessário
que o Ministério Público, sempre no exercício de seu pioneirismo frente às
grandes questões nacionais, provoque soluções criativas e adequadas ao problema
carcerário brasileiro, de modo que o condenado não fique impune, mas possa
cumprir sua pena no ambiente delineado pela Constituição e pela Lei de Execução
Penal.
Este, pois, é o Ministério Público moderno,
com uma configuração absolutamente necessária à consagração do Estado
Democrático de Direito, que deve implementar uma sociedade justa e solidária,
erradicando a pobreza, as desigualdades, a grande incidência da criminalidade,
com prevalência do direito sobre o arbítrio da Justiça, sobre os detratores da
ordem, da paz e do equilíbrio social.
Exercendo autêntica função social, já que sua
atuação é voltada para os interesses da sociedade, o Ministério Público deve
seguir buscando sua destinação constitucional, incursionando-se cada vez mais
na busca de uma justiça social que propicie uma melhor qualidade de vida.
É esta, em síntese, a trajetória do Ministério
Público, que hoje se firma, na consciência nacional, como órgão da mais alta
importância à coletividade.
37. 40. MINISTÉRIO PÚBLICO NOS 20 ANOS
DA CIDADANIA – DÉBORA
O Ministério Público foi concebido como
instituição independente, dotado de autonomia financeira, administrativa e
funcional, desvinculado de qualquer dos três poderes, nas diretrizes traçadas
nos artigos 127 da Constituição Federal e seguintes, acompanhados, no plano
infraconstitucional, pela Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei n°
8625, de 12 de fevereiro de 1993), pelo Estatuto do Ministério Público da União
(Lei Complementar n. 75, de 20 de maio de 1993) e pela Lei Orgânica do
Ministério Público de Santa Catarina (Lei Complementar Estadual n. 197/2000).
Numa análise história do Ministério Público, a
primeira abordagem da expressão surgiu no Decreto n. 5.618, de 2 de maio de
1874, que dividiu o Ministério Público dos Tribunais da Relação. Tal Decreto
surgiu após a Carta Imperial de 1824, que determinou a criação do Supremo
Tribunal de Justiça e dos Tribunais da Relação, para os quais eram nomeados
desembargadores como Procuradores da Coroa.
Em 1891, a primeira Constituição Brasileira
Republicana ainda não tratava do Ministério Público na forma de instituição,
mas apenas determinava que o procurador-geral da República fosse escolhido
dentre os integrantes do Supremo Tribunal Federal. Foi com o advento do Decreto
n. 848, de 11 de outubro de 1890, que o Ministério Público passou a ter a forma
institucional. O Decreto dispôs sobre a organização do Ministério Público no
âmbito federal, dispôs sobre a indicação do Procurador-geral pelo Presidente da
República e determinou as funções deste de cumprir as ordens do governo e de
defender os interesses da União.
Mas foi somente na Constituição de 1934 que o
Ministério Público passou a ser institucionalizado constitucionalmente. Nessa
Constituição, no Capítulo Dos Órgãos de Cooperação nas atividades
governamentais, regulamentou a livre nomeação do procurador-geral pelo
Presidente da República, com a aprovação do Senado, bem como a sua
possibilidade de demissão ad nutum. Também estabeleceu que o Ministério Público
federal seria regulamentado pela União e o Estadual mediante leis locais, além
de traçar as garantias de vencimentos iguais as dos Ministros da Corte Suprema,
primeiros impedimentos e a organização dos Ministérios Públicos Militar e
Eleitoral.
Contudo, em 1973, pela Constituição do Estado
Novo na ditadura de Getúlio Vargas, apareceu o primeiro retrocesso do
Ministério Público. Foi excluído o controle do Legislativo na nomeação do
Procurador-geral, passando a ser escolhido apenas pelo Presidente da República.
Com o restabelecimento da democracia no ano de
1946, o Ministério Público voltou a ter relevância em título próprio.
Estabeleceu-se o ingresso da carreira mediante concurso público e, dentre
outras, a estabilidade e inamovibilidade de seus membros.
A Constituição de 1967 incluiu-o no Poder
Judiciário e manteve a estrutura da Constituição de 1946. Sucede que o texto de
1969, outorgado por junta militar, alterou a Constituição de 1967. Se por um
lado aumentou as atribuições do chefe do Ministério Público da União, de outro
lado simbolizou um retrocesso ao incluir novamente o Ministério Público dentro
do Poder Executivo.
O avanço surge em 1977, mediante e Emenda
constitucional n. 7, que estabeleceu normas gerais para a organização do
Ministério Público. A Lei da Ação Civil Pública atribuiu a função de defesa dos
interesses difusos e coletivos. Antes da Lei, a função predominante da
instituição era criminal e na área civil atuava apenas como fiscal da lei.
Portanto, foi com o advento da Lei que o Ministério Público passou a atuar na
esfera cível como guardião dos direitos difusos e coletivos.
Em 1988, pela atual Constituição, o Ministério
Público é instituição permanente e funcionalmente independente, não podendo ser
extinto nem ter suas atribuições repassadas a outros órgãos. Foi a partir da
Constituição cidadã que o Ministério Público passou a ter funções, dentre elas,
na área civil de defender a tutela dos direitos difusos e coletivos. Passou a
abranger, dessa forma, a proteção da cidadania, da democracia, da justiça,
moralidade, interesses sociais, patrimônio público e direitos humanos.
Do panorama história ora traçado, vislumbra-se
que a atual Constituição colocou o Ministério Público de forma mais bem
estruturada para poder garantir os direitos do cidadão e o bom funcionamento da
sociedade democrática.
Com efeito, o art. 129, inciso I, da
Constituição Federal incumbe ao Ministério Público a função de zelar pelo
respeito dos direitos assegurados na Constituição, promovendo as medidas
necessárias a sua garantia. No inciso II do mesmo artigo, garante o manejo da
ação civil pública para a defesa, dentre outros, do meio ambiente e de direitos
difusos e coletivos.
Tais direitos que devem ser defendidos pelo
Ministério Público são também traçados pela Constituição Federal, em essência,
como sendo direitos fundamentais previstos no título II e divididos em cinco
capítulos: Dos direitos e deveres individuais e coletivos; Dos Direitos
Sociais; Da nacionalidade; Dos Direitos Políticos e Dos Partidos Políticos.
Ora, a defesa desses direitos fundamentais
ganha corpo mediante a atuação direta e eficaz do Ministério Público munido de
instrumentos processuais hábeis. O que seria da defesa do meio ambiente sem as
medidas processuais previstas na Lei da Ação Civil Pública?
E nem se diga que a defesa do meio ambiente
não está atrelada à defesa dos direitos da cidadania.
Veja-se, primeiramente, que os direitos
fundamentais não estão taxativamente previstos no extenso rol de incisos do
art. 5° da Constituição Federal. É cediço que outros direitos decorrem do
regime democrático e dos princípios adotados pela Constituição Federal,
conforme previsão expressa no parágrafo primeiro do artigo 5°.
Segundo, porque o direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado também é tutelado constitucionalmente pelo art. 225,
caput, da Constituição Federal como sendo bem de uso comum do povo, essencial à
qualidade de vida. Assim, se o direito ao meio ambiente sadio está relacionado
ao direito à vida, previsto no art. 5°, caput, da Constituição Federal, forçoso
concluir a ligação e a influência entre ambos.
Da mesma forma, o direito à saúde é um direito
de todos e dever do Estado, garantido no art. 196 da Constituição Federal. Por
ser direito social indisponível, cabe ao Ministério Público tutelá-lo em juízo
quando o Poder Público não cumpre com sua regulamentação, fiscalização e
controle. Igualmente, é direito fundamental da pessoa humana, previsto no art.
6°, caput, da Constituição Federal.
Desse contexto, revela-se evidente a
incumbência do Ministério Público de tutelar a defesa dos direitos da
cidadania, pois são direitos fundamentais da pessoa humana, a exemplo do
direito à vida, saúde e meio ambiente ecologicamente equilibrado, bens de natureza
indisponível. Nesses últimos 20 anos, a instituição ganhou importante papel
mediante a promulgação da atual Constituição Federal, estando essencialmente
atrelada às funções de defesa dos direitos da cidadania por parte do Ministério
Público.
38. A ATUAÇÃO DO MP CONTRA A CORRUPÇÃO E O QUE
VOCÊ TEM A VER COM A CORRUPÇÃO?
Sabe-se que a eficaz atuação do Estado e a
asseguração dos nortes constitucionais à população dependem, em grande parte,
da correta aplicação dos recursos públicos, através da execução de políticas
públicas voltadas ao desenvolvimento coletivo e à asseguração da cidadania (em
sentido amplo). Esses recursos, no entanto, algumas vezes, são diluídos por
agentes públicos na ânsia de se enriquecerem as custas do erário.
No âmbito das relações privadas ou
particulares, igualmente a corrupção tem avançado, como deletéria doença a
corroer todo nosso sistema social.
Como forma de combater essa mazela, o
Ministério Público tem buscado a punição de eventuais corruptos utilizando-se
principalmente da Lei nº 8.429/92 (Lei da Improbidade Administrativa), a qual
trouxe amplos poderes para que o parquet e outras entidades, punam e recuperem
todos os valores ilicitamente acrescidos aos patrimônios dos agentes públicos e
dos respectivos beneficiários dos atos, os quais estarão sujeitos às sanções
civis, políticas e administrativas inerentes, independentemente das sanções
criminais.
O Ministério Público do Estado de Santa
Catarina, em apóio a um projeto pioneiro no país, igualmente tem voltado especial
atenção ao aspecto preventivo da corrupção.
Com a premissa de que a educação se apresenta
como um importante veículo no combate da corrupção, por meio da percepção e do
estímulo a ética, a moral e a honestidade do cidadão, e o comprometimento da
sociedade na cobrança pela transparência da gestão pública, o promotor de
Justiça do Estado de Santa Catarina, Affonso Ghizzo Neto, considerando que uma
das soluções seria a atuação preventiva dos agentes sociais, iniciou um
programa de mobilização e conscientização social denominado “O que você tem a
ver com a corrupção?”.
O grande trunfo deste programa consiste na
confecção de um processo cultural de formação de consciência e de
responsabilidade dos cidadãos, mediante o estímulo às novas gerações a adotarem
uma conduta ética e moral comprometida com o bem estar coletivo. Outro fator
relevante é a adoção de medidas que contribuam para a diminuição da burocracia
judicial e melhorem a eficiência dos serviços da Justiça na punição de
corruptos e corruptores.
Como a campanha educativa foi direcionada
principalmente para crianças e adolescentes, o material educacional foi
preparado em forma de desenho animado – para fitas VHS e Filmes - e revistas em
formato de gibis. O enredo nos dois recursos é narrado por meio de desenhos e
textos, discurso direto, numa linguagem simples que facilita a compreensão da
narrativa. O tema corrupção é colocado em situações cotidianas na primeira
parte da narrativa e depois assume a temática que engloba o incentivo à
honestidade e a transparência das atitudes em todos os níveis, de escolas a
governos. Ou como afirma Ghizzo Neto, “O que se propõe é simples, a reflexão do
que a corrupção pode ocasionar em nossas vidas.” Neste enfoque, a campanha
estimula as pessoas a assumirem a responsabilidade com suas próprias atitudes
tanto para si como para com as outras pessoas.
Além do objetivo preventivo por meio da
educação, a campanha tem como escopo estimular as denúncias populares dos atos
de corrupção, não importando o maior ou menor grau de lesividade à população.
Com isso, cria-se um canal direto entre a sociedade e o Ministério Público,
facilitando a apuração das mencionadas condutas.
O projeto visa atacar dois pontos
fundamentais:
1º- acabar com a impunidade, ou seja, buscar a
efetiva punição dos corruptos e dos corruptores, por meio de um canal real para
o oferecimento de denúncias;
2º- educar e estimular as novas gerações,
mediante a construção, em longo prazo, de um Brasil mais justo e sério,
destacando-se o papel fundamental de nossas próprias condutas diárias a partir
do seguinte principio, é preciso dar o exemplo.
Resultados obtidos
A prática foi lançada em agosto de 2004, no
Município de Chapecó-SC (numa sala de cinema), com o objetivo de conscientizar
toda a sociedade, especialmente crianças e adolescentes, sobre o valor da
honestidade e transparência das atitudes do cidadão comum, destacando atos
rotineiros que contribuem para a formação do caráter.
A partir de então a campanha espalhou-se sob
um ritmo crescente, integrando: feiras do livro; salas de cinema (exibição
previa do audiovisual); outdoors; busdoors; mídia televisiva e radiofônica;
peças teatrais; divulgação no esporte (times catarinenses e do campeonato
brasileiro); implementação, em algumas escolas, de um projeto piloto voltado ao
assunto, com a inclusão da matéria de edução e cidadania em sua grade
curricular; conscientização de motoristas com o apóio da Polícia Rodoviária
Federal; realização de curso de capacitação pela Secretaria de Estado de
Educação (SED) e a Associação Catarinense do Ministério Público (ACMP), voltado
para a formação de professores; passeatas contra a corrupção (em Joinville
reuniu aproximadamente 3,5mil pessoas); proferência de palestras em
universidades; distribuição de materiais educativos em todas as escolas da rede
pública estadual catarinense; realização de concursos estundantis sobre o tema
etc.
A partir de 2007 a campanha ganhou âmbito
nacional, com a adesão dos seguintes órgãos/entidades: Associação Nacional dos
Membros do Ministério Público (Conamp), Associação dos Magistrados Brasileiros
(AMB), Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais de Justiça do Ministério
Público dos Estados e da União (CNPG), Governo Estadual de SC, Rede Globo,
União dos Vereadores de Santa Catarina, Assembléia Legislativa de Santa
Catarina, Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas. Ainda, todos os alunos
da rede privada estadual de ensino também receberam material e ensinamentos da
campanha.
Em 2008, a campanha contou com a participação
dos atores globais Murilo Rosa, Milton Gonçalves, José Wilker e Armando
Babaioff, do esportista Alberto Bial, da pianista Beatriz Salles e da cantora
lírica Denise Tavares. Foi realizada enqueste no site da Globo e diversos
orgãos e entidades aderiram ao programa, como: Secretaria de Prevenção da
Corrupção e Informações Estratégicas da Controladoria-Geral da União (CGU),
UNESCO, Senado Federal, Santos FC, Campeonato Brasileiro de Futebol, Mundial de
Surf 2008.
Em 2009 houve a adesão do Ministério Público
do Trabalho e da Brasil Telecom (com a distribuição de 1,4 milhão de cartões na
sua área de atuação: Distrito Federal e os estados Acre, Rondônia, Goiás,
Tocantins, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande
do Sul ).
O projeto prevê, doravante: a) a necessidade
de continuação de divulgação nacional da campanha visando a atingir o maior
número possível de crianças e adolescentes, com: parcerias com as redes de TV
de alcance nacional, para exibição dos filmes da campanha; fixação de outdoors
em locais com grande circulação de pessoas; divulgação em eventos esportivos
com grande concentração de pessoas; mobilização de um número expressivo
de agentes públicos, como promotores e procuradores, para realização de
palestras e seminários em colégios, associações, ONGs etc; passeatas e
mobilizações (Dia “C” contra a corrupção com uma passeata e distribuição de
adesivos em semáforos); organização de concursos estudantis sobre o tema;
disponibilização para a população um número telefônico gratuito (0800), por
meio do qual podem ser feitas denúncias etc.
A equipe de trabalho, responsável pela
execução da campanha, é composta pelo promotor de Justiça Affonso Ghizzo Neto e
de voluntários que vão se agregando ao movimento. Segundo o autor da prática,
faz-se necessário ainda o engajamento de todos os membros do Ministério Público
de Santa Catarina com atuação nas Curadorias da Infância e Juventude e
Moralidade Administrativa (aproximadamente 150 promotores).
Hoje o custo total do projeto é estimado em
aproximadamente 3 milhões de reais. Os benefícios da campanha, no entanto,
serão surpreendentemente maiores, alcançados no médio e longo prazo, e
denotados principalmente quando as pessoas compreenderem que as maiores vítimas
da corrupção são elas mesmas.
Fonte:
- Material enviado pelo Dr. Affonso Ghizzo
Neto, coordenador do projeto e promotor de justiça em SC.
39. O MINISTÉRIO PÚBLICO COMO FATOR DE REDUÇÃO
DE CONFLITOS E CONSTRUÇÃO DA PAZ SOCIAL. ÁREA CRIMINAL: JUSTIÇA PENAL E
PACIFICAÇÃO
O Direito, bem se sabe, deve sua existência ao
convívio do homem em sociedade e toda a sorte de conflitos decorrente de tal
contexto, de modo que se pode dizer que a matéria-prima do Poder Judiciário são
as lides submetidas a julgamento e, assim, seu objetivo precípuo é a pacificação
social através da resolução das referidas contendas.
Os conflitos de interesses são percebidos sob
uma dupla dimensão. De um lado o conflito jurídico envolvendo direitos violados
ou supostamente violados e, de outro, o conflito social envolvendo as relações
entre indivíduos, que desestabilizam a sociedade e nem sempre são
reestruturadas, Muito embora, juridicamente, tenha-se solucionado o conflito
emergente, a insatisfação permanece latente entre os indivíduos; em realidade
não se tratam os conflitos de meras questões materiais, mas sobretudo de
aspectos subjetivos e emocionais.
Não raro se verifica que mesmo após a entrega
da prestação jurisdicional, ambas as partes litigantes se apresentam
insatisfeitas; conseqüência de sentenças judiciais em que se tem a solução de
um conflito em seu aspecto jurídico apenas, deixando de solucionar o conflito
sociológico.
Tal panorama é resultado da predominância em
nosso país de um modelo penal dissuasório clássico temperado por nuanças
abstratas de um modelo ressocializador. O primeiro fundado na implacabilidade
da resposta punitiva estatal, suficiente para a reprovação e prevenção de
futuros delitos, contando a pena com finalidade puramente retributiva, ao passo
que o segundo atribui à pena a finalidade (utilitária ou relativa) de
ressocialização do infrator (prevenção especial positiva).
Assim, somente com o advento da Lei 9.099/95 é
que se passou a adotar no Brasil uma espécie de modelo consensual de Justiça
penal.
Para que se entenda tal modelo, parece correto
(e necessário) distinguir, no âmbito da Justiça criminal, atualmente, o
"espaço de consenso" do "espaço de conflito". Aquele
resolve o conflito penal ajuste entre as partes envolvidas. Este não admite
qualquer forma de acordo, ou seja, exige o clássico devido processo penal
(denúncia, processo, provas, ampla defesa, contraditório, sentença, duplo grau
de jurisdição etc.).
O modelo consensual pertence ao primeiro
espaço (do consenso); os modelos punitivistas (dissuasório e ressocializador)
integram o segundo espaço (do conflito).
Não existe, porém, um único modelo consensual
de Justiça penal. Em outras palavras, dentro do espaço de consenso (da Justiça
consensuada) impõe-se bem definir e distinguir as múltiplas formas de resolução
dos conflitos penais: conciliação, mediação e negociação.
O ordenamento normativo brasileiro não conta
com a mediação como forma de resolução de conflitos penais, nem tampouco com a
negociação, cujo melhor exemplo é o plea bargaining norte-americano.
Já a conciliação é típica dos juizados
criminais no nosso país e, assim, é nela em que se sobressai mais nitidamente a
atuação do Ministério Público para fins de pacificação social. A conciliação é
um gênero do qual tanto a reparação ou composição civil como a transação penal.
É apropriada para as infrações penais de menor potencial ofensivo, quais sejam,
aquelas punidas com pena máxima não superior a dois anos.
A composição civil nada mais é do que o acordo
firmado entre autor do fato e ofendido visando recompor os prejuízos materiais
advindos do ilícito penal. No âmbito dos Juizados Especiais Criminais, e em se
tratando de ação penal privada ou pública condicionada, equivale à renúncia do
direito de queixa ou representação, razão pela qual todo o procedimento deve
ser rigorosamente acompanhado e fiscalizado por membro do Parquet, até pare que
se evite a mera mercantilização da Justiça criminal, buscando-se sempre a
harmonia social como finalidade última.
A transação penal, por sua volta, tem lugar
nos casos em que inexitosa a composição civil na ação penal condicionada ou,
ainda, nos de ação penal pública incondicionada, traduzindo-se, em suma, por
concessões mútuas entre o Ministério Público, titular da actio, que abre mão do
jus persequendi, e o indivíduo supostamente infrator, que, a despeito de não
reconhecer a culpa do delito, aceita a imposição de pena restritiva de direitos
ou multa para não se ver processado.
A participação do Ministério Público é de suma
importância neste contexto, uma vez que os termos do acordo de transação penal
devem primar, dentro da lógica suso exposta, não apenas pela satisfação do
conflito jurídico, mas sobretudo pela resolução do conflito social criado pelo
fato supostamente típico, dando-se especial relevância ao enfoque da vítima,
mais valendo, no mais das vezes, a aplicação de prestação pecuniária ao
ofendido do que mera interdição temporária de direitos.
Nesta perspectiva, faz-se necessário perceber
que a justiça acompanha a evolução do homem dentro de suas necessidades,
resultantes da evolução tecnológica, social, política, jurídica e econômica
sendo necessário uma adaptação eis que do processo evolutivo o aumento da
procura por soluções eficazes as quais podem ser obtidas não apenas por meios
estatais, mas pela própria participação dos litigantes através de meios
alternativos.
O Estado exerceu papel fundamental quando da
organização do homem em sociedade, porém, ao mesmo tempo, representou o
principal empecilho de seu acesso à Justiça no momento em que concedeu inúmeros
direitos e garantias ao cidadão sem, no entanto, possuir estrutura que suporte
a realização material de tais prerrogativas, impedindo, via de conseqüência, o
pleno exercício da cidadania.
A busca constante pela Justiça e a inoperância
do Poder Judiciário em face de sua inadequação às exigências sociais atuais fez
surgirem mecanismos alternativos que evoluem na sociedade, oferecendo a rapidez
e a eficácia almejada na composição dos conflitos.
Dessa forma é que a atuação ministerial
tendente a solucionar as controvérsias que lhe são submetidas a análise não
apenas pelo prisma jurídico, mas especialmente pelo enfoque humano do litígio,
ao revés de abrir mão da titularidade da ação penal, devolve ao aparato estatal
a legitimidade perdida, alcançando assim efetiva pacificação social, escopo maior
do Estado Democrático de Direito.
40. 46. O MP COMO FATOR DE REDUÇÃO DE
CONFLITOS E CONSTRUÇÃO DA PAZ SOCIAL: ÁREAS DA POLÍTICA INSTITUCIONAL E
ADMINISTRATIVA – INTERAÇÃO CORPORATIVA E RESPONSABILIDADE FUNCIONAL COMO
CONDIÇÃO DE FORTALECIMENTO INSTITUCIONAL.
A forma com que o Ministério Público
brasileiro está definido pela nossa Constituição Federal é uma das mais
adequadas para a instituição, pois com uma verdadeira autonomia, o Ministério
Público pode cumprir todas as suas funções, tanto relacionadas com o direito
penal, como com as de salvaguardar os interesses públicos e sociais, e a defesa
da Legalidade.
A Carta Magna conferiu ao MP, autonomia
funcional, administrativa e financeira, conforme se observa no art. 127, §§ 2º
e 3º, que constituem princípios institucionais.
Já as funções institucionais estão
relacionadas no art. 129 da Constituição Federal, e consistem na titularidade
da ação penal, da ação civil pública para a tutela dos interesses públicos,
coletivos, sociais e difusos e da ação direta da inconstitucionalidade genérica
e interventiva, nos termos da Constituição; é o garantidor do respeito aos
Poderes Públicos e aos serviços de relevância pública; defensor dos direitos e
interesses das populações indígenas; intervém em procedimentos administrativos;
é controlador externo da atividade policial, na forma da lei complementar,
podendo para tanto, inclusive, instaurar respectivo procedimento
administrativo, quando necessário.
A estas funções se soma a unidade de sua
organização. O Ministério Público está estruturado de maneira uniforme. Seu
estudo demonstra que esta instituição possui suas raízes na história e que
evoluiu essencialmente segundo as exigências da própria evolução da justiça e
da administração do Estado.
O Ministério Público se afigura como autêntico
advogado dos interesses sociais, dos interesses difusos e coletivos. É titular
da ação que se fizer necessária para proteger o que é de todos. Quando na ação
penal, comunica e apresenta ao Estado Juiz, o fato e requer a pena, dá voz à sociedade
ofendida por uma conduta individual, exerce a função que o mesmo Estado lhe
deu, tem verdadeira atribuição de advogado, estritamente ligada a de defensor.
Neste norte, defende a criança, o idoso, o
meio ambiente, o consumidor, a moralidade administrativa, enfim, tudo o que for
de todos.
De fato, o Ministério Público é
potencialmente, um Advogado da sociedade, com vantagem para esta, não precisa,
antes, não lhe deve pagar honorários. Veja-se, nas pequenas cidades, de modo
especial, a autêntica procissão que se faz, rumo ao gabinete do Promotor. É
isto que o faz se valer de todas as formas para não frustrar nenhuma
expectativa, bem como adverte para as diversas iniciativas, no sentido de fazer
suprir a falta do que ainda não existe, por meio da ação civil, se necessário,
com faculdades próprias, quando urgir.
Onde quer que se vá, seus integrantes são
reconhecidos como expectativa do asseguramento de todos os direitos, como
certeza de que sua intervenção assegura o reconhecimento deles, sem reservas.
Cumpre-lhes pois, não frustrar tal expectativa ou apagar tal esperança.
Deve o Ministério Público, a fim de cumprir
seu papel na construção de uma sociedade mais justa, empreender firme combate à
violação da ordem social e dos direitos humanos, adotando, por exemplo, as
seguintes providências, que também constituem meios de atuação:
1 — buscar seja dado real atendimento nos
hospitais e postos de saúde;
2 — fiscalizar a existência de vagas nas
escolas;
3 — cuidar das condições em que se encontram
os presos;
4 — receber petições, notícias de irregularidades,
reclamações ou representações de qualquer pessoa ou natureza, por desrespeito
aos direitos assegurados nas Constituições Federal e Estadual;
5 — instaurar e presidir sindicâncias e
Inquéritos Civis Públicos para apuração dos fatos e postulações que lhes sejam
apresentados, promovendo inspeções e auditorias em órgãos públicos, quando
houver indício de prática de conduta delituosa, notadamente atos de
improbidade, ou quando for conveniente à apuração dos fatos; neste mister,
pode, ainda, requisitar meios materiais e servidores públicos, por prazo
razoável, para o exercício de atividades técnicas ou especializadas;
6 — promover diligências e requisitar
informações e documentos de quaisquer dos Poderes, órgãos ou entidades, no
âmbito estadual e municipal, bem como de concessionários ou permissionários de
serviço público estadual ou municipal, e ainda entidades que exerçam função
delegada do Estado ou Município, ou executem serviços de relevância pública,
podendo os membros do Parquet dirigir-se diretamente a qualquer autoridade;
7 — expedir notificações e requisitar o
auxílio dos órgãos de Segurança Pública, para garantia do cumprimento de suas
atribuições;
8 — promover seminários e campanhas de
conscientização dos servidores públicos e da comunidade no sentido de que todos
se engajem na fiscalização dos órgãos públicos e serviços de relevância
pública, pugnando pelo respeito aos princípios de legalidade e moralidade
administrativa;
9 — realizar audiências públicas com entidades
da sociedade civil ou seus representantes legais;
10 — propor a adoção de medidas de caráter
administrativo, visando ao aprimoramento e saneamento do serviço público;
11 — manter contatos com entidades e
organismos que tenham por finalidade o combate a atos de corrupção e de improbidade
administrativa, objetivando o estabelecimento de linhas de atuação conjunta e
de mecanismos de apoio recíproco;
12 — sugerir ao poder competente a edição de
normas e a alteração da legislação em vigor, bem como a adoção de medidas
propostas, destinadas à prevenção e controle da criminalidade, como, ainda,
para adequá-las a eventuais direitos assegurados constitucionalmente.
Para cumprir seu papel na redução de conflitos
e em busca da paz social, a Constituição Federal lhe assegurou autonomia ou independência
funcional, o que se traduz na ausência de subordinação intelectual de cada
agente; assim, por exemplo, havendo substituição de um Promotor de Justiça, o
novo titular poderá agir e opinar diferentemente do antecessor, no mesmo grau
ou em recurso. A opinião pessoal de cada um tem que ser respeitada, sem ser
nenhum obrigado a contrariar sua convicção quando atue. Cada membro só está
vinculado ao imperativo da lei e de sua consciência, esteios que dão
sustentação à independência funcional, não podendo receber ordens ou
recomendações de caráter normativo, quando de suas manifestações, para agir
deste ou daquele modo.
O Ministério Público foi encarregado
constitucionalmente de zelar pelo efetivo funcionamento dos serviços públicos,
o que faz dele um espaço público para a solução de demandas e de acesso à
justiça pelos movimentos sociais. Isso tem se dado através da prestação de
assistência jurídica e informações a respeito de direitos, propositura de ações
referentes a interesses difusos da sociedade, e busca da solução de conflitos
por meio de procedimentos extrajudiciais, como recomendações e termos de
ajustamento de conduta. Quanto mais independente ele for, melhor exercerá sua
função e mais benefícios terá a sociedade.
Importante ressaltar a interação corporativa
existente entre os vários órgãos do Ministério Público de Santa Catarina, sejam
os órgãos de Administração Superior, de Execução ou de Apoio, que por meio de
seus programas institucionais buscam solucionar os problemas que afligem a
sociedade, atingindo-os de forma global. Assim, agindo de forma conjunta, há um
fortalecimento não apenas da instituição, como também são obtidos melhores
resultados para a sociedade, resguardando sempre a independência funcional de
seus membros.
Por fim, a legitimidade ministerial e a
manutenção ou ampliação dos seus poderes dependem do êxito no cumprimento de
suas atribuições constitucionais; cabe à própria instituição zelar pela sua
reforma interna, pela adequação de suas tarefas às demandas sociais, delineando
seu perfil a fim de atender ao real interesse público. O povo cobra, cada vez
mais, resultados efetivos do Ministério Público, a quem foram atribuídos tantos
poderes e garantias, portanto cabe a este assumir de fato o papel de defensor
da sociedade.
41. 41. A APROXIMAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
COM A SOCIEDADE – DÉBORA
De acordo com o preconizado pelo art. 5°,
inciso LIV, da Constituição Federal, “ninguém será privado da liberdade ou de
seus bens sem o devido processo legal;” consectário disso, resulta na garantia
“aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em
geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos
a ela inerentes”, conforme expressa previsão inserta no inciso LV do citado
artigo constitucional.
As garantias constitucionais ora expostas e
aliadas aos institutos processuais devem ser compreendidas em noção bem mais
ampla que a singela aplicação da lei em busca da resolução do conflito.
As controvérsias postas ao Promotor de Justiça
têm desdobramentos que atingem não só os litigantes em juízo, mas toda a
sociedade que espera uma solução justa e eficaz. Exemplo clássico são as
demandas judiciais que gravitam em torno de questões ambientais, cuja natureza
é de direito difuso por excelência.
Esta nova realidade exige alternativa para a
solução de determinados conflitos, devendo o promotor de justiça estar à
frente, sempre buscando soluções mais democráticas, eficazes e comprometidas
com a sociedade.
Surge aí a necessidade de a sociedade fazer
parte dessa realidade. Nem poderia cogitar-se de outra forma: afinal, não será
ela a atingida pela tomada de decisões do promotor de justiça?
A importância da participação da sociedade nos
procedimentos judiciais ou extrajudiciais – como é o caso do termo de ajustamento
de condutas – é fundamental para que se tenha consciência de que são
empreendidos esforços por parte da instituição em busca da verdade real, além
de possuir um inegável caráter pedagógico.
Mas de que forma o Promotor de justiça pode se
aproximar da sociedade?
No plano da litigância judicial, a convocação
de audiências públicas é medida que se impõem quando a matéria seja relevante
em razão da natureza do direito ou da quantidade de direitos fundamentais em
conflito. A forma de assegurar a participação da sociedade no processo
judicial, portanto, ocorre pela realização de audiências judiciais
participativas, nas quais deve ser oportunizada a participação direta dos
cidadãos, de especialistas na matéria e de autoridades públicas, tudo com o
objetivo de construir uma solução conjunta.
O Código de processo civil, no art. 331,
caput, oportuniza a realização de audiência preliminar em busca da transação.
Contudo, em litígios que envolvam direitos difusos e coletivos, é defesa a
transação como forma de extinção do processo. Mas isso não obsta que seja feita
a referida audiência judicial participativa para fins de fixar pontos
controvertidos e possibilitar a exposição de idéias dos demais segmentos da
sociedade.
A idéia da audiência judicial participativa já
foi, inclusive, aplicada no caso concreto pelo Juiz Federal Zenildo Bodnar nos
Autos da Ação Civil Pública n. 2004.72.00.013.781-9, em Florianópolis, ajuizada
pela Associação dos Monitores Ambientais do Parque Nacional de São Joaquim e
pela Associação dos Moradores da Comunidade São José, dentre outros, contra o
IBAMA e a União.
Já no plano extrajudicial, especialmente, no
Termo de Ajustamento de Condutas e no inquérito civil, a solução não é diversa.
Embora sejam medidas extrajudiciais, a
participação da sociedade é de igual importância, uma vez que servirá para
demonstrar para a sociedade a forma pela qual o Promotor de Justiça trabalha e
soluciona os conflitos sem socorrer-se ao judiciário de forma eficaz, mas sem
abrir mão do direito tutelado em juízo.
Ou seja, essa medida ainda é mais importante
do que a audiência judicial participativa.
Primeiro, porque na maioria das vezes, a
população não conhece a rotina de trabalho do Promotor de Justiça, tampouco tem
conhecido das possibilidades que o Promotor de justiça têm para fazer valer os
comandos legais. Ao contrário, veiculam-se na imprensa as ações civis públicas
propostas pelo Ministério Público, mas pouco se fala de termos de ajustamento
de condutas bem sucedidos.
Segundo, porque com a participação da
sociedade nesta esfera, fica mais fácil perceber que as demandas judiciais
devem ser a última solução em busca da pacificação social.
Por derradeiro, ainda que não exista conflito
de direitos, caberá ao Promotor de Justiça sair de seu gabinete e buscar no
meio social as formas de expor os problemas sociais e as medidas que cada um
pode fazer a seu alcance.
Em especial, nas escolas, com a participação
dos professores, o Promotor de justiça poderá fazer palestras de educação
ambiental, salientando a importância que as gerações futuras têm com o meio
ambiente e os reflexos danosos da poluição no cotidiano de cada um.
Atualmente, a internet desempenha importante
papel de comunicação com todos os segmentos sociais. Além de estar à disposição
da maioria das pessoas, os jovens são os principais adeptos a esta forma de
comunicação e informação.
Atento a isto, o Ministério Público de Santa
Catarina já veiculou na rede mundial de computadores blogs que informam sobre
as ações empreendidas em favor da população, recebem denúncias, informações e
sugestões, e buscam dar mais conhecimento sobre as atribuições da instituição.
Registro que o primeiro blog a ser veiculado foi do Promotor de Justiça Márcio
Conti Júnior, de Joaçaba, em outubro de 2007. Naquele mesmo ano o Promotor de
Justiça Rosan da Rocha criou o site da Promotoria de Justiça de Balneário
Camboriú.
Recentemente, em iniciativa pioneira, o
Ministério Público de Santa Catarina abriu seu canal próprio no YouTube, o
maior portal gratuito de vídeos na internet e que dispensa investimento em
provedores, voltado à divulgação de conteúdo institucional e educativo, com o
objetivo de atrair especialmente o público jovem para a discussão sobre os
direitos sociais e coletivos e para a cidadania.
O projeto “VideO Seu Direito" conta
com cinco vídeos interativos que mostram casos de atuação de Promotores de
Justiça na defesa do direito à Saúde, do Idoso, à Educação e do Meio Ambiente.
Igualmente, o Ministério Público catarinense
mostrou-se à frente quando implementou um programa de ações educacionais para
abordar a questão dos ilícitos socialmente aceitos, titulando a campanha
"O que você tem a ver com a corrupção?". Isso demonstra que a
responsabilidade para combater a corrupção não vem apenas das ações do Promotor
de Justiça, mas da conduta de cada um, que acabam aceitando de forma velada as
ações de pirataria e sonegação fiscal.
Tais ações objetivam aproximar a Instituição
com a sociedade e são de salutar importância, pois é mediante a educação dos
jovens e a informação das medidas tomadas pelo Promotor de Justiça que a
sociedade terá conhecimento da atuação do Ministério Público e a forma pela
qual pode buscar resposta para a colisão de direitos.
42. 48. O MINISTÉRIO PÚBLICO NA TUTELA
DO SUS
Com base na Constituição de 1988, podemos designar
três importantes atuações do Ministério Público na defesa dos direitos dos
cidadãos: zelar pelo regime democrático (127, CF), fiscalizar o cumprimento da
lei e defender os direitos coletivos (129, III, CF). De acordo com o artigo
129, II, do mesmo texto constitucional, cabe ainda ao Ministério Público
promover as medidas necessárias à garantia dos serviços de relevância pública.
Sendo assim, as ações e os serviços viabilizados pelo SUS – cujos princípios
basilares traduzem uma política de inclusão - necessitam ser
fiscalizados.
Quanto à prioridade atinente à saúde, a
atuação do Ministério Público em relação ao SUS se dá sob os seguintes focos:
- qualificando a atuação em defesa do
fornecimento de medicamentos, a fim de beneficiar a população da forma mais
abrangente possível e não aos laboratórios (no sentido de comprovar a eficácia
do medicamento pedido ou, se ele é o único com tais condições no mercado).
- garantindo a destinação mínima de recursos
prevista constitucionalmente pela Emenda n. 29, de 2000, que garante recursos
para o atendimento de demandas, sem descuidar da universalidade e integralidade
no atendimento;
- zelando pela garantia constitucional de
gratuidade dos serviços públicos e demais credenciados ao SUS. No âmbito da Lei
Federal n. 8.080/90, inteirando a sociedade através de programas de incentivos
à participação da população nos Conselhos de Saúde. O Ministério Público
Catarinense tem como um de seus projetos o “Programa de Combate à abusividade
de Cobrança no Sistema Único de Saúde”, cujas orientações (a Promotores e à
Secretaria de Saúde) encontram-se no sítio da instituição;
- fiscalizando a formação e o funcionamento
dos Conselhos de Saúde, bem como o repasse de recursos ao Fundo de Saúde
existente; e
- analisando as responsabilidades, quando da
possibilidade de erro ou negligência profissional, na área da saúde.
Ao Ministério Público cabe também fiscalizar
clínicas médicas e hospitais públicos; cabe fiscalizar a prática de
irregularidades, conjuntamente com a Vigilância Sanitária, no que se inclui a
inobservância das normas sanitárias legais, entre outras.
Para além do acompanhamento das políticas de
saúde e da fiscalização do sistema, o Ministério Público atua na mediação de
conflitos por meio de termos de ajustamento de conduta, dispondo ainda de
mecanismos judiciais, como as ações civis públicas, as ações de improbidade
administrativa e outras medidas que entender pertinentes para a busca da
efetivação dos direitos sociais.
O SUS e o papel fiscalizador do MP:
O princípio da universalidade está previsto na
Constituição Federal:
“A saúde é direito de todos e dever do Estado,
garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco
de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e
serviços para sua promoção, proteção e recuperação” (art. 196, CRFB/88).
No entanto, essa acessibilidade não está
garantida, mas sim condicionada à disponibilidade orçamentária. A fim de fazer
cumprir o princípio da universalidade, a Emenda Constitucional 29, de 2000,
definiu percentuais mínimos de aplicação na área da Saúde. Dessa forma,
evita-se o problema dos cortes orçamentários e dos conseqüentes bloqueios à
realização de ações e serviços em saúde à população em geral - há que se
lembrar que o SUS não pretende ser opção somente às mais baixas camadas
sociais, mas deve estar ao alcance de todos, a quem possa
interessar.
A emenda determina que o mínimo a ser
disponibilizado pela União à saúde se dá pela variação do Produto Interno Bruto
(PIB). Os estados devem destinar 12% de suas receitas à saúde, e os municípios,
15%. Não cumpridas as determinações legais, a União está autorizada a intervir
nos estados, assim como estes poderão intervir nos municípios de sua abrangência.
A fiscalização da EC 29 é atribuída aos Conselhos de Saúde, às Assembléias
Legislativas e às Câmaras Municipais, por meio dos Tribunais de Contas.
Uma grande dificuldade enfrentada no âmbito do
SUS são as tentativas de burlar a Emenda em questão. Sendo assim, cabe também
ao Ministério Público fiscalizar e exigir seu cumprimento, o que se traduz na
garantia de entrada da cota orçamentária mínima e da destinação adequada e sem
desvios do dinheiro reservado à saúde. Nesse sentido, o Ministério Público
assume a função de verificar a limpidez no encaminhamento dos recursos
orçamentários.
Aliado nessa função é o SIOPS, ou seja,
Sistema de Informações sobre Orçamentos públicos em Saúde. Através dele, que
disponibiliza dados na internet a partir de 1998, pode-se verificar a situação
de receitas e despesas relacionadas aos serviços públicos de saúde. Como
planilha ou sob forma de indicadores, torna-se possível a comparação de dados,
o que confere visibilidade às aplicações dos recursos públicos dessa área.
Conseqüentemente, contribui com os Conselhos de Saúde.
Atribuições da União, dos Estados e dos
Municípios na Garantia do Direito à Saúde:
As competências na área da saúde não são
nítidas, especialmente com a adoção da política de descentralização. A
Constituição Federal e a Lei n. 8080/90 definem campos de competência comum e
exclusiva.
Sabe-se que a Saúde é responsabilidade do
Estado como Nação (vide “Direito Sanitário e Saúde Pública” – Vol. II, 2003).
Segundo o art. 196 da CF, é dever do Estado: “garantir a saúde como um direito
de todos, mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco
de doença ou de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e
serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. (Esse artigo dá margem a
ampla interpretação). A Saúde é também da alçada de todas as esferas de
governo, tendo ainda algumas funções reservadas ao próprio SUS.
No caso de o SUS não estar apto a executar
algum serviço, caberá ao Estado ou à União suprir tal carência; cuida-se de
ações integrativas (ver Lei n. 8080/90). Os procedimentos pertinentes serão
traçados pela Comissão Intergestores Bipartite e, Tripartite. Cabe mencionar o
artigo 197 da Constituição Federal: “São de relevância pública as ações e serviços
de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua
regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita
diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de
direito privado”. Quer dizer, as mencionadas ações não são exclusivas do Poder
Público, que conta com auxiliares na atividade de controle.
Diante dos fatos, o Ministério Público poderá
dirigir-se a um ou mais entes, em defesa da coletividade receptora da prestação
de serviços, ou de indivíduo em situação específica.
(O texto acima foi extraído do Manual do
Ministério Público em Defesa da Saúde, do MP/SC, disponível no site
www.mp.sc.gov.br).
43. 49. O MP E A PROTEÇÃO DO IDOSO
O Estatuto do Idoso, no art. 74, I, conferiu
atribuição ao Ministério Público para instaurar o inquérito civil e a ação
civil pública para a proteção dos direitos e interesses difusos ou coletivos,
individuais indisponíveis e individuais homogêneos do idoso. Esse dispositivo
poderia até mesmo ser considerado desnecessário, já que reproduz, em nossa
opinião, o que já estabelece a Constituição. Ou seja, mesmo que não houvesse
esse dispositivo, ou mesmo que inexistisse o Estatuto do Idoso, o Ministério
Público estaria legitimado para a tutela dos direitos metaindividuais e
individuais indisponíveis dos idosos.
Entretanto, em face da existência das
interpretações restritivas, a norma do Estatuto do Idoso assume particular
importância, já que explicita, de maneira bastante didática, que o Ministério
Público é legitimado para a defesa de direitos individuais homogêneos dos
idosos, sendo que a redação do dispositivo foi feliz ao não vincular o conceito
de direitos individuais homogêneos com a nota da indisponibilidade.
Vejamos agora algumas hipóteses em que se
revela possível e necessária a atuação do Ministério Público na tutela coletiva
dos direitos dos idosos.
A omissão administrativa é campo fértil para
as ações coletivas e o Ministério Público poderá ajuizar diversas ações que
visem a obrigar a atuação do poder público em favor dos direitos dos idosos.
Assim, poderá ser ajuizada ação coletiva para que sejam construídas entidades
públicas de abrigo para idosos; ação coletiva visando a um adequado tratamento
de doenças crônicas que atinjam idosos (art. 79, I e II, do Estatuto do Idoso);
ação coletiva para fornecimento de medicamentos , etc.
O acesso ao lazer e à cultura também é tema
que merece a atuação do Ministério Público, valendo lembrar que o Superior
Tribunal de Justiça já reconheceu a legitimidade da instituição para o
ajuizamento de ação coletiva visando a garantir o ingresso de aposentados
gratuitamente em estádios de futebol, sob o fundamento de que o lazer dos
idosos possui relevância social.
Outra área de atuação importante do Ministério
Público para a tutela coletiva dos direitos dos idosos é a fiscalização de
entidades de atendimento, asilos e abrigos para idosos. Constatando
irregularidades, e não havendo meios de saná-las, deve o Ministério Público
ajuizar ação coletiva para suspensão das atividades ou a dissolução da entidade
(art. 55, § 3o, do Estatuto do Idoso), podendo inclusive pleitear reparação por
danos morais para os idosos residentes. A prática vem demonstrando que diversos
asilos não possuem condições mínimas para o acolhimento de idosos e a atuação
do Ministério Público está sendo fundamental para o resguardo dos direitos dos
abrigados. Note-se que as entidades de atendimento prestam serviços (art. 35 do
Estatuto do Idoso) e, portanto, enquadram-se também nas regras do Código do
Consumidor, o que, entre outras conseqüências, pode ser interessante no caso de
ser pleiteada alguma indenização e haver necessidade de desconsideração da
personalidade jurídica.
De todo modo, não obstante a prática comprovar
que a atuação do Ministério Público na fiscalização das entidades de
atendimento é fundamental, a medida do fechamento ou dissolução da entidade
deve ser considerada excepcional, inclusive porque os idosos abrigados podem
não ter outro local apto que os acolha imediatamente. A ponderação e a
adequação à realidade de cada comarca se fazem mais presentes do que nunca em
questões asilares.
A tutela coletiva dos direitos dos idosos pelo
Ministério Público também se mostra bastante efetiva nas relações de consumo,
especialmente no que se refere aos contratos de prestação de serviços em
entidades de atendimento e de planos de saúde, inclusive com pedido de
reparação de dano moral coletivo, dependendo da hipótese. Para a discussão das
cláusulas contratuais de planos de saúde a legitimidade do Ministério Público é
tranqüila, em razão do que já dispõe o Código do Consumidor, vindo o Estatuto
do Idoso apenas incrementar essa atribuição.
Para a garantia de transporte gratuito dos
idosos, na forma do disposto no art. 230 da Constituição e dos arts. 39/40 do
Estatuto do Idoso, a ação coletiva ajuizada pelo Ministério Público tem se
mostrado importante instrumento, embora o Superior Tribunal de Justiça venha
sistematicamente negando esse direito, no que se refere ao transporte
interestadual.
Dentre outras atribuições, destaca-se a
possibilidade de determinação de medidas de proteção (encaminhamento à família
ou ao curador, mediante termo de responsabilidade; orientação, apoio e
acompanhamento temporário; expedição de requisições para tratamento de saúde;
etc.), instrumento este que facilita o acesso à justiça à medida que os
direitos podem ser garantidos de forma pronta e ágil sem a necessidade e os
entraves burocráticos do processo judicial.
O Promotor de Justiça poderá celebrar as
transações relativas a alimentos, ocasião em que elaborará um termo de
compromisso que será assinado por ele e pelas partes, que passará a ter efeito
de título executivo extrajudicial.
O Ministério Público possui legitimidade
conferida pela Constituição Federal para propor ação civil pública (Lei nº
7347/85) em defesa dos idosos
Vê-se, portanto, que a atuação do Ministério
Público na defesa coletiva dos direitos é um importante componente na árdua
tarefa de possibilitar o exercício do direito fundamental do aceso à justiça,
sendo indevida qualquer limitação arbitrária no seu agir, sob pena de se estar
limitando o próprio acesso à tutela adequada dos direitos.
A especialização é a melhor solução para que o
Ministério Público atinja resultados mais satisfatórios na tutela dos direitos.
As vantagens da criação de promotorias especializadas são evidentes, na medida
em que a dedicação exclusiva a uma determinada matéria faz com que o serviço
prestado naturalmente se aperfeiçoe rotineiramente. Além da familiaridade com
os problemas relacionados com a matéria, que faz com que as medidas necessárias
em boa medida já venham sendo elaboradas e testadas, a especialização aproxima
e torna mais fácil o diálogo com órgãos governamentais e setores da sociedade
que também são responsáveis pela mesma atividade específica ou se ocupam do
mesmo tema. Bastante recomendável também a realização de planos de atuação para
a efetiva tutela dos direitos dos idosos.
Outro ponto importante é a necessidade de as
Promotorias contarem com o auxílio técnico de profissionais de outras áreas,
como médicos, engenheiros, contadores etc. Invariavelmente os fatos desafiam
conhecimentos interdisciplinares e apenas com apoio técnico também
especializado é que o Ministério Público desempenhará satisfatoriamente suas
funções.
Especialização e formação de grupo de apoio
técnico a seus membros são componentes imprescindíveis para a otimização da
tutela coletiva pelo Ministério Público.
Contudo, pode-se ainda destacar que a maioria
dos idosos ainda não descobriu que são atores principais para a efetivação de
seus direitos e para que isso aconteça é fundamental a conscientização da sua
importância tanto por parte dos operadores jurídicos como também dos próprios
idosos, os quais precisam conhecer seus direitos para exercê-los e
reivindica-los.
Os trechos colacionados no texto acima foram
extraídos das obras abaixo relacionadas:
O Ministério Público e a tutela jurisdicional
coletiva dos direitos dos idosos. Robson Renault Godinho. Promotor de Justiça
do Estado do Rio de Janeiro, mestre em Direito Processual Civil pela PUC/SP.
Elaborado em 09/2005. Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7974
A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA PROTEÇÃO
DOS DIREITOS DO IDOSO. ROBERTA TEREZINHA UVO. ATUAÇÃO – REVISTA JURÍDICA DO
MINISTÉRIO PÚBLICO CATARINENSE. V.4, N. 8, JAN/ABR. 2006 – FLORIANÓPOLIS – PP.
123 A 132.
44. 50 - A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
ESTADUAL NA PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE
Após o advento da Constituição Brasileira de
1988, a preservação ambiental passa a ser matéria constitucional. Na defesa do
meio ambiente, a Lei Fundamental atribuiu ao Ministério Público, enquanto
guardião dos interesses difusos e coletivos, a função institucional de promover
a ação civil pública para a tutela do meio ambiente, consolidando-se como
instrumento de suma importância para a preservação e manutenção de um meio
ambiente ecologicamente equilibrado, elemento indispensável para uma sadia
qualidade de vida das comunidades humanas.
O meio ambiente insere-se entre os direitos
fundamentais de terceira dimensão. Com a implementação destes direitos,
iniciou-se um processo de reformulação na prioridade de sua positivação, o que
ocasionou o maior enfoque aos direitos coletivos, baseados na solidariedade. No
campo processual, os conceitos clássicos, em especial o da legitimidade ativa,
necessitaram acompanhar a evolução para que fosse possível garantir a
efetividade no acesso à justiça, tornando-se indispensável a superação da visão
individualista que impedia a discussão sobre direitos metaindividuais.
Em decorrência da parte final do art. 225 da
Constituição Federal (..impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de
defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações) diversos são os
instrumentos processuais aptos a tutelar o meio ambiente.
A Constituição Federal, no artigo 127, ao
incumbir ao Ministério Público da defesa dos interesses sociais transformou-o
em um órgão de desenvolvimento do próprio direito da humanidade, uma vez que
lhe foi atribuído como função institucional a proteção dos interesses difusos e
coletivos. Essa função institucional, prevista no art. 129, III da CF,
representa uma feição moderna dos assuntos que a Constituição Federal elege
como prioritários. Para depreendermos a devida proteção do meio ambiente
ecologicamente equilibrado pelo Ministério Público, deve-se analisar o artigo
supracitado, que assim dispõe: “promover o inquérito civil e a ação civil
pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de
outros interesses difusos e coletivos” (grifo nosso).
A interpretação dessa função institucional
deve levar em conta que o dano ambiental engloba os aspectos relacionados ao
meio ambiente natural, artificial e cultural, bem como do trabalho, ou seja, um
dano ambiental pode provocar reflexos tanto nos interesses metaindividuais
quanto nos individuais, isoladamente ou concomitantemente.
O Ministério Público é uma instituição pública
essencial à justiça e possui, dentre suas funções, a de promover Inquéritos
Administrativos e ações judiciais para a proteção do meio ambiente e de
responsabilizar penalmente os autores dos danos ambientais, nos termo do artigo
129, da Constituição Federal de 1988.
De acordo com o artigo 225 da Constituição
Federal, todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,
enquanto bem de uso comum do povo e essencial a sadia qualidade de vida,
impondo-se ao poder público e a coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Logo, o Ministério Público
tem o dever legal de investigar os casos de poluição e de propor ações
judiciais para assegurar esse direito constitucional de toda população ao meio
ambiente.
O Promotor de Justiça na atuação na defesa
extrajudicial do meio ambiente poderá valer-se de instrumentos de natureza
investigatória e preparatoria nos casos que envolverem lesão aos interesses
difusos, coletivos ou individuais homogêneos. Dentre estes instrumentos estão:
o Inquérito Civil, o Procedimento Preparatório, o Compromisso de Ajustamento de
Conduta, as Peças de Informações e as Recomendações. No Ministerio Público de
Santa Catarina esta atuação extrajudicial do Promotor de Justiça é
regulamentada pelo Ato n. 81/2008/PGJ.
Enquanto o Inquérito Civil somente pode ser
instaurado pelo Ministério Público, a ação civil pública pode ser proposta
pelos legitimados dispostos no artigo 5º da Lei 7.347/85, dentre os quais
também se encontra legitimado o Ministério Público Estadual.
Toda vez que assim agir, instaurando
inquéritos e propondo ações ambientais contra os poluidores, estará o
Ministério Público contribuindo para o desenvolvimento sustentável, enquanto um
novo modelo de desenvolvimento econômico que venha a conciliar o crescimento
com respeito ao meio ambiente, assegurando a melhoria da qualidade de vida para
as presentes e futuras gerações.
Os trechos colacionados no texto acima foram
extraídos das obras abaixo relacionadas:
O Ministério Público na Defesa Extrajudicial
do Meio Ambiente. Roberta Terezinha Uvo e Zenildo Bodnar. Texto retirado do
site do MP/SC (www.mp.sc.gov.br)
A incumbência Constitucional do Ministério
Público na tutela do Meio Ambiente. Eduardo Cunha Alves de Sena e Paulo Eduardo
de Figueiredo Chacon. Revista do Ministério Público do Rio Grande do Norte.
Natal, a.5, n.7, p. 73-89. jul/dez. 2005.
A Atuação do Ministério Público Estadual na
proteção do meio ambiente de Magé e Guapimirim. Pedro Elias Erthal Sanglard.
Dissertação apresentada ao programa de pós-graduação em ciência ambiental da
Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para obtenção do Grau
de Mestre em Ciência Ambiental.
45. 41. A EVOLUÇÃO DO MINISTÉRIO
PÚBLICO E A RESPONSABILIDADE AMBIENTAL – DÉBORA
No âmbito infraconstitucional, antes mesma do
advento da Lei da Ação Civil Pública, bem como anteriormente à Constituição de
1988, o legislador especial estabeleceu a Política Nacional do Meio Ambiente, a
Lei n. 6938/81. Em matéria de responsabilidade ambiental, aludida Lei, no
artigo 14, parágrafo primeiro, dispõe que:
“Sem obstar a aplicação das penalidades
previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independente da existência de
culpa, a indenizar ou reparar os danos causados”
Isso significa que nas ações coletivas, quando
o objeto se referir a dano ambiental, incide a responsabilidade objetiva, seja
o agente pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, bastando ao
autor da ação comprovar o dano, o nexo de causalidade e a atribuição ao réu da
atividade danosa.
E como forma de operacionalizar a busca das
penalidades, a Lei em comento autorizou o Ministério Público a ingressar com a
ação de responsabilidade civil por danos decorrentes de condutas lesivas ao
meio ambiente, na seguinte forma:
“Art. 14 § 1º - Sem obstar a aplicação das
penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da
existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente
e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos
Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e
criminal, por danos causados ao meio ambiente”
Posteriormente, com o advento da Lei da Ação
Civil pública (Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985), reforçou-se a legitimidade
do Ministério Público para propor a mencionada ação, além de ter ampliado sua
legitimidade para outros segmentos em busca da defesa de direitos difusos e
coletivos.
Prescreve o art. 1° da Lei em análise:
“Regem-se pelas disposições desta Lei, sem
prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e
patrimoniais causados:
I - Art. 1º Regem-se pelas disposições desta
Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos
morais e patrimoniais causados:
I - ao meio-ambiente;”
Em seguida, o artigo 5° determina a
legitimidade do Ministério Público para a propositura da Ação Civil Pública:
“Art. 5o Têm legitimidade para propor a ação
principal e a ação cautelar:
I - o Ministério Público;”
Por sua vez, com a promulgação da Constituição
Federal, o tema da responsabilidade civil ambiental passou por grande
transformação advinda com a importância que o constituinte originário
disciplinou.
A tutela ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado está prevista no artigo 225, capítulo próprio e inserida no título
Da ordem social.
Em suma o artigo em comento ao
determinar que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado”
pregoou o direito universal de todos, sem restrição, à sadia qualidade de vida.
Igualmente, o dispositivo estabeleceu uma ética entre as gerações e uma
solidariedade intergeracional quando atribuiu ao Poder Público e à coletividade
a obrigação de defender o meio ambiente para as presentes e futuras gerações”
O texto constitucional também trouxe traz
previsão expressa de responsabilidade objetiva do causador de danos nucleares,
adotando nitidamente a teoria da responsabilidade integral nos seguintes
termos:
“Art. 21, inciso XXIII, aliena d (...) a
responsabilidade civil por danos nucleares independe da existência de culpa”
De outra parte, o art. 37, parágrafo sexto, da
Constituição Federal estende a responsabilidade objetiva a todos os danos
causados pelo agente das pessoas jurídicas de direito público e das pessoas
jurídicas de direito privado prestadores de serviços públicos, o que se aplica,
naturalmente, à matéria ambiental, vinculando todos os agentes do poder público
que causem danos ao meio ambiente.
Conseqüentemente, a Constituição Federal
outorgou ao Ministério Público a função promocional de preservar a ordem
pública e os direitos indisponíveis, sempre de forma coerente com o papel de
promover o projeto constitucional de bem estar social e garantir a todos um
meio ambiente ecologicamente equilibrado.
A partir de então, a legitimidade do
Ministério Público para ingressar com a Ação Civil Pública e outras medidas
judiciais ou extrajudiciais passou a ser garantia constitucional, conforme
estampado no artigo 129, incisos I e III.
No plano infraconstitucional, houve avanços
sobre a responsabilidade civil ambiental.
O código civil, no art. 1128, parágrafo
primeiro, definiu que a função social da propriedade estará atingida quando o
proprietário atender, além das finalidades econômicas e sociais, as normas
legais que defendem a flora, a fauna, as belezas naturais e o equilíbrio
ecológico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.
Desse panorama, conclui-se, portanto, frente
aos textos legais trazidos à explanação, que a garantia da preservação do meio
ambiente foi atribuída ao Ministério Público, alçado pela Constituição Federal
a principal agente de promoção dos valores e direitos sociais indisponíveis, de
modo que não cabe mais ao Promotor de justiça apenas coibir ilícitos penais,
mas situar-se no realizador de medidas necessárias às garantias dos serviços de
relevância pública e do bem estar social, interesse primário do Estado.
46.
DEONTOLOGIA
A Deontologia Jurídica é definida como a
ciência que trata dos deveres de operadores do Direito em geral, entre os quais
estão incluídos os membros do Ministério Público (MP).
O Ministério Público adquiriu uma posição de
destaque com a promulgação da Constituição Federal de 1988 (CF), na medida em
que se destacou do Poder Executivo e passou a figurar como uma instituição
independente e autônoma, essencial à função jurisdicional do Estado,
incumbindo-lhe a defesa da ordem pública, do regime democrático e dos
interesses sociais e individuais indisponíveis, nos moldes do caput do art. 127
do Diploma mencionado.
O assunto, como um todo, consta do art. 127 ao
art. 130-A da CF. Vale ressaltar, ainda, que as normas gerais acerca da
organização do MP dos Estados estão disciplinadas na Lei Federal n. 8.625/93
(Lei Orgânica do MP), e, da União, regulamentadas pela Lei Complementar Federal
n. 75/93.
O MP de Santa Catarina (MPSC),
especificamente, está calcado na Lei Complementar Estadual n. 197/2000, que
trata minuciosamente da sua organização, das suas atribuições, entre outros
detalhes fundamentais para a sua continuidade harmoniosa.
Entre as muitas funções institucionais do MP
expostas no art. 82 da LCE n. 197/2000, podem ser citadas as incumbências de
(a) promover, privativamente, a ação penal pública; (b) promover o inquérito
civil e a ação civil pública, nos casos especificados; (c) exercer a
fiscalização dos estabelecimentos prisionais e que abriguem idosos, crianças,
adolescentes, incapazes ou portadores de deficiência; e (d) se manifestar nos
processos em que sua participação seja obrigatória por lei.
Com tamanha responsabilidade conferida aos
indivíduos que optaram por seguir uma carreira dentro do MP, surge,
inevitavelmente, o debate relacionado à ética do Promotor de Justiça.
Isso porque ocorrem, muitas vezes, conflitos
entre as obrigações inerentes aos Promotores de Justiça e os sentimentos
íntimos e pessoais que podem aflorar no ser humano ocupante deste cargo.
As situações ocorridas na esfera criminal,
principalmente, exemplificam melhor a dicotomia explanada, porque são exaltadas
pela mídia diariamente e estão em voga para a opinião pública.
A criminalidade é um problema crescente e a
sociedade absorve a idéia de que, para a solução dos problemas, os infratores
merecem receber castigos cada vez mais rigorosos, sem a devida observância dos
direitos e garantias constitucionais dos réus.
Um reflexo mais aprofundado do tema,
entretanto, conduz ao entendimento de que a questão é muito mais complexa. Os
sujeitos que infringem a legislação penal, em regra, foram condenados muito
antes por uma infância pobre e sem condições ideais de alimentação, higiene,
trabalho, desenvolvimento, etc.
Esses indivíduos são produtos da sociedade
capitalista que avança sem dar chances, aos menos favorecidos, de uma vida
longe da criminalidade.
Um sistema prisional como o brasileiro,
considerado inadequado por muitos especialistas no assunto, não pode ser tido
como a única forma de extinguir os crimes da sociedade.
Tanto é verdade que, como é de conhecimento
público e notório, a população carcerária aumenta ano após ano, mesmo com as
sanções de leis mais rigorosas, como a dos crimes hediondos – datada de 1990 –
e a instituidora da prisão temporária – do ano de 1989.
Não se pode, portanto, almejar que a
legislação penal e a processual penal resolvam rupturas sociais que estão fora
de sua alçada.
Juristas de renome, como o Ministro aposentado
do STF, Dr. Evandro Lins e Silva, são implacáveis em afirmar que a severidade
do sistema penal não é suficiente para inibir uma conduta ilegal de um
criminoso (Ciência jurídica – fatos – n. 20, de 1996).
Tais questões são corriqueiras no exercício da
atividade do promotor de justiça, que deve obrigatoriamente ser detentor de uma
consciência ética, pois precisará equilibrar valores como o do direito à
liberdade, de um lado, e o da descoberta da verdade real quanto ao fato criminoso,
de outro.
Caso contrário, será inevitável que diversas
garantias individuais sejam esquecidas, pois as condições atuais de
individualidade e competitividade são propícias ao endurecimento penal dos
acusados de toda ordem.
Aquele profissional não pode simplesmente
atuar como um perseguidor implacável do réu e que tenta a condenação para
satisfazer os anseios da população, sem se importar com todas as circunstâncias
envolvidas no caso ocorrido.
Deve, sim, conferir ao acusado as condições
plenas de provar a sua inocência, pleiteando em Juízo uma sanção penal apenas
com a convicção e a certeza processual do fato e da autoria, uma vez que dispõe
de um inigualável leque de meios probatórios à sua disposição.
A acusação pública, ainda que deduzida em favor
de toda a comunidade, não pode estar viciada por sentimentos de ódio, raiva,
paixão ou vingança, pois a digna função da promotoria há de ser amparada,
sempre, na lógica jurídica e na boa argumentação.
O MP deve estar revestido da completa
imparcialidade e cumprir uma dupla função, a de acusador público e a de fiscal
da lei, garantindo um desenvolver justo e legal de todo o processo.
Por essa razão que, atualmente, é pacífica a
possibilidade de o Promotor de Justiça requerer medidas que sejam favoráveis aos
acusados, como pedido de absolvição ou interposição de recursos em seu favor, o
que deve ser visto como uma atitude nobre e eticamente incensurável, quando
praticada corretamente.
A ética, portanto, determina que o Promotor
cumpra a difícil tarefa de se distanciar de todas as paixões que circundam as
lides, esquecendo-se da notoriedade, do espaço na mídia e da proporção teatral
que alguns casos podem atingir.
Em suma, o réu que pratica uma conduta
delituosa merece, evidentemente, ser punido, mas sempre com o respeito e a
observância dos direitos garantidos constitucionalmente.
A verdade das situações será incansavelmente
buscada pelo MP, que não pode sucumbir à vaidade. O reconhecimento da
improcedência de sua pretensão, de outro lado, há de ser visto com altivez e
dignidade.
Independentemente da área em que atue o
representante do Parquet, a prática da ética exige também que este indique
todos os fundamentos jurídicos de seus pronunciamentos, obedeça aos prazos
processuais, agilize a prestação jurisdicional, assista aos atos processuais
pertinentes, trate com urbanidade as partes, atendam ao público, e assim por
diante.
No mesmo sentido, a convivência com os Juízes,
Advogados e colegas de profissão deve ser isenta de qualquer animosidade, mesmo
que suas funções e teses sejam conflitantes, como é normal no exercício do
Direito.
Com esses passos, a ética conduzirá o operador
do Direito a um caminho de brilho e sucesso profissional.
Referências:
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=271
http://www.mp.sc.gov.br/portal/site/conteudo/normas_legais/estadual/leis_complementares/lei%20complementar%20nº%20197,%20de%2013%20de%20julho%20de%202000.doc
http://pt.wikipedia.org/wiki/Deontologia_Jur%C3%ADdica
47. 53. MINISTÉRIO PÚBLICO: ESTRUTURA, ORGANIZAÇÃO
E FUNÇÕES INSTITUCIONAIS – FELIPE
O Ministério Público, conforme conceitua o
art. 127 da Constituição da República, “é instituição permanente, essencial à
função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do
regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”.
Trata-se de um ente público que tem o dever de defender os valores mais
relevante da sociedade. Na visão de Gabriel Rezende Filho , “é a personificação
do interesse coletivo ante os órgãos jurisdicionais”, ou melhor, é o legítimo
representante da “ação do poder Social do Estado junto ao Poder Judiciário”.
Seus princípios institucionais, a teor do
disposto no art. 127, § 1º, da CF, são a unidade, a indivisibilidade e a
independência funcional.
O princípio da unidade significa que os
membros do Ministério Público integram um só órgão sob a direção de um só
Procurador-Geral. O princípio da indivisibilidade, por sua vez, é verdadeiro
corolário do princípio da unidade, pois o Ministério Público não se pode
subdividir em vários outros Ministérios Públicos autônomos e desvinculados uns
dos outros. Conforme esses dois princípios (unidade/indivisibilidade), cada
membro do Ministério Público age em nome da instituição, podendo ainda ser
substituídos uns pelos outros. Já o princípio da independência funcional
significa que cada membro é autônomo, agindo segundo a própria convicção e não
podendo ser coagido pelos superiores no uso das atribuições que lhe são
próprias. Em deste princípio, só se admite na instituição uma hierarquia no
sentido administrativo, pela chefia do Procurador-Geral do Ministério Público,
nunca de índole pessoal.
Os membros do Ministério público possuem,
ainda, garantias da vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de
vencimentos, encartadas no art. 128, inciso I, da CF. São mecanismos de
proteção à independência e liberdade funcional, além de servir de resguardo
para o desempenho de suas funções.
A vitaliciedade significa a possibilidade de
permanência no cargo, salvo deliberação espontânea de dele ser exonerado, ou
destituição, operada mediante sentença judicial transitada em julgado. Fica a
aquisição desta garantia condicionada à aprovação em estágio probatório, que
deverá durar dois anos.
A garantia da inamovibilidade, por seu turno,
diz respeito a impossibilidade de remover-se compulsoriamente o membro de seu
cargo, salvo por motivo de interesse público, mediante decisão do colegiado
competente, assegurada ampla defesa, por maioria absoluta de seus componentes.
Já a garantia da irredutibilidade de
vencimentos é predicativo que visa a resguardar a autonomia e a independência
funcional.
Nos termos do art. 128 da Constituição da
República, o Ministério público abrange: I – O Ministério Público da União, que
compreende (a) o Ministério Público Federal, (b) o Ministério Público do
Trabalho, (c) o Ministério Público Militar e (d) o Ministério Público do
Distrito Federal e Territórios; e II – o Ministério Público dos Estados.
A estrutura e a organização do Ministério
Público da União são estabelecidas pela Lei Complementar n. 75/93. Já as dos
Ministérios Públicos Estaduais são regulamentadas pela Lei Federal n. 8.625/93.
No tocante ao Ministério Público catarinense, especificando sua estrutura e
organização, tem-se a Lei Complementar Estadual n. 197/2000.
O art. 4º da LC estadual 197/2000 estabelece
que o Ministério Público de Santa Catarina compreende: I – órgãos de
Administração Superior; II – Órgão de Administração; III – Órgãos de Execução;
e IV – Órgãos auxiliares.
São Órgãos de Administração Superior, conforme
o art. 5º da referida Lei Complementar: I – a Procuradoria-Geral de Justiça; II
– o Colégio de Procuradores de Justiça; III – o Conselho Superior do Ministério
Público; e IV – a Corregedoria-Geral do Ministério Público.
Os Órgãos de Administração, por sua vez, são:
I – Procuradorias de Justiça; e II – Promotoria de Justiça (art. 6º).
Já os Órgãos de Execução são: I – o
Procurador-Geral de Justiça; II – o Colégio de Procuradores de Justiça; III – o
Conselho Superior do Ministério Público; IV – os Procuradores de Justiça; V – a
Coordenadoria de Recursos; e VI – os Promotores de Justiça (art. 7º).
Por fim, são Órgãos Auxiliares: I - a
Secretaria-Geral do Ministério Público; II – os Centro de Apoio Operacionais;
III – a Comissão de Concurso; IV – o Centro de Estudo e Aperfeiçoamento
Funcional; V – os órgãos de apoio técnico e administrativo; e VI – os
estagiários (art. 8º).
Todo esse aparato, aliado aos princípios e
garantias relatados acima, existem para que o Ministério Público possa dar
consecução a suas funções institucionais.
O Ministério Público possui funções
institucionais, que foram definidas na Constituição da República Federativa do
Brasil de 1988 e, posteriormente, pela Lei Complementar nº 75 de 1993, que
dispõe sobre a organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público
da União, e pela Lei Federal nº 8.625/93, Lei Orgânica Nacional do Ministério
Público.
De acordo com o art. 129 da Constituição da
República, são funções do Ministério Público: Art. 129. São funções
institucionais do Ministério Público: I – promover, privativamente, a ação
penal pública, na forma da lei; II – zelar pelo efetivo respeito dos Poderes
Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta
Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia; III - promover
o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público
e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos; IV –
promover a ação de inconstitucionalidade ou representação para fins de
intervenção da União e dos Estados, nos casos previstos nesta Constituição; V –
defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas; VI –
expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência,
requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei
complementar respectiva; VII – exercer o controle externo da atividade
policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo anterior; VIII –
requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial,
indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais; IX –
exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua
finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica
de entidades públicas.
Outras funções são estabelecidas pela Lei
Complementar nº 75 de 1993 e Lei Federal nº 8.625/93, uma vez que o inciso IX
do art. 129 da CF contém uma cláusula aberta, possibilitando que a lei
infraconstitucional disponha sobre ouras funções institucionais.
Com efeito, sua função primeira e que mais de
perto o caracteriza é a de tornar efetivo, como representante do Estado, o
direito de punir os infratores da lei penal. Nesse sentido, como órgão de
acusação, é o legitimo órgão promotor da justiça e da defesa social.
Sem dúvida, a função institucional mais
associada ao Ministério Público é a promoção da ação penal pública. No entanto,
o campo de atuação, que antes era restrito a área penal, vem crescendo
vertiginosamente na área cível, a notar, por exemplo, pela intensa utilização
da ação civil pública.
Atualmente, a tendência e a amplitude de suas
funções são no sentido da ampliação dos interesses metaindividuais, quer sejam
difusos, coletivos ou individuais homogêneos.
Com essa perspectiva, o Ministério Público tem
por função a defesa dos interesses sociais, aonde quer que estes interesses
estejam presentes. Ou seja, o Órgão Ministerial tem a incumbência de promover a
defesa de direitos e interesses sociais, coletivos, individuais indisponíveis e
individuais disponíveis, quando estes direitos e interesses tenham uma
relevância e um viés social.
48. 54. NEPOTISMO – FELIPE
O nepotismo (termo utilizado para o
favorecimento ou beneficiamento de cônjuges, companheiros e parentes no
provimento dos cargos em comissão da estrutura dos Poderes constituídos) é
prática que atenta contra os princípios da impessoalidade, eficiência, isonomia
e moralidade administrativa.
O princípio da impessoalidade consiste no
descarte do personalismo. Impõe a proibição do marketing pessoal e da
auto-promoção com cargos, funções, empregos, obras, serviços e campanhas de
natureza pública. Exige, então, uma absoluta separação entre o público e o
privado, ou entre o administrador e a Administração, não podendo aquele fazer
“cortesia” com esta. Por óbvio, a nomeação ou designação de parentes
não-concursados para cargos em comissão afronta tal princípio.
Já o princípio da eficiência postula o
recrutamento de mão de obra qualificada para as atividades públicas, sobretudo
em termos de capacitação técnica e vocação para as funções estatais. A prática
do nepotismo fere também esse princípio, pois a avaliação dessas aptidões no
seio familiar é desprovida de isenção. Além disso, a fusão do ambiente familiar
com o espaço público repercute negativamente na rotina de um trabalho.
Com o nepotismo, ataca-se igualmente o
princípio da isonomia. É inegável a maior facilidade de acesso de parentes e
familiares a cargos em comissão e funções de confiança. Conferem-se,
indiretamente, privilégios para uns em detrimento de outros.
Por fim, pelo simples fato de atentar contra
os 3 (três) princípios citados acima, afronta-se, outrossim, a moralidade
administrativa. Aliás, haverá ofensa a esta quando "(...) se verificar que
o comportamento da Administração ou do administrado que com ela se relaciona
juridicamente, embora em consonância com a lei, ofende a moral, os bons costumes,
as regras de boa administração, os princípios de justiça e de eqüidade, a idéia
comum de honestidade, estará havendo ofensa ao princípio da moralidade
administrativa." .
Todos esses princípios estão encartados na
Constituição da República, nos arts. 5ºe 37. Por isso, indubitável a violação à
Carta Magna, sendo este o teor da recentíssima súmula vinculante n. 13 do
Supremo Tribunal Federal: “A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em
linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da
autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo
de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou
de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e
indireta em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e
dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a
Constituição Federal”.
Assim, diante incontestável carga normativa
conferida aos princípios, completamente prescindível a existência de lei
federal regulamentando a matéria para que se possa coibir essa nefasta prática
do nepotismo.
Cumpre ao Ministério Público, portanto, como
defensor “da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e
individuais indisponíveis” (art. 127 da CF), zelando “pelo efetivo respeito dos
Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública” (art. 129, III, da CF)
assegurados na Constituição, promover as medidas necessárias para atacar as
nomeações de provimento de cargos ou funções, quando estas afrontarem o art.
37, caput, da Constituição da República.
E não se diga que o provimento dos cargos em
comissão, por serem de "livre nomeação" do respectivo Chefe de Poder,
não pode ser controlado pelo Judiciário. Ora, a discricionariedade do
administrador público na contratação de pessoal deve ser regulada, limitada e
balizada pelos princípios da moralidade, impessoalidade, eficiência e isonomia,
comandos que, pelo seu cunho constitucional, mostram-se auto-aplicáveis e
imediatamente exeqüíveis, ostentando eficácia plena e independente de
regulamentação legislativa superveniente. Além do mais, conforme consolidada
jurisprudência, no mérito administrativo, plenamente possível o controle de
legalidade (aqui incluído a constitucionalidade) e até mesmo a
proporcionalidade da medida. Assim, inquestionável a possibilidade de Poder
Judiciário anular os atos nepotistas de nomeação em cargos de comissão.
Com efeito, a luta contra o nepotismo tem sido
intensa, especialmente quando o Conselho Nacional do Ministério Público
(Resoluções 1 e 7) e o Conselho Nacional de Justiça (Resoluções 7, 9 e 21), em
postura merecedora de aplausos, assentaram e normatizaram a proibição e vedação
da prática do nepotismo no âmbito de suas respectivas instituições – exemplo
modelar que, por simetria e paralelismo, deve ser seguido e rigorosamente
respeitado pelos demais poderes e instituições existentes em todos os níveis da
federação. Essas resoluções, por sinal, já foram consideradas constitucionais
pelo Supremo Tribunal Federal, na Ação Declaratória de Constitucionalidade n.
12.
Ressalta-se que o Ministério Público de
Santa Cataria foi um dos pioneiros no combate a prática do nepotismo,
proibindo-o expressamente por meio de sua Lei Orgânica Estadual (Lei Complementar
Estadual 197/2000).
Portanto, a investidura no cargo em comissão
de pessoa que ostente parentesco com quaisquer dos sujeitos que detêm parcela
do poder constituído no âmbito do ente federado deve ser alvo da atuação
prioritária do Ministério Público, pois é só assim que essa prática maléfica,
aos poucos, será neutralizada e, quiçá, definitivamente extirpada do poder
público.
Ademais, a proibição da contratação de
parentes é medida pertinente e capaz de trazer inúmeras outras vantagens ao
Estado brasileiro, tais como: a) reduzir focos de clientelismo; b) atenuar
concessão de favores pessoais ilegais; c) restringir a excessiva politização e
negociata no provimento de cargos públicos em comissão; d) incrementar a
política de incentivo ao funcionalismo de carreira; e e) reforçar o combate à
corrupção, que assola a Administração Pública.
Concluindo, importante registrar que a atuação
do Ministério Público no combate ao nepotismo deve ser tanto preventiva quando
repressiva. Pode-se começar pela emissão de recomendação, indicando a
necessidade de abstenção na contratação de servidores enquadráveis nas
hipóteses de nepotismo (ou exoneração daqueles que já estejam nos quadros).
Inobservada tal orientação, imperativo será o ajuizamento de ação civil
pública, a fim de que a observância dos princípios constitucionais da
Administração Pública seja uma realidade concreta no nosso ordenamento
jurídico.
é o termo utilizado para designar o
favorecimento de parentes em detrimento de pessoas mais qualificadas,
especialmente no que diz respeito à nomeação ou elevação de cargos.
Originalmente a palavra aplicava-se
exclusivamente ao âmbito das relações do papa com seus parentes, mas atualmente
é utilizado como sinônimo da concessão de privilégios ou cargos a parentes no
funcionalismo público. Distingue-se do favoritismo simples, que não implica
relações familiares com o favorecido.
Nepotismo ocorre quando, por exemplo, um
funcionário é promovido por ter relações de parentesco com aquele que o
promove, havendo pessoas mais qualificadas e mais merecedoras da promoção.
Alguns biólogos sustentam que o nepotismo pode ser instintivo, uma maneira de
seleção familiar. Parentes próximos possuem genes compartilhados e protegê-los
seria uma forma de garantir que os genes do próprio individuo tenha uma
oportunidade a mais de sobreviver. Um grande nepotista foi Napoleão Bonaparte.
Em 1809, 3 de seus irmãos eram reis de países ocupados por seu exército.
Outro exemplo (menos usual) ocorre quando,
alguém é acusado de fazer fama, às custas de algum parente já famoso
(especialmente, se for o pai, a mãe, ou algum tio ou avô). Por exemplo: Wanessa
Camargo como filha de Zezé Di Camargo, Pedro e Thiago como filhos de Leandro e
Leonardo, o KLB como filhos do ex-baixista e atual empresário musical Franco
Scornavacca, Preta Gil como filha do cantor e ministro da cultura Gilberto Gil,
etc.
49. 55. REFORMAS NO PROCESSO PENAL – MÁRCIA
As reformas recentemente produzidas pelas leis
ns. 11.689/2008, 11.690/2008 e 11.719/2008, que alteram dispositivos do
Decreto-Lei n. 3.689/1941 – Código de Processo Penal (CPP), relativos ao
Tribunal do Júri, às provas e à suspensão do processo, emendatio libelli,
mutatio libelli, visam dar mais celeridade, simplicidade e segurança ao
processo penal e, com isso, alcançar a efetiva prestação jurisdicional.
A Lei n. 11.689/2008 alterou todos os
dispositivos do Código de Processo Penal relativos ao Tribunal do Júri, ou
seja, do artigo 406 ao 497, bem como artigo 581, dentre as quais se destacam:
1 – Foi dada nova redação ao Capítulo II do
Título I do Livro II, denominando-o: "Do Procedimento Relativo aos
Processos da Competência do Tribunal do Júri", bem como introduzindo novas
subdivisões a este capítulo;
2 - Formação do Júri: idade mínima para
participar como jurado cai de 21 para 18 anos;
3 - Recebida a denúncia, o juiz terá o prazo
de 10 (dez) dias para ordenar a citação do acusado;
4 – O procedimento passa a ser agora
condensado em uma única audiência de instrução, em que, se possível, será
ouvido o ofendido em declarações, será tomado o depoimento das testemunhas
arroladas pela acusação e pela defesa e haverá os esclarecimentos dos peritos,
as acareações e o reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em
seguida, o acusado, abrindo-se, por fim, oportunidade às partes para os debates
orais, pelo prazo de 20 (vinte) minutos, prorrogáveis por mais 10 (dez).
5 – Concluídos os debates, o juiz criminal proferirá
a sua decisão “imediatamente” ou no prazo de 10 (dez) dias da decisão de
pronúncia, se for o caso;
6 - Substituição da iudicium accusatione por
uma fase contraditória preliminar, a ser encerrada em 90 dias;
7 - Vedação expressa da eloqüência acusatória
na decisão de pronúncia;
8 - Ampliação das hipóteses de absolvição
sumária; passando a fazer parte dessas hipóteses também o fato do juiz
fundamentalmente absolver desde logo o acusado quando provada a inexistência do
fato, provado não ser ele autor ou partícipe do fato, o fato não constituir
infração penal e demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão do crime;
9 - Recurso cabível contra as decisões de
impronúncia e absolvição sumária: apelação (antes cabia RESE);
10 - Intimação da decisão de pronúncia: em se
tratando de réu solto, que se oculta para não ser citado, passa a ser admitida
a intimação por edital, com o normal prosseguimento do feito, o que colocou fim
à chamada crise de instância;
11 - Desaforamento para a Comarca vizinha:
quando o julgamento não for realizado nos 6 meses seguintes ao trânsito em
julgado da decisão de pronúncia;
12 - Extinção do libelo acusatório;
13 - Impossibilidade de dupla recusa de
jurados;
14 – Aumentou para 25 (vinte e cinco) o número
dos jurados sorteados para a reunião periódica ou extraordinária, dos quais
pelo menos 15 (quinze) deverão comparecer à sessão do júri para o sorteio dos 7
(sete) que constituirão o Conselho de Sentença;
15 – O julgamento não será adiado caso o réu
solto não compareça à sessão do júri; passando a entender que o não
comparecimento do réu manifesta-se pelo seu direito de silêncio. Anteriormente,
o não comparecimento do réu adiava imediatamente o julgamento.
16 – O tempo destinado à acusação e à defesa
em plenário foi reduzida em meia hora, anteriormente era de duas horas,
passando agora para uma hora e meia para cada; já para réplica e para a
tréplica, foi o tempo aumentado em meia hora para uma hora;
17 – No plenário, as partes não poderão, sob
pena de nulidade, fazer referências à decisão de pronúncia, às decisões
posteriores que julgaram admissível a acusação ou o uso de algemas como
argumento de autoridade que beneficiem ou prejudiquem o acusado, e tampouco ao
silêncio do acusado ou à ausência de interrogatório por falta de requerimento,
em seu prejuízo;
18 – Limitação na leitura de peças em
plenário;
19 - Adoção da cross examination;
20 – Foram simplificados os quesitos a serem
respondidos pelos jurados quando da deliberação do Conselho de Sentença. Os
jurados deverão respondê-los de forma secreta, por meio de cédulas. O objetivo
é diminuir a possibilidade de haver recursos para anular o julgamento, com base
em erros na fase de questionamento dos jurados e eliminar as dificuldades dos
jurados de responderem as perguntas técnicas;
21 - Extinção do Protesto por Novo Júri.
A Lei n. 11.690/08 modificou dispositivos do
Código de Processo Penal relativos às provas, mencionados nos artigos 155; 156;
157; 159; 201; 210; 212; 217 e 386.
1 – Art. 155: ao prever que o juiz forme sua
convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial e
vedar que sua decisão seja fundamentada exclusivamente nos elementos
informativos colhidos na investigação, acaba positivando o entendimento
doutrinário de que a investigação preliminar, é peça meramente informativa e
com finalidade de instruir uma futura ação penal, portanto, sem valor
probatório. Além disso, atribui valor judicial às provas cautelares, não
repetíveis e antecipadas, que terão seu contraditório diferido para a fase
judicial;
2 – Art. 156: atribui ao juiz a faculdade de,
de ofício, ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada
de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação
e proporcionalidade da medida;
3 – Art. 157: traz à legislação
infraconstitucional uma vedação já prevista no inciso LVI, art. 5º, da
Constituição Federal, ou seja, a inadmissibilidade das provas ilícitas no
processo, que deverão ser desentranhadas do processo;
O parágrafo 1º desse artigo cuida da
inadmissibilidade das provas ilícitas por derivação, consagrando a posição já
consolidada no Supremo Tribunal Federal sob os frutos envenenados (fruit of
poisonous tree). Contudo, há a ressalva dos casos em que não há a necessária
correlação de causa e efeito entre a prova ilícita e a derivada ou, ainda,
quando esta puder ser obtida por uma fonte independente das primeiras;
4 – Art. 159: favorece as comarcas menores e
mais distantes, onde é recorrente a dificuldade em se conseguir 2 (dois)
peritos oficiais, como exigia a antiga redação do Código, permitindo que o
exame de corpo de delito e outras perícias sejam realizados por perito oficial,
portador de diploma superior.
5 – Art. 201, § 2º: prevê a possibilidade de o
ofendido ser comunicado dos atos processuais relativos ao ingresso e à saída do
acusado da prisão, à designação de data para audiência e à sentença e
respectivos acórdãos que a mantenham ou modifiquem.
O § 4º garante ao ofendido a reserva de um
espaço separado para antes ou durante a audiência. O § 6º concede ao juiz a
possibilidade de determinar o segredo de justiça em relação aos dados,
depoimentos e outras informações constantes dos autos a respeito do ofendido, a
fim de evitar sua exposição aos meios de comunicação, bem como adotar medidas
para preservar direitos fundamentais, como intimidade, vida privada, honra e
imagem;
6 – Art. 210, parágrafo único: garante a
incomunicabilidade das testemunhas, prevendo a reserva de espaços separados
para elas, antes e durante a audiência;
7 – Art. 212: inquirição direta das
testemunhas pelos advogados;
8 – Art. 217: na busca pela celeridade, faz
uso de métodos modernos e inclui na realização do depoimento, da testemunha ou
do ofendido, a inquirição por videoconferência, nos casos em que a presença do
réu causar humilhação, temor, ou sério constrangimento, de modo que prejudique
a verdade do depoimento;
9 – Art. 386: novos incisos para o juiz
absolver o réu:
IV – quando as provas demonstrarem que o
acusado não cometeu o crime;
V – quando não existir prova de ter o réu
concorrido para a infração penal;
VI – quando o autor errar sobre a ilicitude do
fato, mesmo conhecendo a lei; quando houver erro sobre elemento constitutivo do
tipo legal de crime que exclua o dolo, mas permita a punição por crime culposo;
quando o fato for cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência à
ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico; quando o agente
praticar o fato em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito
cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito; quando o agente
tiver doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado; e quando
o agente praticar o crime estando com embriaguez completa, proveniente de caso fortuito
ou força maior.
Por fim a Lei n. 11.719/2008, que alterou
dispositivos do Código de Processo Penal relativos à suspensão do processo,
emendatio libelli, mutatio libelli e aos procedimentos, mencionados nos artigos
63, 257, 265, 362, 363, 366, 383, 384, 387, 394 a 405, 531 a 583.
1 – Foi acrescentado parágrafo único ao artigo
63 do CPP (que trata da reparação do dano causado pelo delito), determinando-se
que, após o trânsito em julgado da sentença condenatória, a execução pode ser
efetuada pelo valor fixado pelo juiz na sentença, sem prejuízo da liquidação
para a apuração do dano efetivamente sofrido;
2 – A redação do artigo 257 do CPP foi
alterada para destacar as duas funções principais do Ministério Público no
processo penal: promoção privativa da ação penal pública e a fiscalização da
execução da lei;
3 – Alterou-se o artigo 265, caput, do CPP,
substituindo-se a sanção de multa de cem a quinhentos réis por sanção de multa
de 10 a 100 salários mínimos, para o defensor que abandona a causa, sem motivo
imperioso. Trata-se apenas de atualização monetária. O parágrafo único do
artigo 265 foi desdobrado nos §§ 1º e 2º, prevendo-se agora que, antes de
designar defensor para o ato, o juiz deve aguardar, até o início da audiência,
a apresentação da justificativa pelo advogado que não compareceu a ela,
previsão que não existia antes – a ausência do defensor, ainda que motivada,
ensejava a substituição por outro defensor, para o ato. Agora, somente se o
defensor se ausentar sem apresentar justificativa até o início da audiência é
que haverá a substituição do defensor.
4 – No caso de ocultação do réu para não ser
citado, ao invés de se promover à citação por edital, com prazo de 5 dias, como
ocorria antes, agora, por força da redação do artigo 362, caput, do CPP, será
procedida a citação com hora certa, na forma estabelecida pelo Código de
Processo Civil (CPC, arts. 227 a 229).
5 – O artigo 383, que trata da ementatio
libbeli, manteve o mesmo sentido da redação anterior;
6 – O art. 384 estabelece a necessidade de
aditamento da denúncia sempre que surgir prova nova a respeito do fato,
independentemente de a nova definição jurídica do fato implicar aplicação de
pena mais ou menos grave ao réu. Anteriormente, somente nos casos em que a pena
cominada ao novo crime fosse mais grave é que o aditamento se impunha;
7 – Procedimentos: comum ou especial. O
procedimento comum é aplicável a todos os processos, salvo disposições em
contrário do CPP ou de leis extravagantes, e poderá ser:
a) ordinário (art. 394, §1º, I): quando tiver
por objeto crime cuja sanção máxima cominada for igual ou superior a 4 (quatro)
anos de pena privativa de liberdade;
b) sumário (art. 394, §1º, II): quando tiver
por objeto crime cuja sanção máxima cominada seja inferior a 4 (quatro) anos de
pena privativa de liberdade; ou
c) sumaríssimo (art. 394, § 1º, III): para as
infrações penais de menor potencial ofensivo, na forma da lei (Lei n.
9.099/1995, arts. 77-81);
8 – Art. 396: O juiz receberá a inicial e
ordenará a citação do acusado, para responder à acusação, por escrito, no prazo
de 10 dias. Em caso de citação por edital, o prazo para defesa começa a fluir a
partir do comparecimento pessoal do acusado ou do defensor constituído
(parágrafo único);
9 – Art. 399: Se o juiz receber a denúncia ou
queixa, designará dia e hora para a audiência, ordenando a intimação (o termo
técnico mais preciso seria notificação, pois se trata de comunicação processual
para ato futuro) do acusado, de seu defensor, do Ministério Público e, se for o
caso, do querelante e do assistente.
Assim, ao receber a denúncia ou queixa, deverá
o juiz fazer duas comunicações ao réu:
a) citação, para que tome conhecimento da
imputação que lhe pesa sobre os ombros e para que apresente defesa resposta à
acusação; e
b) intimação (notificação) para comparecimento
à audiência, ocasião em que inclusive será interrogado;
10 – Art. 400: audiência única;
11 – Revogaram-se expressamente os seguintes
dispositivos do CPP:
a) artigo 43, que tratava das condições da
ação penal, tema agora tratado no art. 395;
b) artigo 362, que previa a citação por edital
do réu que se ocultava para não ser citado, situação que agora enseja citação
com hora certa, nos termos do artigo 362, caput e parágrafo único, do CPP;
c) artigo 398, que previa o número de 8
testemunhas para cada parte do procedimento regra para crimes apenados com
reclusão, tema agora previsto no art. 401, caput, do CPP (procedimento
ordinário: 8 / procedimento sumário: 5);
d) artigos 498, 499, 500, 501 e 502, que
tratavam do requerimento de diligências, alegações finais e diligências de
ofício determinadas pelo juiz antes da sentença, referentes ao procedimento dos
crimes apenados com reclusão e de competência do juiz singular, tema tratado
agora, com diversas modificações, no artigo 394 e seguintes, do CPP;
e) artigos 537, 539, 540, §§ 1º a 4º do artigo
533, §§ 1º e 2º do artigo 535 e §§ 1º a 4º do artigo 538, que tratavam do
procedimento sumário, o qual, agora, é tratado no artigo 394, II, e nos artigos
531-538, com várias alterações;
f) artigo 594, que tratava da prisão para
apelar;
g) §§ 1º e 2º do artigo 366, que tratavam da
suspensão do processo quando o réu fosse citado por edital, tema agora abordado
no art. 363.
50. 56. AÇÕES AFIRMATIVAS E
POLÍTICA DE COTAS NA EDUCAÇÃO
O termo Ação Afirmativa refere-se a um
conjunto de políticas públicas para proteger minorias e grupos que, em uma
determinada sociedade, tenham sido discriminados no passado. A ação afirmativa
visa remover barreiras, formais e informais, que impeçam o acesso de certos
grupos ao mercado de trabalho, universidades e posições de liderança. Em termos
práticos, as ações afirmativas incentivam as organizações a agir positivamente
a fim de favorecer pessoas de segmentos sociais discriminados a terem oportunidade
de ascender a postos de comando.
Originariamente, as ações afirmativas foram
implementadas pelo governo dos Estados Unidos da América, a partir de meados do
século XX, mormente com a promulgação das leis dos direitos civis (1964), e
atingiram o seu ápice após intensa pressão dos grupos organizados da sociedade
civil, especialmente os denominados “movimentos negros”, de variada forma de
autuação, capitaneados por lideranças como Martin Luther King e Malcon X, ou
grupos radicais como os "Panteras Negras", na luta pelos direitos
civis dos afro-americanos. Daí esse conceito influenciou a Europa, onde tomou o
nome de discriminação positiva.
A Ação Afirmativa, como forma de discriminação
positiva, é uma política de aplicação prática e tem sido implementada em
diversos países, variando o público a que se destina.
As cotas são uma segunda etapa das ações
afirmativas. Constatada nos EUA a ineficácia dos procedimentos clássicos de
combate à discriminação, deu-se início a um processo de alteração conceitual
das ações afirmativas, que passou a ser associado à idéia, mais ousada, de
realização da igualdade de oportunidades através da imposição de cotas rígidas
de acesso de representantes de minorias a determinados setores do mercado de
trabalho e a instituições educacionais.
No âmbito da educação, a política de
discriminação positiva tem como alvo os alunos provenientes de meios
socioculturais desprivilegiados, uma vez que o objetivo não deve ser aquele
liberal da igualdade de acesso, mas igualdade de resultados, de tal modo que o
contingente de mulheres, negros, operários, habitantes do campo deveria, em
termos médios, apresentar o mesmo nível de escolaridade quando comparado à
escolaridade média dos homens, dos brancos, dos funcionários e dos habitantes
da cidade; caso contrário teria havido injustiça.
No Brasil, durante o ano de 2006, foram
apresentados, ao Congresso Nacional, dois manifestos que, de certa forma,
sintetizam os principais argumentos do debate sobre a questão de políticas
afirmativas, principalmente no que diz respeito ao estabelecimento de cotas nas
universidades públicas: o primeiro Todos têm direitos iguais na República
Democrática posiciona-se contra, e, o segundo, Manifesto a favor da Lei de
Cotas e do Estatuto da Igualdade Racial, a favor.
Aqueles que se posicionam contra baseiam sua
argumentação no princípio da igualdade política e jurídica dos cidadãos,
fundamento essencial da República alicerçado na Constituição brasileira. Para
os defensores dessa corrente, a Lei de Cotas, além de representar uma ameaça a
esse princípio, poderia até aumentar o racismo, dando respaldo legal ao
conceito de raça. Como alternativo, apontam como caminho para o combate à
exclusão social a construção de serviços públicos universais de qualidade em
todos os setores importantes como educação, saúde, etc. Tal meta deve ser
alcançada pelo esforço comum de cidadãos de todos os tons de pele contra
privilégios que limitam o alcance do princípio republicano da igualdade
política e jurídica.
Ainda, os que são contrários à política de
cotas, apontam a dificuldade de se saber no Brasil quem é negro e quem não o é,
já que somos uma sociedade muito mais miscigenada. Se fosse feita a
auto-classificação, muitos se aproveitariam impropriamente dessa chance. Caso
fossem criadas comissões para classificar as pessoas conforme a cor, estaria
sendo dado ao estado um poder perigoso, que poderia ser usado para outros fins.
Parece haver maior consenso entre os que são a favor das ações afirmativas do
uso da auto classificação.
Outra crítica às ações afirmativas se refere
ao fato de que elas, quando aplicadas preferencialmente para o ingresso nas
universidades, podem deixar de lado a grande maioria de negros que apresenta
uma inserção precária no mercado de trabalho. Seria como uma política “para inglês
ver”, que esconderia os problemas mais profundos da maioria da população negra
no Brasil.
O segundo documento encaminhado ao Congresso
Nacional, por sua vez, apresenta manifestação a favor de cotas, identificando
na aplicação de políticas públicas a única forma de combater a desigualdade
racial no Brasil. Faz referência a estudos realizados por organismos estatais
que apontam o fato de, por quatro gerações ininterruptas, pretos e pardos terem
apresentado menor escolaridade, piores condições de moradia, maior taxa de
desemprego quando comparados aos brancos e asiáticos. Mostra, ainda, que a
ascensão social e econômica no Brasil passa, necessariamente, pelo acesso ao
ensino superior. Ainda, faz crítica ao documento Todos têm direitos iguais na
República Democrática, ponderando que a igualdade universal dentro da República
não é um princípio vazio e sim uma meta a ser alcançada e que as ações
afirmativas, baseadas na discriminação positiva daqueles lesados por processos
históricos, são a figura jurídica criada pelas Nações Unidas para alcançar essa
meta.
O estabelecimento de cotas no mercado de
trabalho já existe no Brasil por mais de 15 anos, desde a Lei n. 8.213/91 que
prevê a obrigatoriedade da contratação de pessoas portadoras de deficiência em
empresas privadas. No entanto, o debate sobre políticas de ação afirmativa é
relativamente recente em nosso país. Ele ganha mais repercussão social com a
III Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia
e Intolerância Correlata, ocorrida em 2001, em Durban, África do Sul, em que o
Brasil se posiciona a favor de políticas públicas que venham a favorecer grupos
historicamente discriminados.
Em termos educacionais, há o programa de bolsa
escola, que favorece as populações de mais baixa renda e incentiva as mesmas a
manterem seus filhos estudando, buscando, dessa forma, combater o trabalho
infantil. Nesse caso, é o critério econômico que serve de base para o
estabelecimento da política.
Em nível de educação superior, não existe
ainda um consenso sobre qual a melhor orientação a tomar. Em 20 de novembro de
2008, foi aprovado pela Câmara dos Deputados o Projeto de Lei n. 73/99. O texto
determina que 50% das vagas das instituições federais sejam destinadas a alunos
provenientes da escola pública. Dessas vagas, 50% serão preenchidas por
estudantes de famílias com renda igual ou inferior a 1,5 salário mínimo (R$
622,50) por pessoa. Além das cotas sociais, a proposta exige que as vagas sejam
destinadas a negros, pardos e indígenas em proporção igual a dessas populações
no total de habitantes de cada estado. Estabelece ainda que a seleção dos
alunos que terão direito ao ingresso na universidade por meio das cotas será
feita a partir de um coeficiente de rendimento, obtido pelo cálculo da média
aritmética das notas ou menções recebidas pelos alunos durante o Ensino Médio.
As instituições privadas de ensino superior também poderão adotar as cotas para
ingresso dos alunos. A proposta, no entanto, voltou para o Senado por causa da
inclusão, pelos deputados, de critérios econômicos para a seleção dos alunos, e
ainda está em análise pelos senadores da Comissão de Constituição e Justiça.
O Programa Universidades para Todos (PROUNI)
também assegura a inclusão de alunos provenientes de escolas públicas em instituições
privadas de educação superior, e entre esses alunos leva em consideração o
percentual de negros e indígenas da população onde se encontra o
estabelecimento de ensino.
Nada obstante os argumentos contrários à
política de cotas, é certo que a adoção desse sistema visa a superação de
desigualdades, na direção da conquista da igualdade material ou substancial,
que é fruto do que se pode chamar de segunda geração de direitos fundamentais,
pois ela absorve e amplia o direito processual.
Não basta, segundo esse novo paradigma de
organização dos poderes públicos, garantir um Estado que seja cego para
distinções arbitrárias. É insuficiente vedar que a lei condene o indivíduo com
base no grupo em que este se insere segundo padrões naturais ou culturais.
Faz-se necessário, implementar, por meio da lei e de instrumentos de políticas
públicas, a igualdade de oportunidades, ainda que seja necessário estipular
benefícios compensatórios a grupos historicamente discriminados. Da ótica
ultrapassada do indivíduo genérico, desprovido de cor, sexo, idade, classe
social entre outros critérios, agora se busca o indivíduo específico
"historicamente situado", objetivando extinguir ou diminuir o peso
das desigualdades impostas econômica e socialmente. A consagração normativa
dessas políticas sociais representa, pois, um momento de ruptura na evolução do
Estado moderno.
Cumpre enfatizar, por fim, que além do sistema
de cotas, há outras opções que podem ser consideradas para a efetivação das
ações afirmativas: o método do estabelecimento de preferências, o sistema de
bônus e os incentivos fiscais (como instrumento de motivação do setor privado).
De crucial importância é o uso do poder fiscal, não como mecanismo de
aprofundamento da exclusão, como é da tradição brasileira, mas como instrumento
de dissuasão da discriminação e de emulação de comportamentos (públicos e
privados) voltados à erradicação dos efeitos da discriminação de cunho
histórico.
FONTE:
http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/faced/article/viewFile/539/375
http://www.anped.org.br/reunioes/29ra/trabalhos/trabalho/GT11-2516--Int.pdf
http://www.ieps.org.br/ederson.pdf
http://www.jusbrasil.com.br/noticias/655008/especialistas-divergem-sobre-cotas-da-educacao-aprovadas-na-camara
51. PLANO GERAL DA ATUAÇÃO
O Plano Geral de Atuação do Ministério Público
de Santa Catarina está previsto nos arts. 80 e 81 da Lei Complementar Estudual
nº 197/2000:
“Art. 80. A Atuação do Ministério Público deve
levar em conta os objetivos e diretrizes institucionais estabelecidos
anualmente no Plano Geral de Atuação, destinados a viabilizar a consecução de
metas prioritárias nas diversas áreas de suas atribuições legais.
Art. 81. O Plano Geral de Atuação será
estabelecido pelo Procurador-Geral de Justiça, com a participação dos Centros
de Apoio Operacional, Coordenadoria de Recursos, Procuradorias e Promotorias de
Justiça, OUVIDO o Conselho Consultivo de Políticas e Prioridades
Institucionais.
§ 1º Para execução do Plano Geral de Atuação
serão estabelecidos:
I – Programas de Atuação das Promotorias de
Justiça;
II – Programas de Atuação Integrada das
Promotorias de Justiça;
III – Projetos Especiais.
§ 2º A composição e atribuições do Conselho
Consultivo de Políticas e Prioridades Institucionais, bem como o procedimento
de elaboração do Plano Geral de Atuação, dos programas de atuação e dos
projetos especiais, serão disciplinados em ato do Procurador-Geral de Justiça.”
(grifou-se)
Além da previsão legal supra, está em vigor o
Ato 101/2007/PGJ (que revogou o Ato 066/2003/PGJ), que disciplina as
atribuições do Procurador-Gral de Justiça e o procedimento para a formalização
anual do Plano Geral de Atuação, considerando, para tanto, o Plano Geral de
Atuação como “um importante instrumento de democratização das
decisões internas da Instituição, especialmente no que se refere à definição de
prioridades, permitindo uma atuação eficaz e integrada de todos os órgãos da
Instituição”. Alguns dos pontos importantes desse ato:
Art. 2º (...)
§ 1º São atribuições do Procurador-Geral
de Justiça:
I - dar início ao procedimento de elaboração
do Plano Geral de Atuação, sendo obedecidos os parâmetros do Plano Plurianual
(PPA) e das leis orçamentárias; (redação alterada pelo ato 391/2008/PGJ)
II - coletar sugestões dos Centros de
Apoio Operacional e de seus respectivos Conselhos Consultivos; (redação
alterada pelo ato 391/2008/PGJ)
III - elaborar o Anteprojeto do Plano Geral de
Atuação; (redação alterada pelo ato 391/2008/PGJ)
IV - publicar o Anteprojeto do Plano Geral de
Atuação em fórum eletrônico institucional para discussões; (redação alterada
pelo ato 391/2008/PGJ)
V - realizar reuniões regionais para
apresentação do Anteprojeto do Plano Geral de Atuação e do fórum
institucional. (redação alterada pelo ato 391/2008/PGJ)
VI - elaborar o Projeto do Plano Geral de
Atuação; (redação alterada pelo ato 391/2008/PGJ)
VII - remeter o Projeto do Plano Geral de
Atuação ao Conselho Consultivo de Políticas e Prioridades Institucionais
para manifestação final; (redação alterada pelo ato 391/2008/PGJ)
VIII - editar ato instituindo o Plano Geral de
Atuação; e (redação alterada pelo ato 391/2008/PGJ)
IX - divulgar e distribuir o Plano Geral de
Atuação . (redação alterada pelo ato 391/2008/PGJ)
§ 2º Os Órgãos participantes poderão, nos
prazos fixados pelo Procurador-Geral de Justiça, formular sugestões e propor
emendas ao Anteprojeto, com vistas à elaboração do Projeto do Plano Geral de
Atuação .
§ 3º O Conselho Consultivo de Políticas e
Prioridades Institucionais, composto na forma estabelecida em ato específico,
terá como atribuição a análise do Projeto do Plano Geral de Atuação e
formalização de possíveis sugestões ou emendas, as quais serão avaliadas pelo
Procurador-Geral de Justiça.
CAPÍTULO II
DO PROCEDIMENTO
Art. 3º Até o término do mês de maio de cada
ano, o Procurador-Geral de Justiça deverá deflagrar o procedimento de elaboração
do Plano Geral de Atuação.
Art. 4º O procedimento será deflagrado a
partir da publicação do anteprojeto na intranet, para conhecimento e eventual
manifestação dos Órgãos participantes, no prazo de 30 dias. (redação alterada
pelo ato 391/2008/PGJ)
Art. 5º Munido dos dados e das sugestões
coletados, o Procurador-Geral de Justiça elaborará o Anteprojeto do Plano Geral
de Atuação e o remeterá aos Órgãos participantes, para eventual manifestação,
no prazo de 30 dias.
§ 1º Os Órgãos participantes realizarão,
sempre que possível, audiências públicas, em conjunto com os demais membros do
Ministério Público, visando a colher subsídios para elaboração do Plano Geral
de Atuação .
§ 2º O Procurador-Geral de Justiça, de acordo
com critérios de conveniência e oportunidade, poderá determinar a realização de
pesquisas de opinião pública e consultas populares com a mesma finalidade do
parágrafo anterior.
Art. 6º As propostas dos Órgãos participantes
deverão ser apresentadas no prazo de 30 (trinta) dias, observando-se as normas
técnicas estabelecidas pela Instituição.
Art. 7º À vista das propostas apresentadas, o
Procurador-Geral de Justiça enviará, até o dia 15 de novembro de cada ano,
Projeto do Plano Geral de Atuação ao Conselho Consultivo de Políticas e
Prioridades Institucionais, para, no prazo de 10 (dez) dias, a contar da data
do envio por meio eletrônico, proceder a análises e apresentar sugestões.
(redação alterada pelo ato 391/2008/PGJ)
Art. 8º Após a manifestação do Conselho
Consultivo de Políticas e Prioridades Institucionais, o Procurador-Geral de
Justiça editará ato instituindo o Plano Geral de Atuação .
Parágrafo único. O ato mencionado no caput
deste artigo deverá ser editado até o dia 30 de novembro de cada ano.
Art. 9º O Plano Geral de Atuação será constituído
por programas específicos para cada área de atuação do Ministério Público, além
de prioridades, as quais poderão igualmente ser definidas por região, conforme
peculiaridades locais, tais como: índices sócio-econômicos, geográficos,
populacionais e outros determinados pelo próprio Plano.
Art. 10. Editado o ato, desde logo será dado
conhecimento aos Órgãos de execução do Ministério Público, estabelecendo-se
estratégias para o aprimoramento desses, visando, sempre, aos programas e às
prioridades definidos no Plano.
Parágrafo único. As ações voltadas ao
aprimoramento funcional serão realizadas sob a responsabilidade do Centro de
Estudos e Aperfeiçoamento Funcional (CEAF), com apoio dos Centros de Apoio
Operacional, dentre as quais figurará a Semana Anual do Ministério Público, a
ser instituída em ATO próprio.
CAPÍTULO III
DA GESTÃO DE RESULTADOS
Art. 11. Encerrada a vigência do Plano Geral
de Atuação, os Centros de Apoio Operacional, com auxílio do CEAF, procederão à
coleta, nos Órgãos de Execução, dos dados de resultados obtidos, das ações
propostas e dos problemas diagnosticados, lavrando-se relatório a ser entregue
ao Procurador-Geral de Justiça, para subsidiar a deflagração do Plano Geral de
Atuação para o ano subseqüente àquele em curso.
Parágrafo único. Para fins de avaliação
externa dos resultados, poder-se-á proceder na forma estabelecida nos §§ 1º e
2º do artigo 5º deste Ato.” (grifou-se)
Tendo em vista a não localização do “Plano
Geral de Atuação 2009” (elaborado em 2008), colaciona-se, na seqüência, a
apresentação do “Plano Geral de Atuação 2008” (elaborado em 2007), texto
esse que visa a somar argumentos a respeito do plano geral da atuação do
ministério público:
“Plano geral de atuação 2008 -
APRESENTAÇÃO
Ao Ministério Público incumbe a defesa
da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais relevantes,
tarefa que lhe foi outorgada pela Constituição Federal de 1988 e para a qual
ainda se busca a estruturação e o aprimoramento necessários a lhe dar plena
satisfação.
Os Direitos Fundamentais que legitimam o
Estado Democrático de Direito não são estanques e compõem uma crescente demanda
que nos bate à porta diariamente, exigindo da Instituição esforço adicional
para o cumprimento de suas atribuições.
Voltar as atividades à resolução dos conflitos
que dificultam ou impedem a universalização e a generalização dos Direitos
Fundamentais é um dos caminhos que o Ministério Público pode tomar,
aproximando-se das demandas sociais e do relevante mister que lhe foi outorgado
pela Constituição.
Estruturar os Órgãos de Execução, estimular
iniciativas inovadoras e buscar incessantemente a ampliação do apoio
operacional e o aperfeiçoamento funcional são algumas das várias ações que a
Administração Superior pode empreender no sentido dessa aproximação entre o que
nos está posto no ordenamento constitucional e a realidade que nos é
apresentada.
Para que se intervenha de maneira eficaz sobre
a realidade, não basta ao Ministério Público a atuação processual, quer na
qualidade de titular da ação, quer no exercício da função de custos legis. Há
que se fazer uso dos instrumentos que nos legitimam a solucionar, pela via do
inquérito civil público e do procedimento de investigação criminal, problemas
como o saneamento básico, proteção dos recursos hídricos, combate à corrupção e
ao crime organizado, intervindo não apenas em relação aos efeitos gerados por
esses problemas, mas também no enfrentamento de suas causas.
Neste passo, o aprimoramento do Plano Geral de
Atuação (PGA) se mostra oportuno para um melhor desempenho na missão
constitucional do Ministério Público, adotando um modelo que contemplará não
apenas o revigoramento dos programas de atuação, projetos especiais e políticas
institucionais, mas uma metodologia que permita a leitura de resultados que
possam ser utilizados na constante evolução da Instituição e também
apresentados à sociedade catarinense.
Neste ano, houve uma participação maior dos
integrantes dos Órgãos de Execução, com a realização de seis encontros
regionais, nos quais os programas já existentes foram avaliados, assim como a
definição de um plano estratégico para melhor cumprir as metas já estabelecidas
nos planos anteriores, que, embora contemplassem ações a serem desenvolvidas a
médio e longo prazo, ainda não contemplavam o detalhamento das ações que
deveriam ser desenvolvidas no respectivo período, para se atingir os objetivos já
explicitados. O desafio maior, portanto, uma vez que o Plano Geral já contempla
estratégias consolidadas no que tange ao que deve ser feito, é o como fazer
para atingir as metas fixadas.
Assim, aproveitando-se as linhas gerais dos
planos anteriores e acrescendo-se a elas o plano estratégico, pretende-se dar
maior efetividade a este valioso instrumento de trabalho, coletivizando as
ações e potencializando os resultados.
Numa sociedade democrática em que todos devem
ser co-responsáveis, esperamos que todas as vozes do Ministério Público sejam
um uníssono em torno de nossos valores de independência, ética, legalidade,
efetividade, moralidade, solidariedade, harmonia, transparência, justiça e
confiança.” (disponível em: http://www.mp.sc.gov.br/portal/site/portal/portal_detalhe.asp?Campo=7148&secao_id=5)
52. SANEAMENTO BÁSICO
O saneamento básico é assunto de relevância
pública, em virtude de que, nos moldes do art. 129, incisos II, III e VI, da
Constituição Federal (CF), incumbe ao Ministério Público atuar na busca da
regularização dos problemas já existentes e também, em termos de urbanização
futura, em prol da observância da aplicação da legislação pertinente.
A CF atribui à União a competência material de
“instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação,
saneamento básico e transportes urbanos” (art. 21, inciso XX), e, à União, aos
Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a competência material de
“promover programas de...saneamento básico” (art. 23, IX). Além disso, “ao sistema
único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei: (...)
participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento
básico” (Art. 200, inciso IV).
Em nível nacional, está em vigor a lei
11.445/07, que estabelece as diretrizes nacionais do saneamento básico.
No Estado de Santa Catarina, vige a Lei
Estadual 11.517/05, que dispõe sobre a política estadual de saneamento.
O Ministério Público de Santa Catarina vem,
desde 2004, intensificando suas ações nessa área. No ano de 2008, foi publicado
o “Guia de Saneamento Básico”, do qual se extrai as informações que seguem,
tidas como primordiais a respeito do assunto:
“Considerações iniciais: (...) No ano de 2004,
o Ministério Público, por ato do seu Procurador-Geral, instaurou o Inquérito
Civil Público n. 004/04 objetivando reverter o quadro negativo do saneamento
básico no Estado.
Trata-se de tarefa complexa, importando em
engajamento dos órgãos competentes, considerando a importância da
co-participação técnica e financeira por parte dos entes da federação, tendo em
vista as naturais dificuldades que enfrentam grande parte dos Municípios
catarinenses, por suas características, para implantação dos serviços,
fundamentalmente em se tratando de sistemas coletivos. Note-se que, dos 293
Municípios catarinenses, 269 (91,8%) apresentam população inferior a 25.000
habitantes e 250 (85,3%) entre 1.000 e 10.000 habitantes (estimativa IBGE para
1º-7-5).
Nessa linha, para facilitar o acesso dos
Municípios aos recursos federais disponíveis (ex: Programa de Aceleração do
Crescimento- PAC, Fundação Nacional de Saúde-FUNASA), ou ainda, às linhas de
crédito Estaduais, torna-se fundamental aos Municípios que procedam a sua
prévia estruturação, em atendendo às Diretrizes da nova Política Nacional de
Saneamento Básico (elaboração da política, planos e Conselho Municipal de
Saneamento, além dos projetos a serem submetidos à aprovação pelos Governos
Federal e Estadual).
Quanto à importância do Programa, dados
apresentados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) revelaram que 70% da
mortalidade infantil até cinco anos é motivada por doenças que poderiam ser
evitadas com uma adequada estrutura de saneamento (poliomielite, hepatite A,
disenteria amebiana, diarréia por vírus, febre tifóide, febre paratifóide,
diarréias e disenterias bacterianas como a cólera, esquistossomose, entre
outras, têm relação direta com a ausência de esgoto sanitário).
Ainda, conforme estudos da Organização Mundial
da Saúde (OMS), para cada dólar investido em saneamento básico há uma redução
de cerca de 4 a 5 dólares nos gastos com medicina curativa.
Segundo o diagnóstico da situação do
saneamento básico no Estado realizado pela Associação Brasileira de Engenharia
Sanitária e Ambiental (ABES), em cumprimento ao Termo de Cooperação Técnica n.
024/2005, firmado com o Ministério Público Estadual e outras entidades,
apresentado em setembro de 2006, foi constatado que: 1) a destinação
inadequada de esgotos sanitários é a principal causadora da poluição do solo,
de águas subterrâneas, de mananciais de superfície e de cursos d’água em Santa
Catarina; - dos 293 Municípios existentes no Estado de Santa Catarina, apenas
22 deles (8%) são atendidos com serviços adequados de esgoto (média nacional é
de 19%); 2) estão desprovidos dessa infra-estrutura mais de 4 (quatro)
milhões de catarinenses que residem na área urbana, sendo 576 (quinhentos e
setenta e seis) milhões de litros de esgoto despejados diariamente nos
mananciais de água superficiais e subterrâneos; 3) apenas 37 (12,63%) dos 293
Municípios catarinenses possuem alguma rede coletora de esgoto sanitário
implantada e sistema de tratamento licenciado; e 4) apenas 12% (400.000) das
pessoas que vivem nas cidades catarinenses são atendidas adequadamente por
serviços de esgoto, enquanto a média nacional é de 44%.
O lançamento inadequado do esgoto no meio
ambiente, seja por responsabilidade pública ou privada, implica crime de
poluição (art. 54, inc. VI, da Lei n. 9.605/98), podendo ser responsabilizados,
por ação ou omissão, além de particulares, também os agentes públicos, a uma
pena de um a cinco anos de reclusão, podendo recair sobre esses, ainda, a
responsabilidade por ato de improbidade administrativa, nos termos do art. 11,
inc. II, da Lei n. 8.429/92.
Nos dias 11 e 12 de julho de 2007, a Federação
Catarinense dos Municípios (FECAM), principal entidade representativa dos
Municípios Catarinenses, realizou, na Assembléia Legislativa do Estado, o
Seminário intitulado O Município Frente ao Novo Marco Regulatório do
Saneamento, resultando do Encontro a conclusão de que as principais atribuições
dos Municípios, na nova Política Nacional de Saneamento Básico, regulamentada
pela Lei n. 11.445/07, são a instituição da Política e do Plano Municipal de
Saneamento Básico, além da definição da agência reguladora do serviço.”
“Saneamento Básico é o conjunto de serviços,
infraestrutura e instalações operacionais de: 1) abastecimento de água; 2)
esgotamento sanitário; 3) drenagem urbana, limpeza urbana e manejo de resíduos
sólidos; e 4) drenagem e manejo das águas pluviais urbanas.
Também podemos dizer que o saneamento é um
todo, prestado (serviço) ou posto à disposição (estruturas e instalações) dos
usuários.
O saneamento básico é regido pelos seguintes
princípios: 1) Universalização do acesso ao saneamento: O serviço deverá ser
efetivamente acessado e usufruído por toda sociedade, oferecendo salubridade
ambiental e condições de saúde para os cidadãos; 2) Integralidade: Visa a
proporcionar à população o acesso a todos os serviços de acordo com suas necessidades.
Se o serviço for necessário, ainda que o usuário assim não entenda e não possa
remunerá-lo, este princípio garante que ele será colocado à disposição da
população de forma efetiva ou potencial. 3) Prestação dos serviços de forma
adequada à saúde pública e à proteção do meio ambiente, à segurança da vida e
do patrimônio público e privado, habilitando a cobrança de tributos: São os
serviços de abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana,
manejo dos resíduos sólidos e serviços de drenagem e de manejo das águas
pluviais. 4) Adoção de métodos, técnicas e processos que considerem as
peculiaridades locais e regionais: De regra, os serviços de saneamento são
executados sob a ótica do interesse local, tomando-se por referência o
Município, operandose excepcionalmente de forma regional, embora a Bacia
Hidrográfica deva ser considerada como unidade de planejamento, racionalizando
as relações e ações dos diversos usuários e dos atores das áreas de saneamento,
recursos hídricos e preservação ambiental. 5) Articulação com as políticas de
desenvolvimento urbano e regional, de habitação, de combate à pobreza e de sua
erradicação, de proteção ambiental, de promoção da saúde e outras de relevante
interesse social voltadas para a melhoria da qualidade de vida, para as quais o
saneamento básico seja fator Determinante: Reflete a necessidade de articulação
entre as ações de saneamento com as diversas outras políticas públicas; 6)
Eficiência e sustentabilidade econômica: A eficiência não significa apenas prestar
serviços, mas sim buscar formas de gestão dos serviços de maneira a
possibilitar a melhor aplicação dos recursos, expansão de rede e de pessoal; 7)
Utilização de tecnologias apropriadas, considerando a capacidade de pagamento
dos usuários e a adoção de soluções graduais e progressivas: A falta de
condições econômicas do usuário não é fator inibidor para a adoção de melhores
tecnologias, e o princípio deixa explícita a necessidade de implantação dos
serviços, ainda que de forma gradual e progressiva; 8) Transparência das ações,
baseada em sistemas de informações e processos decisórios institucionalizados:
O que se pretende é dar transparência às ações fundamentais e aos processos de
decisão na gestão dos serviços, exigindo-se a criação de Conselhos Municipal e
Estadual de Saneamento; 9) Controle social: Por meio de tal princípio, há a
possibilidade de discussões pelos representantes da sociedade,
preferencialmente pelos Conselhos instituídos para esse fim, em torno das
opções técnicas que poderão ser adotadas pelos gestores dos serviços de
saneamento, sem a violação do princípio da discricionariedade administrativa;
10) Segurança, qualidade e regularidade: Por segurança e qualidade, entenda-se
a eficiência da prestação do serviço e o respeito à incolumidade dos
consumidores; e, por regularidade, a prestação ininterrupta; 11) Integração das
infra-estruturas e serviços com a gestão eficiente dos recursos hídricos: A
titularidade da água-bruta, matéria-prima, não se confunde com a titularidade
da prestação de serviço saneamento-água, podendo ser exigida a outorga, contudo
ambos deverão ter suas gestões e infra-estruturas manejadas de forma
integrada.”
“Os serviços de saneamento básico são
executados da seguinte forma: 1) Abastecimento de água potável: São atividades,
infra-estruturas e instalações necessárias ao abastecimento público de água
potável, desde a captação até as ligações prediais e os respectivos
instrumentos de medição; 2) Esgotamento sanitário: São atividades,
infra-estruturas e instalações operacionais de coleta, transporte, tratamento e
disposição final adequados dos esgotos sanitários, desde ligações prediais até
o seu lançamento final no meio ambiente; 3) Limpeza urbana e manejo de resíduos
sólidos: São atividades, infra-estruturas e instalações operacionais de coleta,
transporte, transbordo, tratamento e destino final do lixo doméstico e do lixo
originário de varrição e limpeza de logradouros e vias públicas. Obs.: Com
relação aos resíduos sólidos, a Lei nacional limita-se a traçar diretrizes aos
domiciliares, pois, em relação aos resíduos de serviços de saúde, industriais e
comerciais, a responsabilidade é dos próprios geradores. 4) Drenagem e manejo
das águas pluviais urbanas: São atividades, infra-estruturas e instalações
operacionais de drenagem urbana de águas pluviais, de transporte, detenção ou
retenção, para o amortecimento de vazões de cheias, tratamento e disposição
final das águas pluviais drenadas nas áreas urbanas.” (grifou-se)
OBS: Disponível em:
http://www.mp.sc.gov.br/portal/site/conteudo/comso/publicacoes/guia%20do%20saneamento%20basico_internet.pdf)
53. LEI MARIA DA PENHA
De início é importante que se registre que a
violência doméstica tem ceifado a vida de muitas mulheres, com motivação
abjeta, e por meios extremamente cruéis, sendo recorrentes as desconfianças e
supostas traições, o alcoolismo, o uso de drogas, ou simplesmente o caráter
violento do agressor e, no âmago da questão, o machismo exacerbado.
Antes do advento da Lei 11.340/2006, a questão
da violência doméstica, recebia tratamento negligente e descompromissado por
parte do Estado, para dizer o mínimo.
Com efeito, os crimes de lesão corporal e
ameaça, delitos mais constantes no âmbito da violência familiar e doméstica,
eram conceituados como crimes de menor potencial ofensivo. Recebiam o
tratamento legal previsto pela Lei n. 9.099/95, que, na grande maioria das
vezes, ensejava, quando não a renúncia do direito de representação por parte da
vítima – o que acarretava a extinção da punibilidade do agressor –, a imposição
de transação penal ao autor do fato, sob a forma mais comum de doação de cestas
básicas à entidade pública ou privada com destinação social.
Com intuito de se proteger efetivamente as
mulheres e atender ao preceito insculpido no art. 226, § 8º, da Constituição
Federal, no qual prevê que o Estado criará mecanismos para coibir a violência
no âmbito das relações familiares, em 7/8/2006, foi sancionada pelo Presidente
da República a Lei n. 11.340/2006, chamada Maria da Penha, que cria mecanismos
de coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher.
Há quem sustente mais de uma
inconstitucionalidade da lei, na tentativa de impedir sua vigência ou limitar
sua eficácia. Até o fato de ela direcionar-se exclusivamente à mulher é
invocado, como se tal afrontasse o princípio da igualdade, uma vez que o homem
não pode ser o sujeito passivo.
No entanto, o modelo conservador da sociedade,
que coloca a mulher em situação de inferioridade e submissão, é que a torna
vítima da violência masculina. Ainda que os homens possam ser vítimas da
violência doméstica, tais fatos não decorrem de razões de ordem social e
cultural. Aliás, é exatamente para dar efetividade ao princípio da igualdade
que se fazem necessárias equalizações por meio de ações afirmativas. Daí o
significado da lei: assegurar à mulher o direito à sua integridade física,
psíquica, sexual, moral e patrimonial.
Também não há inconstitucionalidade no fato de
a lei definir competências. Ao assim agir, não transbordou seus limites.
Isso porque, a Constituição Federal, em seu
art. 98, I, determinou a criação de Juizados Especiais Criminais com
competência para crimes de menor potencial ofensivo, todavia não os definiu,
delegando tal tarefa ao legislador infraconstitucional, que o fez através da
Lei 9099/95, em seu artigo 61, cuja redação foi posteriormente alterada pela
Lei 11.313, de 28/06/2006: “consideram-se infrações penais de menor potencial
ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que
a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com
multa”.
Por seu turno, a Lei Maria da Penha estabelece
disposições especiais a par das já existentes, não tendo revogado a Lei 9099/95
(com sua modificação posterior) no tocante à definição de infração de menor
potencial ofensivo, a qual prevalece para os delitos não abrangidos pela Lei
Maria da Penha.
Ou seja, a Lei Maria da Penha não redefiniu a
definição de infração de menor potencial ofensivo, mas antes estabeleceu
tratamento diferenciado para os crimes de que trata, (e só para os crimes,
diga-se de passagem) independentemente da pena prevista.
Trata-se, portanto, de lei especial e como
tal, seus mandamentos derrogam a lei geral, de acordo com o princípio da
especialidade.
Ressalta-se que a Lei 11.340/06 não cria novos
tipos penais, mas traz em si dispositivos complementares de tipos
pré-estabelecidos, com caráter especializante, em referência aos quais exclui
benefícios despenalizadores previstos na Lei dos Juizados Especiais Criminais
(art. 41), altera penas (art. 44), estabelece nova majorante (art. 44) e
agravante (art. 43), além de outros avanços significativos e de vigência
imediata. que buscam tornar mais eficaz o combate à violência contra a mulher.
Destaca-se a criação dos Juizados de Violência
Doméstica e Familiar contra a Mulher, com competência cível e criminal (art.
14) e possibilidade de funcionamento em horário noturno, a fim de garantir
acesso a todos (art. 14, parágrafo único), bem como contando com o apoio de
equipe de atendimento multidisciplinar, formado por profissionais das áreas
psicossocial, jurídica e de saúde (art. 29), além de curadorias e serviço de
assistência judiciária (art. 34).
Foi criada nova hipótese de prisão preventiva
(o art. 42 acrescentou o inciso IV ao art. 313 do CPC): “se o crime envolver
violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da lei específica,
para garantir a execução das medidas protetivas de urgência”. Com isso a
possibilidade da prisão preventiva não mais se restringe aos crimes punidos com
reclusão.
Um dos mecanismos mais importantes de coibição
da violência foi a possibilidade da polícia judiciária, mediante registro da
ocorrência, desencadear um leque de providências: proteção à vítima,
encaminhamento ao hospital, fornecimento de transporte para lugar seguro e
acompanhamento para retirar seus pertences do local da ocorrência (art. 11).
Cabe ainda à polícia tomar por termo o pedido de providências protetivas
urgentes (art. 12, § 1º) e a representação da ofendida no caso de ação penal
pública condicionada (art. 12, I), além de poder solicitar a prisão preventiva
do agressor (art. 20).
O pedido de medidas urgentes será remetido em
expediente apartado ao Juízo, no prazo de 48 horas (art. 12, III), fazendo-se
necessária somente a ouvida da ofendida, bastando, para o esclarecimento dos
fatos e sua circunstância, ser anexadas as provas que estejam disponíveis e na
posse da ofendida (art. 12, § 2º).
O Juiz da Vara Criminal, enquanto não instalados
os juízos especializados, pode deferir as medidas cautelares em sede liminar,
designar audiência de justificação ou indeferi-las de plano. Para garantir
segurança à vítima e seus familiares é possível, de ofício, determinar o que
entender de direito.
As medidas que obrigam o agressor são:
afastamento do lar, recondução da ofendida e seus dependentes, impedimento de
que se aproxime da casa, fixando limite mínimo de distância, vedação de que se
comunique com a família, suspensão de visitas, encaminhamento da mulher e dos
filhos a abrigos seguros, fixação de alimentos provisórios ou provisionais
(art. 22). Estão previstas medidas que protegem a ofendida, tais como a
restituição de bens que lhe foram indevidamente subtraídos, suspensão de
procuração outorgada ao agressor e proibição temporária da venda ou locação de
bens comuns (art. 24).
Por certo o tema que mais tem alimentado
discussões a partir da vigência da nova lei seja sobre o delito de lesões
corporais, pois, afinal, é esta a infração mais cometida no âmbito das relações
que se dizem afetivas.
A Constituição Federal determinou a criação de
juizados especiais para as infrações penais de menor potencial ofensivo (art.
98, I), delegando-se à legislação infraconstitucional escolher referidos delitos.
A Lei n. 9.099/95 veio dar efetividade ao comando constitucional e acabou por
eleger, dentre outros delitos, a lesão corporal leve e a lesão culposa (art. 88
da Lei n. 9.099/95), limitando-se a condicionar tais crimes à representação,
sem, no entanto, dar nova redação ao Código Penal.
Porém, lei posterior e da mesma hierarquia
expressamente afastou a incidência da Lei n. 9.099/95 quando a vítima é mulher
e foi agredida no ambiente doméstico (art. 41 da Lei n. 11.340). A violência
doméstica deixou de ser uma questão de âmbito privado subordinada ao interesse
da vítima, não precisando o Ministério Público de autorização dela para
proceder à denúncia.
Portanto, está excluída do rol dos delitos de
pequena e média lesividade a violência doméstica. Quando a vítima é mulher que
sofreu a agressão física no ambiente doméstico, como nesta hipótese, foi
afastada a égide da Lei dos Juizados Especiais, as lesões não mais podem ser
consideradas de pequeno potencial ofensivo e a ação penal é pública
incondicionada. O agressor responde pelo delito na forma prevista na Lei Penal,
uma vez que foi restaurada a incondicionalidade para o processamento das lesões
corporais.
Nesse sentido, já se posicionou o Superior
Tribunal de Justiça (REsp n. 1000222/DF, Sexta Turma, rela. Min. Jane Silva, j.
em 23/9/2008).
Nos crimes de ação penal pública condicionada,
pode a vítima renunciar à representação (art. 16) até o oferecimento da
denúncia, porém, só há dita possibilidade nos delitos que o Código Penal
classifica como sendo de ação pública condicionada à representação, como os
crimes contra a liberdade sexual (CP, art. 225) e o de ameaça (CP, art. 147,
parágrafo único). Ressalta-se que a vítima poderá desistir da representação
exclusivamente em audiência designada especialmente para tal fim, depois de
ouvido o Ministério Público.
A participação do Ministério Público é
indispensável. Tem legitimidade para agir como parte, intervindo nas demais
ações tanto cíveis como criminais (art. 25). Também pode exercer a defesa dos
interesses e direitos transindividuais (art. 37). Devem ser comunicadas ao
promotor as medidas que foram aplicadas (art. 22, § 1º), podendo ele requerer
outras providências (art. 19) ou a substituição por medidas diversas (art. 19,
§ 3º). Quando a vítima manifestar interesse em desistir da representação, deve
o promotor estar presente na audiência (art. 16). Também lhe é facultado
requerer o decreto da prisão preventiva do agressor (art. 20).
Incumbe aos operadores do direito implementar
o cumprimento pleno da Lei Maria da Penha, visando a sua efetividade e difusão
ampla por toda a sociedade de forma a consolidar uma cultura jurídica nova
voltada para o reconhecimento do direito das mulheres a uma vida sem
violência.
54. NOVA SÚMULA VINCULANTE GARANTE ACESSO AOS
AUTOS - CAROLINE
O Supremo Tribunal Federal editou a segunda
súmula vinculante que privilegia direitos de acusados em processos criminais. O
Plenário da corte, por oito votos a dois, decidiu editar a Súmula Vinculante
14, que deixa claro o direito dos advogados e da Defensoria Pública a terem
acesso a provas documentadas levantadas em inquéritos policiais, mesmo que
ainda em andamento. O enunciado aprovado é o seguinte: “É direito do defensor,
no interesse do representado, ter acesso amplo e irrestrito aos elementos de
prova que, já documentado em procedimento investigatório, realizado por órgão
de competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de
defesa”.
A redação final resultou da união de pelo
menos três propostas diferentes apresentadas pelos ministros, além da que foi
levada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, e da
complementação sugerida pela Associação dos Advogados de São Paulo. A possibilidade
de cópias dos processos, a diferença entre provas já documentadas e as que
ainda são constituídas e o caráter não administrativo dos processos de
inquérito permearam as discussões sobre o texto definitivo.
A vitória dos advogados se deu na primeira
proposta de súmula vinculante feita por provocação. A possibilidade foi aberta
pela Emenda Constitucional 45/04, que acrescentou o art. 103-A na CF e permitiu
a autoridades do Executivo, dos tribunais e de entidades de representatividade
nacional provocar o Supremo a discutir a edição de súmulas vinculantes. Com os
enunciados, Judiciário, Executivo e Legislativo devem seguir o entendimento dos
ministros.
O tema foi levado pela OAB à corte depois de
diversos julgamentos prolatados pelos ministros concedendo o direito aos
advogados de tomarem conhecimento das provas constituídas pelas autoridades
policiais. Em sua sustentação oral, o advogado Alberto Zacharias Toron,
secretário-geral adjunto da OAB e presidente da Comissão Nacional de Defesa das
Prerrogativas e Valorização da Advocacia da Ordem, destacou que todos os
ministros já haviam proferido decisões a respeito do tema. O ministro Marco
Aurélio destacou pelo menos sete processos já julgados no STF — os Habeas
Corpus 82.354, 87.827, 90.232, 88.190, 88.520, 92.331 e 91.684.
Representando o Ministério Público, o
vice-procurador-geral da República, Roberto Gurgel, argumentou que a edição da
súmula nos termos da proposta da OAB impediria investigações principalmente dos
crimes financeiros, também chamados de colarinho branco. Para ele, a produção
de provas depende de um processo demorado e de diligências que precisam ser
efetuadas sem o conhecimento prévio dos advogados dos investigados. Seu parecer
foi integralmente contrário à proposta. Os ministros Ellen Gracie e Joaquim
Barbosa seguiram este entendimento.
Para o Ministro Barbosa, a súmula privilegiará
os direitos dos investigados e dos advogados em detrimento do direito da
sociedade de ver irregularidades devidamente investigadas. Segundo ele,
“peculiaridades do caso concreto podem exigir que um inquérito corra em
sigilo”.
Essa tese foi defendida pela Procuradoria
Geral da República (PGR), que também se posicionou contra a edição da súmula.
Durante o julgamento, o vice-procurador-geral da República, Roberto Gurgel,
afirmou que o verbete causará um “embaraço indevido do poder investigativo do
Estado”, podendo até inviabilizar o prosseguimento de investigações. Ele
acrescentou que o verbete se direciona, sobretudo, a crimes de colarinho
branco, e pouco será utilizado por advogados de réus pobres.
Entretanto, não foi esta a tese adotada pela
Suprema Corte, pois os ministros Menezes Direito — relator da proposta —,
Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Carlos Britto, Cezar Peluso, Marco Aurélio,
Celso de Mello e Gilmar Mendes foram favoráveis à idéia.
Outro destaque importante é a observação do
ministro Peluso, no momento do julgamento do texto, no sentido de que a súmula
somente se aplicaria a provas já documentadas, não atingindo demais diligências
do inquérito. “Nesses casos, o advogado não tem direito a ter acesso prévio”,
observou. Ou seja, a autoridade policial está autorizada a separar partes do
inquérito que estejam em andamento para proteger a investigação.
Por fim, cumpre observar que as investigações
criminais ficarão muito prejudicadas quando houver acusação formal. O ato de
indiciamento do acusado significa que o Delegado de Polícia reuniu elementos
suficientes de autoria da infração penal investigada. Antes disso, não há ainda
acusação formal e o réu figurará apenas como um dos suspeitos de autoria. Resta
saber se os Tribunais irão estender a prerrogativa inserta na súmula vinculante
n. 14 para os meros suspeitos. A redação da súmula não é restritiva, mas
menciona “exercício do direito de defesa”, o que implica dizer que já houve
acusação formal, porque só se defende aquele que é acusado de algo. Antes disso
eu creio que não há a possibilidade de aplicação da referida súmula,
posicionamento este que, quem sabe, poderá ser adotado pelos membros do Ministério
Público e Autoridades Policiais.
55. ALIMENTOS GRAVÍDICOS: ASPECTOS DA LEI
11.804/08 - CAROLINE
Entrou em vigor no dia 06 de novembro de 2008,
uma nova lei de alimentos, a Lei 11.804/08, que busca disciplinar o direito a
alimentos gravídicos e a forma como ele será exercido, objetivando preencher
uma triste lacuna existente no Direito de Família contemporâneo. Os
alimentos gravídicos podem ser compreendidos como aqueles devidos ao nascituro
e percebidos pela gestante, ao longo da gravidez.
Tais alimentos abrangem os valores suficientes
para cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela
decorrentes, da concepção ao parto, inclusive as referentes à alimentação
especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações,
parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas
indispensáveis, a juízo do médico, além de outras que o juiz considere
pertinentes. Entende-se, pois, que o rol não é exaustivo, já que a lei confere
ao juiz autonomia para considerar outras despesas pertinentes.
A Lei de Alimentos (Lei 5.478/68) consistia um
óbice à concessão de alimentos ao nascituro, haja vista a exigência, nela
contida, no seu artigo 2º, da comprovação do vínculo de parentesco ou da
obrigação alimentar. Ainda que inegável a responsabilidade parental desde a
concepção, o silêncio do legislador sempre gerou dificuldade para a concessão
de alimentos ao nascituro.
A dificuldade gerada pela comprovação do
vínculo de parentesco já não se encontrava engessada pela Justiça que teve a
oportunidade de reconhecer, em casos ímpares, a obrigação alimentar antes do
nascimento, garantindo, destarte, os direitos do nascituro e da gestante,
consagrando a teoria concepcionista do Código Civil e o princípio da dignidade
da pessoa humana.
Sem dúvida, a novel legislação reconheceu, de
forma expressa, o alcance dos direitos da personalidade ao nascituro.
Nesses moldes já afirmava Silvio de Salvo
Venosa sobre a legitimidade para a propositura da ação investigatória:
"São legitimados ativamente para essa ação o investigante, geralmente
menor, e o Ministério Público. O nascituro também pode demandar a paternidade,
como autoriza o art. 1.609, parágrafo único (art. 26 do Estatuto da Criança e
do Adolescente, repetindo disposição semelhante do parágrafo único do art. 357
do Código Civil de 1.916).[1]"
Ainda especificamente a respeito dos alimentos
ao nascituro, vale trazer à baila valioso ensinamento de Caio Mário da Silva
Pereira: "Se a lei põe a salvo os direitos do nascituro desde a concepção,
é de se considerar que o seu principal direito consiste no direito à própria
vida e estar seria comprometida se à mão necessitada fossem recusados os
recursos primários à sobrevivência do ente em formação em seu ventre.[2]”
Diante de tais ensinamentos, dúvidas não
restavam de que a tendência apontada pela doutrina e jurisprudência era o
reconhecimento à mãe gestante da legitimidade para a propositura de ações em
benefício do nascituro, circunstância que foi reconhecida pela nova legislação
alimentícia por meio da Lei 11.804/08.
A nova legislação entra em contato com a
realidade social, facilitando a apreciação dos requisitos para a concessão dos
alimentos ao nascituro, devendo a requerente convencer o juiz da existência de
indícios da paternidade e, desta forma, serão fixados os alimentos gravídicos
que perdurarão até o nascimento da criança, sopesando as necessidades da parte
autora e as possibilidades da parte ré.
Note-se que os critérios para a fixação do
valor dos alimentos gravídicos são os mesmos hoje previstos para a concessão
dos alimentos estabelecidos no art. 1694 do Código Civil: a necessidade da
gestante, a possibilidade do réu - suposto pai -, e a proporcionalidade como
eixo de equilíbrio entre tais critérios.
Outro aspecto interessante da nova lei é o
período de condenação ao pagamento dos alimentos gravídicos que se restringe à
duração da gravidez, e após o nascimento com vida do feto, eles se convertem em
pensão alimentícia.
Por outro lado, convém salientar que a
interrupção involuntária da gestação (aborto espontâneo), extingue de pleno
direito os alimentos denominados gravídicos.
Após o nascimento com vida, os alimentos
gravídicos serão convertidos em pensão alimentícia em favor do menor até que
uma das partes solicite a sua revisão, de acordo com o parágrafo único do art.
6º, da Lei 11.804/08.
Quanto ao foro competente certo é o do
domicílio do alimentando, neste caso a gestante. O Projeto de Lei que originou
a Lei de Alimentos Gravídicos previa o foro do domicílio do réu, o que se
mostrava em desacordo com a sistemática processual civil em vigor, e por isso
foi vetado.
A Lei de Alimentos Gravídicos consagrou a
busca incessante pela dignidade da pessoa humana, pessoa esta considerada desde
a sua concepção.
Referências:
[1] VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil -
Direito de Família. 4ª ed. São Paulo : Atlas, 2004, p. 317.
[2] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições
de Direito Civil - Direito de Família. vol. V. 16ª ed. Rio de Janeiro :
Forense, 2006, p. 517-519.
56. ADOÇÃO POR CASAIS HOMOAFETIVOS
ARAÚJO, Paulo Jeyson Gomes. Disponível em
http://www.lfg.com.br. 20 de novembro de 2008 (texto adaptado).
A evolução social ocorrida nas últimas décadas
implicou alterações na concepção tradicional de família. A partir da
verificação de que o objetivo principal do casamento não é mais procriar, mas
unir duas pessoas pelo afeto, pode-se perceber o surgimento de novas formas de
constituição de núcleos familiares, como o monoparental e o homoafetivo.
Apesar de a sociedade brasileira ter
consagrado um novo padrão familiar, nem sempre a Justiça sabe como lidar com
tantas novidades quando é chamada a intervir. Toda essa revolução de costumes
foi bem absorvida, mas, quando surgem conflitos na nova família brasileira,
dificuldades para juízes, promotores de justiça e advogados são praticamente
certas, principalmente por falta de legislação específica para os casos que
lhes são submetidos à apreciação.
É neste momento de rompimento com a idéia
tradicional de família, que se enquadra a adoção por pares homoafetivos.
A adoção, como sabido, é o ato jurídico por
meio do qual uma pessoa é permanentemente assumida como filho por outra ou por
um casal que não são os pais biológicos do adotado, estabelecendo um vínculo
fictício de filiação e dando origem a uma relação de parentesco civil entre
adotante e adotado. A lei prevê a adoção por uma pessoa só ou por um homem e
por uma mulher que sejam casados ou que vivam em união estável, não havendo,
portanto, previsão expressa de adoção por casais homossexuais.
No Brasil, não há dados oficiais relativos à
quantidade de crianças e adolescentes aptos à adoção. Pesquisa realizada pelo
Instituto de Pesquisa Econômica (IPE) apontou a existência de cerca de oitenta
mil crianças e adolescentes vivendo em abrigos mantidos pelo governo federal.
Deste total, por volta de duas mil e quatrocentas crianças poderiam ser
adotadas.
Apesar de o número de pessoas interessadas em
adotar ser maior que o número de crianças, a maioria nunca encontrará o
conforto de um lar, pois, geralmente, os interessados preferem meninas brancas,
sem doenças e de até dois anos de idade. Diante de tal constatação, a
Associação de Magistrados Brasileiros lançou campanha em prol da adoção,
objetivando agilizar o processo de adoção e, principalmente, proporcionar
família às crianças de maiores idades.
Nessa esteira e à luz dos princípios constitucionais,
crescem os defensores da possibilidade de casais homoafetivos se candidatarem à
adoção. Alegam que, no novo Código Civil e no Estatuto da Criança e do
Adolescente, não há vedação expressa no sentido de não permitir a adoção por
conta da orientação sexual do adotante. Afirmam que, apesar da legislação
existente ser omissa quanto à adoção por casais de iguais, os órgãos do Poder
Judiciário não podem desconsiderar que as uniões entre homossexuais existem na
realidade social e que, por vezes, desejam constituir família, objetivo que
pode ser atingido por meio da adoção.
Em contrapartida, muitos têm dificuldade em
aceitar a possibilidade de homossexuais ou companheiros do mesmo sexo se
candidatarem à adoção. São levantados questionamentos relativos ao sadio
desenvolvimento da criança, na convicção de que a ausência de referências
comportamentais de ambos os gêneros traria prejuízos de ordem psicológica e
dificuldades na identificação sexual do adotado, ante a falta de modelo do
gênero masculino e feminino, o que o faria "optar" pela
homossexualidade.
Outro argumento levantado contra a adoção por
casais homoafetivos é a possibilidade de o adotado ser discriminado no meio
social por ser filho de iguais, tornando-se alvo de repúdio ou vítima do
escárnio por parte de colegas e vizinhos, o que poderia lhe ocasionar
perturbações psicológicas ou dificuldades de inserção social.
Chega-se, inclusive, a se questionar acerca do
estilo de vida levado pelos homossexuais.
A Justiça Brasileira tem evoluído no sentido
de possibilitar a adoção por casais homoafetivos. Encontram-se posicionamentos
que reconhecem a união homossexual como união estável, sendo possível geradora
de um núcleo familiar.
Tais decisões apóiam-se nos princípios da
dignidade e da igualdade, além de determinar a competência das varas de família
para o julgamento dos litígios.
"APELAÇÃO CÍVEL. ADOÇÃO. CASAL FORMADO
POR DUAS PESSOAS DE MESMO SEXO. POSSIBILIDADE. Reconhecida como entidade
familiar, merecedora da proteção estatal, a união formada por pessoas do mesmo
sexo, com características de duração, publicidade, continuidade e intenção de
constituir família, decorrência inafastável é a possibilidade de que seus
componentes possam adotar. Os estudos especializados não apontam qualquer
inconveniente em que crianças sejam adotadas por casais homossexuais, mais
importando a qualidade do vínculo e do afeto que permeia o meio familiar em que
serão inseridas e que as liga aos seus cuidadores. É hora de abandonar de vez
preconceitos e atitudes hipócritas desprovidas de base científica, adotando-se
uma postura de firme defesa da absoluta prioridade que constitucionalmente é
assegurada aos direitos das crianças e dos adolescentes (art. 227 da
Constituição Federal). Caso em que o laudo especializado comprova o saudável
vínculo existente entre as crianças e as adotantes" (APELAÇÃO CÍVEL SÉTIMA
CÂMARA CÍVEL Nº 70013801592, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luis Felipe
Brasil Santos, Julgado em 05/04/2006).
Em novembro de 2006, ocorreu o primeiro caso
de adoção por casal homossexual masculino, sendo a criança registrada como
filha dos dois. Anteriormente, outros três casais de lésbicas - dois no Rio
Grande do Sul e um no Rio de Janeiro - também obtiveram adoção.
Tramita no Congresso Nacional projeto para
criar a Lei Nacional de Adoção. Tem o objetivo de unificar artigos do Estatuto
da Criança e do Adolescente (ECA) e do Código Civil, criando prazos para
processos de adoção e tornando mais rigorosas regras a moradores no exterior
interessados em crianças brasileiras.
A proposta não menciona a adoção de crianças
por casais homossexuais, entretanto, há emendas propondo a inserção desse
ponto. O projeto também se choca com intenções de casais que, em geral, dão
preferência a bebês, preterindo crianças de mais idade.
Diante de tais situações, sem leis específicas
para resguardar decisões, acredito que, na solução do caso concreto, é preciso
levar em conta o lado emocional das pessoas envolvidas nesse tipo de celeuma,
além do princípio da proteção integral da criança e do adolescente, principal
objetivo do instituto da adoção. O bom senso e o bem estar do adotando devem
ser o norte nesse tipo de questão.
57. UNIÃO HOMOAFETIVA
Antes de se pretender discutir ou debater
sobre a união homoafetiva (neologismo cunhado pela Profª e Desembargadora do
TJRS Maria Berenice Dias em contraposição à antiga designação união
homossexual), necessário ponderar acerca do conceito de família previsto pelo
texto constitucional (art. 226).
Inicialmente, a Carta Magna de 1988, que
baliza todo o sistema jurídico, consagrou o respeito à dignidade humana como um
dos fundamentos da República Federativa (Art. 1º A República Federativa do
Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito
Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
III - a dignidade da pessoa humana;). Princípio esse que se reverberou por todo
o texto constitucional, servindo de referência para adoção de outros valores,
tais como a igualdade, a liberdade (inclusive a liberdade sexual e à livre
orientação sexual) e a intimidade, vedando a discriminação e preconceitos por
motivo de origem, raça, sexo ou idade e assegurando o exercício dos direitos
sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento
e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem
preconceitos.
Dentro dessa visão antropocêntrica, o
constituinte de 1988 percebeu a necessidade de se reconhecer a existência de
relações afetivas diversas do casamento, até então reconhecido como única
instituição a gozar de proteção legal. Assim, a Constituição de 1988 estendeu
seu manto protetivo expressamente sobre às entidades familiares formadas por um
dos pais e sua prole (família monoparental) e à união estável formada por homem
e mulher, nos seguintes termos:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem
especial proteção do Estado.
[...] § 3º - Para efeito da proteção do
Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade
familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
§ 4º - Entende-se, também, como entidade
familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.
Contudo, esse elenco não esgota as formas de
convívio merecedoras de tutela. Isso porque o artigo 226 da Carta Política,
compreendido sistematicamente com o princípio da dignidade da pessoa humana,
revela-se uma verdadeira cláusula geral de inclusão, conferindo especial
proteção do Estado a toda e qualquer entidade que preencha os requisitos de
afetividade, estabilidade e ostensividade (Lôbo, Paulo Diniz Netto. Entidades
familiares constitucionalizadas. p. 95).
Deste modo, ainda que a lei não tenha
regulamentado esse tipo de entidade familiar e os efeitos patrimoniais dela
decorrentes (cerne da problemática que envolve a homoafetividade), o
dispositivo constitucional, norma de eficácia plena e imediata, é suficiente
para garantir aos conviventes especial proteção do Estado.
Convém destacar que tramita perante a Câmara
dos Deputados o Projeto de Lei n° 2.285/07, de autoria do Instituto Brasileiro
de Direito de Família (IBDFam), que cria o Estatuto das Famílias, o qual
reconhece e regulamenta a união estável homoafetiva. Contudo, o repúdio social
a segmentos marginalizados acaba intimidando o legislador, o qual evita a
chancelar diplomas voltados às minoriais, a exemplo disso a PEC 139/1995, que
pretende inserir entre os objetivos fundamentais do Estado ao de promover o bem
de todos sem preconceito de orientação sexual e o projeto de parceria civil (PL
1.151/1995), os quais vagam pelo Congresso Nacional por mais de uma década.
Assim, face à omissão legal, os Tribunais,
instados a se manifestar diante da inegável realidade social, inicialmente
reconheceram a união homoafetiva como mera sociedade de fato, de índole
tipicamente civil e obrigacional (art. 981 do CC), negando, portanto, a relação
afetiva nutrida pelos conviventes, característica de uma família. Baseada em
tal entendimento, a demanda deveria tramitar perante uma vara cível e, ao
final, ao(à) parceiro(a) apenas era deferido(a) a metade (ou às vezes apenas
uma indenização por prestação de serviços) do patrimônio adquirido durante a
vida em comum e, ainda, mediante prova de sua efetiva colaboração na sua
constituição. Deste modo, afastados quaisquer direitos sucessórios e à
percepção de alimentos.
Tendo em vista as desastrosas conseqüências
desse tipo de interpretação, a jurisprudência avançou seu entendimento, tendo fixado
a competência para julgamento destas demandas em varas especializadas da
família, bem como garantindo o direito de herança ao parceiro sobrevivente,
como se infere dos seguintes excertos:
“Relações homossexuais – Competência para
julgamento de separação de sociedade de fato dos casais formados por pessoas do
mesmo sexo. Em se tratando de situações que envolvam relações de afeto,
mostra-se competente para julgamento da causa uma das varas de família, à
semelhança das separações ocorridas entre casais heterossexuais.” (TJRS, 8ª
C.Cív., AI 599.075.496, rel. Des. Breno Moreira MUssi, j. 17.06.1999).
herança
O Tribunal Superior Eleitoral, ao proclamar a
inelegibilidade de determinada candidata, reconheceu a união homoafetiva como
entidade familiar, in verbis:
“Registro de candidato – Candidata ao cargo de
prefeito – Relação estável homossexual com a Prefeita reeleita do município –
Inelegibilidade (CF 14 §7°). Os sujeitos de uma relação estável homossexual, à
semelhança do que ocorre com os de relação estável, de concubinato e de
casamento, submetem-se à regra da inelegibilidade prevista no art. 14 §7°, da
CF. Recurso a que se dá provimento.” (TSE – REsp Eleitoral 24564/Viseu-PA, rel.
Min. Gilmar Mendes, j. 01.10/2004).
Influenciada pela jurisprudência que começou a
se firmar, no âmbito da previdência social, o INSS expediu a instrução
normativa n° 25/2000, reconhecendo o direito do convivente homoafetivo à
percepção dos benefícios de pensão por morte e auxílio reclusão. Do mesmo modo,
a SUSEP (Superintendência de Seguros Privados) baixou circular n° 257/2006,
regulamentando o direito do companheiro ou companheira homossexual ao
recebimento de indenização em caso de morte do outro, na condição de dependente
preferencial da mesma classe que dos companheiros heterossexuais.
Após tantos avanços, o legislador finalmente
alçou, ainda de forma tímida e indireta, as uniões homoafetivas ao conceito de
família por meio da edição da Lei n° 11.340/06 (Lei Maria da Penha), ao dispor
que é assegurada proteção legal à mulher por fatos que configuram violência
doméstica e familiar no ambiente da família, independente da orientação sexual
da relação pessoal mantida entre seus membros (art. 5°, parágrafo único).
Destarte, deu-se o primeiro e significativo
passo legislativo no reconhecimento das uniões homoafetivas como entidades
familiares. Porém, pondera a Prof.ª Maria Berenice Dias que deverá permanecer o
enfrentamento a toda uma cultura conservadora e ainda apegada ao conceito
sacralizado de família, “assim, no momento em que a justiça consolidar o
entendimento de ver as ditas relações como vínculos afetivos, certamente muito
contribuirá para amenizar a aversão à homossexualidade. Essa talvez seja a
função – verdadeira missão – dos juízes: buscar de forma corajosa um resultado
justo. Com isso, a jurisprudência acaba estabelecendo pautas de conduta de
caráter geral. Mesmo apreciando o caso concreto, funciona o juiz como agente
transformador da própria sociedade. Não é ignorando certos fatos, deixando
determinadas situações a descoberto do manto da juridicidade que se faz
justiça. Condenar à invisibilidade é a forma mais cruel de gerar injustiças e
fomentar a discriminação. O Estado não pode se omitir e deixar de cumprir sua
obrigação de conduzir o cidadão à felicidade.” (Manual de direito das famílias.
p. 190).
58. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA
Quando do nascimento, ocorre a inserção do
indivíduo em uma estrutura que recebe o nome de família, estrutura essa
imprescindível ao crescimento e pleno desenvolvimento do ser humano, face à absoluta
impossibilidade de sua sobrevivência de modo autônomo.
Deste modo, por se revelar ponto de
identificação pessoal e social, o conceito de família e, por conseqüência, da
parentalidade, sofreu, ao longo do tempo, severas mudanças.
Num primeiro momento, a família constituída
pelo casamento era a única a merecer o reconhecimento e a proteção estatal,
razão pela qual recebeu o nome de família legítima. Por isso, a lei ao tratar
da filiação se referiu unicamente aos filhos havidos no casamento, desprezando
o legislador a verdade biológica para criação de uma paternidade jurídica.
Acerca da questão, elucida a Profª. Maria Berenice Dias:
“Tal tendência decorre da visão sacralizada da
família e da necessidade de sua preservação a qualquer preço, nem que para isso
tenha de atribuir filhos a alguém, não por ser pai ou mãe, mas simplesmente
para a mantença da estrutura familiar. [...] A ciência jurídica conforma-se com
a paternidade calcada na moral familiar. Para a biologia, pai é unicamente
quem, em uma relação sexual, fecunda uma mulher, que levando a gestação a
termo, dá à luz um filho. Para o Direito o conceito sempre foi diverso. Pai é o
marido da mãe. Até o advento da Constituição, que proibiu designações
discriminatórias relativas à filiação (CF 227 § 6°), filho era exclusivamente o
ser nascido 180 dias após o casamento de um homem e uma mulher, ou 300 dias
depois do fim do relacionamento” (Manual do direito das famílias. p. 317).
Já em uma segunda etapa, diante da
instabilidade das relações pessoais, do reconhecimento constitucional da união
estável e do desenvolvimento de técnicas de reprodução assistida, a ciência
jurídica passou a também tutelar a paternidade biológica, atentando-se o
legislador à chamada verdade real, a qual inicialmente era apurada mediante
simples exame de tipagem sanguínea para, após, ser diagnosticada
definitivamente por meio de marcadores genéticos (exame de DNA).
Tais avanços científicos aliados ao tratamento
igualitário conferido aos filhos, independentemente de serem frutos ou não do
casamento, desencadearam uma verdadeira corrida ao Poder Judiciário de pessoas
em busca de esclarecimento quanto a sua ascendência biológica (direito da
identidade).
Contudo, o episódio gerou conseqüências
paradoxais, como aponta o Prof°. Paulo Luiz Netto Lôbo, pois “uma coisa é
vindicar a origem genética, outra a paternidade. A paternidade deriva do estado
de filiação, independentemente da origem biológica” (Direito ao estado de
filiação e direito à origem genética. p. 153). Por tais razões, atualmente se
mostra comum filhos biológicos pleitearem judicialmente reparação por danos
morais, fundados na ausência de laços de afetividade em suas relações com os
respectivos genitores, cujo vínculo se lastreia no pagamento mensal da verba
alimentar (tese do abandono afetivo, acatada pelo Tribunal de
Justiça de Minas Gerais e, posteriormente, afastada por entendimento
majoritário do STJ).
Nesse aspecto, a doutrina vem concebendo a
filiação como “um conceito relacional: é a relação de parentesco que se
estabelece entre duas pessoas e que atribui reciprocamente direitos e deveres”
(Idem, 135). Em outras palavras, “a paternidade se faz, o vínculo da
paternidade não é apenas um dado, tem a natureza de se deixar construir. Essa
realidade corresponde ao que se costuma chamar de posse do estado de filho (ou
paternidade socioafetiva ou filiação social ou filiação psicológica). A noção
de posse do estado de filho não se estabelece com o nascimento, mas num ato de
vontade, que se sedimenta no terreno da afetividade, colocando em xeque tanto a
verdade jurídica, quanto a certeza científica no estabelecimento da filiação”
(FACHIN, Luiz Edson. A tríplice paternidade dos filhos imaginários. p. 172).
Destarte, a consolidação do conceito de
família pelo texto constitucional de 1988 como um grupo de afetividade e
companheirismo, imprimiu considerável reforço ao esvaziamento biológico do
vínculo parental, de modo que toda paternidade é necessariamente socioafetiva ,
podendo ter origem genética ou não-genética . Para a Profª. Maria Berenice
Dias, “a paternidade socioafetiva é gênero, do qual são espécies a paternidade
biológica e não-biológica.” (Manual do direito das famílias. p. 320).
Isso posto, compreende-se paternidade
socioafetiva como o vínculo paterno-filial, independentemente de origem
biológica, construído ao longo do tempo e pautado em laços de afeto e outros
sentimentos igualmente nobres (zelo, amor, confiança e dedicação). Para sua
caracterização, a doutrina exige a presença de três elementos: (i) nominatio: a
utilização do nome da família, o que faz supor a existência do laço de
filiação; (ii) tractatus: o tratamento dispensado ao filho, que é criado,
educado e apresentado como tal; (iii) reputatio: a imagem social, ou seja,
fatos exteriores que revelam uma relação de paternidade com notoriedade, como
bem resume Jorge Bernardo Ramos Boeira:
“Entendemos que posse de estado de filho é uma
relação afetiva, íntima e duradoura, caracterizada pela reputação frente a
terceiros como se filho fosse, e pelo tratamento existente na relação
paterno-filial, em que há o chamamento de filho e a aceitação do chamamento de
pai”. (Investigação de Paternidade: posse de estado de filho: paternidade
socioafetiva. p. 60.).
A legislação brasileira ainda não contempla,
de forma expressa, o estado de posse de filho como situação que permita o
reconhecimento de filiação. Entretanto, por meio de uma interpretação
sistemática e extensiva, é possível incluir a paternidade socioafetiva na
expressão “outra origem” dispensada pelo art. 1.593 do CC: “O parentesco é
natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem”.
Todavia, apesar da lacuna legal, a
jurisprudência vem reconhecendo em reiteradas decisões a existência da
paternidade socioafetiva nas hipóteses de adoção à brasileira, como se
vislumbra dos seguintes julgados:
NEGATÓRIA DE PATERNIDADE - ‘ADOÇÃO À
BRASILEIRA’ - CONFRONTO ENTRE A VERDADE BIOLÓGICA E A SÓCIO-AFETIVA - TUTELA DA
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA - PROCEDÊNCIA - DECISÃO REFORMADA - 1. A ação
negatória de paternidade é imprescritível, na esteira do entendimento
consagrado na Súmula nº 149/STF, já que a demanda versa sobre o estado da
pessoa, que é emanação do direito da personalidade. 2. No confronto entre a
verdade biológica, atestada em exame de DNA, e a verdade sócio-afetiva,
decorrente da denominada ‘adoção à brasileira’ (isto é, da situação de um casal
ter registrado, com outro nome, menor, como se deles filho fosse) e que perdura
por quase quarenta anos, há de prevalecer a situação que melhor tutele a
dignidade da pessoa humana. 3. A paternidade sócio-afetiva, estando baseada na
tendência de personificação do direito civil, vê a família como instrumento de
realização do ser humano; aniquilar a pessoa, apagando-lhe todo o histórico de
vida e condição social, em razão de aspectos formais inerentes à irregular
‘adoção à brasileira’, não tutelaria a dignidade humana, nem faria justiça ao
caso concreto, mas, ao contrário, por critérios meramente formais,
proteger-se-ia as artimanhas, os ilícitos e as negligências utilizadas em
benefício do próprio apelado. (TJPR. Apelação Cível 108.417-9 - 2ª C. Civ. -
Rel. Des. Accácio Cambi - J. 12.12.2001.)
APELAÇÃO. ADOÇÃO. Estando a criança no
convívio do casal adotante há mais de 4 anos, já tendo com eles desenvolvido
vínculos afetivos e sociais, é inconcebível retira-la da guarda daqueles que
reconhece como pais, mormente, quando a mãe biológica demonstrou interesse em
dá-la em adoção, depois se arrependendo. Evidenciado que o vínculo afetivo da
menor, a esta altura da vida encontra-se bem definido na pessoa dos apelados,
deve-se prestigiar, como reiteradamente temos decidido neste colegiado, a
PATERNIDADE SOCIOAFETIVA, sobre a paternidade biológica, sempre que, no
conflito entre ambas, assim apontar o superior interesse da criança. Negaram
Provimento. (Apelação Cível nº 000190039. Sétima Câmara Cível. Tribunal de
Justiça do RS. Relator: Des. Luiz Felipe Brasil Santos. Julgado em 02/05/2001.)
Da mesma forma, possível também, desde que
formado o vínculo paterno-filial, a percepção de alimentos pelo infante, quando
rompida a convivência (ex. separação dos pais), pois uma vez estabelecido o
vínculo de parentalidade este não pode mais ser desconstituído.
Tormentosa questão no que pertine à
possibilidade de percepção de pensão alimentícia quando presentes diversos
vínculos de afetividade, tais como pai biológico e companheiro materno. Nessa
hipótese, a doutrina se divide. Parte acredita que, por força da primazia dos
interesses do infante, o filho poderá pleitear de qualquer um deles a pensão
alimentícia, mormente quando um ostente melhores condições financeiras que o
outro. Outra corrente, no entanto, aduz que, diante da manutenção dos laços de
afetividade pelo genitor, este deverá suportar o encargo, pois também pai na
acepção afetiva do termo.
59. SERVIÇOS PÚBLICOS E PRIVATIZAÇÃO –
ORGANIZAÇÕES SOCIAIS (OS) E ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL DE INTERESSE
PÚBLICO (OSCIP)
A noção de privatização logo de início traz à
tona a idéia de alienação de bens públicos utilizados pelo Estado na exploração
da atividade econômica, notadamente de empresas públicas. Pode-se arrolar
exemplos notáveis, tais como ocorreu com empresas dos ramos de siderurgia, mineração,
aviação e telefonia, dentre outros.
Justificou-se a transferência das atividades
supracitadas à iniciativa privada pela necessidade de redução do Estado,
mormente diante da orientação constitucional no sentido de que a exploração da
atividade econômica de sua parte só será permitida quando necessária aos
imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo (art. 173,
caput). Suas atenções deveriam voltar-se exclusivamente à prestação de serviços
públicos, cuja qualidade dependeria da redução do leque de atuação do Estado.
Dado esse primeiro passo, tem-se observado, na
seqüência, um avanço nesse processo e que, agora, vem resultando na
transferência de misteres públicos à iniciativa privada. Serviços públicos por
excelência, tais como prestações na área de saúde e educação, v.g., conquanto
não serem de execução exclusiva do Estado (CF, arts. 199, 209), não mais vêm
sendo explorados apenas por empresas privadas no âmbito do mercado, mas também
por novas figuras jurídicas com criação viabilizada pela chamada “reforma
administrativa”. Nesse novo contexto, ganha destaque a atuação das Organizações
Sociais – OS e das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público –
OSCIP.
A figura da OS foi criada pela Lei 9.637/1998,
que dispõe, também, sobre o Programa Nacional de Publicização. Nos termos de
seu art. 1o, são organizações sociais as pessoas jurídicas de direito privado
sem fins lucrativos assim qualificadas pelo Poder Executivo, cujas atividades
sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento
tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde,
atendidos aos requisitos previstos na Lei. Note-se que as áreas de atuação
dessas entidades coincide com muitas das atribuições do Poder Público, que passou
a contar, agora, com novos parceiros na iniciativa privada.
O Poder Público e as OS celebram “contrato de
gestão” (elaborado de comum acordo – art. 6o) visando ao fomento e à execução
das atividades relativas às áreas supracitadas (art. 5o). A cargo do primeiro
fica o fornecimento de condições necessárias à execução da avença, tais como o
repasse de recursos orçamentários e bens públicos (art. 12), inclusive de
pessoal (art. 14); compete às segundas, por sua vez, cumprir rigorosamente as
metas e os prazos (submetidas a fiscalização do Poder Público – arts. 7o e 8o),
sob pena de desqualificação como OS (art. 16).
As OS são integrantes do contexto do chamado
Plano Nacional de Publicização – PNP, que tem por objetivo expresso estabelecer
diretrizes e critérios para a qualificação de pessoas jurídicas de direito
privado como OS a fim de assegurar a absorção de atividades desenvolvidas por
entidades ou órgãos públicos da União que atuem nas atividades citadas alhures
(art. 20).
No entanto, o novo sistema vem sendo alvo de
críticas.
Alegam-se flagrantes inconstitucionalidades em
diversos pontos do relacionamento do ente público com o privado. É o que ocorre
com a ausência de licitação na escolha das próprias OS que celebrariam o
contrato de gestão; com a permissão de uso de bens públicos também prescindindo
de concorrência, além da cessão de recursos humanos à expensas do erário.
No que se refere às OSCIP o quadro se
apresenta de maneira um pouco diversa.
Previstas na Lei 9.790/1999, a primeira
diferença encontra-se nos objetivos sociais das pessoas jurídicas postulantes
da condição de OSCIP, cujo rol apresenta-se de maneira mais abrangente, a saber
(art. 3o): I - promoção da assistência social; II - promoção da cultura, defesa
e conservação do patrimônio histórico e artístico; III - promoção gratuita da
educação, observando-se a forma complementar de participação das organizações
de que trata esta Lei; IV - promoção gratuita da saúde, observando-se a forma
complementar de participação das organizações de que trata esta Lei; V -
promoção da segurança alimentar e nutricional; VI - defesa, preservação e
conservação do meio ambiente e promoção do desenvolvimento sustentável; VII -
promoção do voluntariado; VIII - promoção do desenvolvimento econômico e social
e combate à pobreza; IX - experimentação, não lucrativa, de novos
modelos sócio-produtivos e de sistemas alternativos de produção, comércio,
emprego e crédito; X - promoção de direitos estabelecidos, construção de novos
direitos e assessoria jurídica gratuita de interesse suplementar; XI - promoção
da ética, da paz, da cidadania, dos direitos humanos, da democracia e de outros
valores universais; XII - estudos e pesquisas, desenvolvimento de tecnologias
alternativas, produção e divulgação de informações e conhecimentos técnicos e
científicos que digam respeito às atividades mencionadas neste artigo. No
entanto, a exemplo do que ocorre no caso das OS, tais entidades não devem ter
fins lucrativos.
Existe, ainda, vedação expressa a algumas
espécies de pessoas jurídicas no que tange ao reconhecimento da qualidade de
OSCIP, dispostas em seu art. 2o, tais como sociedades comerciais, sindicatos,
instituições religiosas e organizações partidárias.
Diferem também na composição do quadro
diretivo na medida em que o Poder Público tem participação no das OS (art. 3o),
o que não ocorre no caso das OSCIP.
As OSCIP firmam “termo de parceria” com o
poder público, instrumento que, a exemplo do contrato de gestão celebrado com
as OS, estipulam metas e prazos para a consecução dos objetivos, e são
submetidos a fiscalização do Poder Público. Esse, por sua vez, deparando-se com
irregularidades na execução do contrato, deve levá-las ao conhecimento do
Tribunal de Contas e do Ministério Público para a tomada das providências cabíveis
(art. 12).
A perda da qualidade de OSCIP dá-se mediante
decisão proferida em processo administrativo ou judicial, de iniciativa popular
ou do Ministério Público, assegurados o contraditório e a ampla defesa (art. 7
o).
Diante dessa sucinta análise, observa-se um
verdadeiro processo de terceirização de atribuições estatais.
Se, por um lado, cria-se condições para que a
sociedade civil assuma compromissos na execução de projetos de interesse de
todos (contrapondo-se à velha noção de que tudo cabe ao Estado), por outro não
se pode ignorar os reflexos ou inconvenientes jurídicos de tamanha ousadia,
muito menos a ocorrência de abusos e desvios inerentes à relação de
promiscuidade entre o público e o privado. Talvez um aperfeiçoamento
legislativo na matéria, principalmente em termos de rigores de fiscalização,
poderia contribuir definitivamente para a viabilidade da
experiência.
60. SÚMULA VICULANTE
Com o objetivo de restringir o acesso do
jurisdicionado às instâncias superiores, cujo volume de trabalho já
ultrapassava, em muito, a própria capacidade laboral das Cortes, em especial,
do Supremo Tribunal Federal, a Emenda Constitucional n° 45/04, que implementou
a chamada “reforma do Poder Judiciário”, criou a possibilidade de edição de
súmulas vinculantes.
Inicialmente, importante ponderar que a idéia
de um enunciado de efeitos normativos não é recente, tendo sua primeira
proposta sido formulada em 1946, sendo seguida por outras inúmeras tentativas
de inclusão deste instrumento vinculativo, as quais quedaram infrutíferas.
Contudo, diante de um panorama de inequívoca
insegurança jurídica, face à prolação de decisões divergentes pelos diversos
órgãos jurisdicionais da federação, bem como de um quadro de ineficiência do
Poder Judiciário na prestação célere e adequada da atividade jurisdicional, o
constituinte derivado entendeu por bem conferir efeito vinculante a
determinadas decisões emanadas pela Corte Suprema pátria e assim o fez nos
seguintes termos:
Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá,
de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros,
após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a
partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação
aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e
indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua
revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.
Por sua vez, o legislador infraconstitucional,
a fim de dar imediata aplicabilidade à norma, regulamentou a matéria por meio
da Lei n° 11.417/06, trazendo alguns acréscimos ao texto constitucional: (i) a
ampliação do rol de legitimados para propor a edição, revisão e cancelamento de
enunciados; (ii) a possibilidade de intervenção de terceiros (amicus curae) por
decisão irrecorrível, (iii) a faculdade de modulação dos efeitos da súmula,
condicionada à decisão de 2/3 dos membros; (iv) a imposição do esgotamento da
via administrativa como condição prévia ao manejo de reclamação (cuja
constitucionalidade é discutível, diante do princípio da inafastabilidade e da
expressa dicção do art. 103-A, §3°, da CF/88).
No tocante ao procedimento de edição, revisão
e cancelamento das súmulas, o texto constitucional é expresso ao determinar que
apenas o Supremo Tribunal Federal possui tal competência, podendo agir por
iniciativa própria (ex officio) ou mediante provocação de outros entes:
legitimados para propositura de ADI (I - o Presidente da República; II - a Mesa
do Senado Federal; III - a Mesa da Câmara dos Deputados; IV - a Mesa de
Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; V - o
Governador de Estado ou do Distrito Federal; VI - o Procurador-Geral da
República; VII - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; VIII -
partido político com representação no Congresso Nacional; IX - confederação
sindical ou entidade de classe de âmbito nacional), além do Defensor Público-Geral
da União e dos Tribunais Superiores, Tribunais Regionais Federais, Tribunais de
Justiça, Tribunais Regionais do Trabalho, Tribunais Regionais Eleitorais e
Tribunais Militares (art. 3°, incisos VI e XI, da Lei 11.417/06).
Elaborada a proposta de enunciado, o relator
irá submetê-la, após a oitiva de terceiros, se conveniente (amicus curae), à
apreciação e votação em sessão plenária, na qual serão obrigatoriamente
observados os seguintes pressupostos de ordem cumulativa: a) existência de
decisões reiteradas sobre a matéria em apreço prolatadas pelo Supremo Tribunal
Federal, isto é, questões de índole eminentemente constitucional já submetidas
por vezes ao crivo da Corte; b) a aprovação por maioria qualificada (2/3 dos
membros, equivalente a 8 ministros).
O primeiro requisito guarda estrita relação
com os objetivos da súmula, que visa a reduzir a multiplicação de processos
sobre questão idêntica no âmbito do Pretório Excelso.
Nesse aspecto, muitos doutrinadores apontam
como salutar a inserção deste novo mecanismo de aferição de
constitucionalidade, implicando uma verdadeira mudança no perfil do Supremo
Tribunal Federal, porquanto suplanta definitivamente a feição, que por muitos
juristas lhe foi atribuída, de última instância recursal, bem como reconduz a
Corte ao seu legítimo papel de guardiã do texto constitucional, dedicando-se
“somente às matérias de interesse geral, que transcendam o mero interesse
individual das partes, e cuja decisão, por ser de interesse da sociedade, sirva
de direcionamento a todos os órgãos judiciais e administrativos” (MORAES,
Alexandre de. Direito Constitucional, p. 542).
Contudo, apesar do intento, grandes debates
(inclusive no MP/SC) estão sendo fomentados diante da edição dos últimos
verbetes vinculantes pelo STF (a exemplo da súmula de n° 14, que permite ao
advogado livre acesso a quaisquer procedimentos judiciais ou administrativos,
ainda que definidos como sigilosos, se necessários à promoção da defesa de seu
cliente). Isso porque parte da doutrina sustenta que tal enunciado não fora
objeto de prévia análise pela Corte em casos análogos, havendo, portanto,
flagrante ofensa ao pressuposto de edição do enunciado mencionado e, por
conseguinte, ao seu objetivo, faz saber: dirimir controvérsia atual entre
órgãos judiciários ou entre esses e a Administração Pública que acarrete grave
insegurança jurídica.
A despeito das críticas, vale lembrar que a
súmula apenas terá caráter vinculante e eficácia imediata (se outro efeito não
lhe for conferido por maioria qualificada dos ministros – 2/3 – a teor do art.
4° da Lei 11.417/06), a partir de sua publicação em órgão de imprensa oficial,
uma vez que, por ato normativo que é, necessita de ampla publicidade a fim de
que seus destinatários (órgãos judiciários e Administração Pública) observem
fielmente seu conteúdo.
Face ao efeito vinculativo da súmula, a
autoridade judicial ou administrativa não poderá se escusar de aplicá-la ao
caso concreto. Caso o faça, é assegurado a qualquer dos legitimados o manejo de
reclamação ao próprio Supremo Tribunal Federal, o qual, julgando-a procedente,
anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e
determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme
o caso (art. 103-A, § 3°, da CF/88).
Convém notar, no entanto, que a súmula
vinculante não tem o condão de eliminar o poder de livre convicção e
independência do magistrado, de forma que, constatando não ter o fato
semelhança com o objeto do enunciado, poderá afastá-la motivadamente,
inexistindo, por isso, usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal e
violação à garantia da autoridade de suas decisões.
No que pertine aos verbetes anteriores à
edição da EC 45/04, esses permanecem como meras orientações sintetizadoras do
entendimento do tribunal sobre determinada questão dirigidas aos demais órgãos
públicos e, assim, despidas de observância obrigatória, pelo menos até que
sejam confirmadas pelo quórum qualificado (2/3) de seus integrantes e
publicadas na imprensa oficial (art. 8° da EC 45/04).
Destarte, ultrapassada sua finalidade
inaugural de política de contenção à jurisdição do STF, escopo imediato da
reforma, bem assim a limitação do livre convencimento do magistrado, a
positivação deste sistema de vinculação das súmulas veio a primar, sobretudo,
pela segurança jurídica e efetividade processual, uma vez que “dessa forma, a
Suprema Corte será reconduzida à sua verdadeira função, que é a de zelar pelo
direito objetivo – sua eficácia, sua inteireza e uniformidade de sua
interpretação – na medida em que os temas trazidos à discussão tenham
relevância para a Nação” (MEDIDA, José Miguel Garcia; WAMBIER, Luiz Rodrigues e
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Repercussão geral e súmula vinculante. Reforma da
Judiciário. p. 374.).
61. A PROVA ILEGAL NO PROCESSO PENAL.
Autor: Rodolpho Figueiredo
Saraiva.
Disponível em http://www.lfg.com.br. 14 de
novembro de 2008 (texto adaptado).
Vigora no processo penal a regra da liberdade
dos meios de prova (artigo 155 de parágrafo único do Código de Processo Penal),
com algumas exceções legalmente previstas, dentre as quais destaca-se a
proibição das provas obtidas por meios ilegais (art. 5º LVI da CF).
A vedação abrange tanto as provas ilícitas, ou
seja, obtidas com violação de regra de direito material; como as provas
ilegítimas, obtidas com violação de regra de direito processual.
Todas as provas que derivem das ilícitas
padecem do mesmo vício, conforme prevê a primeira parte do parágrafo primeiro
do artigo 157 do CPP, que adotou a teoria dos frutos da árvore envenenada,
oriunda do direito norte-americano.
Contudo, não será considerada ilegal por
derivação a que for obtida por fonte independente ou cuja descoberta era
inevitável.
Por fonte independente entende-se aquela prova
que foi obtida autonomamente, não havendo qualquer nexo entre ela e a prova
ilegal.
Por descoberta inevitável, entende-se a
situação em que se demonstra, por probabilidade, que os elementos colhidos a
partir da prova ilegal poderiam perfeitamente serem obtidos a partir de outro
meio. Ou seja, seriam obtidos ainda que não houvesse a prova ilegal.
Nessas duas hipóteses, como se vê, a relação
de causalidade não existe, de modo que não há que se falar em contaminação.
A "EXCEÇÃO DA EXCEÇÃO": A
ADMISSIBILIDADE DE PROVAS ILEGAIS NO PROCESSO PENAL
A vedação às provas ilegais no processo penal
não é absoluta, havendo mitigações apontadas pela doutrina e jurisprudência
mais recentes, mediante aplicação do princípio da proporcionalidade.
Pela teoria dos direitos fundamentais, sabe-se
que não há direito absoluto, e sempre que houver colisão entre direitos, é
necessária a ponderação de bens e valores, conferindo-se maior peso àqueles que
possuírem maior importância, de acordo com as circunstâncias do caso
concreto.
Logo, a vedação do artigo 5º LVI da CF pode
ser afastada quando houver outro bem de maior importância em jogo, tal qual o
estado de inocência do acusado, e sua ampla defesa.
Já é pacífica a possibilidade de réu valer-se
de gravação ou correspondência, obtidas ilicitamente, com o fim de provar sua
inocência. Nesse caso, a proporcionalidade incide por determinação específica
do legislador, que previu causas excludentes de ilicitude, no artigo 23 do
Código Penal, tais como o estado de necessidade e a legítima defesa.
Contra o réu, a questão tem sido mais
polêmica.
Há uma parcela da doutrina que admite a
utilização de prova ilícita contra o réu, ou seja, pro societate, em casos de
grandes reflexos, tais como crimes que representem extremo risco ao corpo
social, mormente crime organizado. Nesse caso o interesse público
preponderaria. Esse entendimento, contudo, não tem prevalecido, diante dos
primados do Estado democrático de direito.
O que se admite é exclusão de ilicitude,
quando a vítima de um crime, defendendo-se de uma injusta agressão, obtém
gravações ou documentos que incriminem o autor do delito (seqüestro ou extorsão
por exemplo). Nesse caso, pode-se dizer que os direitos e garantias individuais
não podem servir de escudo para prática de atos ilícitos, de modo que o
criminoso não poderia se socorrer da proteção dos sigilos constitucionais.
Assim, a prova de acusação seria admitida, por se tratar de reação
justificada.
Situação excepcional julgada pelo Supremo
Tribunal Federal, na Reclamação 2040/DF, foi a admissão de exame de DNA
realizado com placenta da gestante (uma artista mexicana), sem sua autorização,
para instruir processo criminal de estupro, crime do qual tinha sido vítima.
Considerou legal a prova, eis que não houve qualquer lesão à integridade física
da vítima ou de algum dos acusados.
Do mesmo modo, conforme descreve Eugenio
Pacelli, em seu curso de Processo Penal (Editora Lumen Iuris, edição 2007),
quem está em flagrante de delito não pode invocar proteção constitucionais para
não ser incriminado com filmagens ou gravações ambientais.
O ENCONTRO FORTUITO E ILEGALIDADE
Convém ainda ressalvar que são legais as
provas encontradas no cumprimento normal de uma diligência (busca e apreensão
ou interceptação telefônica, por exemplo), desde que não tenha havido qualquer
desvio de finalidade.
Essas podem perfeitamente ser utilizadas no
processo e, no caso da interceptação telefônica, se tiverem conexão com objeto
da investigação. Caso não tenham, servirão como notícia para instauração de
outro procedimento investigativo.
Portanto, as provas decorrentes da
extrapolação dos poderes conferidos pelo mandado judicial são ilegais.
CONSEQÜÊNCIAS DA PROVA ILEGAL NO PROCESSO
PENAL
Se a prova ilícita foi obtida no inquérito,
deve ser arquivado pelo promotor, caso não hajam outras provas que sirvam de
justa causa ao oferecimento da denúncia.
Durante o processo, cabe ao juiz indeferir
pedido de produção de prova ilegal, ou determinar desentranhamento do processo,
caso já conste dos autos, conforme dispõe o caput do artigo 157 do CPP.
Após julgamento, resta a via recursal para
anulá-lo, caso a prova ilegal tenha sido determinante à fundamentação do órgão
jurisdicional. Em se tratando de tribunal do Júri, em que vigora a íntima convicção,
não se poderá medir a influência da prova ilegal na decisão dos jurados, razão
pela qual, em qual caso o julgamento deverá ser anulado.
CONCLUSÃO
Diante do exposto, podemos apresentar as
seguintes conclusões:
1) Em regra são admitidos todos meios de prova
em Processo Penal, ressalvadas exceções legais, tais como a prova ilegal.
2) A prova ilegal é gênero que compreende a
prova ilícita e a prova ilegítima.
3) A prova derivada da ilegal é inadmitida
porque sofre contaminação. Contudo, as provas que não tenham nexo com a
ilícita, seja porque provavelmente seriam obtidas por outros meios lícitos,
seja por decorrerem de fonte independente, são válidas.
4) A prova ilícita pode ser admitida no
processo penal por meio da aplicação do princípio da proporcionalidade, quando,
no caso concreto, existirem direitos e valores em jogo mais relevantes que
justifiquem, tais como o estado de inocência do acusado, a ampla defesa, e o
direito de a vítima se defender de injusta agressão.
5) É ilegal toda prova produzida a partir de
violação de direito fundamental, sem que haja justificativa razoável.
6) É ilegal a prova produzida em razão de
desvio dos poderes conferidos por mandado judicial, na realização de
diligências.
7) A prova ilegal deve ser desentranhada do processo,
e caso tenha sido determinante para o julgamento, implicará na nulidade da
decisão.
62. RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA
MATERIAL.
Uma análise sobre o conflito entre a segurança
jurídica e a justiça das decisões
Carla Blanco Rendeiro Martins.
Disponível em http://www.lfg.com.br. 20 de
novembro de 2008 (texto adaptado).
A denominada relativização da coisa julgada
material é um tema bastante polêmico, que voltou ao centro das discussões com o
advento da Lei nº 11.232, de 22 de dezembro de 2005, responsável por várias
alterações no Código de Processo Civil Brasileiro, entre elas a previsão
contida no § 1º do art. 475-L.
O citado dispositivo preceitua, em síntese,
que será inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo
inconstitucionais, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou ato
normativo tidas como incompatíveis com a Constituição Federal.
Outros casos que geraram recentes discussões
sobre a necessidade de se repensar o instituto estão relacionados à
investigação de paternidade julgada improcedente em época que não havia exame
de DNA, assim como a desapropriação de imóvel com avaliação supervalorizada.
A partir de então, os estudiosos do Direito
voltaram a debater o tema da relativização ou, como alguns preferem, desconsideração
da coisa julgada material, surgindo decisões judiciais nesse sentido. Contudo,
até o momento, não há posição pacificada sobre o assunto.
COISA JULGADA
A Constituição Federal, em seu artigo 5º,
inciso XXXVI, determina que a lei não prejudicará a coisa julgada.
O artigo 467 do Código de Processo Civil
Brasileiro define a coisa julgada material como "a eficácia, que torna
imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou
extraordinário".
Diz-se que após reconhecida a coisa julgada
material a decisão judicial (sua parte dispositiva, como ordena o CPC) torna-se
firme, imutável e irrecorrível, assentada no ordenamento jurídico.
Embora exista um mito em torno da
imutabilidade garantida às decisões judiciais, quando atingidas pela coisa
julgada material (alguns falam até em santificação do instituto), a lei
brasileira, por exemplo, prevê as hipóteses de desconstituir a decisão
definitivamente julgada, por meio da ação rescisória, a qual possui um prazo
peremptório de 2 anos, a contar do trânsito em julgado.
SEGURANÇA JURÍDICA X JUSTIÇA DAS DECISÕES
As reformas recentes ocorridas no direito
processual brasileiro foram realizadas no sentido de interpretá-lo – e
aplicá-lo, logicamente – à luz de comandos constitucionais.
Nesse contexto, diversos doutrinadores do
direito vêm levantando a tese da relativização da coisa julgada material, ou
seja, da possibilidade de desconstituir decisão já transitada em julgado,
depois de extrapolado o prazo para ajuizamento da ação rescisória, ou de ampliação
das hipóteses de cabimento desta ação, em nome de valores mais importantes que
a segurança jurídica.
Os seguidores de tal corrente buscam
fundamento em princípios como o da supremacia da Constituição, da dignidade da
pessoa humana, da proporcionalidade e da justiça das decisões.
A maioria dos doutrinadores, entretanto,
justifica a possibilidade de relativizar a coisa julgada na busca da efetivação
da justiça.
Assim, o debate em torno do tema envolve,
primordialmente, o confronto entre dois princípios: o da segurança jurídica e o
da decisão justa.
A imutabilidade conferida às sentenças pela
coisa julgada surgiu como um mecanismo, criado pelo sistema jurídico, para
finalizar as demandas levadas à apreciação do Estado-Juiz.
A segurança jurídica está também relacionada
com o princípio do devido processo legal. Fala-se, ainda, na proteção da
confiança, como subprincípio ou dimensão específica da segurança
jurídica.
Entre o justo absoluto, utópico, e o justo
possível, realizável, o sistema brasileiro, a exemplo do que ocorre na maioria
dos sistemas democráticos ocidentais, optou pelo segundo (justo possível), que
é consubstanciado na segurança jurídica da coisa julgada material
Assim, nesse entendimento, a decisão será
justa, uma justiça "possível" (tendo em vista as limitações do ser
humano) em uma relação jurídica.
O POSICIONAMENTO DOUTRINÁRIO
A análise do conteúdo doutrinário sobre o
tema, evidencia diferentes posições, favoráveis e contrárias, à relativização
da coisa julgada material.
Verifica-se que as discussões travadas entre
os estudiosos da matéria resumem-se à tentativa de estabelecer se o instituto,
criado pelo Estado com a função de garantir segurança jurídica e social, é
legítimo quando torna imodificável uma decisão considerada injusta (pois em desacordo
com a realidade fática ou com a ordem constitucional).
Tereza Arruda Alvim Wambier (2003) afirma que
a razão de ser da proteção constitucional da coisa julgada é a segurança
jurídica, mas entende que em determinadas situações esse princípio deveria ser
relativizado, em nome de outros, mais relevantes para aquele momento, como a
efetividade e a justiça da decisão.
A autora fala em desmistificação da coisa
julgada material e defende ser possível a desconsideração de uma decisão
transitada em julgado quando fundamentada em lei ou ato normativo que
posteriormente venham a ser declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal
Federal.
Para Cândido Rangel Dinamarco (2001) também é
possível se falar em desconsideração da coisa julgada material, com o objetivo
de proteção de outros princípios tais quais o da legalidade, da moralidade e da
justiça.
Nelson Nery Junior (2004) não aceita a teoria
da relativização da coisa julgada material, por entender ser incompatível com
um Estado Democrático de Direito e explica que tal tese serve como uma luva
para ser aplicada por regimes totalitários, como ocorreu na Alemanha, durante a
ditadura de Adolf Hitler.
Alerta que são falhas as alegações
apresentadas pela teoria favorável à relativização, quais sejam: a) a sentença
deve ser justa, pois se injusta não produz coisa julgada; b) a sentença deve
ser proferida segundo o resultado da prova, desse modo, caso os avanços
científicos e tecnológicos possibilitem a produção de nova prova, há que se
desconsiderar a coisa julgada para que nova decisão de mérito seja prolatada;
c) a coisa julgada é matéria objeto de lei ordinária (CPC) e, portanto, pode
sofrer alterações baseadas em comandos constitucionais e de outras leis
ordinárias.
Assevera o doutrinador que os referidos casos
são "exceções que não justificam a criação de regra para quebrar-se o
estado democrático de direito, fundamento constitucional da própria república
brasileira", complementando que causa mais impacto político a insegurança
geral advinda da relativização da coisa julgada, do que a obrigação de conviver
com decisões injustas ou inconstitucionais (idem)
José Carlos Barbosa Moreira (2007) assevera
ser incompatível com o ordenamento jurídico pátrio o "aumento da dose de
relativização" da coisa julgada material, pois observa que essa
relativização já é consagrada na legislação processual ao prever a ação rescisória.
O ilustre processualista concorda, porém, com
a possibilidade de rescisão da sentença proferida em ação de investigação de
paternidade na época em que não era usual o exame de DNA (entendendo este como
documento novo, hipótese prevista no inc. VII do art. 485 do CPC), assim como
daquela fundada em lei já declarada inconstitucional à época da prolação
(rescindida com base no inc. V).
Diante de todos esses posicionamentos fica
evidente que a dificuldade em chegar a uma solução para o tema encontra-se no
fato de os conceitos de segurança jurídica e justiça envolverem um alto grau de
carga valorativa, e também estarem relacionados com questões de política
judiciária.
63. A DEFESA DO CONSUMIDOR COMO ELEMENTO DE
FORTALECIMENTO DA CIDADANIA
O homem do século XXI (assim como o do século
XX) vive em função de um modelo novo de associativismo: a sociedade de consumo,
caracterizada por um número crescente de produtos e serviços, pelo domínio do
crédito e do marketing e também pelas dificuldades de acesso à justiça.
A sociedade de consumo, ao contrário do que se
imaginava, não trouxe apenas benefícios para os seus atores. Muito ao revés, em
certos casos, a posição do consumidor, dentro desse modelo, piorou ao invés de
melhorar. Se antes fornecedor e consumidor se encontravam em uma situação de
relativo equilíbrio de poder de barganha (até porque se conheciam), agora é o
fornecedor que, inegavelmente, assume posição de força na relação de consumo e,
portanto, “dita as regras”.
Por certo, a massificação dos contratos, que
passaram a ser pré-elaborados pelos fornecedores, a concentração da força
econômica e de capitais e os monopólios na sociedade de consumo originaram um
desequilíbrio bastante evidenciado nas relações contratuais, circunstância que
exigiu a interferência do Estado, por meio de uma ação protetora da parte mais
frágil dessas relações. Sim, pois, o mercado não apresenta em si mesmo
mecanismos eficientes para superar a vulnerabilidade do consumidor.
Percebeu-se a necessidade de tutelar os
direitos de titularidade indeterminada. Segundo observou Mauro Capelletti, em
sua obra “Acesso à justiça”, a segunda onda renovatória da ciência processual
civil alude à necessidade de coletivização do processo, outrora essencialmente
individualista. Observou-se, também, a imprescindibilidade de tutelar direitos
economicamente não tuteláveis do ponto de vista individual. E o Direito não
pode ficar alheio a tal fenômeno.
As providências reclamam, destarte, a
intervenção do Estado nas suas três esferas: o Poder Legislativo, formulando
normas jurídicas de consumo; o Poder Executivo, emprestando-lhes
exeqüibilidade; e o Poder Judiciário, dirimindo os conflitos decorrentes dos
esforços de formulação e de implementação.
Por ter a vulnerabilidade do consumidor
diversas causas, não pode o direito proteger a parte mais fraca da relação de
consumo somente no que atine a alguma ou mesmo algumas facetas do mercado. Não
se busca uma tutela manca do consumidor. Almeja-se uma proteção integral e
dinâmica. E, nesse ponto, a ordem jurídica pátria foi pródiga em sistematizar a
matéria.
A Constituição da República Federativa do
Brasil de 1988 não mediu esforços ao tratar do direito consumerista. Em seu
art. 5º, XXII, erigiu a defesa do consumidor à condição de direito fundamental.
No art. 170, V, por sua vez, elencou-a como princípio da ordem econômica. Não
bastasse, a dicção do art. 48 do ADCT acometeu ao legislador
infraconstitucional a missão de elaborar um Código de Defesa do
Consumidor.
A Lei 8.078/90, por sua vez, remodelou o
sistema jurídico então vigente. Conceituou e distinguiu os interesses difusos,
coletivos e individuais homogêneos. Delimitou os lindes de aplicação das suas
disposições protetivas, a partir da sistematização dos atores da relação de
consumo: fornecedor e consumidor.
Previu sistemas diferenciados de
responsabilização e prazos alargados para insurgir-se contra eventuais vícios
do produto e do serviço. A par disso, apontou a necessidade de se criar uma
estrutura de atendimento ao consumidor, mediante a implantação de delegacias
especializadas, promotorias de justiça com atribuição específica na área e a
manutenção de assistência jurídica, integral e gratuita, para o consumidor
carente. Incentivou-se a criação de associações de defesa do consumidor e de
varas especializadas para a solução dos litígios de consumo.
No que diz respeito aos mecanismos de proteção
dos interesses nele encartados, o Código de Defesa do Consumidor promoveu a
revisão do tradicional princípio da legitimidade do exercício de pretensões e
ações judiciais.
Dois caminhos abriram-se, desde logo, à
exploração dos criadores do Direito: a ampliação da competência dos agentes
estatais, notadamente do Ministério Público e do Poder Judiciário – a quem foi
incumbido o dever de conceder a tutela específica da obrigação, de modo a
atingir o resultado prático equivalente -, e a introdução ou o alargamento do
princípio da defesa privada do interesse público.
O diploma protetivo ampliou as noções de
legitimidade ativa por substituição processual introduzidas pela Lei 7.347/85,
ao admitir que o requisito da pré-constituição das associações civis possa ser
dispensado pelo juiz (art. 82, § 1º).
Não bastasse, a Lei 8.078/90 fez cair por
terra do império indiscutível da autonomia da vontade no âmbito contratual,
partindo da premissa de que só há autonomia plena quando os contratantes
encontram-se em patamar de igualdade na relação. Introduziram-se os princípios
da boa-fé objetiva, da informação, da transparência e da harmonização dos
interesses dos participantes da relação de consumo como o fio condutor dos
contratos.
Munido dos instrumentos e mecanismos criados
pelo Código de Defesa do Consumidor, o consumidor conscientizou-se do papel
fundamental que possui na sociedade contemporânea. Criou-se, enfim, uma nova
faceta do que se entende por cidadania.
Constatou-se, ademais, que cidadania se
constrói sob dois pilares fundamentais: informação e instrumentos de atuação.
Em outras palavras, a partir das modificações introduzidas pelo Código de
Defesa do Consumidor, foi possível perceber que cidadão, na acepção mais pura
da palavra, não é simplesmente o detentor de direitos políticos, mas,
sobretudo, aquele que possui mecanismos para intervir na vontade política do
Estado e atuar de forma plena no âmbito das relações de direito privado.
Fonte: GRINOVER, Ada Pelegrini. et. al. Código
de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 7. ed. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2001.
64. A REVISÃO JURISPRUDÊNCIAL DO STJ SOBRE O
ALCANCE OBJETIVO E SUBJETIVO DOS EFEITOS DA SENTENÇA COLETIVA
O art. 16 da LACP (Lei 7.347/85), modificado
pela Lei 9.494/97 dispõe que:
"Art. 16. A sentença civil fará coisa
julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator,
exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas,
hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico
fundamento, valendo-se de nova prova."
A redação do referido dispositivo sempre foi
alvo de duras críticas por parte da doutrina, a qual dizia ser o artigo
inconstitucional e ineficaz. Fredie Didier Jr e Hermes Zaneti Jr formulam as
seguintes críticas em sua obra Curso de Direito Processual Civil – Processo
Coletivo. Vol 4, 2009:
1) a aplicação do artigo causa prejuízo a
economia processual e fomento ao conflito lógico e prático de julgados.
2) o dispositivo representa ofensa aos
princípios da igualdade e do acesso à justiça, pois cria tratamento diferente
aos jurisdicionados em situação idêntica;
3) existe indivisibilidade ontológica do
objeto da tutela coletiva, ou seja, é da natureza dos direitos coletivos sua
não separatividade no crso da demanda, sendo legalmente indivisíveis;
4) há equivoco na técnica legislativa na
medida em que se confunde competência, como critério legislativo para
repartição da jurisdição, com a imperatividade decorrente do comando
jurisdicional, esta última elemento do conceito de jurisdição que é uma em todo
o território nacional;
5) há ineficácia da regra de competência em
si, vez que o legislador estabeleceu no art. 93 do CDC que a competência para
julgamento de causas de âmbito regional ou nacional é do juízo da capital dos
Estados ou no CF, ampliando, portanto, a “jurisdição do órgão prolator”.
Nada obstante, em que pese as inúmeras
críticas da doutrina, a jurisprudência majoritária, inclusive do STJ, mantinha
o entendimento no sentido de que a norma contida no art. 16 da LACP era válida
e eficaz. Neste sentido, colaciona-se o seguinte julgado de abril de 2011:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EFICÁCIA DA SENTENÇA.
LIMITES. JURISDIÇÃO DO ÓRGÃO PROLATOR.
1. A sentença proferida em ação civil pública
fará coisa julgada erga omnes nos limites da competência do órgão prolator da
decisão, nos termos do art. 16 da Lei 7.347/85, alterado pela Lei 9.494/97.
Precedentes. Agravo no recurso especial não provido. (AgRg no REsp 1105214 / DF
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL 2008/0250917-1
Relatora Ministra NANCY ANDRIGHI. Data do Julgamento 05/04/2011)
Ocorre que no julgamento do REsp Nº 1.243.887
– PR, de dezembro de 2011, a Corte Especial do STJ entendeu que as decisões
tomadas em ações civis públicas devem ter validade nacional, não tendo mais
suas execuções limitadas aos municípios onde foram proferidas, afastando,
assim, a incidência dos limites impostos pelo art. 16 da LACP.
O relator do caso foi o ministro Luis Felipe
Salomão e a decisão se deu em julgamento submetido ao rito dos recursos
repetitivos (543-C do CPC), fazendo com que o precedente gere efeitos em outros
processos que tenham a mesma causa de pedir em relação aos limites objetivos e
subjetivos das sentenças proferidas em processos coletivos.
Para o STJ, a liquidação e a execução
individual de sentença genérica proferida em ação civil coletiva podem ser
ajuizadas no foro do domicílio do beneficiário, porque os efeitos e a eficácia
da sentença não estão circunscritos a limites geográficos, mas aos limites objetivos
e subjetivos do que foi decidido, levando-se em conta a extensão do dano e a
qualidade dos interesses metaindividuais discutidos em juízo.
Segue a ementa do julgado que representa a
revisão do posicionamento do STJ sobre o tema:
DIREITO PROCESSUAL. RECURSO REPRESENTATIVO DE
CONTROVÉRSIA (ART. 543-C, CPC). DIREITOS METAINDIVIDUAIS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
APADECO X BANESTADO. EXPURGOS INFLACIONÁRIOS. EXECUÇÃO/LIQUIDAÇÃO INDIVIDUAL.
FORO COMPETENTE. ALCANCE OBJETIVO E SUBJETIVO DOS EFEITOS DA SENTENÇA COLETIVA.
LIMITAÇÃO TERRITORIAL. IMPROPRIEDADE. REVISÃO JURISPRUDENCIAL. LIMITAÇÃO AOS
ASSOCIADOS. INVIABILIDADE. OFENSA À COISA JULGADA.
1. Para efeitos do art. 543-C do CPC:
1.1. A liquidação e a execução individual de
sentença genérica proferida em ação civil coletiva pode ser ajuizada no foro do
domicílio do beneficiário, porquanto os efeitos e a eficácia da sentença não
estão circunscritos a lindes geográficos, mas aos limites objetivos e
subjetivos do que foi decidido, levando-se em conta, para tanto, sempre a
extensão do dano e a qualidade dos interesses metaindividuais postos em juízo
(arts. 468, 472 e 474, CPC e 93 e 103, CDC).
1.2. A sentença genérica proferida na ação civil
coletiva ajuizada pela Apadeco, que condenou o Banestado ao pagamento dos
chamados expurgos inflacionários sobre cadernetas de poupança, dispôs que seus
efeitos alcançariam todos os poupadores da instituição financeira do Estado do
Paraná. Por isso descabe a alteração do seu alcance em sede de
liquidação/execução individual, sob pena de vulneração da coisa julgada. Assim,
não se aplica ao caso a limitação contida no art. 2º-A, caput, da Lei n.
9.494/97.
2. Ressalva de fundamentação do Ministro Teori
Albino Zavascki.
3. Recurso especial parcialmente conhecido e
não provido. (REsp 1243887 / PR. Relator(a) Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO. Órgão
Julgador CE - CORTE ESPECIAL. Data do Julgamento 19/10/2011. Data da
Publicação/Fonte DJe 12/12/2011)
Ademais, transcreve-se os seguintes trechos do
voto do Ministro Relator:
“Com efeito, como ocorreu no caso dos autos,
pode o consumidor ajuizar a liquidação/execução individual de sentença
proferida em ação civil pública no foro do seu próprio domicílio, e não se há
falar em limites territoriais da coisa julgada, como argumenta o recorrente.
Aduz o recorrente, nesse ponto, que o alcance
territorial da coisa julgada se limita à comarca na qual tramitou a ação
coletiva, mercê do art. 16 da Lei das Ações Civis Públicas (Lei n.
7.347/85)
(…)
Tal interpretação, uma vez mais, esvazia a
utilidade prática da ação coletiva, mesmo porque, cuidando-se de dano de escala
nacional ou regional, a ação somente pode ser proposta na capital dos Estados
ou no Distrito Federal (art. 93, inciso II, CDC). Assim, a prosperar a tese do
recorrente, o efeito erga omnes próprio da sentença estaria restrito às
capitais, excluindo todos os demais potencialmente beneficiários da decisão.
A bem da verdade, o art. 16 da LACP baralha
conceitos heterogêneos - como coisa julgada e competência territorial - e induz
a interpretação, para os mais apressados, no sentido de que os
"efeitos" ou a "eficácia" da sentença podem ser limitados
territorialmente, quando se sabe, a mais não poder, que coisa julgada - a
despeito da atecnia do art. 467 do CPC - não é "efeito" ou
"eficácia" da sentença, mas qualidade que a ela se agrega de modo a
torná-la "imutável e indiscutível".
É certo também que a competência territorial
limita o exercício da jurisdição e não os efeitos ou a eficácia da sentença, os
quais, como é de conhecimento comum, correlacionam-se com os "limites da
lide e das questões decididas" (art. 468, CPC) e com as que o poderiam ter
sido (art. 474, CPC) - tantum judicatum, quantum disputatum vel disputari
debebat.
A apontada limitação territorial dos efeitos
da sentença não ocorre nem no processo singular, e também, como mais razão, não
pode ocorrer no processo coletivo, sob pena de desnaturação desse salutar
mecanismo de solução plural das lides.
(…)
A antiga jurisprudência do STJ, segundo a qual
"a eficácia erga omnes circunscreve-se aos limites da jurisdição do
tribunal competente para julgar o recurso ordinário" (REsp 293.407/SP,
Quarta Turma, confirmado nos EREsp. n. 293.407/SP, Corte Especial), em hora
mais que ansiada pela sociedade e pela comunidade jurídica, deve ser revista
para atender ao real e legítimo propósito das ações coletivas, que é viabilizar
um comando judicial célere e uniforme - em atenção à extensão do interesse metaindividual
objetivado na lide.
Caso contrário, "esse diferenciado regime
processual não se justificaria, nem seria eficaz, e o citado interesse acabaria
privado de tutela judicial em sua dimensão coletiva, reconvertido e pulverizado
em multifárias demandas individuais" (MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Op.
cit. p. 325), "atomizando" as lides na contramão do moderno processo
de "molecularização" das demanas.” (REsp 1243887 / PR. Relator(a)
Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO. Órgão Julgador CE - CORTE ESPECIAL. Data do
Julgamento 19/10/2011. Data da Publicação/Fonte DJe 12/12/2011).
65. A LEI MARIA DA PENHA E A ATIVIDADE DO MP
O tema a mim confiado foi “ A Lei Maria da
Penha e a Atividade do MP”.
Sem dúvida a Lei Maria da Penha (Lei
11.340/06) surgiu como um instrumento legal que criou mecanismos para coibir a
violência doméstica e familiar contra a mulher.
Mas o que se entende por violência doméstica e
familiar contra a mulher?
É qualquer ação ou omissão baseada no gênero
que lhe causa a morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano
moral ou patrimonial. Seja no âmbito da unidade doméstica; no âmbito da
família; e em qualquer relação íntima de afeto (art. 5º).
Neste contexto, o Ministério Público passou a
exercer papel de grande relevo, pois intervirá, quando não for parte, nas
causas cíveis e criminais decorrentes da violência doméstica e familiar contra
a mulher (art. 25).
A partir dos ditames da Lei 11.340, busca-se
desenvolver políticas públicas que visem coibir a violência doméstica e
familiar contra a mulher por meio de um conjunto articulado de ações dos Entes
Políticos e da Sociedade Civil, tendo com uma de suas diretrizes a integração
operacional do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública
com as áreas de segurança pública, assistência social, saúde, educação,
trabalho e habitação (art. 8, I).
Desde a entrada em vigor da Lei 11.340/06,
muito se debateu sobre a natureza jurídica da ação penal, se condicionada ou
não. Ou seja, pode a ação penal com base nessa lei ser proposta pelo Ministério
Público ou ter continuidade independente da vontade da vontade da vítima?
O art. 16 estabelece que: “Nas ações penais
públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só
será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência
especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e
ouvido o Ministério Público.
Apesar de, inicialmente, se ter considerado
dispensável a representação da vítima (nos crimes de lesões corporais leves) a
jurisprudência do STJ se firmou no sentido de que é imprescindível a
representação da vítima para propor ação penal nos casos de lesões corporais
leves decorrentes de violência doméstica.
Outro aspecto da Lei de grande relevância são
as medidas protetivas de urgência, cujo rol exemplificativo consta do art. 22
da Lei 11.340/06.
Tais medidas protetivas poderão ser concedidas
pelo juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida
(art.19). Entretanto, caso concedidas de imediato, independentemente de
audiência das partes e de manifestação do Ministério Público, deve o Ministério
Público ser prontamente comunicado (art. 19, § 1º).
Por outro lado, o juiz, a requerimento do
Ministério Público ou a pedido da ofendida, poderá conceder novas medidas
protetivas de urgência ou rever aquelas já concedidas, se entender necessário à
proteção da ofendida, de seus familiares e de seu patrimônio, ouvido o
Ministério Público (art. 19, § 3º).
Vale destacar que além das medidas protetivas
de urgência elencadas no art. 22, não impedem a aplicação de outras previstas
na legislação em vigor, sempre que a segurança da ofendida ou as circunstâncias
o exigirem, devendo a providência ser comunicada ao Ministério Público (art.
22, §1º)
Frise-se que em qualquer fase do inquérito
policial ou da instrução criminal, caberá a prisão preventiva do agressor,
decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante
representação da autoridade policial (art. 20).
Cabe ao Ministério Público, sem prejuízo de
outras atribuições, nos casos de violência doméstica e familiar contra a
mulher, quando necessário (art.26):
I - requisitar força policial e serviços
públicos de saúde, de educação, de assistência social e de segurança, entre
outros;
II - fiscalizar os estabelecimentos públicos e
particulares de atendimento à mulher em situação de violência doméstica e
familiar, e adotar, de imediato, as medidas administrativas ou judiciais
cabíveis no tocante a quaisquer irregularidades constatadas;
III - cadastrar os casos de violência
doméstica e familiar contra a mulher.
No aspecto da defesa dos interesses e direitos
transindividuais, previstos na lei 11.340/06, o Ministério Público também
possui papel destacado, nos termos do art. 37.
Por fim cabe registrar que o Ministério
Público de Santa Catarina desde 1º de abril de 2011 passou a contar com uma
Promotoria de Justiça especializada na área de Violência Doméstica e familiar
contra a Mulher, nos termos do art. 206/2011 do Colégio dos Procuradores de
Justiça.
Diante de todo o exposto, podemos asseverar
que o Ministério Público de Santa Catarina trata com prioridade os procedimentos
relativos a violência doméstica e familiar contra a mulher, principalmente no
que diz respeito à necessidade de medidas de proteção.
66. PRESSUPOSTOS PARA A DESCONSIDERAÇÃO DA
PERSONALIDADE JURÍDICA
A ordem jurídica incentiva a atividade comercial
e o desenvolvimento do mercado na medida em que permite a criação da pessoa
jurídica, que pode ser conceituada como uma entidade a que a lei empresta
personalidade, capacitando-a a ser sujeito de direitos e obrigações.
Dois fatores principais contribuem para a
constituição das pessoas jurídicas: 1) o fato delas possuírem existência
própria, distinta da dos seus membros; 2) a circunstância de o patrimônio da
sociedade e o de seus membros não se confundirem.
No entanto, tem-se que o princípio da autonomia
patrimonial e da separação subjetiva entre a pessoa física e jurídica, por
vezes, acaba por possibilitar o uso fraudulento, abusivo, da empresa, que passa
a ser utilizada como uma espécie de véu, de cortina de fumaça, capaz de
esconder a ilicitude de determinados atos e gerar a impunidade, a não
responsabilização de seus sócios.
Nessas hipóteses, nada mais justo do que se
atingir, de forma direta, o patrimônio dos sócios ou administradores que tenham
concorrido para a fraude ou para a frustração do pagamento aos credores.
Como exceção à autonomia patrimonial existente
entre a pessoa jurídica e as pessoas físicas que a compõem, portanto, há a
possibilidade de se efetuar a despersonalização ou desconsideração da pessoa
jurídica, a fim de que seja atingido o patrimônio dos seus sócios.
Essa medida não objetiva anular a
personalidade jurídica, e sim apenas desconsiderar no caso concreto, dentro dos
seus limites, a pessoa jurídica em relação às pessoas ou bens que atrás dela se
escondem. Por tal motivo, a doutrina sustenta que a denominação mais apropriada
para a teoria em foco é desconsideração da personalidade jurídica.
No Brasil, o Código de Defesa do Consumidor
(Lei n. 8.078/90) foi o pioneiro na implementação da teoria da desconsideração
da personalidade jurídica, sendo as regras por ele previstas copiadas e
estendidas a outras relações que não as de consumo, como por exemplo, às
infrações à ordem econômica (Lei n. 8.884/94) e às lesões ao meio ambiente (Lei
n. 9.605/98).
De acordo com o art. 28, caput, do Código de
Defesa do Consumidor, “O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da
sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso
de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou
contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver
falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica
provocados por má administração”.
O § 5º da mesma Lei dispõe que “Também poderá
ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de
alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos
consumidores”.
O primeiro pressuposto para a desconsideração,
portanto, conforme o art. 28 do CDC, é a ocorrência do abuso de direito. A
personalidade jurídica visa a uma finalidade social, de modo que, quando
determinado ato é praticado em desacordo com tal finalidade, causando prejuízos
a outrem, ele é considerado abusivo e, por conseguinte atentatório ao direito.
A segunda hipótese refere-se ao excesso de
poder, que consiste na prática, pelos administradores, de atos para os quais
não possuem poder. Considerando que os poderes dos administradores são
definidos pela lei, pelo contrato social ou pelo estatuto, a doutrina enfatiza
que a redação do art. 28 é redundante e que é possível reunir em um mesmo grupo
o excesso de poder, a violação ao contrato social ou ao estatuto, a infração à
lei e os fatos ou atos ilícitos.
Ressalta-se que os doutrinadores criticam a
inclusão do excesso de poder como causa para a desconsideração da pessoa
jurídica, porquanto é cediço que, nesses casos, a lei prevê a imputação direta
e pessoal dos sócios ou administradores, sem a necessidade da aplicação do
instituto em tela.
Por fim, o caput do art. 28 menciona como
terceiro pressuposto para a desconsideração a falência, a insolvência e o
encerramento das atividades provocado por má administração, acontecimentos que
impedem o ressarcimento dos credores.
A última hipótese prevista no CDC está no
parágrafo 5º do art. 28, que afirma ser possível a desconsideração da
personalidade jurídica sempre que a sua personalidade servir de obstáculo ao
ressarcimento dos consumidores.
A extensão de tal dispositivo deu margem a
diversas controvérsias doutrinárias. Defendem alguns autores que ele precisa
ser interpretado como uma possibilidade de desconsideração a mais, sem,
contudo, abstrair os fundamentos da teoria da desconsideração. Outros sustentam
que basta a constatação de que a personalidade está dificultando o
ressarcimento dos consumidores para que seja aplicada a desconsideração, não
sendo imprescindível a constatação do abuso de direito nesse caso.
Posteriormente, o Código Civil de 2002
enraizou o instituto da desconsideração no ordenamento jurídico pátrio,
prevendo, em seu art. 50, que “Em caso de abuso da personalidade jurídica,
caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o
juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe
couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações
de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou
sócios da pessoa jurídica”.
O dispositivo do Código Civil se mostrou mais
rigoroso do que o previsto no Código de Defesa do Consumidor, por admitir a
caracterização do abuso da personalidade jurídica somente em dois casos: quando
houver o desvio da finalidade ou a confusão patrimonial. Com a demonstração da
ocorrência de qualquer uma dessas hipóteses, em densidade suficiente para
autorizar a deflagração dos efeitos da desconsideração da pessoa jurídica, é
possível a extensão da responsabilidade aos bens particulares dos administradores
ou sócios.
A partir da interpretação desses dispositivos,
nota-se que a teoria da desconsideração da pessoa jurídica, quanto aos seus
pressupostos, divide-se em duas categorias: teoria maior, consagrada pelo
Código Civil, que se revela mais rigorosa, e teoria menor, consagrada pelo
Código de Defesa do Consumidor, cujos requisitos são mais brandos.
A teoria maior tem como pressuposto para o
afastamento da autonomia patrimonial da sociedade o uso fraudulento ou abusivo
do instituto.
Essa teoria subdivide-se em subjetiva, segundo
a qual o elemento autorizador da desconsideração é o desvio de finalidade, e
objetiva, que admite como elemento ensejador da desconsideração a confusão
entre o patrimônio do sócio e o da sociedade. Enquanto na formulação subjetiva
da teoria maior é preciso comprovar o elemento intencional do sócio na condução
fraudulenta ou abusiva dos negócios da sociedade, na formulação objetiva, a
simples constatação de confusão patrimonial é suficiente para que fique
caracterizada situação ensejadora da aplicação da desconsideração da
personalidade jurídica.
Já a teoria menor, com aplicação principal no
âmbito do Direito do Consumidor e do Direito Ambiental, tem como pressuposto
autorizador da desconsideração da personalidade da sociedade empresária o
simples inadimplemento aos credores ou o estado de insolvência ou
falência da pessoa jurídica, pois parte da premissa de que o risco da atividade
econômica não deve ser suportado por terceiros, e sim pelos sócios ou
administradores da empresa, ainda que não esteja demonstrado que estes agiram
culposa ou dolosamente para o inadimplemento.
Ela está pautada na incidência autônoma do §
5º do art. 28 do CDC, sem que seja necessária a presença dos requisitos
previstos no caput do mesmo dispositivo, e condicionada à comprovação de que a
mera existência da pessoa jurídica traduz-se em obstáculo ao ressarcimento de
prejuízos causados aos consumidores.
A diferença entre as duas teorias encontra-se
bem explicitada no acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça no
julgamento do Recurso Especial 279.273/SP:
“- A teoria maior da desconsideração, regra
geral no sistema jurídico brasileiro, não pode ser aplicada com a mera
demonstração de estar a pessoa jurídica insolvente para o cumprimento de suas
obrigações. Exige-se, aqui, para além da prova de insolvência, ou a
demonstração de desvio de finalidade (teoria subjetiva da desconsideração), ou
a demonstração de confusão patrimonial (teoria objetiva da desconsideração).
- A teoria menor da desconsideração, acolhida
em nosso ordenamento jurídico excepcionalmente no Direito do Consumidor e no
Direito Ambiental, incide com a mera prova de insolvência da pessoa jurídica
para o pagamento de suas obrigações, independentemente da existência de desvio
de finalidade ou de confusão patrimonial.
- Para a teoria menor, o risco empresarial
normal às atividades econômicas não pode ser suportado pelo terceiro que
contratou com a pessoa jurídica, mas pelos sócios e/ou administradores desta,
ainda que estes demonstrem conduta administrativa proba, isto é, mesmo que não
exista qualquer prova capaz de identificar conduta culposa ou dolosa por parte
dos sócios e/ou administradores da pessoa jurídica.
- A aplicação da teoria menor da
desconsideração às relações de consumo está calcada na exegese autônoma do § 5º
do art. 28, do CDC, porquanto a incidência desse dispositivo não se subordina à
demonstração dos requisitos previstos no caput do artigo indicado, mas apenas à
prova de causar, a mera existência da pessoa jurídica, obstáculo ao
ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores” (Rel. Min. Ari
Pargendler, DJ 29.03.2004).
Diante do exposto, nota-se que a utilização do
instituto da desconsideração da pessoa jurídica é importante, em primeiro lugar
por representar uma forma de punição para aqueles que não utilizam a
personalidade dos entes societários para os fins que lhe são devidos, e em
segundo lugar por facilitar o ressarcimento a terceiros, que não podem ser
prejudicados pela má administração dos sócios ou pelo fato da personalidade
servir de obstáculo a essa reparação.
Pode-se concluir, outrossim, que os
pressupostos para a desconsideração da pessoa jurídica dependem do caso
concreto e da aplicação da teoria menor ou da teoria maior, previstas,
respectivamente, no art. 28 do Código de Defesa do Consumidor e no art. 50 do
Código Civil Brasileiro.
67. O TEMA QUE ME FOI CONFIADO É AFETO À
TUTELA DO IDOSO EM SITUAÇÃO DE RISCO E O MINISTÉRIO PÚBLICO.
A constituição da república assegura a todos o
direito à dignidade, como principio fundamental da ordem jurídica. No capítulo
constitucional relativo à família, criança, adolescente, jovem e idoso, consta
que a família, a sociedade e o Estado têm o dever de assistir e amparar as
pessoas idosas, defendendo sua dignidade e bem estar.
Já o Estatuto do Idoso assegura aos maiores de
60 anos todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo
de proteção integral, consistente em assegurar ao idoso, com absoluta
prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação,
à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à
dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária. Embora essa
proteção integral e absoluta prioridade ao idoso não dessaiam expressamente da
Constituição, como ocorre no caso da criança e adolescente, também se revestem
da característica de fundamentalidade, à vista do disposto no art. 5º, §2º, da
Constituição.
Nos termos do mesmo Estatuto, o Idoso está em
situação de risco quando seus direitos forem forem ameaçados ou violados por
ação ou omissão da sociedade ou do Estado, por falta, omissão ou abuso da
família, curador ou entidade de atendimento ou em razão de sua condição pessoal
(art. 43).
Dessa forma, verificado haver lesão ou risco
de lesão a interesses de idosos, cabe cogitar da atuação do Ministério Público
em sua defesa, pautada não só nos princípios e regras constitucionais
referidos, mas também no dever de defender a ordem jurídica e os interesses
sociais e individuais indisponíveis. A atuação do Ministério Público pode ser
preventiva ou repressiva, desenvolvida no âmbito judicial ou extrajudicial.
Naquelas hipóteses (situação de risco), o
Ministério Público ou o Poder Judiciário, a requerimento daquele, poderá
determinar, dentre outras, as seguintes medidas: encaminhamento à família ou
curador, mediante termo de responsabilidade; orientação, apoio e acompanhamento
temporários; requisição para tratamento de sua saúde, em regime ambulatorial,
hospitalar ou domiciliar; inclusão em programa oficial ou comunitário de
auxílio, orientação e tratamento a usuários dependentes de drogas lícitas ou
ilícitas, ao próprio idoso ou à pessoa de sua convivência que lhe cause
perturbação; abrigo em entidade; abrigo temporário. Pode também o MP atuar como
substituto processual do idoso em situação de risco e deve oficiar em todos os
feitos em que se discutam os direitos de idosos em condições de risco, sob pena
de nulidade.
No que toca especificamente ao direito a
alimentos, o MP deve promover e acompanhar as ações de alimentos, e as
transações relativas a alimentos poderão ser celebradas perante o Promotor de
Justiça, que as referendará, e passarão a ter efeito de título executivo
extrajudicial nos termos da lei processual civil.
Quanto à saúde, os casos de suspeita ou
confirmação de maus-tratos contra idoso serão obrigatoriamente comunicados
pelos profissionais de saúde ao Ministério Público, que pode também requisitar
a colaboração dos serviços de saúde em favor do idoso.
Cabe também ao MP fiscalizar as entidades
governamentais e não-governamentais de atendimento ao idoso, adotando de pronto
as medidas administrativas ou judiciais necessárias à remoção de
irregularidades porventura verificadas. O representante do Ministério Público,
no exercício de suas funções, terá livre acesso a toda entidade de atendimento
ao idoso.
No âmbito penal, cabe ao MP propor ação penal
pública incondicionada nos casos de crimes perpetrados contra idosos (arts. 96
a 109 do Estatuto).
No âmbito cível, cabe ao MP propor ações de
interdição total ou parcial, de designação de curador especial, em
circunstâncias que justifiquem a medida, promover a revogação de instrumento
procuratório do idoso, nas situações de risco, quando necessário ou o interesse
público justificar e referendar transações envolvendo interesses e direitos dos
idosos. Tais atribuições não vêm em prejuízo da tutela dos interesses do idoso
(difusos, coletivos, individuais homogêneos e individuais indisponíveis) por
via da ação civil pública e do inquérito civil.
Essas são algumas observações específicas
acerca da tutela dos interesses dos idosos em situação de risco pelo MP.
Achei na internet (site do MPSP) o seguinte
ROTEIRO PRÁTICO SOBRE COMO ATUAR E MATÉRIA AFETA A IDOSOS EM SITUAÇÃO DE RISCO,
pode ser interessante também:
Intervenção em casos de interesses individuais
indisponíveis
(idosos em situação de risco)
Roteiro prático
(fonte: GAEPI)
1) A notícia sobre a situação do idoso pode
chegar por comunicação de hospital, por denúncia recebida no expediente de
atendimento ao público, por carta ou e-mail, por denúncia anônima, por denúncia
recebida de outros órgãos (como, por exemplo, a Secretaria Especial de Direitos
Humanos) ou até pela imprensa.
2) A notícia (ou representação) é autuada,
formando-se um procedimento administrativo.
3) A primeira providência adotada é a de
acionar a Supervisão de Assistência Social da Secretaria Municipal de
Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS/SAS) vinculada à Subprefeitura da
região onde reside a pessoa idosa, solicitando-se a realização de visita social
domiciliar, com urgência (se o caso), com a remessa de relatório social.
4) Com a vinda do relatório social, e
dependendo de suas conclusões, adotam-se as seguintes providências;
- RELATÓRIO NÃO CONFIRMA A SITUAÇÃO DE RISCO E
NEM CIRCUNSTÂNCIA QUE JUSTIFIQUE A INTERVENÇÃO MINISTERIAL - Os autos podem ser
arquivados
- RELATÓRIO CONFIRMA A EXISTÊNCIA DA SITUAÇÃO
DE RISCO E INDICA A EXISTÊNCIA DE FAMILIARES OU RESPONSÁVEIS - notificam-se os
familiares ou responsáveis para averiguar eventual omissão, instá-los a tomar
medidas para retirar o idoso da situação de risco (advertindo-os, se o caso,
para os reflexos penais de sua conduta) e orientá-los sobre a eventual necessidade
de interdição (com encaminhamento à Defensoria Pública), entre outras
providências aplicáveis ao caso.
- RELATÓRIO CONFIRMA A EXISTÊNCIA DA SITUAÇÃO
DE RISCO, MAS NÃO CONSEGUE IDENTIFICAR FAMILIARES OU RESPONSÁVEIS
- se o idoso necessitar de atendimento de
saúde - requisita-se à UBS (Unidade Básica de Saúde) mais próxima uma visita
médica domiciliar e a aplicação dos encaminhamentos necessários ao caso;
- se o caso envolver problema psiquiátrico que
exija internação - requisita-se à Secretaria Estadual de Saúde a internação do
idoso em hospital;
- se o caso indicar a vulnerabilidade social
da pessoa idosa - requisita-se à SMADS a institucionalização.
OBSERVAÇÕES:
- o Poder Judiciário só é acionado nos casos
em que o poder público se nega ou se omite em intervir ou o caso exija a
aplicação de medidas de proteção, inclusive aquelas que possam implicar em
medidas coercitivas contra terceiros que estejam ameaçando a pessoa idosa ou
contra pessoa idosa que esteja colocando em risco sua própria integridade
física (artigo 45 do Estatuto do Idoso);
- se o caso indicar a existência de crime
contra a pessoa idosa, adotar as providências cabíveis (inclusive para a
lavratura de flagrante, se o caso).
68. LIMITES DA INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO
NOS PODERES EXECUTIVO E LEGISLATIVO
De início, importante mencionar que o
constitucionalismo moderno deixou para trás a ideia do liberalismo clássico,
calcado no individualismo, no absenteísmo estatal e na valorização da
propriedade privada; e trouxe para o centro das atenções os direitos sociais,
buscando-se com isso diminuir a exclusão social e a concentração de renda
gerada pelo liberalismo.
A Constituição Federal de 1988 trouxe, no
artigo 6º, um extenso rol de direitos sociais a serem garantidos aos cidadãos,
de modo que, na prática, a implementação de todos esses direitos mostra-se
impossível diante dos recursos disponíveis aos governantes, transformando,
muitas vezes, esses direitos em meros ideais inatingíveis.
Não se pode perder de vista que no Estado
Democrático de Direito a formulação e a execução de políticas públicas dependem
de ações dos Poderes Executivo e Legislativo, por conta das funções típicas
conferidas a tais poderes pelo Constituinte. O que tem ocorrido é que, ante a
inércia do Estado na efetivação dos direitos sociais, cada vez mais os cidadãos
tem buscado junto ao Poder Judiciário a garantia desses direitos. Gera-se, com
isso, uma certa intromissão do Judiciário nas atribuições dos Poderes Executivo
e Legislativo que nos faz questionar: qual o limite dessa atuação do Poder
Judiciário nos Poderes Executivo e Legislativo?
Por um lado, a efetivação indiscriminada pelos
Poderes Executivo e Legislativo de todos os direitos fundamentais para todas as
pessoas, em qualquer situação, pode tornar impossível a sua concretização.
Exemplificativamente, se for utilizado o mesmo
raciocínio atualmente aplicados pelos tribunais pátrios ao direito à saúde para
o direito ao trabalho, poderia o Poder Público obrigar uma empresa,
incondicionalmente, a contratar mais empregados? Ou pode o Executivo e o
Legislativo serem compelidos pelo Judiciário a criar mais cargos na
Administração Pública, somente para efetivar o direito ao trabalho, também um
direito fundamental assegurado pela Constituição, inserido no mesmo dispositivo
que garante o direito à saúde (caput do art. 6º)? O mesmo raciocínio pode ser
aplicado à habitação, à educação, à segurança pública, etc.
De outro lado, não se pode utilizar esse
discurso de forma absoluta, impedindo que qualquer decisão do Judiciário
interfira nas opções do legislador, o que impediria, por exemplo, a condenação
do DNIT a ressarcir uma pessoa pelos danos causados em seu veículo em
decorrência da má conservação de uma rodovia, ou a concessão de um benefício
previdenciário indevidamente indeferido pelo INSS.
Algumas colisões entre direitos (direito à
felicidade x direito de matar o cônjuge, direito à liberdade de expressão x
manifestação racista ou falso testemunho) podem ser, em tese, resolvidas pelo
critério da ponderação de interesses, em cada caso concreto. De um lado, o
conflito entre regras é solucionado normalmente com fundamento na teoria do
ordenamento jurídico de Norberto Bobbio, que propõe a solução das antinomias
por meio dos critérios cronológico (lei posterior derroga lei anterior),
hierárquico (a lei hierarquicamente superior prevalece sobre a anterior) e da
especialidade (a lei específica prepondera sobre a lei geral) (Teoria do
ordenamento jurídico. 7. ed. Brasília: Universidade de Brasília, 1996, p.
81-97). De outro, o conflito entre princípios é resolvido pelo critério da
ponderação (em contraposição à subsunção das regras), não havendo antinomia, levando-se
em conta o peso relativo de cada um em determinado caso concreto, não ocorrendo
a revogação de um pela aplicação do outro. Ainda, pode ocorrer que mais de um
princípio incida concomitantemente, produzindo parcialmente seus efeitos
jurídicos (SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na Constituição
Federal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000, p. 45).
Porém, na prática, não há como se sustentar
objetivamente o acerto desse critério, que envolve essencialmente o conflito
entre juízos de valor, que podem ser ambos legítimos e com base constitucional.
É evidente que os casos práticos extremos (como os mencionados) têm uma solução
mais simples, todavia, como resolver questões, por exemplo, quando a única
prova que demonstre o direito da parte tenha sido obtida por meios ilícitos.
Pode ser conferido o mesmo peso quando essa prova ilícita comprove a inocência do
réu em processo penal? Pode-se conferir um mesmo valor a uma prova obtida por
meio de tortura àquela alcançada mediante interceptação telefônica, ou à obtida
mediante furto, por se encontrar em poder da parte adversa, que tem interesse
em ocultá-la, por lhe ser desfavorável? (Sobre o assunto: CARDOSO, Oscar
Valente. Provas ilícitas e suspeição do julgador. Revista Dialética de Direito
Processual. São Paulo, nº 68, pp. 78-85, novembro 2008).
No caso do direito à saúde, em decorrência das
omissões do Executivo e do Legislativo, há quem sustente a existência de uma
“política judicial de medicamentos”, diante da proliferação de ações judiciais
pleiteando o fornecimento de medicamentos, o que causa uma interferência
indevida do Judiciário na política nacional de medicamentos (ZANDONÁ, Fernando.
Política nacional ou judicial de medicamentos? Revista de Doutrina da 4ª
Região. Porto Alegre, nº 23, abril 2008. Disponível em:
<http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br>).
A partir daí pode se extrair outra indagação:
essa “política judicial de medicamentos” é democrática, em comparação com a
política nacional de medicamentos efetivada pelo Executivo, nos termos da lei
elaborada pelo Legislativo?
Percebe-se que as opções legislativas, além de
normalmente refletir determinados interesses (e provavelmente por isso), nem
sempre têm entre seus fins a melhoria das condições de vida da população.
Exemplificando, no que diz respeito ao direito
à saúde, em 22/12/2008, foi realizado o pregão pelo Ministério da Saúde, para a
aquisição de 15 milhões de embalagens sachê de gel lubrificante, no valor
aproximado de R$ 40 milhões. Ademais, o Ministério da Saúde também propala a
maior compra de preservativos já realizada no mundo por um governo, com a meta
de atingir a aquisição de um bilhão (MINISTÉRIO DA SAÚDE. Saúde lança campanha
de planejamento familiar. Notícias. 07 março 2008. Disponível em:
<http://portal.saude.gov.br/portal/aplicacoes/noticias/noticias_detalhe.cfm
co_seq_noticia=43737>).
Por outro lado, os Executivos Federal,
Estadual e Municipal relutam em fornecem medicamentos em situações de risco de
morte...
Costuma-se invocar, para justificar a opção do
Executivo, a necessidade de “escolhas trágicas”, que consiste em optar por
concretizar determinados direitos, para algumas pessoas, em detrimento dos
direitos de outras. A própria existência de políticas sociais, por si só, já
implica nas escolhas trágicas, pois decorre de opção por determinadas políticas
públicas, em detrimento de outras.
Outro dilema que surge com a necessidade das
escolhas trágicas: deve o Poder Público fornecer um tratamento ou um
medicamento de alto custo, se o valor desembolsado em 20 meses, por exemplo, é
suficiente para construir um posto de saúde? Ainda, pode-se deferir, em
antecipação de tutela, o transplante imediato de um órgão ao autor, sem ter
ciência plena de suas condições de saúde, tampouco de quantas pessoas aguardam
na “fila” do SUS esse mesmo transplante? Por outro lado, pode-se negar esse
direito a uma pessoa com alto risco de morte (mesmo sem saber se existem – ou
não – pessoas na mesma condição, necessitando do mesmo órgão)?
Diante de tais indagações, reitera-se, que
nenhum direito fundamental é ilimitado e absoluto, podendo ser restringido ou
não incidir em determinada situação fática quando em confronto com outro
direito.
Contudo, isso não impede que o jurisdicionado
questione as escolhas do Executivo, principalmente quando este desembolsa
vários milhões de reais para a aquisição de preservativos e lubrificantes, às
vésperas do carnaval, e deixa de fornecer medicamento que, em muitas situações,
pode ter importância inclusive para a manutenção da vida de quem dele
necessita.
Porém, o controle pelo Judiciário, e a
efetivação de direitos fundamentais por este, deve ter limites, que ainda não
estão devidamente definidos. Os principais, já mencionados, são os recursos
financeiros do Estado, insuficientes para conferir efetividade aos direitos
fundamentais de todos. Deles derivam outras restrições, como a reserva do
possível, que relaciona os limites do Estado (principalmente dos recursos
públicos) com a efetivação dos direitos sociais, podendo ser invocada somente
quando demonstrar motivo justo e objetivamente comprovável (nesse sentido é a
decisão monocrática do Min. Celso de Mello na ADPF 45, j. 29/04/2004, DJ
04/05/2004).
Com isso, conclui-se que, se por um lado
deve-se ver com cautela o antigo dogma da Separação dos Poderes em relação ao
controle dos gastos públicos e da prestação dos serviços básicos no Estado
Social, por outro, a atuação do Poder Judiciário para garantir um cumprimento
racional dos respectivos preceitos constitucionais deve se dar nos casos
concretos, com uso do princípio da proporcionalidade e racionalidade, de forma
a não subverter por completo a harmonia em que devem conviver os Poderes do
Estado.
69. MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS: LIMITES NA
APLICAÇÃO PELO MP
Início: 22:48
Uma primeira restrição à aplicação de medidas
socioeducativas àqueles que cometerem um ato infracional diz respeito à idade
do agente: consoante disposição expressa do Estatuto da Criança e do
Adolescente (art. 105), ao ato infracional praticado por criança não
corresponderão nenhuma das medidas socioeducativas, mas tão somente medidas
específicas de proteção, identificadas no art. 101 do Estatuto.
Vale dizer: se o ato infracional (conduta
descrita como crime ou contravenção penal – art. 103) for praticado por quem
ainda não completou doze anos de idade (art. 2º), haverá óbice intransponível
para eventual aplicação de medida socioeducativa (previstas nos incisos do art.
112 do Estatuto).
Essa primeira limitação objetiva exemplifica,
por si só, o espírito do legislador (interpretação teleológica) ao elaborar, em
conformidade com a ordem constitucional democrática reestabelecida em 1988, o
Estatuto da Criança e do Adolescente.
O Promotor de Justiça, titular do exercício de
representação pela prática de ato infracional, deve, a todo o momento, pautar
suas ações pelos princípios orientadores da política educativa e protetiva
veiculada no Estatuto da Criança e do Adolescente. Deve saber, de antemão, que,
por meio da representação, não buscará impor aos penalmente inimputáveis
sujeitos às disposições do Estatuto nenhuma reprimenda de caráter retributivo
ou sancionador, mas sim entender a prática do ato ilícito sob a ótica da
condição peculiar dos adolescentes como pessoas em desenvolvimento, e buscar,
por meio da aplicação de medidas protetivas ou socioeducativas, o
reestabelecimento da retidão de suas ações, quiçá evitando a formação de um
futuro delinquente.
Neste aspecto, é interessante notar que
a gravidade concreta da infração, mensurada conjuntamente à situação social do
agente infrator, impõe, desde logo, a necessidade de utilização da medida menos
gravosa ao seu desenvolvimento; afinal, a aceitação da criança e do adolescente
como sujeitos de direitos – e não meros objetos, como já foram tratados em
legislações anteriores – é um princípio de observância obrigatória expresso no
Estatuto.
Não há dúvidas de que, dentre as medidas
previstas no art. 112 do Estatuto, é a internação em estabelecimento
educacional a de maior rigor; afinal, em vistas à readequação da conduta social
do jovem, é-lhe tolhido, ainda que de forma mitigada, o direito à plena
liberdade. Não é sem razão, portanto, que o diploma legislativo em questão
estabelece uma série de critérios à aplicação desta medida.
Nos termos do art. 122, a medida de internação
só poderá ser aplicada quando:
I - tratar-se de ato infracional cometido
mediante grave ameaça ou violência a pessoa (sic);
II - por reiteração no cometimento de outras
infrações graves;
III - por descumprimento reiterado e
injustificável da medida anteriormente imposta.
Aliás, vale ressaltar que, na esteira de
reiterados julgados proferidos pelo STJ, a gravidade abstrata da infração não
basta, por si só, para justificar a aplicação desta excepcional e extremada
medida. Cite-se, por exemplo, a prática de ato análogo ao crime de tráfico de
drogas, que, embora no campo do Direito Penal tal ação típica seja equiparada,
para todos os efeitos, aos crimes hediondos, não autoriza, por si só, a
aplicação imediata da internação.
Também informa a jurisprudência do STJ o
alcance da regra inscrita no inciso II: tem-se por reiteração o cometimento de
três ou mais infrações graves pelo adolescente; não atingido este número, não
há falar em imposição direta da internação.
Além do mais, prevê o Estatuto que a
internação ficará adstrita ao princípio da brevidade, e, embora não comporte
prazo determinado, sua manutenção deve ser periodicamente reavaliada, mediante
decisão fundamentada da autoridade judicial, no máximo a cada seis meses. Em
nenhuma hipótese, contudo, o período máximo de internação excederá a três anos,
tampouco poderá ser mantida a medida depois do outrora adolescente completar 21
anos de idade.
Em linhas gerais, estas são algumas limitações
impostas ao MP na aplicação das medidas socioeducativas.
Fim: 23:28
70. O CONSELHO NACIONAL DE POLÍCIA E O
CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL PELO MINISTÉRIO PÚBLICO
De início, necessário mencionar que a
Constituição da República qualifica o Ministério Público como instituição
permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa
da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis (art. 127 da Constituição Federal). Ademais, nos termos do artigo
129, inciso VII, da CF, uma das funções institucionais do Ministério Público é
“exercer o controle externo da atividade policial”, na forma da lei
complementar.
No estado de Santa Catarina, a LC 197/2000,
Lei Orgânica do Ministério Público estadual, dispõe, em seu artigo 82, inciso
XVII, ser função institucional do Ministério Público:
exercer o controle externo da atividade
policial, civil ou militar, podendo, dentre outras medidas administrativas e
judiciais:
a) ter livre ingresso em estabelecimentos
policiais ou prisionais;
b) ter acesso a quaisquer documentos relativos
à atividade de polícia judiciária, ou requisitá-los;
c) requisitar à autoridade competente a adoção
de providências para sanar a omissão ou para prevenir ou corrigir ilegalidade
ou abuso de poder;
d) requisitar à autoridade competente a
abertura de inquérito sobre a omissão ou fato ilícito ocorridos no exercício da
atividade policial, determinando as diligências necessárias e a forma de sua
realização, podendo acompanhá-las e também proceder diretamente a
investigações, quando necessário;
e) acompanhar atividades investigatórias;
f) recomendar à autoridade policial a
observância das leis e princípios jurídicos;
g) requisitar à autoridade competente a
instauração de sindicância ou procedimento administrativo cabível;
h) exigir comunicação imediata sobre apreensão
de adolescente;
i) avocar inquérito policial em qualquer fase
de sua elaboração e requisitar, a qualquer tempo, as diligências que se fizerem
necessárias;
É válido salientar, ainda, que o Conselho
Nacional do Ministério Público editou a Resolução n. 20, de 28 de maio de 2007,
disciplinando o controle externo da atividade policial pelos Promotores de
Justiça.
No entanto, tramita no Congresso Nacional a
PEC 381/2009, aprovada pela CCJ da Câmara dos Deputados em 26-5-2010, que
institui o Conselho Nacional de Polícia, a ser criado nos moldes do CNJ e do
CNMP. Esse órgão será composto por 17 membros, dentre os quais 10 delegados de
polícia, e presidido pelo Ministro Presidente do Superior Tribunal de Justiça.
A criação do Conselho Nacional de Polícia,
todavia, subtrai do Ministério Público a função de controle externo da
atividade policial, que ficará a cargo exclusivamente deste novo órgão. Segundo
o texto do projeto, o CNP terá, entre outras atribuições, o controle da atuação
administrativa, funcional e financeira das Polícias Federal, dos Estados e do
Distrito Federal, cabendo-lhe zelar pela autonomia funcional dos delegados de
polícia e apreciar a legalidade dos atos administrativos praticados pelos
integrantes das Polícias Judiciárias, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar
prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da
lei; receber e conhecer das reclamações contra autoridades policiais e agentes
das Polícias Civis e Federal, inclusive contra seus serviços auxiliares,
podendo avocar processos disciplinares em curso e aplicar penalidades previstas
no Estatuto repressivo das Instituições; rever processos disciplinares,
julgados há menos de um ano; elaborar relatório anual, propondo as providências
que julgar necessárias sobre a situação das Polícias no País e das atividades
do Conselho; exercer o controle externo da atividade policial e julgar, em
última instância, os recursos contra decisões administrativas adotadas no
âmbito das instituições policiais.
A criação deste novo órgão tem sido alvo de
críticas tanto da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público
(Conamp) quanto da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR),
considerado verdadeiro retrocesso no efetivo controle dos abusos praticados
pelas polícias. Ademais, por ser o Ministério Público o titular da ação penal,
a investigação policial deve atender às expectativas do Promotor de Justiça
responsável, cujo trabalho poderá ficar comprometido caso não possa acompanhar,
de perto, as atividades investigatórias desenvolvidas. Finalmente, há sempre o
risco de corporativismo nas decisões do CNP, sobretudo por ser formado, em sua
maioria, por delegados de polícia.
Há quem sustente, ainda, que o projeto é
inconstitucional por violar o Pacto Federativo, já que retira dos governadores
dos estados o poder sobre a polícia, órgão que não pode ser equiparado ao
Judiciário, Poder da República (CF, artigo 2º), e ao Ministério Público,
instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado (CF, artigo
127). Além disso, a PEC colocaria em risco as liberdades e garantias
fundamentais conquistadas pela sociedade brasileira e consagradas pela
Constituição Federal como cláusulas pétreas.
(Aqui, para encerrar, acredito que caberia a
cada candidato externar sua posição sobre a conveniência e oportunidade da
criação do Conselho Nacional de Polícia).
Link para o texto da PEC e sua
justificativa:
http://www.camara.gov.br/sileg/integras/666868.pdf
Link para o texto da Resolução do CNMP:
http://www.cnmp.gov.br/legislacao/resolucoes/resolucao-cnmp-n-20-com-alteracoes-promovidas-pela-resolucao-cnmp-n-65-11
Link para os textos do Conjur com as críticas
dos presidentes do Conamp e da ANPR:
http://www.conjur.com.br/2010-mai-27/conselho-nacional-policia-blindagem-corporativa-dizem-procuradores
http://www.conjur.com.br/2010-mai-27/conselho-nacional-policia-blindagem-corporativa-dizem-procuradores
71. O INSTITUTO DA FALÊNCIA E A AÇÃO DE
COBRANÇA
Bom dia.
Meu nome é Diogo Luiz Deschamps e o tema por
mim sorteado foi “O instituto da falência e a ação de cobrança”.
A Constituição Federal de 1988, conhecida como
Constituição Cidadã, trouxe para o ordenamento jurídico brasileiro várias
inovações de ordem democrática, fortalecendo as instituições e aprimorando o
sistema da separação de poderes, uma vez que, no regime constitucional
anterior, a força do Poder Executivo sobrepunha-se aos demais.
Exemplo dessa afirmação é a configuração
constitucional do Ministério Público, que foi definido pelo artigo 127 da Carta
Magna como “instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado,
incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos
interesses sociais e individuais indisponíveis”. Além disso, consta como função
institucional do Ministério Público, dentre outras, “zelar pelo efetivo
respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos
assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua
garantia”.
No campo da atividade econômica, a
Constituição de 1988 também tratou de estabelecer diretrizes e princípios
norteadores da área. Consta do artigo 170 da Carta Magna que “A ordem
econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem
por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça
social”, devendo observar alguns princípios, dentre os quais a livre
concorrência. Além disso, há no texto constitucional determinação de que o
Estado deve exercer função de fiscalização, incentivo e planejamento da
atividade econômica, com vistas à preservação das diretrizes estabelecidas no
já mencionado artigo 170.
Dessarte, percebe-se que, muito embora a ordem
econômica seja fundada na livre iniciativa, o Estado deve intervir para
preservar um mínimo de equilíbrio, evitando que a busca incessante do lucro
resulte em crises econômicas que há muito se repetem na história mundial. E
também incumbe ao Ministério Público a fiscalização para que tais normas sejam
cumpridas.
As diretrizes constitucionais já citadas
influenciaram, como não poderia deixar de ser, a legislação
infraconstitucional, conforme se percebe na Nova Lei de Falências, a Lei n.
11.101/05. No texto aprovado pelo Poder Legislativo, o artigo 4º disciplinava a
atuação do Ministério Público na âmbito falimentar. Todavia, tal dispositivo
foi vetado pelo Presidente da República, gerando incerteza quanto ao tema.
Existem duas correntes: uma afirmando que o Ministério Público atua no processo
falimentar apenas nos momentos previstos expressa e casuisticamente na Lei, e a
outra defendendo que a atuação ministerial decorre da própria constituição,
devendo o Promotor intervir no processo falimentar sempre que julgar
necessário, visando a proteger o crédito e a economia públicas. Pelo já
exposto, entendo ser mais adequada a segunda linha de pensamento.
Além disso, a Nova Lei de Falências tornou
expresso o entendimento jurisprudencial já existente na vigência do Decreto-Lei
n. 7.661/45 no sentido de aplicar ao processo falimentar o princípio da
preservação da empresa. Esse princípio decorre diretamente do texto
constitucional mencionado acima. Segundo ele, deve-se buscar sempre e
principalmente a restauração da empresa em dificuldades financeiras,
mantendo-se a falência apenas para aquelas que não tiverem condições de retomar
a atividade produtiva. Isso porque, segundo Waldo Fazzio Júnior, “A atividade
empresarial desborda dos limites estritamente singulares para alcançar dimensão
socioeconômica bem mais ampla. Afeta o mercado e a sociedade, mais que a
singela conotação pessoal”.
Assim, foi criado pela Lei n. 11.101/05 o
instituto da Recuperação de Empresas, seja judicial ou extrajudicial, buscando
proporcionar um ambiente de superação da crise presente na empresa, mantendo as
relações trabalhistas e econômicas já existentes ao invés de substituir a empresa
em dificuldades por uma nova. Mas o princípio da preservação da empresa também
está evidente no processo falimentar propriamente dito. Segundo o artigo 97 da
citada Lei, dentre outros legitimados, a falência pode ser requerida por
qualquer credor. No artigo 94, inciso I, há previsão de ser decretada a
falência do devedor que não paga, no vencimento, obrigação líquida
materializada em título, sem relevante razão de direito. Na redação do revogado
Decreto-Lei n.7.661/45, assim terminava o texto legal. Atualmente, foi criado
um complemento, exigindo que o valor da dívida ultrapasse o equivalente a 40
salários-mínimos na data do pedido de falência.
Com isso, busca-se evitar que a ação de
falência converta-se em simples ação de cobrança, uma vez que os efeitos danosos
para a atividade empresária decorrente de um pedido de falência poderiam coagir
o devedor a pagar a dívida, em prejuízo da função social da empresa e dos
princípios e diretrizes traçados constitucionalmente. Tal prática era vedada já
na vigência do revogado Decreto-Lei, conforme recente decisão do Superior
Tribunal de Justiça no Recurso Especial n. 920.140, sendo expressa na atual Lei
de Falências. Conforme consta de tal julgado, segundo o princípio da
preservação da empresa, não basta a impontualidade para o requerimento da
falência; deve-se levar em consideração também os sinais de insolvência da
empresa.
Assim, tem-se que o credor também tem seu
papel para que sejam respeitados as diretrizes constitucionais da ordem
econômica e o princípio da preservação da empresa. O pedido de falência deve
ser reservado para quando ficar evidente que a empresa não tem condições de
retornar da situação de crise em que se encontra, enquanto as eventuais e
ocasionais inadimplências devem ser buscadas através de simples Ação Ordinária,
sem que se prejudique a atividade empresária. E cabe ao Ministério Público
atuar no processo falimentar para evitar que o credor utilize-se do instituto
da falência como substitutivo da Ação de Cobrança, como parte de suas funções
institucionais.
72. PODER INVESTIGATÓRIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
I. Argumentos a favor
Prerrogativas funcionais:
A possibilidade de instauração de procedimento
investigatóroi por parte do MP se enquadra no espectro de suas funções
institucionais.
“Embora a Constituição Federal assegure caber
às polícias judiciárias a investigação das infrações penais (art. 144), é bem
de ver que tal tarefa não foi cometida exclusivamente às autoridades policiais,
cuidado o próprio constituinte de atribuir funções investigatórias, por
exemplo, ao Ministério Público.” (Eugênio Pacelli de Oliveira )
Segundo o mesmo autor, “a legitimação do
parquet para a apuração de infrações penais tem, de fato, assento
constitucional, nos termos do disposto no art. 129, VI e VIII da CF,
regulamentado no âmbito do Ministério Público Federal, pela Lei Complementar
nº. 75/93, consoante o disposto nos arts. 7º e 8º. Também o art. 38 da mesma
Lei Complementar nº 75/93 confere ao parquet a atribuição para requisitar
inquéritos e investigações. Na mesma linha, com as mesmas atribuições, a Lei
nº. 8.625/93 reserva tais poderes ao Ministério Público dos Estados.”
“A investigação penal, quando realizada por
organismos policiais, será sempre dirigida por autoridade policial, a quem
igualmente competirá exercer, com exclusividade, a presidência do respectivo
inquérito. - A outorga constitucional de funções de polícia judiciária à
instituição policial não impede nem exclui a possibilidade de o Ministério
Público, que é o "dominus litis", determinar a abertura de inquéritos
policiais, requisitar esclarecimentos e diligências investigatórias, estar
presente e acompanhar, junto a órgãos e agentes policiais, quaisquer atos de
investigação penal, mesmo aqueles sob regime de sigilo, sem prejuízo de outras
medidas que lhe pareçam indispensáveis à formação da sua "opinio
delicti", sendo-lhe vedado, no entanto, assumir a presidência do inquérito
policial, que traduz atribuição privativa da autoridade policial. Precedentes.”
(STF, 2ª Turma, HC 89837 - *ainda não há manifestação do Plenário neste sentido
)
Dispositivos legais que asseguram a
possibilidade de o MP requisitar e também realizar, segundo a doutrina e a
jurisprudência, providências investigatórias, eis que é o dominus litis:
Constituição da República
Art. 129. São funções institucionais do
Ministério Público:
(...)
VI - expedir notificações nos procedimentos
administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para
instruí-los, na forma da lei complementar respectiva;
(...)
VIII - requisitar diligências investigatórias
e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de
suas manifestações processuais;
A Lei Complementar nº 75/93
Art. 7º Incumbe ao Ministério Público da
União, sempre que necessário ao exercício de suas funções institucionais:
I - instaurar inquérito civil e outros
procedimentos administrativos correlatos;
II - requisitar diligências investigatórias e
a instauração de inquérito policial e de inquérito policial militar, podendo
acompanhá-los e apresentar provas;
III - requisitar à autoridade competente a
instauração de procedimentos administrativos, ressalvados os de natureza
disciplinar, podendo acompanhá-los e produzir provas.
Art. 8º Para o exercício de suas atribuições,
o Ministério Público da União poderá, nos procedimentos de sua competência:
I - notificar testemunhas e requisitar sua
condução coercitiva, no caso de ausência injustificada;
II - requisitar informações, exames, perícias
e documentos de autoridades da Administração Pública direta ou indireta;
III - requisitar da Administração Pública
serviços temporários de seus servidores e meios materiais necessários para a
realização de atividades específicas;
IV - requisitar informações e documentos a
entidades privadas;
V - realizar inspeções e diligências
investigatórias;
VI - ter livre acesso a qualquer local público
ou privado, respeitadas as normas constitucionais pertinentes à inviolabilidade
do domicílio;
VII - expedir notificações e intimações
necessárias aos procedimentos e inquéritos que instaurar;
VIII - ter acesso incondicional a qualquer
banco de dados de caráter público ou relativo a serviço de relevância pública;
IX - requisitar o auxílio de força policial.
§ 1º O membro do Ministério Público será civil
e criminalmente responsável pelo uso indevido das informações e documentos que
requisitar; a ação penal, na hipótese, poderá ser proposta também pelo
ofendido, subsidiariamente, na forma da lei processual penal.
§ 2º Nenhuma autoridade poderá opor ao
Ministério Público, sob qualquer pretexto, a exceção de sigilo, sem prejuízo da
subsistência do caráter sigiloso da informação, do registro, do dado ou do
documento que lhe seja fornecido.
§ 3º A falta injustificada e o retardamento
indevido do cumprimento das requisições do Ministério Público implicarão a
responsabilidade de quem lhe der causa.
§ 4º As correspondências, notificações,
requisições e intimações do Ministério Público quando tiverem como destinatário
o Presidente da República, o Vice-Presidente da República, membro do Congresso
Nacional, Ministro do Supremo Tribunal Federal, Ministro de Estado, Ministro de
Tribunal Superior, Ministro do Tribunal de Contas da União ou chefe de missão
diplomática de caráter permanente serão encaminhadas e levadas a efeito pelo
Procurador-Geral da República ou outro órgão do Ministério Público a quem essa
atribuição seja delegada, cabendo às autoridades mencionadas fixar data, hora e
local em que puderem ser ouvidas, se for o caso.
§ 5º As requisições do Ministério Público
serão feitas fixando-se prazo razoável de até dez dias úteis para atendimento,
prorrogável mediante solicitação justificada.
[...]
Art. 38. São funções institucionais do
Ministério Público Federal as previstas nos Capítulos I, II, III e IV do Título
I, incumbindo-lhe, especialmente:
[...]
II - requisitar diligências investigatórias e
instauração de inquérito policial, podendo acompanhá-los e apresentar provas;
Lei 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do
Ministério Público)
Art. 26. No exercício de suas funções, o
Ministério Público poderá:
I - instaurar inquéritos civis e outras
medidas e procedimentos administrativos pertinentes e, para instruí-los:
a) expedir notificações para colher depoimento
ou esclarecimentos e, em caso de não comparecimento injustificado, requisitar
condução coercitiva, inclusive pela Polícia Civil ou Militar, ressalvadas as
prerrogativas previstas em lei;
b) requisitar informações, exames periciais e
documentos de autoridades federais, estaduais e municipais, bem como dos órgãos
e entidades da administração direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos
Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
c) promover inspeções e diligências
investigatórias junto às autoridades, órgãos e entidades a que se refere a
alínea anterior;
II - requisitar informações e documentos a
entidades privadas, para instruir procedimentos ou processo em que oficie;
III - requisitar à autoridade competente a
instauração de sindicância ou procedimento administrativo cabível;
IV - requisitar diligências investigatórias e
a instauração de inquérito policial e de inquérito policial militar, observado
o disposto no art. 129, inciso VIII, da Constituição Federal, podendo
acompanhá-los;
V - praticar atos administrativos executórios,
de caráter preparatório;
Lei Orgânica Estadual do MPSC – LC 197/2000
Art. 83. No exercício de suas funções, o
Ministério Público poderá:
(...)
V - requisitar diligências investigatórias e a
instauração de inquérito policial e de inquérito policial militar, observando o
disposto no art. 129, inciso VIII, da Constituição Federal, podendo
acompanhá-los;
2) A inexistência de exclusividade da função
penal investigatória:
A Constituição da República de 1988 não
atribui a função de investigação criminal com exclusividade ao Órgão Policial.
Esta previsão encontra eco inclusive no Código de Processo Penal, que em seu
art. 4ª estabelece que a competência de polícia judiciária atribuída às
autoridade policiais não exclui a de autoridades administrativas, a quem pode
ser atribuída a mesma função. No caso, o que se veda, como já visto no trecho
do HC 89837, da lavra do Min. Celso de Mello, é que o Ministério Público tome
para sai a presidência do Inquérito Policial, esta sim exclusiva do delegado de
polícia.
“A QUESTÃO DA CLÁUSULA CONSTITUCIONAL DE
EXCLUSIVIDADE E A ATIVIDADE INVESTIGATÓRIA. - A cláusula de exclusividade
inscrita no art. 144, § 1º, inciso IV, da Constituição da República - que não
inibe a atividade de investigação criminal do Ministério Público - tem por
única finalidade conferir à Polícia Federal, dentre os diversos organismos
policiais que compõem o aparato repressivo da União Federal (polícia federal,
polícia rodoviária federal e polícia ferroviária federal), primazia
investigatória na apuração dos crimes previstos no próprio texto da Lei
Fundamental ou, ainda, em tratados ou convenções internacionais. - Incumbe, à
Polícia Civil dos Estados-membros e do Distrito Federal, ressalvada a
competência da União Federal e excetuada a apuração dos crimes militares, a
função de proceder à investigação dos ilícitos penais (crimes e contravenções),
sem prejuízo do poder investigatório de que dispõe, como atividade subsidiária,
o Ministério Público. - Função de polícia judiciária e função de investigação
penal: uma distinção conceitual relevante, que também justifica o
reconhecimento, ao Ministério Público, do poder investigatório em matéria
penal. Doutrina. É PLENA A LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO PODER DE INVESTIGAR
DO MINISTÉRIO PÚBLICO, POIS OS ORGANISMOS POLICIAIS (EMBORA DETENTORES DA
FUNÇÃO DE POLÍCIA JUDICIÁRIA) NÃO TÊM, NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO, O
MONOPÓLIO DA COMPETÊNCIA PENAL INVESTIGATÓRIA. - O poder de investigar compõe,
em sede penal, o complexo de funções institucionais do Ministério Público, que
dispõe, na condição de "dominus litis" e, também, como expressão de
sua competência para exercer o controle externo da atividade policial, da
atribuição de fazer instaurar, ainda que em caráter subsidiário, mas por
autoridade própria e sob sua direção, procedimentos de investigação penal
destinados a viabilizar a obtenção de dados informativos, de subsídios
probatórios e de elementos de convicção que lhe permitam formar a "opinio
delicti", em ordem a propiciar eventual ajuizamento da ação penal de
iniciativa pública. Doutrina. Precedentes (HC 89837)
3)Tese dos poderes implícitos:
Quando a Constituição prevê a privatividade da
ação penal pública ao Ministério Público, e mais ainda quando lhe confere o
poder de requisitar informações e documentos para instruir procedimentos administrativos,
está, “a todas as luzes, autorizando o exercício direto da função
investigatória a quem é o verdadeiro legitimado à persecução penal. Por que
aquele a quem se atribui o fim não poderia se valer dos meios adequados?”
(Pacelli)
“Há princípio basilar da hermenêutica
constitucional, a saber, o dos "poderes implícitos", segundo o qual,
quando a Constituição Federal concede os fins, dá os meios. Se a atividade fim
- promoção da ação penal pública - foi outorgada ao parquet em foro de privatividade,
não se concebe como não lhe oportunizar a colheita de prova para tanto, já que
o CPP autoriza que "peças de informação" embasem a denúncia.” (STF –
2ª Turma; RE 468523/SC, em 01/12/2009). No mesmo sentido, RE 535478/SC.
4) O inquérito policial é dispensável, segundo
o Código de Processo Penal
O inquérito policial é procedimento
preparatório para apurar materialidade e indícios de autoria de crimes,
destinados a formar a opinio delicti do Ministério Público, seu detentor. O
Código de Processo Penal, nos arts. 12 e 39, §5º, deixa clara a
dispensabilidade do IP.
A ACUSAÇÃO PENAL, PARA SER FORMULADA, NÃO
DEPENDE, NECESSARIAMENTE, DE PRÉVIA INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO POLICIAL. - Ainda
que inexista qualquer investigação penal promovida pela Polícia Judiciária, o
Ministério Público, mesmo assim, pode fazer instaurar, validamente, a
pertinente "persecutio criminis in judicio", desde que disponha, para
tanto, de elementos mínimos de informação, fundados em base empírica idônea,
que o habilitem a deduzir, perante juízes e Tribunais, a acusação penal.
Doutrina. Precedentes. (HC 89837)
5) Controle interno e externo (jurisdicional)
da atuação do Ministério Público:
Há possibilidade de controle da atuação do
Ministério Público quando realizar procedimentos investigatórios, o que afasta
o argumento da potencial abusividade desta sua atuação, eis que não se impede
que o Judiciário realize o devido controle, mormente à luz dos princípios
processuais penais traçados na CF/88 e dos direitos fundamentais.
“CONTROLE JURISDICIONAL DA ATIVIDADE
INVESTIGATÓRIA DOS MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO: OPONIBILIDADE, A ESTES, DO
SISTEMA DE DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS, QUANDO EXERCIDO, PELO
"PARQUET", O PODER DE INVESTIGAÇÃO PENAL. - O Ministério Público, sem
prejuízo da fiscalização intra--orgânica e daquela desempenhada pelo Conselho
Nacional do Ministério Público, está permanentemente sujeito ao controle
jurisdicional dos atos que pratique no âmbito das investigações penais que
promova "ex propria auctoritate", não podendo, dentre outras
limitações de ordem jurídica, desrespeitar o direito do investigado ao silêncio
("nemo tenetur se detegere"), nem lhe ordenar a condução coercitiva,
nem constrangê-lo a produzir prova contra si próprio, nem lhe recusar o
conhecimento das razões motivadoras do procedimento investigatório, nem
submetê-lo a medidas sujeitas à reserva constitucional de jurisdição, nem
impedi-lo de fazer-se acompanhar de Advogado, nem impor, a este, indevidas
restrições ao regular desempenho de suas prerrogativas profissionais (Lei nº
8.906/94, art. 7º, v.g.). - O procedimento investigatório instaurado pelo
Ministério Público deverá conter todas as peças, termos de declarações ou
depoimentos, laudos periciais e demais subsídios probatórios coligidos no curso
da investigação, não podendo, o "Parquet", sonegar, selecionar ou
deixar de juntar, aos autos, quaisquer desses elementos de informação, cujo
conteúdo, por referir-se ao objeto da apuração penal, deve ser tornado
acessível tanto à pessoa sob investigação quanto ao seu Advogado. - O regime de
sigilo, sempre excepcional, eventualmente prevalecente no contexto de
investigação penal promovida pelo Ministério Público, não se revelará oponível
ao investigado e ao Advogado por este constituído, que terão direito de acesso
- considerado o princípio da comunhão das provas - a todos os elementos de
informação que já tenham sido formalmente incorporados aos autos do respectivo procedimento
investigatório.” (HC 89937)
II. Argumentos contrários
Argumentos enumerados e refutados pelo Prof.
Eugênio Pacelli, em cuja doutrina foi elaborada a produção deste ponto.
1) Privatividade da função de investigação
criminal à Polícia:
A Constituição da República, neste ponto, não
atribui nenhuma exclusividade para investigações criminais a cargo da Polícia,
como o faz, por exemplo, ao estabelecer que a Ministério Público compete,
privativamente, o exercício da ação penal de iniciativa pública.
Corrobora este argumento o fato de que com o
Código de Processo Penal também se admitem investigações criminais
administrativas, não excluídas pela função de polícia judiciária a cargo das
autoridades policiais. Neste contexto, portanto, é que se inserem as
investigações criminais a cargo do Ministério Público, que, como ensina
Pacelli, deverão ter curso por meio de regular procedimento administrativo.
2) Admitida a ausência da citada
privatividade, a exigência de expressa previsão legal a autorizar a atuação
investigatória do Ministério Público:
Como disposto anteriormente, esta
possibilidade decorre do próprio rol constitucional de atribuições do MP, e do
fato de ser o titular exclusivo da ação penal pública de iniciativa pública, e
detentor da opinio delicti, o que dispensa a previsão expressa de lei
autorizando.
Entretanto, muito embora inexista tal lei, no
sentido formal, que diga expressamente que o MP pode fazer investigações
criminais, o CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO, no uso da atribuição
constitucional de expedir atos regulamentares (art. 130-A, § 2º, inciso I).
regulamentou a matéria através da Resolução nº. 13, de 02 de Outubro de 2006,
que instituiu o denominado “Procedimento Investigatório Criminal”.
No âmbito do MPSC, há o ATO CONJUNTO N.
01/2004/PGJ/CGMP. (bom dar uma boa lida nestes dois atos normativos!!)
Nestes dois documentos, está definido o “PIC”
como:
Resolução nº 13/2006:
Art. 1º. O procedimento investigatório
criminal é instrumento de natureza administrativa e inquisitorial, instaurado e
presidido pelo membro do Ministério Público com atribuição criminal, e terá
como finalidade apurar a ocorrência de infrações penais de natureza pública,
servindo como preparação e embasamento para o juízo de propositura, ou não, da
respectiva ação penal.
Parágrafo único. O procedimento investigatório
criminal não é condição de procedibilidade ou pressuposto processual para o
ajuizamento de ação penal e não exclui a possibilidade de formalização de
investigação por outros órgãos legitimados da Administração Pública.
Trata-se ainda de procedimento escrito (arts.
9º e 10º do Ato 01/2004) e público, salvo disposição legal em contrário ou por
razões de interesse público. O sigilo das investigações, sem prejuízo do
disposto na Lei n. 8.906, de 4 de julho de 1994,poderá ser decretado pelo
presidente do procedimento investigatório criminal, por decisão fundamentada,
quando a elucidação do fato o exigir (arts. 15 e 16 do Ato 01/2004).
3) O exercício abusivo por parte do Ministério
Público quando executa investigações:
Segundo Pacelli, “argumento novo, muito em
voga atualmente, mas, como regra, defendido pelos mandatários públicos e/ou
administradores públicos, compreensivelmente incomodados com a atuação do
Ministério Público.”
Como visto, esta atuação está sujeita a
controle interno e externo, tanto a cargo do CNMP como do Judiciário (no
tocante aos princípios e garantias constitucionais).
OBSERVAÇÃO:
Um tema interessante, dentro de suas
atribuições investigativas, que penso que deve ser lido por nós é a
possibilidade de o Ministério Público, com fulcro no art. 8º da Lei
Complementar 75/93, poder, por requisição, quebrar sigilo fiscal de
investigado.
Sobre este tema, recomendo a leitura do
material que obtive no próprio site do MPSC, no link publicações técnicas,
sobre Moralidade Administrativa, que se refere a uma pesquisa sobre este tema,
a partir da página 43 do Vol. 2.
73. PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E
PRISÕES PROCESSUAIS
PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA.
A Constituição da República Federativa do
Brasil consagrou em seu texto, direitos fundamentais, entre eles, os chamados
direitos de primeira geração ou dimensão, que são os direitos de defesa do
cidadão em face do Estado.
No artigo 5º, LVII, da Constituição da
República, está consagrado que: “ninguém será considerado culpado até o
trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
Referida previsão constitucional alberga o
denominado princípio da presunção de inocência, ou, também chamado por parte da
doutrina e da jurisprudência de princípio da não culpabilidade ou da não-culpa.
Este princípio retrata a garantia do indivíduo
contra o poder punitivo estatal, assegurando-lhe não ser tratado como culpado,
ou, como presumidamente inocente, até que seja proferida condenação definitiva.
Assim sendo, daí decorre, entre outras, a regra de que não cabe ao acusado
fazer prova de sua inocência, mas sim, a acusação comprovar a sua
culpabilidade.
PRISÕES CAUTELARES
A regra no direito brasileiro é de que durante
as fases pré-processual e processual o indiciado ou acusado permaneça em
liberdade, sendo a prisão, exceção e, portanto, só possível naqueles casos
previstos em lei.
As espécies de prisões cautelares são:
a) prisão em flagrante;
b) prisão temporária;
c)prisão preventiva.
Ainda, cabe mencionar a prisão administrativa
e a decorrente de pronúncia, porém, estas não são compatíveis com o atual
ordenamento jurídico.
PRISÃO EM FLAGRANTE
A prisão em flagrante está prevista no artigo
5º, LXI, da Constituição da República e a partir do artigo 301 do CPP.
O flagrante pode ser:
- próprio: quando o agente está cometendo a
infração penal ou acaba de cometê-la;
- impróprio: quando o agente é perseguido,
logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação
que faça presumir ser o autor da infração;
- presumido: quando o agente é encontrado,
logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser
ele o autor da infração.
A prisão em flagrante, em razão de sua
natureza, independe de mandado judicial, podendo ser executada pelas
autoridades policiais e seus agentes (flagrante obrigatório) ou por qualquer do
povo (flagrante facultativo).
Há corrente doutrinária que entende que o
flagrante não seria uma espécie de prisão cautelar, mas sim apenas um estado em
que o agente se encontra, devendo, após o recolhimento do conduzido ao cárcere
ser decretada uma das espécies de prisão cautelar (temporária ou preventiva),
se for o caso, ou, não sendo, ser colocado o agente em liberdade.
De acordo com esta corrente, a prisão em
flagrante seria uma prisão pré-cautelar.
PRISÃO TEMPORÁRIA
A prisão temporária está prevista na Lei 7.960
de 1989.
De acordo com o artigo 1º desta lei, caberá
prisão temporária nos seguintes casos:
- quando imprescindível para as investigações
do inquérito policial;
- quando o indicado não tiver residência fixa
ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade;
- quando houver fundadas razões, de acordo com
qualquer prova admitida na legislação penal, de autoria ou participação do
indiciado nos seguintes crimes:
a) homicídio doloso (art. 121, caput, e seu §
2°);
b) seqüestro ou cárcere privado (art. 148,
caput, e seus §§ 1° e 2°);
c) roubo (art. 157, caput, e seus §§ 1°, 2° e
3°);
d) extorsão (art. 158, caput, e seus §§ 1° e
2°);
e) extorsão mediante seqüestro (art. 159,
caput, e seus §§ 1°, 2° e 3°);
f) estupro (art. 213, caput, e sua combinação com
o art. 223, caput, e parágrafo único);
g) atentado violento ao pudor (art. 214,
caput, e sua combinação com o art. 223, caput, e parágrafo único);
h) rapto violento (art. 219, e sua combinação
com o art. 223 caput, e parágrafo único);
i) epidemia com resultado de morte (art. 267,
§ 1°);
j) envenenamento de água potável ou substância
alimentícia ou medicinal qualificado pela morte (art. 270, caput, combinado com
art. 285);
l) quadrilha ou bando (art. 288), todos do
Código Penal;
m) genocídio (arts. 1°, 2° e 3° da Lei n°
2.889, de 1° de outubro de 1956), em qualquer de sua formas típicas;
n) tráfico de drogas (art. 12 da Lei n° 6.368,
de 21 de outubro de 1976);
o) crimes contra o sistema financeiro (Lei n°
7.492, de 16 de junho de 1986).
Observação: A referida Lei traz este rol de
delitos em que é cabível a prisão temporária, porém é preciso ficar atento,
pois, alguns dos crimes previstos não mais existem em seus respectivos artigos,
ou porque foram objeto de “abolitio” ou porque passaram a ser previstos em
dispositivo referente a outros crimes.
Além dos crimes acima previstos, que constam
do rol do artigo 1° da Lei 7.960, de 1989, o entendimento que prevalece é de
ser cabível a prisão temporária para todos os crimes hediondos e equiparados,
em razão da previsão constante no artigo 2°, § 4º, da Lei 8.072, de 1990.
A prisão temporária só é possível na fase
pré-processual, ou seja, na fase do inquérito policial ou outra forma de
investigação.
Não pode ser decretada de ofício pelo juiz. É
preciso de representação da autoridade policial ou requerimento do Ministério
Público.
O prazo é de 5 dias, podendo ser prorrogada
por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade. No caso de
crimes hediondos e equiparados, o prazo será de 30 dias, também podendo ser
prorrogado nos mesmos moldes mencionados.
PRISÃO PREVENTIVA
O regramento da prisão preventiva está
disposto no Código de Processo Penal, a partir do artigo 311.
Esta espécie de prisão poderá ser decretada
para:
- garantia da ordem pública;
- garantia da ordem econômica;
- conveniência da instrução criminal;
- para assegurar a aplicação da lei penal.
Nas hipóteses acima mencionadas, caberá a
prisão preventiva desde que haja prova da materialidade e indícios suficientes
de autoria.
É cabível tanto na fase pré-processual quanto
na fase processual, podendo ser decretada mediante requerimento do Ministério
Público, do querelante ou mediante representação da autoridade policial. Também
pode ser decretada de oficio pelo juiz, porém, conforme doutrina majoritária,
apenas na fase processual, pois, a sua decretação de ofício na fase
pré-processual implicaria na perda de imparcialidade do juiz e mácula ao
sistema penal acusatório.
De acordo com o CPP, não é possível a
decretação nos crimes culposos, só sendo admitida nos crimes dolosos.
Desaparecendo os motivos que autorizaram a
decretação da prisão preventiva, deverá ser revogada, podendo ser novamente
decretada se sobrevierem razões que a justifiquem.
74. COMPATIBILIDADE ENTRE O PRINCÍPIO DA
PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E AS PRISÕES CAUTELARES.
A respeito da compatibilidade entre o
princípio da presunção de inocência e as prisões cautelares, há dois
posicionamentos antagônicos.
Conforme o primeiro entendimento, a previsão
constitucional do princípio da presunção da inocência impede a decretação de
qualquer tipo de prisão antes da condenação transitada em julgado, seja a que
título for. Para os defensores desta linha de pensamento, as prisões cautelares
são inconstitucionais, uma vez que levam ao cárcere e submetem as suas nefastas
conseqüências pessoas que ao final do processo podem ter por comprovada a sua
não culpabilidade.
Lado outro, há entendimento majoritário,
inclusive adotado pelo Supremo Tribunal Federal, de que este dois institutos
são compatíveis, visto que seus fundamentos são diversos.
O princípio da presunção de inocência põe a
salvo o indivíduo, ou seja, o garante face ao poder punitivo estatal.
De acordo com este princípio, antes do
trânsito em julgado da sentença condenatória, decorrente de devido processo
legal, em que assegurado o contraditório e a ampla defesa, o Estado não pode
executar punições. Ao cárcere, não havendo outro fundamento legal, só poder ser
levado o condenado definitivo.
As prisões cautelares não possuem como
fundamento a execução antecipada de condenação. Seu fundamento está previsto em
lei, a depender de cada espécie, tendo como fim último a função garantidora.
Desta forma, antes do trânsito em julgado de
sentença condenatória, o ordenamento brasileiro só permite a prisão como função
garantidora e não com função punitiva.
Assim sendo, os dois institutos se
compatibilizam exatamente naquilo em que divergem, qual seja, sua função, visto
que a prisão cautelar não tem função punitiva e o princípio da presunção de
inocência garante a não punição antecipada.
ATENÇÃO: o texto foi elaborado de acordo com o
atual regramento das prisões previstos no CPP, visto que de acordo com o edital
as inovações legislativas que ainda não estejam em vigor não serão objeto de
indagações.
Entretanto, como no grupo já vi que estão
todos sabendo da modificação legislativa, também acho interessante que
estudemos estas alterações, pois, é um prato cheio para cair na prova.
Princípios e diretrizes que norteiam o direito
social e fundamental à saúde
A Constituição Federal de 1988 trouxe um
importante papel para o direito à saúde no Brasil, reconhecendo-o como um
direito social fundamental, previsto no caput do artigo 6°.
Ao dispor sobre a Ordem Social, a Carta Magna
estabeleceu expressamente, nos incisos I, II e III do artigo 198, como
diretrizes do Sistema Único de Saúde, a descentralização, o atendimento
integral e a participação da comunidade. No caput dos artigos 196 e 198,
encontram-se princípios não registrados explicitamente, mas que foram
explicitados posteriormente na Lei Orgânica da Saúde (Lei n° 8.080/90), quais
sejam: a saúde como direito de todos e dever do Estado, a regionalização e a
hierarquização das ações e serviços de saúde, e a unicidade do sistema de
saúde.
A referida Lei Orgânica, por sua vez, reservou
um capítulo para tratar dos princípios e diretrizes que norteiam o direito à
saúde. Dispõe o artigo 7° que as ações e serviços de saúde são desenvolvidos de
acordo com as diretrizes previstas no artigo 198 da Constituição, obedecendo
ainda os princípios enumerados em seus treze incisos. Ainda, em outros
dispositivos da lei n° 8.080/90, também é possível encontrar outros princípios
e diretrizes do sistema.
Cabe aqui fazer uma breve explicação sobre
alguns desses princípios e diretrizes.
13. A SAÚDE COMO DIREITO: a qualificação da
saúde como direito fundamental significa, para a administração pública, a
responsabilidade de elaborar programas que garantam o acesso à saúde; para a
população, a possibilidade de exigir a consecução desse direito sempre que ele
for negado.
14. UNICIDADE: as ações e os serviços de saúde
operacionalizados por vários ministérios, institutos, fundações, autarquias e
agências devem ser vinculados à administração direta das três esferas de
governo e compatibilizados com as competências e atribuições da gestão de cada
uma, em contraposição ao insucesso do modelo de saúde vigente até 1988, que era
operacionalizado por uma multiplicidade de órgãos e resultou em prejuízos
econômicos e sociais.
15. UNIVERSALIDADE: trata da possibilidade de
atenção à saúde a todos os brasileiros, conforme a necessidade. Está
relacionada à gratuidade no acesso aos serviços, independentemente de
nacionalidade, classe social ou contribuição para o Fundo Nacional de Saúde,
para aqueles que precisarem de um serviço de atendimento à saúde. Para
concretização do princípio, a administração pública deve adotar um
planejamento, com realização de estudos e propostas de solução dos problemas
existentes em cada comunidade, possibilitando a atenção à saúde de todos os que
necessitam.
16. INTEGRALIDADE: o cidadão tem direito de
ser atendido e assistido sempre que necessitar, em qualquer situação de risco
ou agravo, utilizando ou não os insumos, medicamentos e equipamentos. O que
define o atendimento deve ser a necessidade das pessoas.
17. IGUALDADE: o poder público deve oferecer
condição de atendimento igual para todos, especialmente ao não permitir a
diferenciação entre usuários pagantes e usuários do Sistema Único de Saúde. O
que deve determinar o tipo e a prioridade do atendimento é a demanda e o grau
de complexidade da doença, e não a condição socioeconômica dos usuários.
18. PRESERVAÇÃO DA AUTONOMIA: os serviços de
saúde devem proteger e cuidar do usuário contra qualquer adversidade,
possibilitando sua reabilitação física para que retome sua capacidade de
mobilizar-se, autocuidar-se e realizar as atividades cotidianas que deseja.
19. DIREITO À INFORMAÇÃO: os usuários do
sistema de saúde podem, a qualquer tempo, ter acesso a seus prontuários, a
informações sobre as hipóteses de diagnóstico, tratamento e prognóstico de seus
males, além de serem orientados e esclarecidos sobre os benefícios e os riscos
de todos os procedimentos diagnósticos e terapêuticos possíveis de serem
adotados.
20. DESCENTRALIZAÇÃO: o modelo anteriormente
vigente no Brasil era da centralização das ações e serviços de saúde nas
esferas Federais e Estaduais, e que redundava em relações de trabalho
burocratizadas e desvinculação dos serviços com a comunidade. Com a
descentralização dos serviços para os municípios, surge a possibilidade de se
elaborarem projetos mais compatíveis com cada realidade, e a probabilidade
efetiva da comunidade interferir na concepção, implementação e funcionamento do
sistema.
21. REGIONALIZAÇÃO: a organização das ações e
serviços de saúde deve considerar a distribuição da população nas regiões, a
realidade epidemiológica e social de cada uma, e os meios de locomoção e
transporte existentes. Para facilitar a regionalização, os municípios podem
constituir consórcios para desenvolver em conjunto as ações e serviços de
saúde.
22. HIERARQUIZAÇÃO: a hierarquização em níveis
de complexidade dos serviços deve ocorrer dentro do sistema de saúde como um
todo, havendo um diálogo de cada estabelecimento com a rede de saúde local, e
não apenas uma hierarquização interna, dentro de um mesmo estabelecimento.
23. RESOLUBILIDADE: as equipes de trabalho
devem ser capazes de identificar a sua utilidade prática e sua missão
institucional no sistema, de modo que caso uma unidade não tenha condições de
solucionar determinada situação, saiba onde se pode solucioná-la,
providenciando o encaminhamento do usuário.
24. HUMANIZAÇÃO: responsabilização mútua e
compromisso entre os serviços de saúde e a comunidade, estabelecendo-se um
vínculo entre as equipes de saúde e a população.
25. INTERSETORIALIDADE: o gestor da saúde deve
participar da formulação e execução das ações relacionadas aos fatores
determinantes e condicionantes da saúde – tais como a alimentação, a moradia, o
meio ambiente e o saneamento básico – influenciando os governos na
implementação de políticas públicas que melhorem a qualidade de vida e de saúde
das pessoas.
26. PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE: democratização
do conhecimento do processo saúde/doença e dos serviços.
27. FINANCIAMENTO SOLIDÁRIO: com recursos do
orçamento da seguridade social da União, Estados, Distrito Federal e
Municípios.
28. APLICAÇÃO MÍNIMA DOS RECURSOS: a
Constituição prevê a obrigatoriedade da aplicação mínima de recursos na saúde,
estipulando a possibilidade de intervenção da União nos Estados e dos Estados
nos Municípios em caso de descumprimento.
29. PLANEJAMENTO ASCENDENTE: o planejamento
inicia-se no nível local e termina no nível federal.
30. CONTROLE SOCIAL: à sociedade é assegurado
interagir com o poder público, participar da formulação das políticas de saúde
e fiscalizar a execução e a utilização de recursos.
O Ministério Público possui papel fundamental
nessa seara, pois é incumbido de zelar para que os Poderes Públicos e serviços
de relevância pública – entre eles os serviços e ações de saúde – observem os
direitos assegurados na Constituição, promovendo as medidas necessárias à sua
garantia.
Para a concretização desses princípios e
diretrizes, o membro do Ministério Público tem em suas mãos importantes
instrumentos capazes de auxiliar na busca do exercício pleno do direito à
saúde. Para isso, pode auxiliar na articulação dos Conselhos de Saúde, para
assegurar a real participação comunitária na gestão da saúde, pode instaurar
procedimentos extrajudiciais, como inquéritos civis e procedimentos de
investigação preliminar, ou ajuizar medidas judiciais ligadas ao atendimento em
saúde, ao acesso a medicamentos, a tratamentos especializados, enfim, a todos
os recursos destinados à promoção, proteção ou à recuperação da saúde.
Fontes:
“Direito sanitário e saúde pública”.
Ministério da Saúde, Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde,
Departamento de Gestão da Educação na Saúde; Márcio Iorio Aranha (Org.) –
Brasília: Ministério da Saúde, 2003.
“Da efetivação do direito à saúde no
Brasil” – http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9037
“O Direito à Saúde e o Ministério Público” -
http://docs.google.com/viewer?a=v&q=cache:pEjpqAVfmQMJ:www.mp.pe.gov.br/uploads/p1KdxISyI758jG-2x2XOxQ/78Arwms7zZxEEvAJeVV0RA/Direito__sade_e_Ministrio_Pblico_-_Cristiane_Barreto.doc+direito+%C3%A0+sa%C3%BAde+minist%C3%A9rio+p%C3%BAblico&hl=pt-BR&gl=br&pid=bl&srcid=ADGEEShjgllNdL6Uh_Dj5XwikG4k-5h22IV3HwiAtCkK9h9HYUcP5yd-UGJbS9OewvW7ID2_pVqP81lssbZNfkAsugwOS6LZw5oXqkObUyiS-OnMAxnwJWecVACej0HoxQNelkAAdvlw&sig=AHIEtbSeNObnIsMwn8JwTKJN7MsAIdK3Sw
75. A PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA E O
MINISTÉRIO PÚBLICO
O tema sorteado para a apresentação oral do
candidato é “A Propaganda Eleitoral Antecipada e o Ministério Público”.
Inicialmente, para contextualizar o tema
abordado, importante salientar que, de acordo com a previsão do art. 127 da
Constituição Federal, o Ministério Público é uma instituição permanente,
essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem
jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis.
Desta maneira, cumpre ao Ministério Público
exercer as funções que lhe forem legalmente conferidas, desde que compatíveis
com a sua finalidade.
No que toca especificamente à atuação do
Ministério Público no processo eleitoral, em cada Zona Eleitoral funciona o
Promotor Eleitoral, membro do Ministério Público Estadual, com atribuições
junto ao Juiz incumbido da função eleitoral. Neste caso Promotor Eleitoral exerce
funções do Ministério Público Federal por delegação legal, daí que suas
atribuições são aquelas definidas na Lei Complementar nº 75/93.
A partir da Constituição Federal de 1988 a
atuação do Ministério Público tornou-se indispensável em toda e qualquer fase
do processo eleitoral.
Desta maneira, o Ministério Público Eleitoral
atua nas atividades meramente administrativas:
- alistamento eleitoral
- nomeação de mesários
- designação de local de votação
- diplomação
E também nas jurisdicionais propriamente ditas:
- impugnação ao registro de candidatura
- representação
- investigação judicial
- impugnação de mandato eletivo
No que concerne à propaganda eleitoral, o
Promotor de Justiça deve dar início a sua atuação mesmo antes da deflagração
oficial da campanha. Isto porque alguns candidatos dão início à sua campanha
muito antes do período permitido pela Lei Eleitoral.
De acordo com o art. 36, caput, da Lei
9.504/97, a propaganda eleitoral somente é permitida após o dia 5 de julho do
ano da eleição, ou seja, a partir do dia 06 de julho.
A propaganda eleitoral consiste nas ações de
natureza política e publicitária desenvolvidas pelos candidatos, de forma
direta ou indireta, com apelos explícitos ou de modo disfarçado, destinadas a
influir sobre os eleitores, de modo a obter a sua adesão às candidaturas e, por
conseguinte, a conquistar o seu voto.
O Tribunal Superior Eleitoral vem
interpretando o significado do termo "propaganda eleitoral" como uma
manifestação levada a conhecimento geral que tenha a pretensão de revelar ao
eleitorado, simultaneamente: o cargo político cobiçado pelo candidato; suas
propostas de ação para o cargo; e a aptidão do candidato ao exercício da função
pública.
Especificamente no que diz respeito à
propaganda eleitoral antecipada, ou seja, aquela realizada antes do dia 6 de
julho do ano das eleições, o representante do Ministério Público poderá adotar
as seguintes medidas:
- Reunir-se com os dirigentes partidários logo
no início do ano eleitoral, advertindo-os para a necessidade de orientar seus
filiados no sentido de não iniciarem a propaganda antes do tempo fixado por
lei;
- Expedir recomendações e avisos escritos aos
candidatos e partidos; e
- Havendo violação da norma, deve acionar a
Justiça Eleitoral buscando sua imediata suspensão da propaganda e aplicação da
multa prevista no art. 36, § 3º da Lei 9.507-4/97, no valor de 20.000 a 50.000
UFIR por meio de REPRESENTAÇÃO ao Juiz competente.
A atuação do Ministério Público no que
respeita à propaganda antecipada é de extrema importância, não somente porque
lhe cumpre prevenir as condutas ilegais, por meio de orientação e expedição de
recomendações aos partidos e candidatos, como também porque, ao lado dos
partidos políticos, é o órgão competente para propor a representação por
violação às normas eleitorais.
Assim, conclui-se que, no que diz respeito à
propaganda eleitoral antecipada, o Ministério Público possui amplos
instrumentos para atuar como defensor natural do interesse público, consistente
em garantir que cada cidadão possa votar livremente e o resultado das urnas
coincida com a vontade popular e, deste modo, ajuda a garantir a lisura do
processo eleitoral como pressuposto da observância da ordem jurídica e da
manutenção do regime democrático de direito.
Fontes de pesquisa:
http://www.mp.ba.gov.br/atuacao/caocif/eleitoral/dourinas/artigos/o_papel_do_ministerio_publico_eleitoral.pdf
http://www.tse.gov.br/internet/CatalogoPublicacoes/pdf/estudos_eleitorais/estudos_eleitorais_v5-n1.pdf#page=38
http://www.tresc.gov.br/site/fileadmin/arquivos/ejesc/documentos/publicacoes/a.doc
76. A REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL
Segundo o sistema jurídico vigente, a
maioridade penal se dá aos 18 anos de idade. Essa norma encontra-se inscrita em
três Diplomas Legais: 1) artigo 27 do Código Penal; 2) artigo 104 caput do
Estatuto da Criança e do Adolescente; 3) e artigo 228 da Constituição Federal
Como a inimputabilidade penal antes dos 18
anos, portanto, está prevista na Constituição, a pretendida mudança só poderia
ser efetivada pela via da Emenda Constitucional.
Há juristas defensores da impossibilidade da
reforma constitucional, pois entendem que se trata de direito individual que é
imune à mudança pela Emenda, nos termos do art. 60, §4º, inciso IV, da CF/88.
Este é o primeiro obstáculo para a mudança do art. 228 da C.F., pois, para
estes juristas, trata-se de cláusula pétrea, somente podendo ser alterada por
nova Assembleia Constituinte.
O nosso sistema penal adotou o sistema
biológico, pelo qual a simples condição de menoridade pressupõe a incapacidade
para compreender com plenitude o caráter ilícito da infração penal praticada.
Em países como Estados Unidos e Inglaterra não
existe idade mínima para a aplicação de penas. Nesses países são levadas em
conta a índole do criminoso, tenha a idade que tiver, e sua consciência a
respeito da gravidade do ato que cometeu. Em Portugal e na Argentina, o jovem
atinge a maioridade penal aos 16 anos. Na Alemanha, a idade-limite é 14 anos e
na Índia, 7 anos.
Os defensores da redução da maioridade penal
acreditam que os adolescentes infratores não recebem a punição devida. Para
eles, o Estatuto da Criança e do Adolescente é muito tolerante com os
infratores e não intimida os que pretendem transgredir a lei. Argumentam que,
se a legislação eleitoral considera que o jovem de 16 anos com discernimento
pode votar, ele tem também tem idade suficiente para responder diante da
Justiça por suas infrações, pois tal fato demonstra que nessas condições ele já
possui maturidade plena, sendo o exercício da maioridade eleitoral, inclusive,
mais complexo.
Parte dessa corrente defende uma solução,
pode-se dizer, mista, no sentido de condicionar a responsabilização à
comprovação do desenvolvimento intelectual e emocional do adolescente entre 16
e 18 anos. Passaria a ser adotado, neste contexto, o sistema biopsicológico (ou
biopsicológico normativo ou misto), pelo qual as pessoas nessa faixa etária
necessariamente deveriam ser submetidas a avaliação psiquiátrica e psicológica
para aferir o seu grau de amadurecimento. O meio para a obtenção dessa
conclusão é a perícia.
Das seis propostas de redução da maioridade
penal que a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado avalia,
quatro reduzem a maioridade de 18 para 16 anos, e uma para 13 anos, em caso de
crimes hediondos. Há ainda uma proposta de emenda constitucional (PEC), do
senador Papaléo Paes (PSDB-AP) que determina a imputabilidade penal quando o
menor apresentar "idade psicológica" igual ou superior a 18 anos.
Os que combatem as mudanças na legislação para
reduzir a maioridade penal acreditam que ela não traria resultados na
diminuição da violência e só acentuaria a exclusão de parte da população. Como
alternativa, eles propõem melhorar o sistema socioeducativo dos infratores,
investir em educação de uma forma ampla e também mudar a forma de julgamento de
menores muito violentos. Alguns defendem mudanças no Estatuto da Criança e do
Adolescente para estabelecer regras mais rígidas, como por exemplo o aumento do
limite do prazo de internação para 10 anos. Outros dizem que já faria diferença
a aplicação adequada da legislação vigente.
A pergunta que deve ser feita, portanto, é: a
redução da maioridade penal, realmente, é um fator de redução para a violência?
E, ainda: com essa medida continuariam preservados os direitos das crianças e
adolescentes como pessoas em desenvolvimento?
Em todo esse contexto, o Ministério Público,
na condição de órgão que tutela os direitos dessas pessoas, possui atuação de
grande relevância, e deve procurar aliar os dois fatores citados.
Deve ser buscada, assim, uma aplicação
rigorosa e sistemática do Estatuto da Criança e do Adolescente, que poderia
receber, sim, a adição de normas que tornassem suas medidas mais efetivas e, em
alguns casos, até mais rigorosas.
Para os que defendem, em absoluto, a redução
da maioridade penal, uma pergunta muito importante deve ser feita: o Brasil possui,
atualmente, condições concretas de superlotar ainda mais seus estabelecimentos
prisionais? Caso a resposta seja positiva, essa continuidade de lotação
reduziria efetivamente a violência, com condições para reintegrar à sociedade
os detentos?
Para finalizar, uma observação. Qualquer
medida que se pretenda tomar deve estar de acordo com o que o Estado tem
condições de oferecer e suportar.
Fontes:
-
http://veja.abril.com.br/idade/exclusivo/perguntas-respostas/maioridade
penal/index.html;
- www.ipepe.com.br/idade.html;
-
http://jus.uol.com.br/revista/texto/3374/reducao-da-maioridade-penal
77. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA: AFASTAMENTO DE
AGENTE PÚBLICO - PODER GERAL DE CAUTELA
A Lei de Improbidade Administrativa (LIA) –
Lei nº 8.429/1992, a par das sanções cominadas aos atos considerados ímprobos
(Art. 12), prevê basicamente três modalidades de medidas cautelares:
A indisponibilidade de bens (Art. 7º);
O sequestro de bens (Art. 16); e
O afastamento do agente (Art. 20, parágrafo
único).
Conforme o disposto no caput do Art. 20 da
LIA, a efetiva perda da função pública só pode ser decretada com o trânsito em
julgado da sentença, em se tratando de processo deflagrado com o objetivo de
apurar ato de improbidade administrativa.
O afastamento, contudo, segundo a dicção do
dispositivo em comento, serve para garantir o bom andamento da instrução
processual. O afastamento pode ser determinado pela autoridade judicial ou
administrativa, dependendo de se tratar de procedimento administrativo disciplinar
ou processo judicial por improbidade. Além do que, referido afastamento se dá
sem prejuízo da remuneração do agente. E não há prazo previsto na lei para a
duração do afastamento, mas levando-se em conta a razoabilidade e os motivos
que ensejaram a aplicação da medida, deve durar enquanto for necessário,
perdendo a eficácia quando desaparecerem os motivos determinantes de sua
aplicação.
Ponto interessante versa sobre a possibilidade
de se afastar (judicialmente) o agente político, titular de mandato eletivo.
Aqui há divergências. De um lado, existem doutrinadores que sustentam a
impossibilidade do afastamento do agente político. Para esta corrente, não
seria possível tal afastamento por mera decisão cautelar, pois o detentor de
mandato concedido pelo povo teria mais garantias para o despojamento do cargo,
tendo em vista tratar-se de questão relativa à própria organização do Estado.
Além do mais, sustentam que a previsão do Art. 2º da LIA (que até fala em
“mandato”) não teria sido específica quanto ao mandato eletivo. De outro lado,
os que defendem a aplicação irrestrita do afastamento, argumentam que a LIA não
fez distinção entre os sujeitos passivos do afastamento (Art. 2º fala em
mandato, que seria o eletivo). Esta última posição é majoritária tanto na
doutrina quanto na jurisprudência.
A questão central deste tema, todavia,
refere-se à imbricação entre a medida de afastamento do agente ímprobo e o
poder geral de cautela do juiz nas ações de improbidade. Assim, exsurgem
entendimentos segundo os quais o julgador estaria autorizado a utilizar do
poder geral de cautela, previsto no Art. 798, CPC, para determinar as medidas
pertinentes e cabíveis nessas demandas.
O fundamento de aplicação do poder geral de
cautela estaria espraiado pela LIA. Ela, em diversos dispositivos, prevê a
possibilidade de aplicação subsidiária do CPC, bem como preconiza medidas
cautelares, com supedâneo nos dispositivos do CPC que tratam das cautelares.
Tudo aliado à comunicação da LIA com LACP (Lei de Ação Civil Pública – 7.347/1985,
em seu Art. 12).
Por exemplo, a teor exato da lei (art. 20,
parágrafo único), o afastamento só poderia ser determinado, se amparado na
interferência prejudicial do agente na instrução processual. Tal situação
necessita, segundo a jurisprudência, de prova de fatos concretos de que o
agente estaria, de algum modo, atrapalhando o bom andamento do processo. É uma
restrição demasiada à aplicação do mencionado instituto.
Desta feita, de acordo com esta moderna visão,
o juiz poderia, por exemplo, determinar o afastamento do agente por outros
fatos, além daquele específico previsto na LIA. Os defensores desta tese dão
como exemplo o fato de o agente, com sua conduta ímproba, causar grande
descrédito nas instituições públicas, servindo o afastamento para garantir a
ordem pública. Já existem, inclusive, julgados nesse sentido. Tal entendimento
amplia o espectro da medida cautelar de afastamento, protegendo melhor o
interesse público envolvido, especialmente a moralidade.
É aqui que entra o Ministério Público, como
órgão deflagrador de tais medidas.
78. LEI MARIA DA PENHA
De início é importante que se registre que a
violência doméstica tem ceifado a vida de muitas mulheres, com motivação
abjeta, e por meios extremamente crués, sendo recorrentes as desconfianças e
supostas traições, o alcoolismo, o uso de drogas, ou simplesmente o caráter
violento do agressor e, no âmago da questão, o machismo exacerbado.
Além disso, em muitos casos a mulher não é
vítima isolada no contexto familiar. É alarmante a freqüência dos abusos
sexuais perpetrados contra meninas pelos próprios pais biológicos ou por
padrastos e parentes próximos no âmbito doméstico. Estudos científicos
demonstram a gravidade e a irreversibilidade dos danos causados à saúde física
e mental das vítimas, submetidas às mais repugnantes prática e a alviltantes
perversões dentro de suas próprias casas.
Vê-se, assim, que a violência doméstica é tema
a ser tratado com seriedade. Atendendo-se ao preceito insculpido no art. 226, §
8º, da Constituição Federal, no qual prevê que o Estado criará mecanismos para
coibir a violência no âmbito das relações familiares, em 7/8/2006, foi
sancionada pelo Presidente da República a Lei n. 11.340/2006, chamada Maria da
Penha, que cria mecanismos de coibir e prevenir a violência doméstica e
familiar contra a mulher.
Há quem sustente mais de uma
inconstitucionalidade da lei, na tentativa de impedir sua vigência ou limitar
sua eficácia. Até o fato de ela direcionar-se exclusivamente à mulher é
invocado, como se tal afrontasse o princípio da igualdade, uma vez que o homem
não pode ser o sujeito passivo.
No entanto, o modelo conservador da sociedade,
que coloca a mulher em situação de inferioridade e submissão, é que a torna
vítima da violência masculina. Ainda que os homens possam ser vítimas da
violência doméstica, tais fatos não decorrem de razões de ordem social e
cultural. Aliás, é exatamente para dar efetividade ao princípio da igualdade
que se fazem necessárias equalizações por meio de ações afirmativas. Daí o
significado da lei: assegurar à mulher o direito à sua integridade física,
psíquica, sexual, moral e patrimonial.
Também não há inconstitucionalidade no fato de
a lei definir competências. Ao assim agir, não transbordou seus limites. Como
foi excluída a incidência de lei que criou juízo especial (art. 41), a
definição da competência deixa de ser da esfera de organização privativa do
Poder Judiciário (CF/88, 125, § 1º). Deste modo, não há como questionar a
constitucionalidade da exclusão levada a efeito, atentando ao vínculo afetivo
dos envolvidos.
Os benefícios trazidos pela lei são
significativos e de vigência imediata. Destaca-se a criação dos Juizados de
Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, com competência cível e
criminal (art. 14), com possibilidade de funcionamento em horário noturno, a
fim de garantir acesso a todos (art. 14, parágrafo único), bem como contando
com o apoio de equipe de atendimento multidisciplinar, formado por
profissionais das áreas psicossocial, jurídica e de saúde (art. 29), além de
curadorias e serviço de assistência judiciária (art. 34).
Foi criada nova hipótese de prisão preventiva
(o art. 42 acrescentou o inciso IV ao art. 313 do CPC): “se o crime envolver
violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da lei específica,
para garantir a execução das medidas protetivas de urgência”. Com isso, a
possibilidade da prisão preventiva não mais se restringe aos crimes punidos com
reclusão.
Um dos mecanismos mais importantes de coibição
da violência foi a possibilidade da polícia judiciária, mediante registro da
ocorrência, desencadear um leque de providências: proteção à vítima,
encaminhamento ao hospital, fornecimento de transporte para lugar seguro e
acompanhamento para retirar seus pertences do local da ocorrência (art. 11).
Cabe ainda à polícia tomar por termo o pedido de providências protetivas
urgentes (art. 12, § 1º) e a representação da ofendida no caso de ação penal
pública condicionada (art. 12, I), além de poder solicitar a prisão preventiva
do agressor (art. 20).
O pedido de medidas urgentes será remetido em
expediente apartado ao Juízo, no prazo de 48 horas (art. 12, III), fazendo-se
necessária somente a ouvida da ofendida, bastando, para o esclarecimento dos
fatos e sua circunstância, ser anexadas as provas que estejam disponíveis e na
posse da ofendida (art. 12, § 2º).
O Juiz da Vara Criminal, enquanto não
instalados os juízos especializados, pode deferir as medidas cautelares em sede
liminar, designar audiência de justificação ou indeferi-las de plano. Para
garantir segurança à vítima e seus familiares é possível, de ofício, determinar
o que entender de direito.
As medidas que obrigam o agressor são:
afastamento do lar, recondução da ofendida e seus dependentes, impedimento de
que se aproxime da casa, fixando limite mínimo de distância, vedação de que se
comunique com a família, suspensão de visitas, encaminhamento da mulher e dos
filhos a abrigos seguros, fixação de alimentos provisórios ou provisionais
(art. 22). Estão previstas medidas que protegem a ofendida, tais como a
restituição de bens que lhe foram indevidamente subtraídos, suspensão de
procuração outorgada ao agressor e proibição temporária da venda ou locação de
bens comuns (art. 24).
Por certo o tema que mais tem alimentado
discussões a partir da vigência da nova lei seja sobre o delito de lesões
corporais, pois, afinal, é esta a infração mais cometida no âmbito das relações
que se dizem afetivas.
A Constituição Federal determinou a criação de
juizados especiais para as infrações penais de menor potencial ofensivo (art.
98, I), delegando-se à legislação infraconstitucional escolher referidos
delitos. A Lei n. 9.099/95 veio dar efetividade ao comando constitucional e
acabou por eleger, dentre outros delitos, a lesão corporal leve e a lesão
culposa (art. 88 da Lei n. 9.099/95), limitando-se a condicionar tais crimes à
representação, sem, no entanto, dar nova redação ao Código Penal.
Porém, lei posterior e da mesma hierarquia
expressamente afastou a incidência da Lei n. 9.099/95 quando a vítima é mulher
e foi agredida no ambiente doméstico (art. 41 da Lei n. 11.340). A violência
doméstica deixou de ser uma questão de âmbito privado subordinada ao interesse
da vítima, não precisando o Ministério Público de autorização dela para
proceder à denúncia.
Portanto, está excluída do rol dos delitos de
pequena e média lesividade a violência doméstica. Quando a vítima é mulher que
sofreu a agressão física no ambiente doméstico, como nesta hipótese, foi
afastada a égide da Lei dos Juizados Especiais, as lesões não mais podem ser
consideradas de pequeno potencial ofensivo e a ação penal é pública
incondicionada. O agressor responde pelo delito na forma prevista na Lei Penal,
uma vez que foi restaurada a incondicionalidade para o processamento das lesões
corporais.
Nesse sentido, já se posicionou o Superior
Tribunal de Justiça (REsp n. 1000222/DF, Sexta Turma, rela. Min. Jane Silva, j.
em 23/9/2008).
Nos crimes de ação penal pública condicionada,
pode a vítima renunciar à representação (art. 16) até o oferecimento da
denúncia, porém, só há dita possibilidade nos delitos que o Código Penal
classifica como sendo de ação pública condicionada à representação, como os
crimes contra a liberdade sexual (CP, art. 225) e o de ameaça (CP, art. 147,
parágrafo único). Ressalta-se que a vítima poderá desistir da representação
exclusivamente em audiência designada especialmente para tal fim, depois de
ouvido o Ministério Público.
A participação do Ministério Público é
indispensável. Tem legitimidade para agir como parte, intervindo nas demais
ações tanto cíveis como criminais (art. 25). Também pode exercer a defesa dos
interesses e direitos transindividuais (art. 37). Devem ser comunicadas ao
promotor as medidas que foram aplicadas (art. 22, § 1º), podendo ele requerer
outras providências (art. 19) ou a substituição por medidas diversas (art. 19,
§ 3º). Quando a vítima manifestar interesse em desistir da representação, deve
o promotor estar presente na audiência (art. 16). Também lhe é facultado
requerer o decreto da prisão preventiva do agressor (art. 20).
A efetividade da Lei Maria da Penha depende da
atuação de todos os operadores jurídicos, compromissados com o objetivo
precípuo de coibir a prática, tão comum em nosso país, de violência doméstica
ou familiar contra a mulher.
79. O MP E O CUMPRIMENTO EFETIVO DAS DECISÕES
JUDICIAIS
De início, necessário mencionar que a
Constituição da República qualifica o Ministério Público como sendo uma
instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado,
incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos
interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127 da Constituição
Federal). Deve o Ministério Público zelar, em suma, pelo interesse público
primário. Nessa linha, o art. 129 da Carta Magna arrola várias funções
institucionais do Ministério Público, inerentes à natureza jurídica da
instituição, as quais são simetricamente dispostas nas leis correlatas,
referentes à instituição e sua atuação em juízo.
Consoante previsão legal e constitucional, a
atuação do Ministério Público, judicialmente, ocorre ora enquanto parte, ora
enquanto custos legis.
Enquanto parte, é atribuída legitimidade ao
Ministério Público para a propositura de ações (notadamente, ação civil
pública), que visem à tutela de interesses difusos, coletivos ou individuais
homogêneos. Aqui, sua legitimidade, em regra, é extraordinária, já que atua em
juízo na defesa de interesses alheios.
Nos processos cíveis em que atua como parte,
possui o Ministério Público uma série de instrumentos legais à sua disposição e
que visam ao efetivo cumprimento das decisões judiciais. Como exemplo, pode-se
citar o requerimento de incidência de multa cominatória no caso de
descumprimento da decisão judicial, seja nas antecipatórias de tutela ou nas
sentenças de mérito (neste caso, chama-se a multa por descumprimento de astreinte,
consoante os ensinamentos de Mazzilli) e requerimento de medidas sub-rogatórias
ao juízo, dispensando-se, nesse último caso, a atuação do devedor e
atribuindo-se a terceiro o resultado esperado do sujeito passivo.
Nas ações de improbidade, tem o MP a sua
disposição o requerimento de indisponibilidade de bens, instrumento processual
que visa a garantir a eficácia do provimento jurisdicional condenatório.
Ademais, em referidos processos, em sendo o
Ministério Público a parte ativa, é certo que possui legitimidade para exigir o
cumprimento das decisões judiciais, seja no processo sincrético (atualmente
regra no Processo Civil) ou por meio de processo de execução autônoma. Aliás, o
art. 566, II do Código de Processo Civil, Lei 7.347/85, Código de Defesa do
Consumidor e Estatuto da Criança e do Adolescente conferem-lhe referida
legitimidade.
Não obstante, há casos em que, mesmo quando o
Ministério Público não atua como parte, mas como custos legis, está autorizado,
ou mesmo possui o dever institucional, de promover a execução da sentença. É o
que ocorre, por exemplo, nos casos de Ações Coletivas propostas por outro
dos legitimados à ação civil pública, quando não executa a sentença transitada
em julgado no prazo legal, consoante previsão do art. 15 da Lei n. 7.347/85,
art. 216 do Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 97 do Código de Defesa
do Consumidor, entre outros diplomas legais que legitimam a execução pelo
Ministério Público.
Assim, na esfera cível, seja como autor ou
como custos legis, possui o Ministério Público meios à sua disposição visando
ao efetivo cumprimento das decisões judiciais proferidas.
No que tange à esfera criminal, é cediço ser o
Ministério Público, em regra, titular da Ação Penal. Proposta uma ação penal
que acarrete a imposição de pena ou medida de segurança, mesmo quando se trate
de ação penal provada, incumbe ao Ministério Público fiscalizar o exato
cumprimento da reprimenda irrogada pelo Juízo. É, aliás, o que dispõe o art. 67
da Lei de Execuções Penais.
Não obstante, é certo que, mesmo quando
aplicada medida despenalizadora ao acusado, incumbe ao Órgão de Execução com
atribuição no feito fiscalizar o efetivo cumprimento das condições impostas,
como condição à transação penal ou à suspensão condicional do processo e, em
caso de descumprimento, tomar as providências cabíveis (oferecendo a competente
denúncia ou requerendo o prosseguimento do processo, conforme o caso).
É atribuição, pois, do Ministério Público
fiscalizar o efetivo cumprimento das decisões proferidas em ações penais.
Observe-se, ademais, que verificado o
descumprimento de qualquer ordem judicial, é dever do Ministério Público,
enquanto titular da ação penal, promover a responsabilização criminal do
desobediente e, em se tratando de agente público nos moldes do art. 2º da Lei
n. 8.429/92, também a sua responsabilização por ato de improbidade
administrativa.
Já que tratamos do papel do Ministério Público
no cumprimento das decisões judiciais, importante mencionar, também, que,
proferida decisão judicial em sede de controle concentrado de
constitucionalidade e, verificado o descumprimento pelo Ministério Público, tem
este legitimidade para propor, junto ao Supremo Tribunal Federal, Reclamação,
visando à preservação da autoridade da decisão proferida pela Corte Suprema.
Registre-se, ademais, que, quando o
descumprimento de ordem judicial é reputado à Administração Pública, pode o
Ministério Público requerer a deflagração de processo de intervenção no ente
federativo a quem incumbiria o cumprimento, consoante previsão constitucional
(arts. 34, VI e 35, IV da CF).
Por fim, importante observar que é latente, na
sociedade atual, a sensação de ineficiência da atividade jurisdicional ante o
corrente descumprimento de decisões judiciais.
Por isso a importância da atuação do
Ministério Público buscando o fiel cumprimento das ordens judiciais, até
porque, assegurando a fruição de direitos declarados pelo Poder Judiciário,
ampliará a sensação de concretização da justiça, efetivando seu papel de
defensor do Estado Democrático de Direito.
80. RESIDÊNCIA DO PROMOTOR DE JUSTIÇA
De início, necessário mencionar que a
Constituição da República qualifica o Ministério Público como sendo uma
instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado,
incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos
interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127 da Constituição
Federal). Deve o Ministério Público zelar, em suma, pelo interesse público
primário. Nessa linha, o art. 129 da Carta Magna arrola várias funções
institucionais do Ministério Público, inerentes à natureza jurídica da
instituição, as quais são simetricamente dispostas nas leis correlatas,
referentes à instituição e sua atuação em juízo.
Consoante previsão legal e constitucional, a
atuação do Ministério Público, judicialmente, ocorre ora enquanto parte, ora
enquanto custos legis.
Especificamente, quanto ao tema a ser tratado,
importante trazer à baila as previsões legais acerca da residência do Promotor
de Justiça.
A Constituição da República, a Constituição do
Estado de Santa Catarina, a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (n.
8.625/93), a Lei Complementar 72/93 (que dispõe sobre a organização do MPU) e a
Lei Complementar Estadual 197/2000 (que dispõe sobre a organização do
Ministério Público de Santa Catarina) prevêem que as funções do Ministério
Público só podem ser exercidas por integrantes da carreira, que deverão residir
na comarca da respectiva lotação, salvo autorização do chefe da instituição.
Ademais, a respeito do assunto, o Conselho
Nacional do Ministério Público editou a RESOLUÇÃO Nº 26, DE 17 DE DEZEMBRO DE
2007, que disciplina a exigência constitucional de residência na comarca pelos
membros do Ministério Público.
O texto explicita a obrigatoriedade de o
membro do MP morar na comarca ou na localidade onde exerce a titularidade de
seu cargo, inclusive nos finais de semana.
Segundo a resolução, essa regra somente pode
ser flexibilizada por autorização do procurador-geral, por meio de ato
motivado, e em caráter excepcional; a autorização somente poderá ocorrer se não
houver prejuízo ao serviço e à comunidade atendida e está condicionada à prévia
comprovação de alguns requisitos, tais como:
– estar em conformidade com a distância máxima
entre a sede da Comarca ou localidade onde exerce sua titularidade e a sede da
Comarca ou localidade onde pretende fixar residência
– estar regular o serviço, inclusive quanto à
disponibilidade para o atendimento ao público, às partes e à comunidade e
– estar vitaliciado.
A exigência constitucional e legal de
residência do Promotor de Justiça na comarca da respectiva lotação se
justifica, já que somente a presença diuturna do promotor, com sua efetiva
inserção na comunidade, leva à percepção dos problemas que a afetam,
possibilitando adequada tomada de providências para a tutela dos interesses
difusos e coletivos. O membro do Ministério Público que se distancia física e
funcionalmente da localidade onde serve pode ter dificuldades para captar, com
a amplitude desejável, as situações merecedoras de intervenção da Instituição,
bem como para optar, dentre os meios postos à sua disposição, pelos mais adequados
à solução dos problemas que afetem a coletividade.
Da mesma forma, justifica-se a existência de
ressalva, em situações especiais, a serem apreciadas pelo Procurador Geral de
Justiça, que poderá autorizar, através de ato motivado e precário, a residência
fora da Comarca ou da localidade onde o membro do Ministério Público exerce a
titularidade de seu cargo, podendo ouvir previamente a Corregedoria-Geral.
Isso porque há casos em que a residência do
Promotor de Justiça na Comarca se torna inviável, a exemplo das situações de
inexistência de imóvel adequado no local ou comprometimento da segurança do
Promotor de Justiça e sua família (quanto a essa última hipótese, aqui em Santa
Catarina, quando não solucionado o problema pelo órgão de segurança
institucional do MPSC).
De qualquer forma, a regra é que resida o
Promotor de Justiça na Comarca de exercício de suas atividades, de modo a
propiciar um maior contato com a comunidade local e seus problemas, uma mais
adequada percepção das necessidades de intervenção do Ministério Público
visando à tutela dos interesses da coletividade, de modo a realizar suas
funções institucionais, efetivando seu papel de defensor do Estado Democrático
de Direito e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
81. TRIBUTAÇÃO AMBIENTAL: PRINCÍPIO DO
PRESERVADOR PREMIADO OU PROTETOR-RECEBEDOR
O “preservador premiado” é um princípio novo e
ainda pouco mencionado pelos doutrinadores, mas que já é aplicável a alguns
diplomas legais nacionais, como por exemplo a nova lei de política nacional de
resíduos sólidos de 2 de agosto de 2010.
Partindo da idéia inerente ao princípio do
poluidor/usuário pagador, cujo o escopo da norma é prevenir e reparar os danos,
o princípio do preservador premiado ou protetor-recebedor visa estimular os
indivíduos a terem uma atitude ecologicamente correta, como por exemplo
incentivar empresas a fornecerem produtos e serviços que contribuam para a
preservação do meio ambiente e através disto obtenham vantagens fiscais.
Tal princípio também afetará o
usuário-pagador, destinatário final da cadeia de produção, pois como os
produtos ecologicamente corretos terão uma tributação mais benéfica o preço
final tenderá a será menor, estimulando o consumidor a utilizar o produto ou
serviço mais barato e menos poluidor.
Obviamente, a solução para crise ecológica não
se encontra exclusivamente na aplicação do Direito Tributário, entretanto, o
tributo extrafiscal é um instrumento de grande valia para tal desiderato.
A tributação apresenta uma função além da
arrecadadora de receitas, tendo também características de norma de conduta. A
incidência tributária ocorre quando uma hipótese (prevista em lei) contém a
descrição de um fato ou ato, que quando ocorrido ensejará a relação jurídica
tributária. Assim, através de regulamento dos atos e fatos o tributo tem o
poder de influenciar as condutas dos contribuintes.
A extrafiscalidade, presente na tributação
para fins não fiscais, visa induzir comportamentos dos sujeitos passivos das
obrigações tributárias e não propriamente financiar o Estado. Assim, a
tributação extrafiscal imposta pelo Estado pode ser estimulante (incentivos e
prêmios) ou desestimulante (aumento da carga tributária).
Tanto os incentivos e como os desestímulos
fiscais são meios de aplicação da extrafiscalidade, que muito embora tenham
efeitos de ordem financeira, estão invariavelmente intrínsecos a determinado
tributo, razão pela qual a extrafiscalidade se encontra no âmbito do Direito
Tributário.
Logo, o uso da extrafiscalidade dos tributos
cumulada com o princípio do poluidor pagador, empregando-os de forma a
incentivar atividades não poluidoras e desestimular aquelas que deterioram o
meio ambiente resultariam no princípio do protetor-recebedor. Sendo que "o
proprietário de um bem natural só participará para a sua conservação, à medida
que os custos para evitar o dano ambiental fiquem abaixo do custo de reparação
do dano. Acima desse limite, perde-se o interesse por uma redução da
poluição", conforme Cristiane Derani, citada por Leonardo Martim Lenz.
Ora, o princípio do poluidor pagador deve ser
aplicado de forma racional, porquanto, caso seja manejado de modo abusivo e
desproporcional, pode vir a ter sua efetividade comprometida, na medida em que
resultará na criação de situações injustas. Cita-se como exemplo a criação de
encargos financeiros a pequenos empresários ou pequenos agricultores que acabam
por ter sua atividade econômica inviabilizada, sendo, assim, impedidos de obter
renda e lançados à marginalidade e miséria. Ora, a tutela do meio ambiente não
é um fim em si mesmo, devendo se harmonizar com o ordenamento jurídico,
atendendo aos fundamentos e objetivos fundamentais da República, fixados nas
cláusulas pétreas dos art. 1º e 3º da Constituição Federal, dentre os quais se
destaca o princípio da dignidade humana.
Portanto a aplicação do princípio do poluidor
pagador não deve ser considerada como a solução para os problemas ambientais,
pois pode desestimular ações poluidoras diretamente, mas indiretamente pode
causar danos ainda maiores do que aquele que buscava tutelar, caso seja
utilizado de forma incorreta, abusiva e desproporcional.
Deste modo a premiação do preservador é
essencial para um desenvolvimento econômico com estímulo à pesquisa de novas
tecnologias menos poluentes, bem como à produção e ao consumo de bens e
serviços ecológicos.
Atendendo a esta norma, o legislador positivou
na Lei 12.305/10 (Institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos) o princípio
do protetor-recebedor, pois previu expressamente no capítulo dos princípios e
objetivos, o seguinte:
Art. 6o São princípios da Política Nacional de
Resíduos Sólidos:
(…)
II - o poluidor-pagador e o
protetor-recebedor;
(…)
E, adiante, dentre vários objetivos, firmou os
de incentivo à preservação ambiental (sanção positiva) ao lado dos tradicionais
de desestimulo com cominação de penas (sanção negativa):
Art. 7o São objetivos da Política Nacional de
Resíduos Sólidos:
(...)
III - estímulo à adoção de padrões sustentáveis
de produção e consumo de bens e serviços;
(...)
VI - incentivo à indústria da reciclagem,
tendo em vista fomentar o uso de matérias-primas e insumos derivados de
materiais recicláveis e reciclados;
(...)
XI - prioridade, nas aquisições e contratações
governamentais, para:
a) produtos reciclados e recicláveis;
b) bens, serviços e obras que considerem
critérios compatíveis com padrões de consumo social e ambientalmente
sustentáveis;
(...)
XIII - estímulo à implementação da avaliação
do ciclo de vida do produto;
XIV - incentivo ao desenvolvimento de sistemas
de gestão ambiental e empresarial voltados para a melhoria dos processos
produtivos e ao reaproveitamento dos resíduos sólidos, incluídos a recuperação
e o aproveitamento energético;
XV - estímulo à rotulagem ambiental e ao
consumo sustentável.
Por fim, concretizando o princípio do
preservador premiado ou protetor-recebedor, a Lei 12.305/10 contêm um capítulo
específico sobre instrumentos econômicos. Dentre as medidas previstas na
referida lei, pode o poder público instituir medidas indutoras e linhas de
financiamento para atender, às iniciativas, por exemplo, de desenvolvimento de
produtos com menores impactos à saúde humana e à qualidade ambiental em seu
ciclo de vida; ou ainda, de implantação de infraestrutura física e aquisição de
equipamentos para cooperativas ou outras formas de associação de catadores de
materiais reutilizáveis e recicláveis formadas por pessoas físicas de baixa renda.
Não bastasse, indicando de forma expressa a
possibilidade de implementação do princípio em análise mediante a
extrafiscalidade dos tributos, a Lei de Política de Resíduos Sólidos determina
que:
Art. 44. A União, os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios, no âmbito de suas competências, poderão instituir
normas com o objetivo de conceder incentivos fiscais, financeiros ou
creditícios, respeitadas as limitações da Lei Complementar no 101, de 4 de maio
de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), a:
I - indústrias e entidades dedicadas à
reutilização, ao tratamento e à reciclagem de resíduos sólidos produzidos no
território nacional;
II - projetos relacionados à responsabilidade
pelo ciclo de vida dos produtos, prioritariamente em parceria com cooperativas
ou outras formas de associação de catadores de materiais reutilizáveis e
recicláveis formadas por pessoas físicas de baixa renda;
III - empresas dedicadas à limpeza urbana e a
atividades a ela relacionadas.
Verifica-se portanto que, atendendo ao
princípio do preservador premiado, que decorre da combinação do princípio do
poluidor-pagador com uma das formas da função extrafiscal tributária, os entes
federativos podem instituir normas com o objetivo de conceder incentivos
fiscais, financeiros ou creditícios aos contribuíntes que promovam a
reciclagem, que realizem projetos relacionados à responsabilidade pelo ciclo de
vida dos produtos, e a empresas dedicadas à limpeza urbana.
Destarte, através da extrafiscalidade por
incentivos fiscais o Poder Público estimula os indivíduos a adotar condutas que
a ordem jurídica considera conveniente, objetivo a ser alcançado mediante a
diminuição da carga tributária ou concessão de benefícios financeiros ou
creditícios. Com a implementação de instrumentos econômicos (Art. 8º, IX e
Capítulo V da Lei 12.305/10) se atinge os objetivos de estímulo à adoção de
padrões sustentáveis de produção e consumo de bens e serviços e incentivo à
indústria da reciclagem (art. 7º da Lei 12.305/10) tudo com base no princípio
do protetor-recebedor (art. 6º, II da Lei 12.305/10), o qual encontra respaldo
constitucional no preceito do poluidor-pagador, pois dele decorre.
82. 14 - LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL E A
ATUAÇÃO DOS MUNICÍPIOS. - THIAGO
Bom dia a todos.
Cumprimento o Excelentíssimo Senhor Procurador
Geral de Justiça do Ministério Público de Santa Catarina e Presidente da
Comissão de Concurso, Dr. Lio Marcos Marin, e estendo o cumprimento aos demais
membros desta augusta Banca.
O tema a mim confiado foi “Lei de
Responsabilidade Fiscal e a atuação dos municípios”.
A Constituição Democrática de 1988, no art.
70, impõe a qualquer pessoa que guarde, gerencie ou administre bens públicos o
dever de prestar contas. Tal disposição está em consonância com os princípios
norteadores da Administração Pública da publicidade e da eficiência
administrativa, além de outros. Assim, para dar efetividade a tais preceitos,
foram criados vários institutos, dentre eles a Lei Complementar n.º 101/00,
conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal, que está embasada, diretamente,
no art. 163, da CF.
A citada Lei consolida o ciclo das principais
mudanças nas finanças públicas, iniciado a partir dos anos oitenta, com a
ocorrência da crise externa e a moratória de 1982. Trata-se de uma lei
nacional, ou seja, aplicável a todos os entes federativos. Seu escopo mais
evidente é o de suprir a necessidade de controle nas contas públicas da nação
por parte de seus governantes, evitando abusos e descontroles de outros tempos.
A LRF funda-se nos princípios do planejamento,
da transparência, do controle e da responsabilidade.
Sobre tais princípios, temos que:
O princípio do planejamento dará suporte
técnico à gestão fiscal, através de mecanismos operacionais, como o Plano
Plurianual - PPA, a Lei de Diretrizes Orçamentárias - LDO e a Lei Orçamentária
Anual - LOA. Por meio desses instrumentos, haverá condições objetivas de
programar a execução orçamentária e atuar no sentido do alcance de objetivos e
metas prioritárias. O planejamento é o primeiro sustentáculo, a ferramenta
básica para que o Estado alcance o seu fim último, que deve ser o bem-comum. Do
ponto de vista administrativo e gerencial, tem o propósito de identificar os
objetivos e metas prioritárias e definir modos operacionais que garantam, no
tempo adequado, a estrutura e os recursos necessários para a execução de ações
(programas, planos, projetos e atividades) consideradas relevantes e de
interesse público.
A transparência colocará à disposição da
sociedade diversos mecanismos de cunho democrático, entre os quais merecem
relevo: a participação em audiências públicas e a ampla divulgação das
informações gerenciais, através do Relatório Resumido da Execução Orçamentária,
do Relatório de Gestão Fiscal, bem como dos Anexos de Metas e Riscos Fiscais.
Segundo o art. 48 da LRF, a transparência é assegurada através da divulgação
ampla, inclusive pela Internet, de planos, orçamentos e leis de diretrizes
orçamentárias; relatórios de prestações de contas e respectivos pareceres
prévios; relatórios resumidos da execução orçamentária e gestão fiscal, bem
como das versões simplificadas de tais documentos. Inclusive, somente com a
efetivação da transparência é possível que se aplique em sua inteireza o art.
73-A, no sentido de que “Qualquer cidadão, partido político, associação ou
sindicato é parte legítima para denunciar ao respectivo Tribunal de Contas e ao
órgão competente do Ministério Público o descumprimento das prescrições
estabelecidas nesta Lei Complementar”
O princípio do controle das finanças, no que
se refere especificamente ao âmbito municipal, é feito pela própria
Administração (Poder Executivo), pelo Poder Legislativo municipal (Câmara dos
Vereadores), auxiliado pelos Tribunais de Contas dos Estados (art. 31, da CF),
além do Ministério Público, Poder Judiciário e, principalmente, a sociedade
(que terá acesso às contas dos municípios durante 60 dias no ano– art.
31, § 3º, da CF ).
O último alicerce, referente à
responsabilidade, impõe ao gestor público o cumprimento da lei, sob pena de
responder por seus atos e sofrer as sanções inseridas na própria Lei
Complementar 101/2000 e em outros diplomas legais. Inclusive, em âmbito
municipal, há previsão expressa na CF (art. 29-A, § 2o ), no sentido de que “Constitui
crime de responsabilidade do Prefeito Municipal: I - efetuar repasse que supere
os limites definidos neste artigo (máximo de despesas com o Poder Legislativo);
II - não enviar o repasse até o dia vinte de cada mês; ou III - enviá-lo a
menor em relação à proporção fixada na Lei Orçamentária”
Ainda sob a influência dos princípios do
controle e da responsabilidade fiscal, é importante notar a exigência feita
pela CF (art. 169), no sentido de que os Chefes do Executivo Municipal devem
respeitar os limites de gastos com pessoal ativo e inativo, estabelecido por
Lei Complementar, que é, justamente, a LRF, que estabeleceu o limite de 60% da
Receita Corrente Líquida (RCL) para os municípios, dos quais 54% para o
Executivo e 6% para o Legislativo (apurados quadrimestralmente). Com esse
controle, tenta-se conter gastos com pessoal para fins exclusivamente
políticos, evitando o inchamento do Estado em anos eleitorais.
Além disso, a LRF inviabilizou práticas
outrora corriqueiras no cenário político brasileiro, como, por exemplo, a
redução de impostos municipais em ano eleitoral para fins de angariar votos com
os favorecidos. Isso ocorre porque o art. 11, caput, da LRF reza que
"constituem requisitos essenciais da responsabilidade na gestão fiscal a
instituição, previsão e efetiva arrecadação de todos os tributos da competência
constitucional do ente da Federação". E seu parágrafo único diz que
"é vedada a realização de transferências voluntárias para o ente que não
observe o disposto no caput, no que se refere aos impostos". Portanto,
atualmente, os municípios que estrategicamente não arrecadam seus impostos
sofrem uma pesada penalidade: deixam de receber recursos federais por meio das
transferências voluntárias. Por isso, a arrecadação tributária passa a ser vista
como uma característica da boa-gestão da máquina pública.
Conforme explica a doutrina especializada
sobre o tema, a Lei de Responsabilidade Fiscal funciona como auditoria
preventiva nas prefeituras, já que os prefeitos devem prestar contas mensalmente
das receitas e despesas de seus municípios ao Tribunal de Contas do Estado
(TCE). Além disso, ela determina que as administrações públicas terão de
conviver com o Orçamento Participativo para definir as prioridades
orçamentárias do município. Isso deve ser feito através de audiências públicas
nas Câmaras, discutindo com a sociedade as prioridades de cada município, para
provocar o equilíbrio receita/despesa.
Destarte, conclui-se que a irresponsabilidade
praticada hoje, em qualquer nível de governo, resultará amanha em mais
impostos, menos investimentos ou mais inflação, que é o mais perverso dos
impostos, pois incide sobre os mais pobres... Os governantes serão julgados
pelos eleitores, pelo mercado e, se descumprirem as regras, serão punidos. Já
entramos na era da responsabilidade fiscal. Ter uma postura responsável é dever
de cada governante.
83. OS MEMBROS DO MP COMO AGENTES POLÍTICOS
O termo agentes públicos possui um conceito
amplo, englobando todas as pessoas físicas que exerçam qualquer função pública,
de maneira remunerada ou não, com vínculo permanente ou temporário com a
Administração Pública, através de qualquer forma de investidura, tais como a
eleição e a nomeação.
É através dos agentes públicos que o Estado se
faz presente.
A doutrina os classifica, de maneira genérica,
como particulares em colaboração, servidores estatais e agentes políticos.
Os particulares em colaboração não possuem um
vínculo duradouro com a Administração. Porém, exercem uma função pública
relevante como no caso do mesário nas eleições, do jurado no Tribunal do Júri,
do militar no serviço obrigatório, e em outros casos previstos em lei.
Já os servidores estatais possuem, em regram
um vínculo permanente com a Administração e se subdividem em servidores
públicos e empregados públicos.
Os servidores públicos ocupam cargos públicos
e atuam em pessoas jurídicas de direito público, sendo seu vínculo estatutário,
ou seja, estabelecido pela lei.
Possuem estabilidade, só perdendo seu cargo
através de uma decisão administrativa, desde que observado o contraditório e a
ampla defesa, ou por decisão judicial transitada em julgado.
Cabe ressaltar que os servidores públicos
também englobam os cargos em comissão, de livre nomeação e exoneração.
Já os empregados públicos atuam em pessoas
jurídicas de direito privado, submetendo-se à CLT. Apesar de serem contratados
através de concurso público, como os servidores públicos, não possuem
estabilidade no exercício de seu emprego.
No tocante aos agentes políticos, estes estão
no topo da estrutura orgânica do Poder Público, em seu comando, são integrantes
dos mais altos escalões.
Não se sujeitam às regras comuns aplicáveis
aos servidores públicos em geral devido à importância de suas decisões.
No Poder Executivo são representados pelo Presidente
da República, Governadores, Prefeitos e seus respectivos Vices, bem como seus
auxiliares diretos, quais sejam, Ministros e Secretários.
No Poder Legislativo são os Senadores,
Deputados Federais, Deputados Estaduais e Vereadores.
Agora, no que diz respeito aos magistrados e
membros do Ministério Público, há divergência doutrinária.
Para a doutrina majoritária sim, os
magistrados e membros do Ministério Público são agentes políticos, pois suas
decisões representam a vontade estatal. Eles seriam dotados de atribuições
constitucionalmente previstas.
Não é outro o entendimento do Supremo Tribunal
Federal.
Entretanto, quem não entende dessa forma se
justifica no fato de que o tratamento dado pela Constituição Federal às
atribuições desses agentes não seria suficiente para caracterizá-los como
agentes políticos, pois esses sim tomariam decisões políticas fundamentais para
fixação de estratégias a conduzir os destinos do país.
Também levam em conta a natureza do vínculo
jurídico que liga o agente ao Poder Público, que no caso dos agentes políticos
seria eletivo, a rigor, já que democraticamente eleitos para condução do país,
ou de nomeação, no caso de seus auxiliares diretos.
Ademais, os agentes políticos seriam aqueles
ligados à estruturação do país, pois seu vínculo seria de natureza política, e
não profissional, como no caso dos magistrados e dos membros do Ministério
Público que se sujeitam a concurso público, sendo escolhidos de maneira
meritória, e não política.
Cabe ressaltar que tal afirmativa, em parte,
deixa de ser verdade devido às regras de ingresso nos Tribunais do Poder
Judiciário.
Em que pesem as divergências, os magistrados e
membros do Ministério Público, mesmo para aqueles que não os consideram como
agentes políticos, são servidores públicos qualificados, possuidores de certas
prerrogativas garantidas pela própria Constituição Federal e por legislação
específica, suas leis orgânicas, necessárias ao regular exercício de suas
relevantes funções.
Dentre as garantias inclui-se o foro por
prerrogativa de função, a vitaliciedade, perdendo o cargo somente através de
decisão judicial, a inamovibilidade e a irredutibilidade de subsídio, bem como
o direito à estabilidade após dois anos de efetivo exercício no caso do
concursados, e não de três, como no caso dos demais servidores públicos.
Por derradeiro, a própria Constituição Federal
os trata como agentes políticos em seu artigo 37, inciso XI, quanto ao teto
remuneratório do serviço público.
Tratando agora especificamente dos membros do
Ministério Público, eles não são funcionários públicos comuns em virtude de seu
regime jurídico próprio.
Deve ser entendida correta sua classificação
como agentes políticos, pois exercem funções próprias e originárias do Estado,
com plena independência funcional e com responsabilidade própria.
Tomam decisões últimas em sua esfera de
atribuições, subordinam-se apenas às leis e às suas consciências.
Tão relevante foi entendida pela Constituição
Federal sua independência funcional que qualificou como crime de
responsabilidade do Presidente da República atentar contra o livre exercício do
Ministério Público.
Somente podem ser responsabilizados quando
atuarem com dolo ou fraude, e não por mera culpa porque como a eles incumbem as
decisões finais de sua esfera de competência, isso prejudicaria suas decisões,
assim como a própria atividade estatal.
Tem-se como exemplo a denúncia de alguém
perante o Poder Judiciário. Esse acusado poderia ser absolvido e imputar ao
membro do Ministério Público sua responsabilidade civil.
Tendo agido no regular exercício de sua
função, sem ilegalidade ou abuso de poder, sua responsabilidade somente é
cabível no caso de dolo ou fraude.
Não é correto o que é dito por alguns que
atribuem irresponsabilidade aos membros do Ministério Público, não, isso não é
verdade, apenas há um regime próprio de responsabilidade para salvaguardar a
atividade essencial que exercem perante a sociedade.
Assim, os membros do Ministério Público são
invioláveis por suas opiniões e manifestações, nos limites de sua independência
funcional, pois representam uma parcela da soberania estatal.
84. UM NOVO PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO
PARCIAL
Antes de tratar do tema é importante relembrar
a ideia de constitucionalismo e do próprio conceito de Constituição. Sem grandes
divagações doutrinárias o constitucionalismo, no seu sentido estrito, é uma
técnica de garantia e controle do poder. Opõe-se, assim, ao absolutismo.
A Constiuição, por seu turno, segundo a
concepção jurídica (Hans Kelsen / Konrad Hesse) é um conjunto de normas
jurídicas, é uma lei como todas as demais. Seu fundamento está no próprio
direito. Ao lado da concepção jurídica temos a Constituição como poder político
e também em seu sentido sociológico, entre outras. Dentro da concepção jurídica
Kelsen fazia a seguinte distinção:
a) Constituição em sentido lógico-jurídico: é
a norma fundamental hipotética.
§ Fundamental
- é nela que está o fundamento da constituição;
§ Hipotética –
não é uma norma posta do estado é uma norma apenas pressuposta. Seu conteúdo é
que todos devem obedecer a constituição.
b) Constituição em sentido jurídico-positivo:
é a constituição feita por um poder constituinte (CF/88). É um conjunto de
normas jurídicas positivadas. É a constituição conhecida por todos.
É o Poder Constituinte, assim, o responsável
pela criação da Constituição, a Lei Maior positivada que traz normas de
organização do Estado e garantias fundamentais ao cidadão.
O poder constituinte se subdivide em
originário e derivado (ou decorrente). A tarefa de elaborar uma Constituição
incumbe ao Poder Constituinte Originário e a tarefa de reformar uma
Constituição já existente é de competência do Poder Constituinte Derivado.
O poder constituinte originário se subdivide
em histórico e revolucionário.
O poder constituinte histórico: é, de fato, o
verdadeiro poder constituinte originário, estruturando, pela primeira vez, o
Estado.
O poder constituinte revolucionário é aquele
posterior ao "histórico", com o qual rompe por completo, criando um
novo Estado e uma nova ordem.
É preciso compreender que a denominação
"poder constituinte originário revolucionário" se deve ao fato deste
"poder" romper com a ordem constitucional estabelecida sem nenhum
tipo de limite jurídico positivo - instalando-se, então, o pode de fato - sendo
forte o suficiente para construir uma ordem inteiramente nova. Com efeito, se
entendermos o Direito como sendo sinônimo de lei positiva, posto pelo Estado, o
poder constituinte originário revolucionário será um poder de fato - com uma força
ilimitada.
Titularidade e Espécies
Titularidade do poder constituinte originário:
em Estados Democráticos a titularidade do poder constituinte é do povo, como
aliás se pode extrair, exemplificadamente, do texto preambular de nossa
Constituição, acima transcrito. O indigitado texto, permita-nos repisar, tem a
seguinte redação em início: "Nós, representantes do povo
brasileiro..." . Neste mesmo sentido o teor do parágrafo único, art. 1.º,
da CF/88: "Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes
eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição."
Não há dúvida que o exercício do poder
constituinte originário é ato de soberania - cuja titularidade necessária é do
povo (apenas o povo tem competência para exercer os poderes de soberania).
Por fim, de considerar que a História nos
mostra distorções graves da teoria democrática, onde o titular é um Rei, um
ditador, ou um grupo, todos em nome do povo ou legitimados por poderes outros,
distintos do poder que efetivamente os sustenta. Nesses casos, uma falsa
aparência esconde a real fonte do poder, encobrindo sua real origem.
O poder constituinte derivado se subdivide em
revisor e reformador.
O poder constituinte revisor é aquele cuja
competência foi estabelecida pelo poder constituinte originário com a
finalidade de atualizar e adequar a Constituição à realidade social vigente à
época de sua instalação. Assim, o art. 3.º do ADCT estabeleceu que a revisão
constitucional seria realizada 5 (cinco) anos contados da promulgação da CF/88,
pelo voto da maioria absoluta de seus membros, em sessão unicameral.
Como fácil de perceber, o poder constituinte
derivado revisor pode manifestar-se uma única vez, observados os termos
estabelecidos pelo poder constituinte originário, uma vez que a norma autorizadora
teve a sua eficácia exaurida e sua aplicabilidade esgotada com a edição de 6
(seis) Emendas Constitucionais de Revisão, publicadas no DOU de 2.3.94 e no DOU
de 9.6.94).
O poder constituinte derivado reformador é
aquele cuja finalidade, como á própria denominação denuncia, é promover as
reformas que se façam necessárias no texto constitucional ao longo do tempo.
Assim, enquanto o poder constituinte originário é um poder de fato, o poder
constituinte derivado reformador é um poder político, ou, como preferem alguns,
uma espécie de força ou energia social.
O poder constituinte derivado decorrente é
aquele cuja missão é a estruturação dos Estados-Membros.
CARACTERÍSTICAS DO PODER CONSTITUINTE
ORIGINÁRIO
a) Inicial: Não existe nenhum outro poder antes
ou acima dele.
b) Autônomo: Cabe a ele escolher a ideia de
Direito que irá prevalecer.
c) Incondicionado: Não se sujeita a nenhuma
condição formal ou material.
MATERIAL LFG
*O Poder Jurídico Originário é poder
ilimitado? É independente? É soberano?
• Sim, é ilimitado, independente e soberano.
*Características do Poder Constituinte
Originário por Sieyès (principal teórico do Poder Constituinte)
a) Poder Permanente
• Não se esgota no seu exercício, ou seja,
permanece existindo mesmo após o exercício da Constituição.
o Isto porque o povo, que é o seu titular,
pode fazer uso dele mesmo após a criação da Constituição.
b) Poder Inalienável
• A titularidade deste poder não pode ser
transferida.
• O povo nunca perde a titularidade deste
poder Constituinte (mesmo que não o exerça, como em caso de um golpe de
estado).
c) Poder Incondicionado pelo Direito Positivo
• Por ser um jusnaturalista, Sieyès usava o
direito natural para limitar o poder do Monarca.
• O Poder Constituinte Originário seria
incondicionado pelo Direito Positivo, mas deveria observar os princípios do
Direito Natural.
Vale consignar que apesar de incondicionado e
ilimitado, a doutrina registra alguns aspectos no que concerne à limitação.
Existem os chamados Limites Transcendentes, que são impostos ao Poder
Constituinte Material advindos de imperativos do Direito Natural, de valores
éticos ou da consciência jurídica coletiva. Os direitos fundamentais ligados
diretamente à dignidade da pessoa humana devem ser consagrados obrigatoriamente
nas Constituições.
Fala-se também no Princípio da Proibição
(vedação) de Retrocesso, pelo qual os Direitos Fundamentais conquistados por
uma sociedade e que são objeto de um consenso profundo não poderão ser
desprezados quando da elaboração de uma nova Constituição. É chamado pela
doutrina francesa de “Efeito Cliquet”. É um limite meta-jurídico, pois está
fora do Direito.
PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO PARCIAL
Pelo exposto, parece contraditório se pensar
em um Poder Constituinte Parcial, ou seja, um poder ilimitado e incondicionado,
mas que, no entanto, é restrito a apenas uma parte. A discussão sobre o tema
surgiu com as manifestações populares e a iniciativa da Presidente da República
em convocar plebiscito para reforma política através de uma assembleia parcial.
Em reportagem jornalística, foram ouvidos
alguns Ministros do STF sobre o assunto.
Seguem os trechos mais importantes:
Ministros e ex-ministros do Supremo Tribunal
Federal (STF) ouvidos pelo G1dizem que não há previsão legal para uma
Assembleia Constituinte destinada a tratar exclusivamente da reforma política,
como propõe a presidente Dilma Rousseff.
Na avaliação deles, se uma Constituinte é
convocada, os integrantes têm liberdade para reformar toda a Constituição e não
precisariam se restringir exclusivamente a um tema. Uma outra corrente de
juristas defende que a reforma de uma parte da Constituição pode, sim, ser
feita por uma Constituinte exclusiva. Neste caso, teria que ser aprovada uma
Proposta de Emenda à Constituição (PEC) prevendo a possibilidade.
A proposta de um plebiscito sobre um processo
constituinte específico para a reforma política foi apresentada nesta
segunda-feira (27) pela presidente no discurso de abertura da reunião com os 27
governadores e os 26 prefeitos de capitais realizada no Palácio do Planalto. A
convocação da reunião foi uma resposta às manifestações de protesto que desde a
semana passada reúnem milhares nas ruas das principais cidades.
A Assembleia Nacional Constituinte é formada
por pessoas escolhidas para redigir uma Constituição, lei maior de um país e
que rege todas as outras leis vigentes.
Após a ditadura militar, houve um debate sobre
a convocação de uma Constituinte com pessoas eleitas exclusivamente para
redigir a Constituição (e que depois disso teriam o mandato encerrrado) ou se
os deputados e senadores eleitos se encarregeriam dessa tarefa. Na ocasião,
preveleceu a segunda hipótese.
Segundo juristas ouvidos pelo G1 não há
previsão legal de uma Constituinte específica para um único tema, como propôs a
presidente Dilma Rousseff em relação à reforma política.
Na Constituição não há previsão de convocação
de Constituinte. Para a formatação da Constituição de 1988, após a ditadura
militar, os próprios deputados e senadores eleitos em 1986 tiveram o papel de
elaborar a Carta Magna entre 1987 e 1988 e depois puderam cumprir o restante
dos mandatos.
Há dúvida se ao definir os critérios do
plebiscito, o Congresso poderia estipular as regras para a convocação da
Constituinte, ou se primeiro teria que aprovar uma PEC para depois discutir o
plebiscito.
A Constituição prevê como competência
exclusiva do Congresso aprovar a convocação de plebiscitos, que devem ter temas
de relevância nacional ou tratar de formação de estados.
Segundo alguns juristas ouvidos pelo G1, não
há nenhuma restrição para que um plebiscito convoque uma Assembleia
Constituinte. Mas também, segundo eles, não há como delimitar um tema para uma
nova Constituição porque os constituintes, como tais, teriam poder para
deliberar sobre quaisquer assuntos.
O ministro Marco Aurélio Mello disse que uma
nova Constituinte faria uma nova Constituição. Ele afirmou, porém, ver de forma
positiva a ideia de reforma política proposta pela presidente Dilma.
"A ideia de uma Constituinte sugere um
novo diploma, na totalidade. Agora, o que a presidente quis e é louvável a fala
dela, foi escancarar a gravidade da situação e apontar que o Congresso está
devendo à sociedade. Mas precisamos é observar um pouco mais a nossa ordem
jurídica. Não precisamos de uma nova Constituição em si, precisamos reformar os
pontos necessários", disse Marco Aurélio Mello.
Para o ministro, o plebiscito "é sempre
possível porque vem do povo". "Talvez seja necessário o povo se
pronunciar. Tecnicamente, não há necessidade de convocar Constituinte, mas
[fazer a mudança] por emenda."
Proposta 'preocupante'
Para o ministro aposentado Carlos Ayres
Britto, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, qualquer convocação de
Constituinte seria feita à margem da Constituição.
"O Congresso não tem poderes
constitucionais para convocar uma assembleia constituinte porque nenhuma
Constituição tem vocação suicida. Nenhuma Constituição convoca o coveiro de si
mesmo. Qualquer um que convoque a Constituinte vai fazer à margem da
Constituição", declarou.
Segundo ele, não há possibilidade de delimitar
tema para uma Constituinte. "Toda Constituinte é uma ruptura com a Constituição
em vigor por definição porque nenhuma Constituição dispõe de Assembleia
Constituinte. Toda convocação de Assembleia Constituinte implica atuar no plano
dos fatos, não no plano do direito. É a insubmissão à Constituição."
Britto diz ainda que é "preocupante"
a proposta de Dilma porque a população, por meio de plebiscito, não poderia
deliberar sobre um tema que não é de competência do Congresso, a convocação de
uma Assembleia Constituinte. "Não se pense que o povo pode ir além em
plebiscito do que o Congresso pode por lei. O povo só pode decidir sobre aquilo
que o Congresso pode legalmente", declarou.
'É um despropósito'
Na avaliação do ministro aposentado Carlos
Velloso, não há necessidade de convocar plebiscito. "A reforma política
poderia ser feita sem necessidade de convocar plebiscito. Isso é caro, vai
demorar. Pode ser feito por meio de Proposta de Emenda à Constituição
(PEC) ou projeto de lei."
Segundo ele, não há possibilidade de que uma
Constituinte seja específica. "Isso não passa, na verdade, de uma proposta
para distrair a opinião pública. Não é plausível. [...] Uma Constituinte é
convocada para mudar uma Constituição inteira. Isso é um despropósito. Não se
tem Constituinte pela metade, não se tem poder constituinte originário só em
alguns pontos. Mas não precisamos disso. Temos uma boa Constituição,
democrática, que só precisa ser alterada em alguns pontos."
Voz dissonante
Ao Jornal Nacional, o constitucionalista Ives
Gandra Martins afirmou que uma Constituinte exclusiva para um tema, como a
reforma política, é possível, mas também é preciso a apresentação de uma
Proposta de Emenda Constitucional (PEC), que teria de ser aprovada em duas
votações em cada uma das casas do Congresso (Câmara e Senado), com maioria de
três quintos.
Segundo Ives Gandra, essa PEC teria que
convocar um plebiscito e, por meio dele, a população aprovaria ou não a
formação de uma Constituinte específica para tratar da reforma política.
Futuro ministro
Em entrevista disponível na internet de 2011
sobre o tema para o site jurídico Migalhas, o futuro ministro Luís Roberto
Barroso, que tomará posse nesta quarta-feira (26), disse que não considera
possível uma constituinte parcial.
"A ideia de Poder Constituinte é de um
poder soberano, um poder que não deve o seu fundamento de legitimidade a nenhum
poder que não a si próprio e à soberania popular que o impulsionou. De modo que
ninguém pode convocar um Poder Constituinte e estabelecer previamente qual é a
agenda desse Poder Constituinte. O Poder Constituinte não tem agenda
pré-fixada", afirmou Barroso na ocasião.
Segundo ele, não haveria necessidade de
Constituinte para a reforma política.
"A verdade é que não há necessidade,
porque você precisaria de um Poder Constituinte originário se houvesse na
própria Constituição uma coisa que impedisse a reforma política de que o país
precisa. Não há absolutamente nada. A Constituição tem como cláusulas pétreas a
separação de poderes e a federação. Acho que ninguém quer derrotar isso. [...]
Eu não vi nenhuma ideia posta no debate sobre reforma política que não possa
ser concretizada com a Constituição que nós temos ou, no máximo, com uma emenda
à Constituição."
Disponível em:
<http://g1.globo.com/politica/noticia/2013/06/juristas-questionam-proposta-de-constituinte-para-reforma-politica.html>
Prevalece, portanto, a opinião sobre a
impropriedade técnica de se limitar o Pode Constituinte Originário, que não
pode ser fracionado. Mais coerente com tal situação é a simples emenda
constitucional. Ressalta-se que os verdadeiros limites do Poder Originário são
de ordem metajurídica, como no caso da proibição do retrocesso.
85. ATO INFRACIONAL E JUSTIÇA RESTAURATIVA
A Justiça Restaurativa é capaz de
preencher as necessidades emocionais e de relacionamento e é o ponto chave para
a obtenção e manutenção de uma sociedade civil saudável (SLAKMON; DE VITTO;
GOMES PINTO, 2005, p. 22) .
A Constituição da República de 1988 dedicou um
capítulo exclusivo à família, à criança, ao adolescente, ao jovem e ao idoso. O
artigo 227, especialmente dedicado à criança, ao adolescente e ao jovem,
determina ser “dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança,
ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde,
à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,
além de coloca-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão”.
Considerando a condição peculiar de pessoa em
desenvolvimento, a Constituição Federal, adotando o critério biológico de
inimputabilidade, levando em conta, portanto, o desenvolvimento mental do
agente, independentemente se tinha, ao tempo da conduta, capacidade de
entendimento e autodeterminação, dispõe, em seu artigo 228, serem penalmente
inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação
especial.
A legislação referida na Carta Constitucional
foi editada em 1990, Lei 8.069, criando o Estatuto da Criança e do Adolescente,
que, ao contrário do antigo Código de Menores, até então vigente, deixa de
considerar a criança e o adolescente como objetos da proteção e passa a
considera-los como sujeitos de direitos, que se diferenciam pela condição
peculiar de desenvolvimento que possuem.
Assim, o Estatuto da Criança e do Adolescente,
pautado pelos princípios da proteção integral e da absoluta prioridade,
considera criança a pessoa até 12 anos de idade incompletos, e adolescente
aquela entre doze e dezoito anos de idade.
A proteção integral deve ser compreendida como
um conjunto amplo de mecanismos jurídicos voltados à tutela da criança e do
adolescente. Já o conteúdo da prioridade absoluta se materializa em um rol
exemplificativo trazido no parágrafo único do artigo 4º da Lei.
Pautado pelos princípios acima elencados e, em
cumprimento ao disposto na Constituição da República, o Título III do Estatuto
(artigos 103 e seguintes) trata da prática de ato infracional, considerando como
tal a conduta descrita como crime ou contravenção penal, que tem como sujeito
ativo uma criança ou um adolescente.
Com efeito, o crime é, majoritariamente, ato
típico, ilícito e culpável. Um dos elementos que compõe a culpabilidade é a
imputabilidade, ou seja, uma pessoa inimputável não comete crime. Daí se extrai
que a criança ou adolescente não pratica delito, mas sim ato infracional
análogo a crime ou contravenção.
Insta observar que, apesar de praticar ato
infracional, a criança, ou seja, aquela pessoa com até 12 anos incompletos, não
está sujeita ao regramento das medidas socioeducativas, sendo a elas aplicáveis
somente medidas de proteção, nos termos do artigo 105 do Estatuto.
Aos adolescentes, portanto, são aplicáveis as
medidas socioeducativas, caso em que devem ser respeitados direitos individuais
e garantias processuais previstas no próprio Diploma Legal. De acordo com o
artigo 112 do Estatuto, verificada a prática de ato infracional, a autoridade
competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas: advertência,
obrigação de reparar o dano, prestação de serviço à comunidade, liberdade
assistida, inserção em regime de semiliberdade, internação em estabelecimento
educacional ou qualquer das medidas protetivas previstas no artigo 101.
A justiça restaurativa, por sua vez, emerge a
partir de um conjunto de iniciativas surgidas na década de 70 do século XX,
buscando modificar o modo de lidar com atos caracterizados como crime,
sobremaneira, em três grandes esferas:
I. No fundamento do sistema criminal a partir
de uma revisão histórico-crítica do modo como são compreendidos os conflitos
entre pessoas e grupos sociais e o papel assumido pelo Estado diante deles;
II. No modo de resolução desses conflitos e os
direitos das diferentes pessoas envolvidas, tanto direta como indiretamente,
inclusive o próprio Estado;
III. Na compreensão dos objetivos pretendidos
com essa resolução, considerando o impacto que esses atos produzem nos
“ofensores”, “vítimas”, na comunidade em que se inserem e na sociedade como um
todo, representada pelo Estado.
Diante da controvérsia na literatura
especializada quanto aos fundamentos da justiça restaurativa, atualmente
tende-se a considera-la um conceito aberto, que se constrói em torno de
valores, processos e/ou seus resultados/objetivos.
De maneira singela, a Justiça Restaurativa
pode ser definida como um processo de resolução de conflito participativo por
meio do qual pessoas afetadas direta e indiretamente pelo conflito
(intersubjetivo, disciplinar, correspondente a um ato infracional ou a um
crime) se reúnem voluntariamente e de modo previamente ordenado, para juntas
(geralmente com a ajuda de um facilitador) estabelecerem pelo diálogo um plano
de ação que atenda as necessidade e garanta o direito de todos afetados, com
esclarecimento e atribuição de responsabilidades .
O processo penal tradicional (justiça
retributiva) é pautado na relação juiz, réu, promotor, afastando a vítima do
processo, que fica desamparada em suas perdas materiais e, mormente,
emocionais, causadas pela transgressão a ela e as pessoas de suas relações
afetivas, bem como do grupo sentimental do próprio violador, que igualmente
padece os reflexos da infração. Ao afastar o foco do prejuízo – ou do abalo
social ocasionado pelo delito – a Justiça retributiva afasta a culpabilidade
emocional do infrator, visto que nela não há ambiente para a sinceridade, para
a transparência afetiva e para o diálogo, elementos constitucionais de
procedimentos de pacificação. Por conseguinte, tal aparelhamento gera o aumento
das confusões e a persistência da violência.
Tendo em vista que o modelo tradicional de
alcançar a justiça, baseado em atribuir ao ato ilícito a imputação de uma pena,
não tem alcançado a ressocialização do indivíduo, e sim a reprodução de todo
universo gerado pela violência e degradação social, a sociedade passa pelo
desafio de encontrar uma saída para a crescente criminalidade entre os
jovens.
A Justiça Restaurativa começa então a ser
adotada no sistema da Justiça da Infância e Juventude, com o objetivo de
restaurar o trauma emocional, aproximando o adolescente infrator de sua
família, da família da vítima e da comunidade em que vivem, de maneira a
infligir nele a responsabilidade emocional pelo dano causado. Busca-se, com
isso, a redução dos impactos dos atos infracionais sobre os cidadãos, com a
redução da criminalidade e a reinserção do adolescente na sociedade.
Segundo estatísticas apresentadas pelo
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Estado onde a Justiça Restaurativa já
é aplicada nos casos de atos infracionais há algum tempo, na Conferência da
Justiça para o século 21, realizada em 2008, em Porto Alegre, as taxas de
reincidência de jovens infratores atendidos pelo sistema de Justiça
Restaurativa são 1/3 mais baixas e os que reincidem têm a tendência de praticar
crimes menos graves. As vítimas que passam por esse tipo de abordagem sofrem
menos stress pós-traumático e ficam satisfeitas, por se sentirem tratadas de
maneira justa.
Em que pese estudos indicarem que a aplicação
da Justiça Restaurativa resulta em sensível melhora nos números da
criminalidade infanto-juvenil, ainda não é possível encontrar, na
jurisprudência pátria, muitas manifestações de sua aplicação .
Por fim, cumpre observar que a Justiça
Restaurativa vem ganhando cada vez mais adeptos, não só no que diz respeito à
sua aplicação na apuração de atos infracionais, mas também para certas
infrações penais. Com o objetivo de legalizar definitivamente sua aplicação,
tramita na Câmara dos Deputados Projeto de Lei (nº 7006/2006), que tem como
objetivo alterar o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, do
Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941, e da Lei nº 9.099, de 26 de
setembro de 1995, para facultar o uso de procedimentos de Justiça Restaurativa
no sistema de justiça criminal, em casos de crimes e contravenções penais
.
............
Encontrei no site do TJMG outro conceito de
Justiça Restaurativa, que talvez facilite a compreensão e memorização para a
prova:
A Justiça Restaurativa é um novo modelo de
Justiça voltado para as relações prejudicadas por situações de violência.
Valoriza a autonomia e o diálogo, criando oportunidades para que as pessoas
envolvidas no conflito (autor e receptor do fato, familiares e comunidade)
possam conversar e entender a causa real do conflito, a fim de restaurar a
harmonia e o equilíbrio entre todos. A ética restaurativa é de inclusão e de
responsabilidade social e promove o conceito de responsabilidade ativa.
O principal objetivo do procedimento
restaurativo é o de conectar pessoas além dos rótulos de vítima, ofensor e
testemunha; desenvolvendo ações construtivas que beneficiem a todos. Sua
abordagem tem o foco nas necessidades determinantes e emergentes do conflito,
de forma a aproximar e co-responsabilizar todos os participantes, com um plano
de ações que visa restaurar laços sociais, compensar danos e gerar compromissos
futuros mais harmônicos.
Cumpre destacar que o processo restaurativo é
realizado quando as partes envolvidas espontaneamente assumem as suas
responsabilidades perante os acontecimentos e manifestam a sua
concordância em participar do Círculo Restaurativo.
(http://www8.tjmg.jus.br/institucional/programas-projetos/justica-restaurativa/)
86. SISTEMA PRISIONAL
Boa tarde!
Gostaria de cumprimentar o Procurador-Geral de
Justiça e Presidente desta Comissão de Concurso, Dr. Lio Marcos Marin, por meio
de quem estendo meus cumprimentos aos demais membros.
O tema a mim designado foi “A atuação do
Ministério Público frente ao sistema prisional”.
Inicialmente, cabe ressaltar que o Ministério
público na Constituição de 1988 recebeu uma conformação inédita. Ganhou o
desenho de instituição voltada à defesa dos interesses mais elevados da
convivência social e política, não apenas perante o Judiciário, mas também na
ordem administrativa. Está definido como “instituição permanente, essencial à
função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do
regime democrático e dos direitos sociais e individuais indisponíveis”. A
instituição foi arquitetada para atuar desinteressadamente no arrimo dos
valores mais encarecidos da ordem constitucional.
Neste aspecto, destaca-se o relevante papel da
instituição da seara criminal. Apesar de comumente ser chamado de “órgão
acusatório”, o parquet deve ser visto, acima de tudo, como um promotor da justiça,
cabendo a ele a defesa dos direitos individuais indisponíveis, tais como a
dignidade da pessoa humana. Desta forma, além de promover, privativamente, a
ação penal pública, também incumbe ao Ministério Publico fiscalizar o
cumprimento da lei (art. 257, II, CPP).
Sabe-se que após o trânsito em julgado da
sentença penal condenatória, o apenado ingressa no sistema prisional. Essa
passagem, todavia, não determina o fim da atuação ministerial; pelo contrário,
a fiscalização da execução penal deve necessariamente ser acompanhada pela
Instituição.
Por sistema prisional devemos entender um
conjunto de medidas administrativas e instalações destinadas à execução de
penas privativas de liberdade. Sua existência está relacionada ao fato de que o
indivíduo que praticou um determinado crime, devido a natureza da infração,
deve ser afastado do convívio social, objetivando a sua punição e retribuição
em virtude da prática do delito. Além de efetivar as disposições da sentença ou
decisão criminal, o sistema carcerário busca igualmente proporcionar condições
para a harmônica integração social do condenado e do internado.
A readaptação social abrange uma problemática
que transcende os aspectos puramente penal e penitenciário. Na busca da
correção ou da readaptação do delinquente não se pode olvidar que estes
objetivos devem subordinar-se à Justiça. Tal conceito é necessário dentro de
qualquer relação, e não deve ser interpretado do ponto de vista estritamente
individual.
Os estabelecimentos penais são lugares
apropriados para o cumprimento da pena nos regimes fechado, semiaberto e
aberto, bem como para as medidas de segurança. Servem, ainda, exigindo-se a
devida separação, para abrigar os presos provisórios. Conforme a sua
destinação, devem contar com áreas e serviços voltados à assistência, educação,
trabalho, recreação e prática esportiva dos presos. Contudo, o colapso do
sistema prisional brasileiro é visível: a superlotação e falta de investimentos
inviabiliza o fim ressocializador da pena e demanda maior cuidado dos órgãos
estatais que buscam, por técncias já ultrapassadas, evitar a reincidência.
Para assegurar o cumprimento dos direitos
individuais daqueles submetidos ao sistema prisional, a Constituição Federal,
em seu art. 5º, inciso XLIX, assegura aos presos o respeito a sua integridade
física e moral. Dentro deste espírito, sendo um dos órgãos da execução penal, é
obrigatória intervenção do Ministério Público na fase da execução da pena e da
medida de segurança, fiscalizando e intervindo nos procedimentos judiciais, propondo,
inclsuive, a interdição de estabelecimentos inadequados a vivência humana (como
ocorreu com a cela da 6 Delegacia de Polícia da Capital, interditada em
decorrência de ação ajuizada pelo Ministério Público Estadual em julho-agosto
de 2013).
Percebe-se que sua atuação vai muito além do
previsto na Lei de Execuções Penais. Em decorrência de suas funções
institucionais, há compromisso de atuação na construção de um sistema prisional
justo e digno, com respeito aos diretos fundamentais dos detentos e estabelecimentos
adequados e sem superlotação. Deve abranger reintegração, educação, saúde,
trabalho e profissionalização de todos, sem descuidar do enfrentamento da
criminalidade organizada.
Isto porque a ausência do Estado e de
investimentos adequados no sistema prisional afrontam a Constituição da
República e a Lei de Execução Penal, apesar de constituir dever do Poder
Público proceder aos investimentos e repasses de recursos, em âmbito federal e
estadual, necessários à melhoria do sistema prisional, sem descuidar da
probidade na aplicação de tais recursos.
A participação do Ministério Publico na
formulação e fiscalização das políticas públicas do sistema prisional, assim
como a sua atuação na apuração de possíveis violações é essencial. O
fortalecimento de atribuições da Instituição na proteção individual e coletiva
dos presos e na investigação de crimes é fundamental para o Estado Democrático
de Direito e para a defesa dos direitos e garantias individuais, incluindo a
segurança pública.
A obrigatória visita mensal aos
estabelecimentos penais permite ao membro do Ministério Público verificar a
regularidade da execução da pena, ouvindo, sempre que possível, os reclamos dos
habitantes prisionais, rica fonte na apuração de desvios e excessos. Sob essa
perspectiva, o empenho do CNMP em uniformizar as inspeções realizadas pelos
membros do Ministério Público em estabelecimentos prisionais de todo o
território nacional parte da preocupação de melhor concretizar os ditames da
Lei de Execuções Penais, que, atenta à importância da atuação ministerial junto
ao sistema prisional, estabeleceu a obrigatoriedade da realização das visitas.
Neste contexto, a Resolução CNMP n. 56/2010 estipulou que relatórios padronizados
devem ser preenchidos após cada uma das inspeções realizadas mensalmente pelo
Promotor ou Procurador de Justiça nos estabelecimentos penais sob sua
responsabilidade. Sem prejuízo do relato mensal, deve o membro responsável
apresentar um relatório anual, que viabiliza um retrato ainda mais minucioso
sobre as condições do estabelecimento penal.
Dentre os aspectos essenciais a serem
retratados, encontram-se as instalações físicas, os recursos humanos, a
capacidade e a ocupação do estabelecimento, o perfil da população carcerária e
o cumprimento dos dispositivos da LEP no tocante à prestação de assistência,
trabalho e observância dos direitos dos presos ou internados.
Por outro lado, além de assegurar o
cumprimento dos direitos assegurados aos apenados, há também a fiscalização no
tocante aos deveres dos internos.
Cabe ao órgão ministerial requerer as medidas
adequadas para assegurar a disciplina e ordem dentro do estabelcimento
prisional. Neste aspecto, além de obrigatoriamente ser ouvido em todos os procedimentos
de apuração de falta disciplinar, outra medida importante é a transferência de
presos para outras unidades da Federação. Existe, expressamente, autorização
legal para que o condenado possa cumprir a pena em unidade federativa diversa
daquela onde tem origem a sua sentença, em presídio estadual ou da União. Esta,
inclusive, pode construir unidades para abrigar sentenciados quando a medida
seja justificada no interesse da segurança pública ou do próprio condenado.
Além disto, no ano de 2003 foi incluído na Lei
de Execuções Penais o chamado “Regime Disciplinar Diferenciado”. Em que pese as
inúmeras críticas tecidas a sua constitucionaliadde, verifica-se sua adequação
ao sistema de garantiras da Carta Magna. De fato, a serveridade do sistema foi instituída
para atender as necessidades prementes do combate ao crime organizado e aos
líderes de facções que, de dentro dos presídios brasileiros, continuam a atuar
na condução dos negócios criminosos fora do cárcere, além de incitarem seus
comparsas soltos à prática de atos delituosos graves de todos os tipos. A
medida, portanto, não viola direitos e garantias constitucionais, sendo
razóavel e proporcional a sua instituição, face ao crescimento das facções
criminosas, garantido o contraditório e ampla defesa, bem como a prévia
manifestação do Promotor ou Procurador de Justiça com atribuição para atuar
perante o estabelecimento prisional.
Assim sendo, verifica-se a importância da
atuação ministerial dentro do sistema prisional, especialmente para fiscalizar
e assegurar o cumprimento da lei, tomando as medidas adequadas para solucionar
os incidentes. Como visto, o Ministério Público, mesmo no processo de execução
penal e, quando age perante a administração, até fiscalizando-a em sua esfera
de atividade, o faz para que possa desempenhar sua função própria e específica
de defesa de interesses indisponíveis.
87. ATUAÇÃO SOCIAL DO MP
Bom dia!
Cumprimento o Excelentíssimo Senhor Procurador
Geral de Justiça do Ministério Público de Santa Catarina e Presidente da Comissão
de Concurso, Dr. Lio Marcos Marin, e estendo o cumprimento aos demais membros
desta Banca.
O tema a mim confiado foi “A sociedade como
fonte de legitimação e atuação do Ministério Público”.
Inicialmente, cumpre destacar a previsão
constitucional de que o Ministério Público é instituição essencial à Justiça e
à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do
regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
Para a consecução de seu mister, estabeleceu o
art. 129 da Carta Magna uma série de instrumentos visando justamente a dar
efetividade aos direitos fundamentais mais importantes ao ser humano
individualmente falando, bem como à sociedade com um todo.
As atribuições e funções institucionais do
Ministério Público vão muito além de ser apenas um órgão de acusação, como
outrora era conhecido. Hoje, mais do que nunca, trata-se de uma instituição que
promove a justiça, buscando a efetiva concretização dos direitos fundamentais e
inerentes à dignidade da pessoa humana, sempre buscando a solução mais
democrática, eficaz e comprometida com a sociedade.
Nesse sentido, o constituinte e o legislador
infraconstitucional dotaram a instituição ministerial de uma série de
instrumentos, dentre os quais pode-se destacar a legitimidade para instaurar
inquérito civil, procedimentos preparatórios, propor a ação civil pública, a
ação de improbidade administrativa, ações individuais para a tutela de direitos
indisponíveis, bem como, na seara criminal, a possibilidade de instaurar
procedimento investigatório criminal e promover, privativamente, a ação penal
pública.
No que tange à possibilidade de investigação
criminal, frise-se, recentemente houve um reconhecimento da sociedade da
importância desse poder implícito conferido ao Ministério Público. Isso porque,
diante da iminência da votação e possível aprovação da Proposta de Emenda
Constitucional n. 37, houve uma intensificação das manifestações sociais
justamente clamando pela sua rejeição para que não se fechasse um importante
portal contra a impunidade – o que muito provavelmente ocorreria se se tirasse
do Ministério Público a possibilidade de apurar crimes.
Este momento, entendo, foi um reconhecimento
da sociedade como um todo do papel que o Ministério Público exerce, bem como de
que se trata de uma instituição que zela pelos direitos fundamentais das
pessoas e pelo cumprimento das funções pelos demais Poderes Públicos,
notadamente o Poder Executivo.
No que refere à atuação em âmbito civil, há
que se fazer um especial destaque à legitimação do Ministério Público para a
propositura da ação civil pública e ação de improbidade administrativa. Ambas
as ações possuem especial ligação com as finalidades institucionais do
Ministério Público e são importantes meios para implementar políticas públicas
e cobrar dos administradores públicos respeito aos princípios constitucionais,
em especial no trato com a coisa pública, visando também a coibir condutas que
importem em enriquecimento ilícito e danos ao erário.
Verifica-se que as atribuições do Ministério
Público ampliaram extraordinariamente nas mais diversas áreas, tais como em
relação à pessoa portadora de deficiência (Lei 7853/89); investidores no
mercado de valores mobiliários (Lei 7913/89); criança e adolescente (Lei
8069/90); consumidor e outros direitos difusos e coletivos (Lei 8078/90 e Lei
7347/85); patrimônio público (Lei 8429/90, Lei 8625/93); ordem econômica e
livre concorrência (Lei 8884/94), dentre tantas outras leis.
A importância do Ministério Público para a
sociedade pode também ser percebida pelo fato de haver muito mais que um
direito de agir nesses casos: há, antes, um dever, uma vez que, identificando o
órgão ministerial uma hipótese em que deva agir, em que há elementos
comprobatórios de que houve violação à lei civil ou penal, haverá
obrigatoriedade para tanto. Essas características e a maneira como o Ministério
Público atua, na teoria e principalmente na prática, é que o torna uma
instituição na qual a sociedade como um todo confia e valoriza.
Ademais, cabe ressaltar que o atendimento aos
interesses sociais pode ocorrer na atuação extrajudicial e na atuação judicial,
mas também quando o Ministério Público busca assegurar a participação da
sociedade em audiências públicas, firmando termos de ajustamento de conduta e
mesmo atendendo a qualquer do povo e adotando as medidas de sua competência.
Nesse sentido, são providências que o
Ministério Público pode adotar como meios de atuação: buscar que seja dado o
real atendimento em hospitais e postos de saúde; fiscalizar a existência de
vagas em escolas; cuidar das condições em que se encontram os presos; receber
petições, notícias de irregularidades, reclamações e representações de qualquer
pessoa e de qualquer natureza, por desrespeito aos direitos assegurados nas
Constituições Federal e Estadual; instaurar e presidir sindicâncias; promover
diligências, requisitar documentos, dentre outras.
Assim, o Ministério Público deve estar cada
vez mais sensível aos anseios e necessidades da nação brasileira, buscando que
se efetive a Justiça Social e atuando diligentemente contra a opressão,
injustiça, contra a corrupção e a improbidade, pois é a instituição a quem o
constituinte e a sociedade como um todo confia como protetor dos valores mais
caros da sociedade.
A sociedade, portanto, é a fonte de atuação e
a fonte de legitimação do Ministério Público. Por isso, é de suma importância
que os órgãos de execução, em especial os Promotores de Justiça, por possuírem
uma atuação mais próxima da sociedade, sejam realizadores de efetivas e
positivas transformações sociais, a fim de auxiliar, como agentes ativos, na
implementação de uma sociedade livre, justa e solidária, erradicando a pobreza
e as desigualdades e a grande incidência da criminalidade.
Por tudo isso, pode-se concluir que o
Ministério Público atua pela sociedade e para a sociedade.
88. DIFERENÇA DE ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
EM RELAÇÃO À DEFENSORIA PÚBLICA
No Brasil, a criação da Defensoria Pública
ocorreu por meio da previsão constitucional do art. 134 da CRFB de 1988, sendo
abordada como instituição essencial à função jurisdicional do Estado, devendo
ser criada e instalada como órgão da própria estrutura estatal.
Estabelece o dispositivo constitucional em exame
que à Defensoria Pública incumbe a orientação jurídica e a defesa dos
necessitados, na forma do art.5º, inciso LXXIV.
O inciso LXXIV do art. 5º da CRFB, por sua
vez, estabelece a obrigação, do Estado, de prestar assistência jurídica
integral e gratuita aos cidadãos que comprovem insuficiência de recursos
financeiros.
O art. 134 da CRFB foi regulamentado pela Lei
Complementar n. 80, de 12 de janeiro de 1994, que, em seu art. 1º, confirma a
atuação institucional da Defensoria Pública em favor dos necessitados.
A Defensoria Pública representa importante
instrumento de cidadania, com o desiderato primeiro de pôr fim à opressão e à
desigualdade social brasileira, em defesa dos necessitados, ou seja, de todos
os cidadãos comprovadamente hipossuficientes, comprovada a insuficiência de
recursos econômicos próprios.
A CRFB de 1988, logo em seu Preâmbulo, reza
que o Estado Brasileiro assegurará os direitos sociais e individuais, e, em seu
art. 5º, inciso XXXV, expressa que “lei não excluirá da apreciação do Poder
Judiciário lesão ou ameaça à direito”.
Observa-se que não mais se está falando em
direito exclusivamente individual, mas incluem-se também os transindividuais. A
prestação jurisdicional deixou de ser mero instrumento de direitos subjetivos
individuais, expandindo-se também para a seara da tutela dos interesses
transcendentais da sociedade.
Outro importante marco para a defesa dos
direitos coletivos se deu com o advento da Lei Federal n. 8.078, de 11 de
setembro de 1990, Código de Defesa do Consumidor.
A partir dessa inovação legislativa
infraconstitucional, a Ação Civil Pública passou a ser disciplinada tanto pela
Lei n. 7.347/85, como pelos dispositivos processuais do Estatuto Consumerista,
compondo, assim, um sistema processual integrado (art. 21 da primeira e art. 90
do segundo).
Pode-se afirmar que Ação Civil Pública é
aquela pela qual o órgão do ministério Público ou outros legitimados ativos
ingressam em juízo com o escopo de proteger o patrimônio público e social, o
meio ambiente, o consumidor, ou, ainda, quaisquer outros interesses difusos e
coletivos, com vistas à responsabilização do causador do dano e à reparação
pelos que foram causados.
Cumpre indagar, portanto: a quem cabe defender
estes relevantes interesses sociais em juízo? Quem são os legitimados ativos
para a propositura da Ação Civil Pública? A Defensoria Pública estaria
legitimada a propor a Ação Civil Pública em defesa de interesses difusos?
Dentre os legitimados para propor a Ação Civil
Pública, conforme a nova redação dada pela Lei Federal n. 11.448, de 15 de
janeiro de 2007, está a Defensoria Pública.
Seguindo a esteira do alargamento da
legitimação ativa em defesa dos interesses transindividuais, o legislador
infraconstitucional, por meio da Lei n.11.448/2007, fez acrescer à Lei n.
7347/85, em seu art. 5º, inciso ii, a Defensoria Pública como um dos legitimados
a propor Ação Civil Pública.
Assim, cumpre indagar sobre a efetiva
legitimidade ativa da Defensoria Pública para promover ações coletivas. Quais
seriam os limites constitucionais de sua legitimação? A questão a ser debatida
é se a Defensoria Pública possui legitimidade universal à propositura da Ação
Civil Pública.
A Defensoria Pública, consequência de sua
função constitucional, é instituição que representa e substitui processualmente
os necessitados que comprovarem a insuficiência de recursos financeiros para
demandar em nome próprio.
O reconhecimento da legitimidade da Defensoria
Pública, com o advento da Lei n. 11.448/2007, é questão superada, encontrando
no Texto maior o amparo constitucional necessário para validade e interpretação
dos limites de sua atuação institucional.
A relevância da função institucional da
Defensoria Pública na defesa dos direitos individuais, individuais homogêneos e
coletivos dos comprovadamente necessitados, é certa, necessária e
inquestionável.
Assim, resta apenas estabelecer, a teor do
disposto no art. 134; no art. 5º, inciso LXXiV, ambos da CRFB; e no art. 1º Lei
Complementar n. 80/1994, os limites constitucionais de sua legítima atuação
institucional.
A Defensoria Pública será parte legítima para
propor a Ação Civil Pública somente na defesa dos diretos dos hipossuficientes,
ou seja, de todos aqueles necessitados que comprovem a insuficiência de
recursos para demandar em nome próprio.
Assim, a aparente legitimidade universal
estampada no inciso ii do art.5º da Lei Federal n. 7.347/85, acrescido
pela Lei n. 11.448/07, deve ser interpretada restritivamente, conforme o
comando constitucional.
Ora, a legitimidade de atuação da Defensoria
Pública pressupõe, por força normativa da Constituição Federal de 1988
(art. 5º, LXXiV, art. 134, ambos da CRFB), a existência de dois requisitos
básicos: 1) ser direcionada aos necessitados; 2) e que estes comprovem
insuficiência de recursos. Com isso já se pode afirmar que a Defensoria Pública
somente poderá atuar quando individualizados os interessados, todos
imperiosamente necessitados, por situação de hipossuficiência que deverá ser
comprovada para efetivo benefício da substituição processual.
Portanto, pode-se concluir facilmente pela
constitucionalidade do inciso II do art. 5º da Lei Federal n.
7.347/85,.com a nova redação dada pela Lei n. 11.448, de 2007, pertinente à
legitimidade ativa da Defensoria Pública para a propositura da Ação Civil
Pública quando na defesa de interesses individuais homogêneos e coletivos de
cidadãos hipossuficientes, comprovada a insuficiência de recursos econômicos.
Entendimento diverso deve ser adotado em
relação ao reconhecimento da legitimidade ativa da Defensoria Pública na defesa
de interesses difusos. É que, presentes interesses difusos, a incompatibilidade
entre a pretendida legitimidade ativa e a impossibilidade de identificação dos
substituídos processuais, decorrentes do objeto indivisível e dos interesses de
grupos indetermináveis, é absoluta, não comportando quaisquer exceções.
Falece, portanto, legitimidade à Defensoria
Pública para propor Ação Civil Pública em defesa de interesses difusos, havendo
de ser reconhecida obrigatoriamente a inconstitucionalidade parcial do inciso
II do art. 5º da Lei Federal n. 7.347/85.
Nada impede, entretanto, que a Defensoria
Pública – não atuando somente em face do Poder Judiciário – preste assistência
jurídica (e não judiciária) ao eventual necessitado, (embora não determinável),
orientando-o como detentor, em tese, de interesses difusos, remetendo-o aos
legitimados ativos universais para propor a Ação Civil Pública hipoteticamente
cabível.
Certo é que a Defensoria Pública tem sua
atividade destinada à defesa da população pobre, em favor dos cidadãos menos
favorecidos econômica e comprovadamente insuficientes de recursos.
A Constituição da República delimita as
funções institucionais da Defensoria Pública de modo a legitimar sua atuação
institucional na defesa de interesses individuais homogêneos e coletivos de
todos os cidadãos hipossuficientes, desde que comprovada a insuficiência de
recursos econômicos por parte dos representados/necessitados. Eis a relevância
da tarefa constitucional da Defensoria Pública.
Defende-se, portanto, a tese da
constitucionalidade parcial do inciso II do art. 5º do da Lei Federal n.
7.347/85, referente à legitimidade ativa da Defensoria Pública para a
propositura da Ação Civil Pública, para restringi-la exclusivamente à defesa de
interesses individuais homogêneos e sociais dos necessitados comprovadamente
carecedores de recursos econômicos.
89. O ECAD E A FISCALIZAÇÃO DO MINISTÉRIO
PÚBLICO
1 – O Escritório Central de Arrecadação e
Distribuição - ECAD
O ECAD (Escritório Central de Arrecadação e
Distribuição) é uma instituição privada, sem fins lucrativos, instituída pela
lei 5.988/73 e mantida pela Lei Federal 9.610/98.
Apesar da Lei nº 9.610/98 tratar da proteção
aos direitos autorais de forma bem abrangente, englobando todo o tipo de
produção intelectual, tais como obras literárias, científicas, audiovisuais, fotográficas,
esculturais e etc., o ECAD se limita a centralizar a arrecadação e distribuição
dos direitos autorais de execução pública de obras musicais, lítero-musicais e
fonogramas.
A administração do ECAD é realizada por nove
associações de gestão coletiva musical.
O titular de música deve se filiar a uma das
nove associações e informar seu repertório de produção musical a fim de ver
garantido seu direito econômico decorrente da exibição pública de sua obra, já
que, com o ato de filiação, as associações tornam-se mandatárias de seus
associados para a prática de todos os atos necessários à defesa judicial ou
extrajudicial de seus direitos autorais, bem como para sua cobrança (art. 98,
Lei nº 9610/98).
Segundo a jurisprudência do Superior Tribunal
de Justiça, estão sujeitas à cobrança pelo ECAD as exibições públicas de
músicas realizadas pelas rádios, em shows, em festas de casamentos, em trilha
sonora de filmes, em quartos de hotel, em clínicas médicas e festas populares
gratuitas organizadas pela administração pública, ainda que sem fim lucrativo.
Ou seja, toda e qualquer exibição pública,
independentemente de constituir atividade lucrativa, está submetida à obrigação
de recolher as cofres do ECAD os valores dos direitos autorais referentes às
obras musicais.
Ressalta-se que, também de acordo com a
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, compete ao próprio autor fixar
o valor de exibição de sua obra. Todavia, com o ato de filiação as associações
de gestão coletiva musical, essa faculdade é transferida ao ECAD, o qual passa
a acumular a atribuição de fixação de preços, cobrança e distribuição dos
direitos autorais de seus associados.
2 – A música como manifestação cultural
nacional
Não há dúvidas de que a música é uma das mais
importantes manifestações da arte e da cultura de um povo, portanto, elemento
integrante do patrimônio cultural nacional.
A Constituição Federal, no Título VIII,
denominado Da Ordem Social, por sua vez, ao mesmo tempo em que prevê que o
Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às
fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão
das manifestações culturais, afirma que constituem patrimônio cultural
brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou
em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos
diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem, as
criações artísticas (art. 215 e 216, III).
Por meio da recente Emenda Constitucional nº
71, foi instituído o Sistema Nacional de Cultura tendo por objetivo promover o
desenvolvimento humano, social e econômico com pleno exercício dos direitos
culturais (art. 216-A).
Dentre os princípios do Sistema Nacional
de Cultura, o poder constituinte derivado reformador estabeleceu a
universalização do acesso aos bens e serviços culturais, fomento à produção,
difusão e circulação de conhecimento e bens culturais e transparência e
compartilhamento das informações (art. 216-A, § 1º).
Por isso, a centralização da arrecadação e
distribuição dos direitos autorais de execução pública de obras musicais no
ECAD, entidade com personalidade de de direito privado, sempre causou
estranheza ao meio jurídico e artístico.
Esse olhar desconfiado sempre teve como
fundamento a completa obscuridade das atividades desenvolvidas pelo ECAD,
principalmente o montante arrecadado em nome dos artistas e a quantia
efetivamente a eles distribuída. Além disso, não é da tradição do nosso
ordenamento deixar à iniciativa privada a administração de bens nitidamente
públicos e de titularidade difusa, como é a produção musical nacional.
3 – A Lei nº 12.853/13
Por isso, após embates travados pelas
comunidades artísticas e órgãos de controle da Administração Pública, valendo
citar-se a instalação de comissão parlamentar de inquérito no Senado Federal,
em 2011, e a condenação do ECAD pelo Conselho Administrativo de Defesa da
Concorrência – CADE pelo abuso do poder econômico e prática de cartel, no
início de 2013, foi aprovada, sancionada e promulgada a Lei nº 12.853, de 14 de
agosto de 2013.
Da análise do novo texto legal, infere-se com
clareza que o legislador, reconhecendo a importância da produção e divulgação
musical para a cultura brasileira, deixando de tratá-la como mera atividade econômica
particular, visou criar mecanismos de controle público sobre as atividades
desenvolvidas pelo ECAD.
Dentre elas, vale citar a menção expressa de
que as associações que integram o ECAD exercem atividade de interesse público,
devendo atender a sua função social, as quais devem obter prévia habilitação
junto à Administração Pública Federal para o exercício de suas atividades. Além
disso, foi imposto às referidas associações a obrigação de observarem os
princípios da isonomia, eficiência e transparência, assim como de encaminhar
informações relativas às atividades do ECAD ao Ministério da Cultura.
Assim, pode se afirmar que a Lei nº 12.853/13
representou a publicização dos interesses culturais ligados a produção e
exibição musical, os quais estavam, repita-se, indevidamente a cargo de
entidades privadas, sem nenhuma forma de controle estatal.
4 – O Ministério Público e as funções
correlatas à cultura
O Ministério Público é instituição permanente,
essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem
jurídica, do regime democrático e dos interesses socais e individuais
indisponíveis, conforme formatação dada à instituição pela Constituição Federal
de 1988.
Dentre as suas funções, está a de promover, na
forma da lei, a proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao meio
ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético,
histórico, turístico e paisagístico, e a outros interesses difusos, coletivos e
individuais indisponíveis e homogêneos (art. 129, III, da CF/88 e art. 25, IV,
a, da Lei nº 8.625/93).
A produção e exibição de obras musicais sempre
foram consideradas manifestações da cultura nacional, possuindo evidente valor
artístico, constituindo-se, assim, um direito difuso por excelência.
Todavia, a atuação do Ministério Público neste
campo sempre encontrou dificuldades, uma vez que, conforme já mencionado, as
Leis nº 5.988/73 e nº 9.610/98 atribuíram às entidades privadas a
administração desses bens culturais, sem abertura para o controle estatal.
Porém, a partir da edição da Lei nº 12.853/13
e a da previsão de instrumentos públicos de controle e intervenção nas
atividades desenvolvidas pelas entidades integrantes do ECAD, a nuvem que
pairava sobre a possibilidade de intervenção do Ministério Público na defesa
dos direitos culturais correlatos à produção e exibição de obras musicais se
dissipou.
Nesse sentido, apenas a título de exemplo,
cumpre destacar que a omissão completa da Lei nº 9.6010/98 em relação ao
Ministério Público foi substituída por previsão expressa de necessidade de
comunicação ao órgão ministerial nos casos em que o fiscal arrecadador receber
do usuário numerário a qualquer título ou a associação tiver cassada sua
habilitação ao órgão de fiscalização da Administração Pública na Lei nº
12.853/13 (arts. 98-A, § 2º e 99, §6º).
Em conclusão, se no regime anterior existia
oposição a respeito da possibilidade de atuação do Ministério Público como
fiscal do ECAD, uma vez que este é uma entidade privada e que, em tesem geria
interesses iminentemente privados dos titulares de direitos autorais ligados às
obras musicais, hoje essa resistência não pode mais subsistir.
Isso porque, ao definir que as associações que
integram o ECAD exercem atividade de interesse público, a Lei nº 12.853/13
deixou claro que o Ministério Público tem legitimidade para atuar no controle e
fiscalização do ECAD, como substituto processual da sociedade, em defesa dos
direitos culturais de valor artístico.
90. O MINISTÉRIO PÚBLICO E O ESTADO
DEMOCRÁTICO DE DIREITO
Amanda Gualtieri Varela
“O Ministério Público, por conseguinte, nem é
governo, nem oposição. O Ministério Público é constitucional; é a Constituição
em ação, em nome da sociedade, do interesse público, da defesa do regime, da
eficácia e salvaguarda das instituições”.
(Paulo Bonavides)
1. Panorama legislativo
A atual Constituição da República dotou o
Ministério Público de novo perfil, outorgou garantias e impôs vedações aos seus
membros, elencou novas atribuições para a instituição a fim de que cumpra a
vocação social que lhe fora cometida pelo constituinte.
O artigo 127, caput, da Constituição Federal
aduz ser o Ministério Público instituição permanente – o que o confere, bem
como às prerrogativas, o status de cláusula pétrea implícita –, essencial à
função jurisdicional do Estado e cujas atribuições são as seguintes: defesa da
ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis. É nesse mesmo sentido que dispõem os artigos 1º da Lei 8.625/93
(Lei Orgânica Nacional do Ministério Público) e 1º da Lei Complementar 197/00 –
Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de Santa Catarina.
2. Breves considerações acerca das demais
funções do Ministério Público
Antes de abordar de forma mais detida a
atribuição do Ministério Público como defensor do regime democrático, passarei,
brevemente, a discorrer sobre as outras nobres funções que também são
conferidas pelo constituinte ao órgão ministerial.
2.1. Defesa da ordem jurídica
De acordo com o que ensina Emerson Garcia, o
Ministério Público tem o dever funcional de defender a ordem jurídica, o que
pressupõe a análise de todos os atos praticados por órgãos estatais e
possibilita o ajuizamento de medidas necessárias à coibição de abusos ou
ilegalidades.
A ordem jurídica deve ser compreendida em sua
acepção ampla, ou seja, não guarda similitude tão somente com a lei, mas sim
com o Direito – noção mais abrangente. Por essa razão, há quem entenda que o
mais correto seria se falar em “custos iuris”, em vez de se utilizar a
expressão consagrada “custos legis”, na medida em que a tutela da ordem
jurídica pelo membro do Ministério Público deve ir muito além da proteção pura
e simples da lei.
Em vista dessa atribuição, o art. 27 da LONMP
impõe ao Ministério Público a defesa dos direitos assegurados tanto na Constituição
Federal como na Constituição do Estado, a fim de que ambas sejam respeitadas
pelos poderes estatais e municipais; pelos órgãos da Administração Pública,
direita ou indireta, em âmbito estadual ou municipal; pelas concessionárias e
permissionárias de serviço público na órbita dos entes estatais e municiais;
bem como por qualquer entidade que exerça funções delegadas pelo Estado ou pelo
Município ou que executem serviços de relevância pública.
É no mesmo sentido do ora exposto a redação do
art. 82, inciso VII, da Lei Orgânica do MPSC.
Para a consecução de seu mister, o Parquet
dispõe de diversos instrumentos, como a emissão de recomendações dirigidas aos
órgãos ou entidades mencionadas, a realização de audiências públicas, a
propositura de ações no controle de constitucionalidade (concentrado ou difuso)
e a tomada de termo de ajustamento de conduta.
Por fim, adverte-se que, segundo Mazzilli, a
função de guardião da ordem jurídica não confere ao Parquet o zelo pelo
cumprimento de toda e qualquer lei do país, mas tão só daquelas que se coadunem
com suas finalidades institucionais. Assim, segundo o autor, se uma lei disser
respeito a um direito disponível, sem qualquer expressão social, não seria
justificável a intervenção do Ministério Público.
2.2. Defesa dos interesses sociais
Os direitos (ou interesses) sociais estão
dispostos no art. 6º da Constituição Federal; trata-se, pois, de direitos
fundamentais de 2ª dimensão, na medida em que se caracterizam, em regra, por
prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente. São
exemplos de direitos sociais o direito à saúde, ao trabalho, à moradia e ao
lazer. Os direitos sociais encontram relação com o direito de igualdade,
conforme ensina José Afonso da Silva.
Em vista de ser conferida ao Parquet a tutela
dos direitos sociais, é que se torna possível uma ação civil pública que tutele
direitos disponíveis de um grupo de indivíduos, por exemplo, mas desde que
esses direitos estejam revestidos de interesse coletivo – o que, em última
análise, também será considerado interesse público (primário). É o caso, por
exemplo, de ações propostas para a defesa de interesses individuais homogêneos
de larga abrangência social.
Assim, a par dos casos em que haja
indisponibilidade parcial ou absoluta de um interesse, será também exigível a
atuação do Ministério Público se a defesa de qualquer interesse – disponível ou
não – convier à coletividade como um todo.
2.3. Defesa dos interesses individuais
indisponíveis
Os interesses indisponíveis são aqueles que,
por sua precípua relevância para a coletividade, se apresentam como
indispensáveis à manutenção da integridade do corpo social, e, por conseguinte,
da própria existência do Estado. Por sua magnitude, esses direitos são
tutelados por meio de normas cogentes.
Por ter o constituinte conferido ao Ministério
Público a tutela dos direitos individuais indisponíveis, não há como afastar a
legitimidade da instituição ministerial da ação de alimentos proposta em favor
de uma criança ou adolescente, por exemplo, ou então, da ação civil que visa a
compelir o ente estatal a fornecer medicamento indispensável à sobrevivência de
uma pessoa carente. Até mesmo porque, em última análise, o interesse de um
único indivíduo, se indisponível, também será um interesse público, cujo zelo,
portanto, é cometido ao Ministério Público.
3. A defesa do regime democrático pelo Parquet
3.1. Algumas considerações sobre o Estado
Democrático de Direito
Primeiramente, cabe salientar que o termo
“Estado de Direito” significa uma limitação do poder do Estado pelo Direito.
Contudo, é indispensável que seu conteúdo reflita um determinado ideário, uma
perspectiva de esperança social e não apenas um Estado marcado sob a ótica
formal de direito, não apenas um “Estado Legal”.
Isso porque, se o direito se confunde com o
mero enunciado formal da lei, privado de conteúdo, sem compromisso com a
realidade política, social, econômica e ideológica, todo Estado acaba por ser
Estado de Direito, ainda que totalitário. Assim, o “Estado Democrático de
Direito” se diferencia do Estado meramente de Direito por oferecer garantia da
tutela dos direitos da personalidade. Ao vincular o termo “democrático” ao
Estado, para qualificá-lo, todos os valores da democracia (igualdade,
liberdade, dignidade da pessoa humana) se propagam sobre os elementos
constitutivos do Estado e também sobre a ordem jurídica. O Direito, então,
revestido desses valores, terá de ajustar-se aos interesses coletivos.
Sobre o tema, importante a lição de José
Afonso da Silva:
“É da essência de seu conceito
subordinar-se à Constituição e fundar-se na legalidade democrática. Sujeita-se,
como todo Estado de Direito, ao império da lei, mas da lei que realize o princípio
da igualdade e da justiça não pela sua generalidade, mas pela busca da
igualização das condições dos socialmente desiguais (...) A lei deve influir na
realidade social (...) A tarefa fundamental do Estado Democrático de Direito
consiste em superar as desigualdades sociais e instaurar um regime democrático
que realize a justiça social”.
Estado Democrático de Direito traz em seu bojo
um “plus normativo”, um conteúdo utópico de transformação da realidade, que o
difere do Estado Liberal (no qual a lei possuía um conteúdo geral e abstrato,
destinado a restringir a atuação estatal) e também o diferencia do Estado
Social (no qual a lei, além de restringir a atividade estatal, assumia papel de
implementar prestações exigidas pela população). É a tendência à transformação
da ordem estabelecida, o que pressupõe a participação da sociedade, que gera
seu caráter democrático.
No Estado Democrático de Direito, ocorre um
sensível deslocamento da esfera de tensão dos Poderes Executivo e Legislativo
para o Poder Judiciário. Nessa medida, se o Judiciário assume a tarefa de
adequar o direito ao aspecto de transformação social preconizado pelo Estado
Democrático, necessária será a existência de uma instituição apta a veicular os
pleitos de índole transformadora junto àquele Poder, que, por sua natureza, é
inerte. É nesse contexto que se deve abordar o papel do Ministério Público na
contemporaneidade.
3.2. Ministério Público como agente de
transformações sociais no Estado Democrático de Direito
O Ministério Público é indispensável ao
florescimento da democracia. Entretanto, Estados totalitários também podem
servir-se do Ministério Público; isso porque, o Parquet é investido de parcela
da soberania estatal e comunga da estrutura do Estado do qual faz parte como
órgão, razão por que tende a espelhar a realidade do Estado o qual integra.
Dessa forma, para que seja realmente instrumento democrático, se faz
indispensável um Ministério Público forte e independente, nos moldes que foram
traçados pelo constituinte de 1988, na “Constituição-Cidadã”.
O Ministério Público só é capaz de atingir sua
destinação última em meio essencialmente democrático. Um Estado Democrático é
aquele no qual o povo, de acordo com seu entendimento livre, toma decisões
concretas em matéria política, ou, ao menos, estabelece as diretrizes que devem
ser observadas por aqueles que governarão.
Ora, para tornar concreto o mandamento
constitucional de que o Ministério Público está a serviço da defesa do regime
democrático, se faz mister que o Parquet tome, por exemplo, a iniciativa de
propor mandados de injunção, quando a falta de norma regulamentadora torne
inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das
prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania, como a
falta de regulamentação da participação popular nas decisões políticas, quer
pelo plebiscito, quer pelo referendo, quer pela iniciativa no processo
legislativo. Também é necessário que proponha ações diretas de
inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma
constitucional; que fiscalize e intervenha em todo o processo eleitoral, bem
como nas hipóteses de perda ou suspensão dos direitos políticos o no livre
funcionamento dos partidos políticos. Além disso, deverá promover as
competentes ações de responsabilidade – na área civil ou criminal – pela
prática de crimes que ofendam os princípios democráticos.
Dentro do novo perfil traçado para a
Instituição do Ministério Público pelo constituinte, destaca-se a função de
“ombudsman”. Com efeito, o artigo 129, inciso II, do texto constitucional,
estatuiu como função do Parquet o zelo pelo efetivo respeito dos Poderes
Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na
Constituição através da promoção das medidas necessárias. Tal mister confere ao
Ministério Público a função de guardião da Constituição, dos seus princípios e
valores mais caros , dos deveres e direitos fundamentais que consagra,
configurando, assim, a própria tradução e síntese da função de garante da
legalidade democrática.
Nessa perspectiva, cumpre concluir que, com a
mudança de paradigma constitucional, a função institucional mais relevante do
Ministério Público passou a ser a de órgão agente (resolutivo), promotor das
mudanças tão esperadas na ordem social contemporânea. O Promotor da atualidade
deve estar capacitado a intermediar conflitos, visando a incrementar sua maior
atuação extrajudicial, mediante a celebração de TACs ou instrumentos
semelhantes, a proposta de transações penais, realização de audiências públicas
, a elaboração de recomendações, de cartilhas cidadãs etc. O promotor
demandista deve ceder espaço, quando possível, ao promotor resolutivo, que
atua, no plano extrajudicial, como um grande intermediador e pacificador da
conflituosidade social. Além disso, deve estreitar e ampliar seu relacionamento
com a sociedade, pois ele nada mais é senão seu mandatário
constitucional.
Assim, integrando a sociedade civil, o
Ministério Público, nos limites de suas atribuições, deve participar
efetivamente do processo democrático, alinhando-se com os demais órgãos do
movimento social comprometidos com a concretização dos direitos já previstos e
a positivação de situações novas que permitam o resgate da cidadania para a
maioria excluída desse processo, numa prática transformadora orientada no
sentido da construção de uma nova ordem, do projeto democrático.
Referências
ALMEIDA, Gregório Assagra de. O
Ministério Público no neoconstitucionalismo: perfil constitucional e alguns
fatores de ampliação de sua legitimação social. In: Temas atuais do Ministério
Público. Salvador: Jus podivm, 2013.
JATAHY, Carlos Roberto de C. 20 anos de
Constituição: o novo Ministério Público e suas perspectivas no Estado
Democrático de Direito. In: Temas atuais do Ministério Público. Salvador: Jus
podivm, 2013.
MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime Jurídico do
Ministério Público. São Paulo: Saraiva, 2013.
ZENKNER, Marcelo; MOREIRA ALVES, Leonardo
Barreto. Ministério Público (LONMP). Salvador: Jus podivm, 2012.
91. FUNGIBILIDADE DAS TUTELAS DE URGÊNCIA
O direito à Justiça, representado sobejamente
pelo amplo acesso ao Poder Judiciário e também pela duração razoável do
processo, está contemplado na Carta Constitucional de 1988, alterada pela EC n.
45, que inclusive o alçou ao plano dos direitos fundamentais, conforme se
verifica da leitura do artigo 5°, incisos XXXV e LXXVIII do Diploma
Maior.
No entanto, diante do elevado número de
demandas levadas ao conhecimento do Estado-juiz e o consequente abarrotamento
das instâncias ordinárias, tal direito não tem sido observado, pondo em xeque a
própria efetividade do processo.
Nas palavras de Cláudio Cintra Zarif: “Não
basta o acesso à justiça, com os meios e recursos a ela inerentes, se não se
puder também garantir que o resultado desses processos irá realmente dar ao
titular do direito tudo aquilo que obteria se não tivesse precisado se socorrer
do Judiciário".
Dada à importância social e jurídica do tema,
já que a morosidade produz intenso descrédito na solução de litígios pelas vias
formais, procurou o legislador, ainda que superficialmente, dar verdadeira
aplicabilidade a tal direito fundamental, criando para tanto as tutelas
processuais de urgência.
As tutelas de urgência são divididas em tutela
antecipatória ou satisfativa, tutela cautelar e a tutela inibitória.
A tutela antecipada, prevista no artigo 273 do
Código de Processo Civil, trata, como a nomenclatura já sugere, da própria
obtenção, ainda que parcial, do bem da vida almejado no processo, numa clara
antecipação do fim colimado pelo autor.
Já a tutela cautelar, por sua vez,
disciplinada em livro próprio no Código de Processo Civil, busca assecurar a
eficácia plena do provimento jurisdicional, a ser obtido por meio de futuro ou
concomitante processo. Classifica-se em preparatória e incidental. É incidental
a cautelar quando é ajuizada nos autos de um processo principal e preparatória
a cautelar proposta anteriormente ao processo principal.
Por fim, a tutela inibitória é aquela que tem
natureza preventiva, cabível para evitar o início de ato ilícito, a sua
repetição ou o seu desenvolvimento, em casos de atos sucessivos.
Certamente a aplicação eficaz dos referidos
institutos mostra-se remédio de importância substancial para a garantia da
efetividade do processo, na medida em que distribui o tempo de forma igual para
as partes da lide. Digo isto porque anteriormente havia a ideia de que o tempo
era um fator neutro no processo, concepção deveras ultrapassada, já que por
evidente se porta, ao menos em regra, a beneficiar o réu em detrimento do
autor.
Pois bem, no intuito de aprimorar ainda mais a
utilização das tutelas de urgência e com isso dar azo à observância da razoável
duração do processo, acrescentou o legislador ao artigo 273 do Código de
Processo Civil o seu sétimo parágrafo, por meio da Lei n. 10.444-2002,
formalizando entendimento já consolidado na doutrina e jurisprudência com
respeito a fungibilidade das tutelas de urgência, especialmente das tutelas
antecipatória e cautelar.
De acordo com o citado dispositivo: "Se o
autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza
cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir
a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado.".
A norma, além de privilegiar a razoável
duração do processo, observa o princípio da instrumentalidade das formas, que
orienta o funcionamento de todo o sistema processual civil moderno, tal como
trazido pelos artigos 154 e 244 da Legislação Civil Adjetiva.
Assim, diante da evidente relação entre as
espécies de tutelas, pois ambas tratam de situações de urgência, onde há o
iminente risco de lesão e que não podem prescindir da pronta resposta do
Estado-juiz, acrescentou-se ao Código a já aludida disposição, resguardando
dessa forma o interesse da parte mesmo que a via eleita não se mostre a mais
correta.
Vê-se que a alteração legislativa possibilitou
o deferimento de medidas cautelares no âmbito do processo de conhecimento
quando pleiteadas a título de antecipação de tutela. Nesses casos, por via
transversa acaba por se dispensar a propositura de um processo autônomo e
acessório para a obtenção do provimento acautelatório exigido pela situação de
urgência.
Mas a fungibilidade não é automática. Faz-se
necessário para operá-la, segundo o parágrafo sétimo do artigo 273 do CPC, a
presença dos requisitos autorizadores da espécie de tutela que será concedida.
Nesse passo, se no bojo de uma ação de
conhecimento, o autor, a título de tutela antecipada, pleitear uma medida de
natureza estritamente cautelar, para que esta possa ser deferida nos moldes da
Lei, é necessário que se conjuguem os requisitos do fumus boni iuris e do
periculum in mora.
Com efeito, a aplicação do artigo em discussão
está subordinada, portanto, a que de fato exista a plausibilidade do direito
invocado a partir de um juízo de cognição sumária, verossimilhança esta
suficiente para que seja deferida a medida acautelatória do direito da parte.
Do contrário, estando ausentes os requisitos,
a medida não será deferida, já que o texto do § 7º do artigo 273 do Código de
Processo Civil é claro ao dispor que poderá ser deferida a medida cautelar
pleiteada a título de tutela antecipada no âmbito do processo de conhecimento,
se presentes os pressupostos.
Tal como já assinalado, a fungibilidade das
tutelas de urgência já vinha sendo aceita pela doutrina, por vários aspectos,
cabendo citar dentre eles: primeiro, conforme também restou salientado, em
razão da instrumentalidade do processo e do desapego ao excesso de formalismo;
segundo, porque os requisitos da tutela antecipada são mais exigentes do que o
da tutela cautelar, além de outros argumentos como a economia e celeridade
processual.
A partir do autorizativo legal surgiu a
indagação acerca da (im)possibilidade da via inversa, ou seja, o deferimento de
uma medida de antecipação de tutela no âmbito do processo cautelar,
aplicando-se a fungibilidade nas duas direções.
A doutrina não é pacífica sobre o assunto.
Existem posicionamentos tanto pela viabilidade como pela impossibilidade e
ambas as correntes valem-se de contundentes e substanciais argumentos
jurídicos, parecendo preponderar a aceitação da fungibilidade em mão dupla,
entendimento do qual compartilho em razão sobretudo da eficácia dos princípios
constitucionais tratados no decorrer da presente apresentação.
São essas, em resumo, as considerações que
faço a respeito do tema proposto.
92. O MINISTÉRIO PÚBLICO COM A IMPRENSA
A relação do Ministério Público com os meios
de comunicação social pode ser analisada sob duas óticas distintas:
1) o papel do Ministério Público no controle
dos meios de comunicação social e;
2) o papel da mídia como instrumento de
legitimação social do Ministério Público. (mais importante e que gera
mais desconforto aos que detêm o poder político e econômico).
1) Após os anos setenta, a mídia tem cada vez
mais exercido um papel predominante na formação de opinião pública por
dificultar a formação do senso crítico e massificando determinado pensamento. A
mídia faz caminhar a imagem do mundo como um todo, com a capacidade de alterar
conteúdos e a própria realidade de um determinado fato. Esta característica faz
surgir a preocupação com o controle dos abusos nos meios de comunicação. Em
nosso ordenamento jurídico, tivemos recentemente dois modelos de controle dos
meios de comunicação social: o controle total, caracterizado pela censura do
regime ditatorial pós-1964 e a fase de liberdade de imprensa, percebida com o
advento da CF/88, e caracterizada apenas pelas recomendações de caráter etário.
O momento atual vivenciado reflete o
relaxamento do controle dos meios de comunicação fez com que fatores econômicos
ditassem as regras da seleção da programação das rádios e canais televisivos, o
que por seu turno desvinculou o seu conteúdo do interesse público. Por exemplo,
o papel da televisão não é mais o de informar, mas sim, como toda empresa,
vender os seus espaços de propaganda.
Neste sentido o Ministério Público, em face de
suas funções institucionais de proteção dos interesses sociais preconizadas
pela CF/88, possui legitimidade para exercer o controle dos meios de
comunicação social, buscando adequar os excessos das programações aos padrões
de normalidade e respeito aos direitos e interesses previstos na Constituição
Federal.
Há vários exemplos desta atuação tomadas pelo
Ministério Público, tais como: a) que o “Programa do Ratinho” exibido pelo SBT
viesse a se adequar aos padrões ditados pela ordem pública, especialmente no
que concerne ao respeito à dignidade humana; b) Filme Calígula – ofensa ao
direito das crianças e dos adolescentes;c) outro caso foi a condenação na
editora Abril S/A em ação civil pública movida pelo Ministério Público de Santa
Catarina porque ela divulgou anúncio de circulação nacional intitulado
“filhota”. No a anúncio, uma menina obtém autorização do pai para fazer
"sexo selvagem" e acordar "a vizinhança toda"; d) a
condenação da empresa de telefonia Claro, postulada pelo Ministério Público de
Santa Catarina, porque veiculou publicidade considerada abusiva. Na peça
publicitária, o menino chamava o pai de "picareta", porque teria
adivinhado o valor da fatura telefônica que a mãe manuseia.
2) Devido às atribuições definidas para o
Ministério Público pelo texto constitucional resta claro que este se tornou um
dos mais importantes agentes políticos que compõe nossa estrutura social. Esse
fato impõe ao parquet um relacionamento estreito com a sociedade, principal
destinatária de sua atuação.
O Ministério Público é hoje, por sua postura
corajosa em favor dos legítimos interesses da sociedade brasileira,fonte
permanente de notícias para os meios de comunicação do país. Tudo quanto é dito
e feito pelos membros do Parquet repercute na imprensa, de modo positivo ou
negativo. Não há como negar essa realidade.
Em razão disso, faz-se imperioso e que
Ministério Público divulgue didaticamente sua atuação e demonstre o sentido e a
finalidade de suas ações. O membro do Ministério Público deve considerar que a
maior parte da população não tem o mínimo conhecimento de seus direitos básicos
e, neste sentido, a divulgação didática e importância de sua atuação, além de
legitimar a instituição perante a sociedade também cumpre uma finalidade
social, que é a dar à sociedade o conhecimento mínimo de seus direitos e
deveres.
Porém, essa divulgação por meio da imprensa
das atuações do Ministério Público deve ser pautada pela precaução e cautela,
principalmente quando se tratar de ações penais ou relacionadas à improbidade
administrativa.
É que a imprensa tem o poder de distorcer,
ainda que involuntariamente, o sentido das informações apresentadas pelo membro
do Ministério Público. Além disso, as informações oferecidas pelo membro do
Ministério Público à imprensa podem dar início a chamada publicidade opressiva,
que pode estigmatizar uma pessoa inocente perante a sociedade.
Não faltam exemplos de julgamentos antecipados
pela mídia, destacando-se no cenário nacional o caso da Escola Base de São
Paulo . O direito à imagem e à intimidade dos “investigados” é o principal
argumento contra a divulgação das investigações para os meios de comunicação
social e destes para o público. Com a cautela necessária, o membro do
Ministério Público evita de ser taxado de autoridade-show e não compromete a
imagem da instituição como um todo.
Outra crítica sofrida pelo Ministério Público
está relacionada ao abastecimento da imprensa com notícias de crimes e
investigações, que depois são utilizadas pelo próprio Ministério Público como
“prova” nas ações que ajuíza. Ou seja, alimenta a imprensa e depois se vale
dela para justificar suas ações.
Os abusos cometidos e das críticas recebidas
nasce a vontade política de restringir o campo de atuação do Ministério Público
e limitar sua relação com os meios de comunicação social, como, por exemplo,
foi a tentativa de aprovar a “lei da mordaça”, que estipula sanções penais ao
agente público que “revelar (...) ou permitir, indevidamente, que cheguem ao
conhecimento de terceiro ou aos meios de comunicação fatos ou informações de
que tenha ciência em razão do cargo e que violem o sigilo legal, a intimidade,
a vida privada e a honra das pessoas”.
Ante o exposto, pode-se concluir que:
a) No controle dos abusos dos meios de
comunicação social o membro do Ministério Público deve se pautar pelos termos
da lei e pelos ditames da Carta Magna, pelo interesse público e pela própria
convicção.
b) Quanto ao uso da mídia como instrumento de
legitimação da atuação do Ministério Público, o Promotor ou Procurador de
Justiça deve agir com cautela e procurar sempre fazer deste um canal em
benefício da sociedade e da própria instituição. Faz-se necessário compreender
a função da Imprensa, com suas qualidades e defeitos e buscar uma convivência
harmoniosa, produtiva para a sociedade. É fundamental explicar detalhadamente o
assunto ao repórter, traduzindo o “juridiquês”, como por exemplo: a)
traduzindo termos muito técnicos, que não são de conhecimento do grande público
para uma linguagem coloquial; b) ser didático nas entrevistas; c) ser objetivo
e também claro nas suas exposições.
Referência:
ZARIF, Cláudio Cintra. Da necessidade de
repensar o processo para que ele seja realmente efetivo. Artigo publicado no
livro Processo e constituição – Estudos em homenagem ao professor José Carlos
Barbosa Moreira. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.
93. O MINISTÉRIO PÚBLICO E A IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA
Bom dia a todos! Cumprimento o Excelentíssimo
Presidente da Comissão de Concurso (Dr. LIO MARCOS MARIN) e, em seu nome, a
todos os membros da Banca.
O tema a mim confiado foi a “O MINISTÉRIO
PÚBLICO E A IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA”.
Trata-se de tema vasto, propício a diversas
abordagens, e, de forma a me manter fiel ao tempo disponível para a
apresentação, procurarei desenvolvê-lo abordando a natureza jurídica da
probidade administrativa, a legitimidade ministerial e os instrumentos legais
disponíveis para o seu controle.
A atuação proba dos agentes públicos é
fundamental para a manutenção do Estado Democrático de Direito, que deve atuar
na busca do bem-estar social coletivo, seguindo os princípios maiores da
supremacia do interesse público sobre o privado; e da indisponibilidade dos
interesses públicos, pelo administrador
Não por outra razão que a Constituição Federal
estabelece no art. 37, § 4º, que “Os atos de improbidade administrativa
importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a
indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação
previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”, comando que foi
regulamentado por meio da Lei nº. 8.429/1992.
Conquanto não tenhamos uma definição
constitucional de probidade administrativa, em breves palavras, tendo por
substrato a Lei 8429/92, é possível defini-la como o exercício de qualquer
função pública com honestidade, moralidade e eficiência, abstendo-se, do abuso
das prerrogativas inerentes ao mandato, cargo, emprego ou função pública para
angariar vantagem ilícita (econômica ou não), para si ou para outrem, bem como
de praticar condutas imprudentes que comprometam o bom funcionamento da
administração, atentem contra seus princípios ou lhe causem prejuízo.
A probidade administrativa deve informar toda
atuação da Administração Pública, configurando requisito imprescindível para os
agentes públicos, sendo a sua observância fundamental para a efetivação das
prestações sociais, para o atendimento das necessidades básicas da população,
do que se conclui que é a probidade administrativa um elemento inerente à boa
Administração Pública. Daí porque se pode afirmar que uma Administração Pública
proba e honesta configura inquestionavelmente um direito público subjetivo de
todos, verdadeiro direito difuso.
Por sua vez, O Ministério Público, definido
pela constituição de 1988 como instituição permanente, essencial à função
jurisdicional do Estado, ao qual incumbe a defesa da ordem jurídica, do regime
democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, possui dentre
suas funções jurisdicionais, os deveres de “zelar pelo efetivo respeito dos
Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados
na Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia” E “promover
o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público
e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”
Da compreensão dessas funções, observa-se a
evidente legitimidade constitucional do Ministério Público para a defesa dos
interesses sociais em face dos atos de improbidade administrativa.
Não se trata de representação judicial de
entidades públicas, mas sim da proteção do patrimônio público e social, numa
amplitude que ultrapassa interesses diretos da pessoa jurídica pública, de
forma a contemplar interesses metaindividuais manifestados no direito de cada
brasileiro ter bem gerido o patrimônio público e tê-lo usado no interesse da
coletividade.
Infraconstitucionalmente, a Lei n. 8429/92
confirma essa legitimidade, e em diversos dispositivos deixa claro o papel
primordial do Ministério Público no combate aos atos de improbidade, tanto como
autor das ações de improbidade administrativa, como custos legis.
Da mesma forma, apresenta instrumentos valiosos
a efetiva proteção e reparação da probidade administrativa, tais como a
possibilidade de requerimento da indisponibilidade de bens do indiciado (art.
7º), o pedido de sequestro de bens (art. 16) ou o afastamento do agente público
do cargo (art. 20).
Porém, os instrumentos de atuação não ficam
limitados à Lei 8429/92, pois sendo a probidade administrativa bem supra
individual, classificado como direito difuso, é plenamente aplicável ao seu
combate o instrumental jurídico afeto aos direitos coletivos lato sensu.
O inciso IV do art. 1º da Lei nº 7.347/1985,
ao prever que regem-se pelas disposições desta lei as ações de responsabilidade
por danos morais ou patrimoniais causados “a qualquer outro interesse difuso ou
coletivo”, engloba perfeitamente a tutela do patrimônio público e,
consequentemente, da probidade administrativa.
Neste contexto, insta destacar a possibilidade
de utilização de medidas pré-processuais, tais como a instauração, mediante
despacho, de procedimento preliminar ou, por portaria, de inquérito civil
público; a requisição de informações e a oitiva de pessoas; e a expedição de
recomendações.
Quanto ao inquérito civil para investigação de
atos de improbidade administrativa, muito embora não haja previsão na Lei nº.
8.429/92 de tal instrumento, por ter havido veto no projeto original, é
inegável a possibilidade de sua utilização pelo Ministério Público. Primeiro em
face de autorização expressa na Constituição Federal (art. 129, III), segundo
pela própria aplicação da regra prevista nos arts. 1º, inc. IV, 5º e 8º da Lei
nº. 7.347/85, que é inteiramente aplicável para os processos coletivos de
improbidade administrativa.
Ademais, a Lei Orgânica do Ministério Público
da União (arts. 6º, VII, 25, IV e 26, incs. I a III) e Lei Orgânica Nacional do
Ministério Público (art. 26, inc. IV, b), também representam suportes legais
para legitimar a investigação do Ministério Público em relação aos atos de
improbidade administrativa por meio do inquérito civil, o que também encontra
eco na doutrina e jurisprudência.
Trata-se de instrumento investigativo
preparatório fundamental para a colheita de elementos necessários a propositura
da ação civil pública por improbidade administrativa, principalmente ante a
exigência de que a ação seja instruída com documentos ou justificação que
contenham indícios suficientes da existência do ato de improbidade, conforme o
parágrafo 6º, do art. 17, da LIA.
Encerradas as investigações por ato de
improbidade administrativa, de acordo com a Lei nº. 8429/92, o Ministério
Público terá basicamente dois caminhos: 1) promover o arquivamento; 2) ajuizar
a competente ação.
Em relação ao arquivamento, em face de omissão
da Lei nº. 8.429/1992, devem ser observadas as regras do art. 9º, da Lei nº.
7.347/85, perfeitamente aplicável nos casos de improbidade administrativa.
Quanto à Ação de Improbidade Administrativa,
conquanto haja alguma divergência doutrinária, tem sido plenamente aceito o seu
manejo por meio de Ação Civil Pública, sendo que as palavras acima expostas
sobre a natureza difusa do direito à probidade administrativa e a busca de
preservação do patrimônio público, são argumentos suficientes a aceitação de
seu uso.
Já encerrando, cabe ainda expor a existência
de celeuma quanto à possibilidade, ou não, de serem firmados termos de
ajustamento de conduta em matéria de improbidade administrativa.
O § 1º do art. 17 da Lei nº. 8.429/92 veda
expressamente a transação ou conciliação nas ações de improbidade na fase
processual. Por consequência, muitos autores chegam à conclusão de que também é
vedado ao Ministério Público, na fase investigativa, celebrar acordos, termos
de ajuste de condutas (art. 5º, § 6º, da Lei nº. 7.347/85) com os agentes
ímprobos, sob pena de esvaziamento da regra referida. Logo, sendo aquela norma
especial, acaba prevalecendo sobre a geral.
Ao que parece, a razão da vedação de transação
se deve evidentemente às sanções que são previstas para o agente ímprobo (art.
12), incompatíveis com a celebração de um acordo, bem como em vista do
princípio da obrigatoriedade.
Por outro lado, existem tese no sentido de que
a vedação do art. 17, §1º, da Lei de Improbidade Administrativa, deve ser
interpretada restritivamente, já que se trata de restrição ao poder do
Ministério Público, limitando a possibilidade de acordo entre as partes apenas
no bojo da ação de improbidade, não havendo ainda "ação de improbidade
administrativa", não estaria vedada a celebração de TAC, principalmente
nos casos de atos menores, nos quais a sanção provável seria apenas a de multa
e reparação do dano.
De todo o exposto, verificada a importância
fulcral da probidade administrativa na manutenção do Estado Democrático de
Direito e sua caracterização como direito difuso, resta inequívoca a
legitimidade constitucional e infralegal do Ministério Público para o combate
aos atos de improbidade, sendo dotado de uma gama ampla de instrumentos a
auxiliá-lo no desempenho dessa função.
94. INVESTIGAÇÃO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO
O poder de investigação do Ministério Público
na seara criminal tem sido objeto de acalorados debates na doutrina e na
jurisprudência, que, por sua vez, tem reconhecido essa função constitucional do
parquet dentro de previsões constitucionais expressas e também do princípio dos
poderes implícitos.
A possibilidade de investigação levada a
efeito pelo Ministério Público, não obstante conte com alguns detratores e
críticos, é uma realidade em nosso ordenamento jurídico e tem suporte na
própria Constituição Federal.
Primeiramente, é importante destacar que em
todos os sistemas processuais de países desenvolvidos não se nega ao titular da
ação penal a possibilidade de, por meios próprios, realizar investigações com a
finalidade de colher elementos de informação para a formação do seu
convencimento.
Estamos, portanto, diante de uma polêmica
genuinamente brasileira.
No Brasil, fundamentalmente após a promulgação
da Constituição de 1988, adota-se um processo penal de estrutura acusatória.
Nesse sistema, as funções de acusar, defender e julgar são incumbidas a
diferentes pessoas. É marcado, portanto, pela presença das partes e de um órgão
imparcial, que assegure a paridade de armas e aja de forma equidistante e
imparcial.
A existência de uma fase investigatória sob a
responsabilidade do Ministério Público está em perfeita sintonia com o sistema
acusatório, que não sofre nenhuma violação ou ofensa. Ao contrário, a
investigação cometida ao Ministério Público reforça a índole acusatória do
processo penal, visto que não está imune ao simultâneo ou posterior controle
judicial.
É importante lembrar, de outra parte, que a
investigação criminal não é realizada por um órgão imparcial, que é atributo do
Poder Judiciário. O que se espera e exige de uma investigação preliminar é que
ela seja conduzida nos estritos limites constitucionais e legais e pautada no
interesse público ou social.
E nesse cenário, a possibilidade de realizar
procedimentos investigatórios não desincumbe o Ministério Público de seu papel
de defensor dos direitos fundamentais do investigado.
A possibilidade de o Ministério Público
realizar procedimentos investigatórios pode ser extraída expressamente de
diversos dispositivos constitucionais e legais.
Tal legitimidade é encontrada, por exemplo,
nos incisos VI e VIII do art. 129 da Constituição, nos artigos 7° e 8° da LC
75/93, art. 26 da Lei 8.625/93 e artigos 4°, parágrafo único, e 47 do Código de
Processo Penal.
Ainda, a referida atribuição pode ser extraída
do princípio basilar de hermenêutica constitucional dos poderes implícitos,
segundo o qual, quando a Constituição concede os fins, dá os meios. São
esclarecedoras as palavras da então Ministra do STF, Ellen Gracie: “Se a
atividade fim – promoção da ação penal pública – foi outorgada ao parquet em
foro de privatividade, não se concebe como não lhe oportunizar a colheita de
provas para tanto, já que o CPP autoriza que peças de informação embasem a
denúncia”.
Portanto, se a última palavra acerca de um
fato criminoso cabe ao Ministério Público, visto ser o titular da ação penal
publica (art. 129, inc. I, CF), deve se conceder a ele todos os meios para
formar seu convencimento, inclusive a possibilidade de realizar investigações
criminais.
Diante de vasta legislação autorizadora e da
aplicação do princípio dos poderes implícitos, indaga-se a razão pela qual, somente
depois de tantos anos de vigência desses diplomas, esteja sendo questionada com
tanta veemência a atribuição investigatória do Ministério Público.
A resposta se encontra na grande mudança no
plano dos fatos. Com a Constituição Federa de 1988 e com o seu amadurecimento
institucional, o Ministério Público passou a desenvolver seu trabalho com cada
vez mais eficiência, incomodando, assim, quem nunca havia sido incomodado.
Não se pode ignorar que, entre os defensores
da tese contrária à investigação realizada pelo Ministério Público, não faltam
exemplos dos que a defendem por plena convicção jurídica. Porém, os argumentos
utilizados são derrubados com uma simples análise do nosso ordenamento
jurídico.
A ideia de que nossa Constituição, em seu
artigo 144, §1°, inc. IV, conferiu à Polícia a exclusividade da investigação
criminal. não se sustenta. O que a Constituição fez foi conferir à Polícia
Federal a exclusividade do exercício das funções de polícia judiciária da
União, mas funções de polícia judiciária não se confundem com funções de
polícia investigativa (apuração de infrações penais).
O inciso I, do mesmo parágrafo 1°, trata da
atribuição específica de “apurar infrações penais” (investigar), e para tal não
conferiu nenhuma exclusividade.
Afastando qualquer dúvida, o §4° do mesmo art.
144, faz clara distinção entre as funções investigatórias e de polícia
judiciária. Eis o parágrafo:
§ 4º - às polícias civis, dirigidas por
delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União,
as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as
militares.
Por uma questão sistêmica, nossa Constituição
não poderia repetir, num mesmo inciso, duas expressões sinônimas (polícia
judiciária e investigação criminal). Portanto, o que se extrai de uma
interpretação do art. 144 é que apenas a função de polícia judiciária da União
(auxílio ao Judiciário na execução de seus atos e decisões) é privativa da
Polícia Federal. Em relação às policias civis dos estados, no §4° não há
qualquer referência à exclusividade, do que se extrai que nem as funções de
polícia judiciária dos estados, nem a apuração de infrações penais, são
exclusivas das polícias civis.
Reforça-se tal entendimento o fato de ter
tramitado no Congresso Nacional uma Proposta de Emenda Constitucional
(rejeitada) que acrescentaria o §10 ao art. 144 da CF para definir que a
apuração da infração penal fosse de exclusividade das polícias civis e federal.
Ora, se nossa Constituição fosse tão explícita como se afirma, não haveria tal
necessidade.
A asserção de que não existe norma
regulamentando o procedimento investigatório a cargo do Ministério Público não
é verdadeira. O Conselho Nacional do Ministério Público, órgão heterogêneo e de
extração constitucional, editou resolução sobre o tema (Resolução de n° 13).
Além disso, a regulamentação desses atos não exige lei formal, visto que a
própria portaria do inquérito policial não é regulamentada por lei.
A questão ainda não foi sedimentada pelo
Supremo Tribunal Federal. Porém, em vários julgados a maioria dos ministros se
posicionaram a favor da investigação pelo Ministério Público. Na atual
composição da corte, podemos concluir que são favoráveis a investigação os
ministros Celso de Melo, Joaquim Barbosa, Carmen Lúcia, Gilmar Mendes e Luiz
Fux. Posicionando-se contrariamente, temos os ministros Ricardo Lewandowski e
Marco Aurélio.
Diante da importância do tema, é muito
importante que o Supremo Tribunal Federal dê uma definição final sobre o tema.
A solução do dilema, há muito instaurado no país, contribuíra para a
consolidação de um processo penal justo e em sintonia com o Estado Democrático
de Direito, conciliando a correta aplicação do direito penal com o devido
respeito aos direitos fundamentais.
Por tudo aqui exposto, conclui-se que os poderes
investigatórios do Ministério Público decorrem logicamente da sua atividade de
exercer privativamente a ação penal pública, tendo por fonte a própria
Constituição, as Leis Orgânicas do Ministério Público, as Resoluções do CNMP e
o Código de Processo Penal.
95. O MINISTÉRIO PÚBLICO E O PLANEJAMENTO
URBANO
Impende inicialmente esclarecer que a
legitimidade do Ministério Público para agir em sede de planejamento urbano
decorre da Constituição Federal em seu art. 129, III, sendo função institucional
promover o inquérito civil público e a ação civil pública para a proteção do
meio ambiente, não sendo demais lembrar que as leis infraconstitucionais
7.347/85 e 8.625/93 repisam aludido comando constitucional.
Nesse diapasão, insta dizer que o planejamento
urbano é imprescindível para a proteção do meio ambiente artificial,
compreendido, segundo a doutrina, por todo o espaço urbano construído. Isso
porque o ordenamento das cidades visa garantir o direito difuso fundamental de
terceira geração previsto no art. 225 da Carta de 1988, que assegura a todos o
direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Ainda em sede constitucional, o art. 182
dispõe que a política de desenvolvimento urbano tem por objetivo ordenar o
pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar dos
seus habitantes.
Assim, pode-se dizer que o planejamento
urbano, bem como a atribuição do Ministério Público para atuar na sua
efetivação, encontra farto amparo na Constituição Federal.
Infraconstitucionalmente, não é diferente.
Além da Lei do Parcelamento do Solo Urbano – 6.766/79 -, o Estatuto das Cidades
traçou inúmeros instrumentos para que o Poder Público exerça de forma eficaz o
planejamento urbano das cidades brasileiras.
Primeiramente, pode-se dizer que o
planejamento urbano deve nortear-se pela busca do cumprimento da função social
da propriedade urbana, que nada mais é do que o atendimento às exigências
fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano direitor.
O planejamento urbano possui inúmeros
instrumentos previstos no Estatuto das Cidades. Segundo a Lei n. 10.257/01,
referido planejamento deve ser multisetorial, abrangendo aspectos físicos do
solo, questões econômicas, sociais, orçamentárias, ambientais e urbanísticas,
conforme dispõe o rol exemplificativo previsto no art. 5o de referida lei.
Cumpre enaltecer que o instrumento básico do
planejamento urbano é o plano diretor. Segundo prevê o art. 40 da Lei n.
10257/01, ele é aprovado por lei municipal e faz parte integrante do processo
de planejamento da cidade, devendo, inclusive, o plano plurianual, as
diretrizes orçamentárias e o orçamento anual incorporarem as diretrizes e as
prioridades contidas no plano diretor.
De outra banda, o Estatuto das Cidades enumera
mecanismos de participação popular em sede de planejamento urbano, como por
exemplo a realização de audiências públicas. Nesse ponto, merece destaque a
atuação dos órgãos de execução do Ministério Público.
Considerando o Princípio da Prevenção, somado
ao Princípio da Participação Comunitária, deve-se dar vital importância à
oitiva da comunidade no que pertine ao planejamento urbano, pois a opinião dos
cidadãos, aliada à efetivação de estudos técnicos - como os de impacto
ambiental e de impacto de vizinhança -, pode ser muito útil para evitar o
crescimento de cidades desordenadas e não sustentáveis causadoras de
inevitáveis desequilíbrios ambientais, realidade essa que infelizmente é praxe
nas cidades de nosso País.
Nesse aspecto, deve o Ministério Público agir
proativamente, participando do planejamento urbano e impulsionando a realização
de audiências públicas pelo Poder Público a fim de angariar maiores e melhores
elementos daqueles que vivenciam cotidianamente os problemas urbanísticos e que
são os próprios destinatários do planejamento: os moradores da cidade.
Outra questão que merece ser salientada diz
respeito aos Municípios Catarinenses que não possuem plano diretor. Tal omissão
dos Poderes Legislativo e Executivo municipais não se coaduna mais com a
realidade. A crescente e desordenada ampliação dos núcleos urbanos tem trazido
inúmeros prejuízos não só ao meio ambiente artificial, mas sobretudo ao meio
ambiente natural. A falta de saneamento básico é um exemplo, dentre outros
problemas sociais que a falta de planejamento urbano acarreta.
Desse modo, ao Ministério Público incumbe,
também, provocar os Poderes Executivo e Legislativo Municipal na elaboração do
plano diretor, pois esse é a base de toda a legislação urbana que deve ser
produzida pelos municípios. Diversos instrumentos previstos no Estatuto das
Cidades só podem ser implantados se tratados previamente no plano diretor,
razão pela qual a doutrina urbanística o define como ato-condição.
Dessarte, pode-se concluir, em síntese, que o
Estatuto das Cidades prevê inúmeros instrumentos a serem objetos do
planejamento urbano, sendo o plano diretor a pedra angular em sede de prevenção
de danos ambientais urbanísticos.
Ultrapassado esse viés preventivo dos
planejamentos urbanos, não se pode deixar de mencionar o seu caráter
reparatório.
Como já mencionado alhures, a realidade das
grandes cidades apresenta inúmeros problemas sociais decorrentes da urbanização
desordenada.
Nesse ponto, deve-se chamar a atenção para os
núcleos urbanos formados informalmente por pessoas de baixa renda, geralmente
habitados nas periferias dos municípios.
Um dos desafios das cidades é assegurar o
direito social de moradia para todos os seus habitantes. O fenômeno da
urbanização nas últimas décadas não foi planejado, sendo que a migração do
campo para a cidade foi e é uma realidade vertiginosa. Em decorrência disso,
muitas famílias vivem em situação de risco em áreas precárias ou terrenos
irregulares. São favelas, loteamentos irregulares e outros assentamentos. Sem
contar os “moradores de rua”.
Dentro desse quadro, a regularização fundiária
surge como uma das alternativas do planejamento urbano sob uma ótica
reparadora. O Poder Público resolveu enfrentar a questão e editou a Lei n.
11.977/09, que trouxe a possibilidade de regularização fundiária dentro do
Programa Minha Casa Minha Vida.
Segundo o art. 46 de referida lei, a
regularização fundiária consiste no conjunto de medidas jurídicas,
urbanísticas, ambientais e sociais que visam à regularização de assentamentos
irregulares e à titulação de seus ocupantes, de modo a garantir o direito
social à moradia, o pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade
urbana e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Assim, deve o Ministério Público promover
ações visando à regularização das submoradias, não tão somente no afã de
tutelar o meio ambiente artificial, mas também porque a informalidade do
direito à moradia compromete a dignidade humana das pessoas. Elas não têm como
fruir do seu direito à cidade e, portanto, nem são efetivamente cidadãs. Morar
irregularmente é o mesmo que navegar em permanente insegurança. Além disso, a
regularização fundiária, uma vez levada a efeito, repercutirá na gestão
racional dos territórios urbanos, já que, regularizados, os assentamentos
passam a integrar os cadastros municipais, possibilitando a efetivação de
inúmeros meios de proteção ambiental, como por exemplo o serviço imprescindível
de sanemento básico.
Portanto, pode-se dizer que o planejamento
urbano baseia o seu passo inicial na própria Constituição Federal, cujo comando
soberano é muito claro: subordina a propriedade urbana ao atendimento da sua
função social e assegura a todos o direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado.
Depois, o legislador, tanto no Estatuto da
Cidade como na Lei da Minha Casa Minha Vida, previu mecanismos capazes de
alavancar no planejamento urbano enfoques preventivos e reparadores, como a
necessidade de impulsionar a elaboração de plano diretor nos municípios, a
efetivação da participação popular na democratização da gestão municipal e a
regularização fundiária na política urbana para reparação dos malefícios
causados pela formação de núcleos habitacionais desordenados.
Se os órgãos de execução do Ministério Público
levarem a sério esse desafio, muito se pode fazer pela sociedade. A
Constituição e a legislação infraconstitucional possibilitam o exercício
institucional em prol da proteção do meio ambiente artificial, sendo que o
planejamento urbano se afigura imprescindível tanto para prevenir danos quanto
para reparar os já causados no que toca à urbanização ocorrida nas últimas
décadas.
O que cabe ao Ministério Público, agora, é
fazer uso da sua atribuição para integrar o processo de planejamento urbano no
afã de habilitar a obediência do Poder Público às diretrizes previstas no
Estatuto das Cidades, assegurando o bem-estar da coletividade e a preservação
do meio ambiente urbanístico ecologicamente equilibrado para as presentes e
futuras gerações.
96. REFLEXOS DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 45,
DE 08 DE DEZEMBRO DE 2004, NAS JUSTIÇAS MILITARES ESTADUAIS
Após doze conturbados anos, repletos de
discussões calorosas em todos segmentos sociais, finalmente veio a lume a
primeira parte da tão esperada reforma do Poder Judiciário. Por evidente,
o presente não possui como escopo maiores digressões acerca da essência,
objetivos e eventuais reflexos práticos de todo o texto da Emenda em comento, o
qual provavelmente será ampliado a partir da aprovação da parte restante da
proposta, renumerada como Proposta de Emenda à Constituição 29A, que ainda deve
ser submetida à devida apreciação. Aliás, neste ponto, cabe destacar que a
aludida proposta aditiva sugere a alteração da composição do Superior Tribunal
Militar e a ampliação da competência da Justiça Militar da União, a fim de que
esta possa “exercer o controle jurisdicional sobre as punições disciplinares
aplicadas aos membros das Forças Armadas” , tomando rumo semelhante, neste
aspecto, ao dado às Justiças Militares estaduais pela emenda promulgada pelo
Congresso no dia 08 de dezembro.
Analisando perfunctoriamente a Emenda em
comento, percebe-se que houve basicamente as seguintes alterações do texto
constitucional anterior: a inclusão da figura do juiz de direito como órgão das
Justiças Militares estaduais, ao lado dos já consagrados Conselhos de Justiça;
a ampliação da competência da Justiça Militar para o julgamento das ações
contra atos disciplinares militares; a expressa ressalva da competência do
Tribunal do Júri quando a vítima for civil; e, finalmente, a inovação da
competência exclusiva do juiz de direito para, singularmente, apreciar os
crimes militares cometidos contra civis e as ações judiciais movidas contra
atos disciplinares militares.
Por certo, o tema tratado, de profundo
interesse não apenas para aqueles que ainda labutam exclusivamente na área
militar, despertará profícuas e laboriosas apreciações, merecedoras de
obras extensas, o que não se faz possível no presente momento. Todavia,
imprescindível, por ora, suscitar algumas breves considerações e
questionamentos relevantes no que tange às aventadas alterações
constitucionais, não propriamente com o fito de apontar ou induzir a um caminho
específico, mas ao menos para facilitar a emersão dos inevitáveis
questionamentos a serem solucionados pela doutrina e pelos tribunais pátrios.
Primeiramente, há que se observar que, embora
o texto constitucional, dentro do tratamento das Justiças Militares estaduais
(CF, art. 125, §§ 3º e 4º), não tratasse especificamente da figura do
Juiz-Auditor, ou Juiz Militar, conforme alude o seu art. 122, II, quando trata da
Justiça Militar da União, é certo que, na maioria dos Estados, há previsão
legal de tal cargo, como no Estado de Santa Catarina, que trata da matéria no
Código de Divisão e Organização Judiciárias e na própria Constituição
catarinense, inclusive ao prever concurso específico para provimento do
mencionado cargo.
De tal arte, vê-se a premente necessidade de
readaptação das normas infraconstitucionais atinentes à matéria através do
devido processo legislativo, possivelmente agregando estes magistrados ao corpo
dos demais juízes estaduais.
A segunda alteração do texto constitucional,
certamente a mais polêmica e que surtirá inúmeras interpretações até que se
chegue a um consenso, diz respeito à ampliação da competência da Justiça
Militar estadual. Reza o novo texto constitucional que “as ações judiciais
contra atos disciplinares” deverão ser apreciados pelo foro castrense.
Tal inovação traz nova responsabilidade a esta
Justiça especializada, porquanto a aproximação deste ramo da área cível somente
ocorria eventualmente em percalços processuais, como nos casos de medidas
preventivas e assecuratórias previstas no Código de Processo Penal Militar
(leilão, seqüestro, hipoteca legal, arresto...), e em questões prejudiciais
(art. 122 e ss. do CPPM), casos em que, inclusive, dependendo da relevância e
complexidade, declinaria da competência para que fosse solucionada a matéria no
juízo cível. Agora, diante do novo contexto, nos casos em que a ação, mesmo não
possuindo caráter penal, deverá emanar seu juízo, entregando a prestação
jurisdicional almejada pelo litigante, valendo-se, por óbvio, da legislação
processual atinente, ou seja, a legislação processual civil.
Neste aspecto, merece destaque, num primeiro
momento, a observação no sentido de que os atos militares a serem apreciados
devem ser somente aqueles possuidores de caráter “disciplinar”, ou seja,
aqueles que trazem em seu bojo a concepção de uma “punição”, como advertência,
repreensão, detenção, prisão, suspensão, licenciamento e exclusão a bem da disciplina,
resultantes de processos administrativos disciplinares e/ou sindicâncias
movidos em decorrência de falta cometida pelo servidor militar, não obstante
ainda eventual submissão a Conselho de Disciplina ou de Justificação. Ou seja,
refoge competência à Justiça Militar estadual quando se tratar, por exemplo, de
caso de licenciamento pela “conclusão de tempo de serviço” ou por “conveniência
do serviço”, diferentemente do que poderia ocorrer caso tal se desse “a bem da
disciplina”.
Mas a questão ainda não se esgota de maneira
tão singela, posto que haverá ações em que o controle jurisdicional não deverá
cingir-se tão somente ao ato atacado, mas também apreciar seus reflexos, como
no caso de eventual punição de exclusão, onde se busca, além da cassação da decisão
tida como ilegal, a reintegração do servidor, a percepção de vencimentos não
recebidos no período e até indenização por danos morais eventualmente sofridos,
ou mesmo uma promoção. Nestes casos, parece que ainda assim a ação, em sua
totalidade, deve ser apreciada na Justiça castrense, posto que a causa de pedir
é a mesma e o Código de Processo Civil admite tal cumulação de pedidos (art.
292).
Seria por demais injusto exigir que a parte
ajuíze ação na Justiça castrense visando combater ato disciplinar e, ao mesmo
tempo, ingresse com outra no Juízo Cível Comum visando ser ressarcido de
eventuais danos arcados em decorrência do ato recorrido, atravancando ainda
mais a atividade jurisdicional e sugerindo a possibilidade de ocorrer decisões
antagônicas, salvo a suspensão do processo no Juízo Comum, ante a ocorrência de
questão prejudicial. E a questão da prescrição, sobretudo do direito às
parcelas devidas a título de vencimentos no caso de posterior ajuizamento de
nova ação na Justiça Comum, como seria solucionada? Ademais, como ficariam as
ações já propostas junto à Justiça Comum e que agora devem ser remetidas às
Justiças Militares estaduais? Parece ser o objetivo da reforma
empreendida facilitar o acesso à Justiça e combater a morosidade, escopos que não
se coadunam com interpretação que, neste aspecto, restrinja a nova competência
das Justiças Militares estaduais.
Encerrando este tema, cumpre mais uma vez
ressaltar que, diante da nova competência, deverão ser admitidas e utilizadas
as ferramentas processuais pertinentes e postas à disposição do jurisdicionado
no que tange às ações cíveis eventualmente propostas, como os institutos do
mandado de segurança e habeas data, as ações cautelares preparatórias e
incidentais, a tutela antecipatória, e também os recursos cíveis inerentes,
seguindo os procedimentos previstos na legislação processual civil, organização
judiciária e regimento interno dos tribunais. Aliás, neste ponto, aparentemente
os tribunais estaduais não terão maiores dificuldades de adaptação, posto que
já atuam neste campo, ao contrário dos três Estados em que há Tribunal de
Justiça Militar e ainda não operam em processos deste jaez, mormente
considerando a intervenção da Fazenda Pública e a necessidade de reexame
necessário em segundo grau, os ônus da sucumbência e a assistência judiciária
gratuita, aspectos novos que deverão incorporar.
Não adentrando no mérito da pertinência ou não
da previsão constitucional referente à soberania do Tribunal do Júri nos casos
de vítima civil, já apreciada em valorosas manifestações anteriores neste
periódico, resta-nos apenas comentar que a questão finalmente teve uma solução
eminentemente jurídica, afastando a inconstitucionalidade que pairou durante
anos sobre a malfadada Lei nº 9.299/96, que acrescentou o parágrafo único ao
art. 9º do Código de Processo Penal Militar, muito embora já tivesse o Supremo
Tribunal Federal afastado tal pecha em alguns julgados. Aliás, neste ponto,
impende remeter o leitor às considerações concisas e contundentes expendidas na
obra Direito Penal Militar , onde Célio Lobão, com a maestria que lhe é
peculiar, solucionava objetivamente a questão. Agora não resta a menor dúvida,
crime doloso contra a vida, consumado ou tentado, e praticado contra civil, é,
indubitavelmente, de competência do Tribunal do Júri.
Finalmente, com referência à competência do
juiz de direito para, singularmente, apreciar os crimes militares cometidos
contra civis e as ações judiciais movidas contra atos disciplinares militares,
cabe apenas ressalvar algumas situações no que se refere à primeira hipótese,
posto que a segunda, acredita-se, não surtirá maiores discussões ante sua
clareza, já que se afigura totalmente despicienda a participação de juízes
militares em ações de natureza eminentemente civil.
Ao que parece, a Emenda, ao excluir os crimes
praticados contra civis da apreciação dos Conselhos de Justiça, aparentemente
quis afastar a participação dos juízes militares dos casos em que houver
interesse maior do particular na apuração do fato criminoso. Embora
particularmente não concorde in totum com a alteração, posto que se há
tipificação no Código Penal Militar esta se dá justamente por interessar
sobretudo à própria organização militar, tal servirá muito bem para afastar
eventuais comentários desairosos acerca de eventual “corporativismo” que paira
sobre a Justiça castrense, fato este que efetivamente a prática deste
subscritor tem revelado justamente o contrário. De qualquer sorte, cumpre
relembrar que qualquer vítima de crime militar poderia ingressar no feito
através de procurador para atuar como assistente da acusação.
Analisando o Código Penal Militar, percebe-se
que as hipóteses de julgamento singular pelo magistrado cingem-se, em tese, a
alguns crimes contra a pessoa, contra a honra, contra a liberdade, crimes
sexuais e contra o patrimônio, por exemplo, desde que seja o civil diretamente
a vítima do fato delituoso. Contudo, deve ser muito bem sopesado e observado os
casos de crimes contra a Administração Militar e a Administração da Justiça Militar,
porquanto nestes crimes a Administração será propriamente a vítima, sendo o
particular meramente sujeito passivo secundário, não justificando o juízo
singular.
De outro norte, haverá certamente casos onde
haverá concurso de crimes (conexão ou continência) de competência do juízo
monocrático e do colegiado. Nestes casos, embora a lógica e a prática insinuem
ser do segundo a competência para apreciação, deve-se ter em mente que a
Constituição ressalvou expressamente a competência do primeiro e, sendo
residual a que cabe aos Conselhos, tudo indica que o juiz deverá apreciar de
forma monocrática tais delitos, muito embora haja ainda, em tese, a
possibilidade de cisão do processo, como já ocorre em casos de concurso de
crimes de competência da Justiça Comum e Militar.
Irrefutável, pois, que a Emenda Constitucional
nº 45, ao trazer profundas alterações à Justiça Militar estadual, fortaleceu
ainda mais esta instituição, pois, apesar das alterações procedimentais, ao
ampliar sua competência trouxe ainda mais responsabilidades aos seus agentes, e
não apenas pelo volume de demandas a serem apreciadas, mas sobretudo no que diz
respeito à forma de atuação e aprimoramento pessoal de seus integrantes, a fim
de que possa contribuir cada vez mais para o florescimento de uma sociedade
cada vez mais justa e humana, estabelecendo fortes e duradouras colunas a
sustentar as organizações militares estaduais, forças indispensáveis à segurança
da sociedade.
Rodrigo Tadeu Pimenta de Oliveira
Advogado-de-Ofício da Justiça Militar de Santa
Catarina, Professor de Direito Processual Penal na Escola Superior da
Magistratura de Santa Catarina (ESMESC) e Professor de Direito Penal na
Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL)
97. RELACIONAMENTO DO MP COM O PODER
JUDICIÁRIO
Bom dia a todos!
Cumprimento o Excelentíssimo Senhor Procurador
Geral de Justiça do Ministério Público de Santa Catarina e Presidente da
Comissão de Concurso, Dr. Lio Marcos Marin, e estendo o cumprimento aos demais
membros desta Banca.
O tema a mim confiado foi “O
relacionamento do Promotor de Justiça com o Poder Judiciário e a OAB”.
Em primeiro lugar, cumpre destacar a previsão
constitucional, de que o Ministério Público é instituição permanente, essencial
à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do
regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
Para o cumprimento do seu mister
constitucional, a Carta Magna, no artigo 129, elencou as funções institucionais
do Ministério Público, as quais foram, posteriormente, especificadas e
regulamentadas na Lei Orgânica Nacional e respectivas Leis Orgânicas dos
Estados, que em Santa Catarina trata-se da LC 197/2000.
Dentre as inúmeras e relevantes funções
institucionais do Ministério Público está a de “zelar pelo efetivo respeito dos
Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados
nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia” e também
a de exercer “outras funções que lhe forem conferidas, quando compatíveis com
sua finalidade”.
Como se vê, o Ministério Público não mais se
caracteriza por ser apenas órgão de acusação. É muito mais, é um órgão promotor
de justiça, incumbido da busca pelo bem de todos – objetivo constitucional
expresso – e, da dignidade da pessoa humana, preceito fundamental e
supraprincípio norteador da interpretação de toda a ordem jurídica.
Todavia, importante salientar que o Ministério
Público, quanto atua em defesa da sociedade, não deve caminhar sozinho, sendo
salutar o diálogo com outras instituições, a exemplo do Poder Judiciário e da
Ordem dos Advogados do Brasil.
O Poder Judiciário é incumbido da prestação
jurisdicional, entendida esta como uma das funções do Estado, mediante a qual
este se substitui aos titulares dos interesses em conflito, para,
imparcialmente, buscar a pacificação do conflito que os envolve, com justiça.
Assim, embora o Poder Judiciário somente se manifeste mediante provocação
(princípio da inércia de jurisdição), não se pode negar que sua atuação é
pautada pela busca da verdade e da justiça.
Por sua vez, a Ordem dos Advogados do Brasil,
órgão representativo dos advogados brasileiros e responsável pela regulamentação
da advocacia no Brasil, tem como principais funções, estabelecidas no Estatuto
da OAB, a defesa da Constituição, da ordem jurídica, do Estado democrático de
direito, dos direitos humanos, da justiça social, a busca pela boa aplicação
das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da
cultura e das instituições jurídicas. Portanto, a atuação da OAB e,
consequente, dos advogados por ela regulamentados, também se pautam na defesa
da sociedade e da justiça.
Imperioso reconhecer que as instituições acima
referidas são essenciais na prestação jurisdicional e têm como objetivo comum,
o interesse público e a efetivação da justiça.
Nesse ponto, destaca-se que o Ministério
Público, assim como a Advocacia, estão elencados no Título IV, da Constituição
Federal, mais especificamente, no Capítulo IV, o qual é intitulado “Das funções
essenciais à Justiça”. E o Poder Judiciário, embora não figure neste Capítulo,
insere-se no mesmo Título IV, sendo possível afirmar que também é instituição
essencial à Justiça, mormente sua atividade típica de exercício da jurisdição.
Portanto, ainda que cada instituição tenha seu
papel constitucional, todas têm o mesmo objetivo: a efetivação da Justiça no
caso concreto. Mas para tanto, faz-se necessário o fortalecimento das carreiras
jurídicas, que somente se dará com o alinhamento do discurso.
Daí a importância de uma boa relação entre as
instituições, superando uma eventual visão, já muito ultrapassada, de conflito
interinstitucional. Não pode haver espaço para disputas mesquinhas, inócuas e
de nenhum valor relevante para a sociedade.
O resultado obtido a partir da atuação
conjunta entre as instituições, na prestação jurisdicional e na busca pela
concretização dos direitos fundamentais, será muito mais efetivo do que a
atuação de apenas uma delas. Não resta dúvida de que os anseios da sociedade
serão melhor atendidos se houver discurso uníssono em sua defesa, desde, é
claro, que presente o interesse público.
Finalmente, salienta-se que o exercício das
funções institucionais do Ministério Público, compete a todos os seus membros.
Todavia, dentre eles, o Promotor de Justiça figura como o contato direto da
instituição com a Sociedade, haja vista, a sua atuação, notadamente, em primeira
instância.
Assim, tudo o que foi referido anteriormente
como atuação do Ministério Público, deve ser entendido também, como atuação do
Promotor de Justiça, que no exercício de suas funções institucionais,
especialmente na defesa dos direitos fundamentais da sociedade, não atua
sozinho, mas sim em conjunto com a Ordem dos Advogados do Brasil e o Poder
Judiciário, dentre outras instituições.
Portanto, o relacionamento do Promotor de
Justiça com o Poder Judiciário e a OAB, além do que já foi referido, deve ser
pautado pelo respeito mútuo às respectivas instituições, sempre prevalecendo o
interesse da sociedade como um todo e a busca incessante pela justiça.
98. RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA
O instituto da Coisa Julgada é tratado no
nosso ordenamento Jurídico sob o prisma da Constituição Federal, que reza, em
seu artigo 5º, inciso XXXVI, que a lei não prejudicará a coisa julgada.
A Lei de Introdução às Normas do Direito
Brasileiro, trata do instituto, no art. 6º, quando diz que a Lei em vigor
respeitará a coisa julgada, e a conceitua, como sendo a decisão judicial de que
já não caiba recurso (§ 3°).
O Código de Processo Civil, no artigo 467,
define a coisa julgada material como "a eficácia, que torna imutável e
indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou
extraordinário".
A Coisa Julgada ocorre a partir do momento
que, prolatada uma sentença, não for mais cabível qualquer recurso, pelo
decurso do prazo ou pelo exaurimento de todas as vias recursais. A sentença
torna-se imutável e indiscutível, ou seja, a sentença transita em julgado. O
papel do processo só estará cumprido por completo quando essa decisão estiver
segura, invariável, conferindo certeza às partes.
Na definição Liebmann, adotada pelo sistema
brasileiro, coisa julgada é uma qualidade da sentença que se agrega a todos os
efeitos, tornando-os imutáveis.
Quando tal impedimento de modificação da
decisão se dá dentro do próprio processo, temos a chamado coisa julgada formal,
ou, como alguns chamam, a preclusão máxima, pois se trata de fenômeno
endoprocessual. A coisa julgado formal ocorrerá em qualquer espécie de
sentença.
Por sua vez, a coisa julgada material, é a
projeção da coisa julgada para fora do processo, tornando a decisão imutável e
indiscutível além dos limites do processo em que foi proferida. Assim, a
decisão não poderá mais ser alterada ou discutida em outros processos. A
coisa julgada material atinge as sentenças de mérito proferidas mediante
cognição exauriente.
Ainda, temos a coisa soberanamente julgada,
que se configuraria após transcorrido o prazo de 2 anos para ajuizamento de uma
ação rescisória. Quando não seria mais possível rediscutir a questão de forma
alguma.
A coisa julgada material constitui uma
garantia fundamental (art. 5o, XXXVI, da CF), protegida em nível de cláusula
pétrea (art. 60, § 4o, IV, da CF), sendo elemento estrutural do princípio de
acesso ao Judiciário para efetivação do direito (art. 5o, XXXV, da CF) que, por
sua vez, é inerente ao Estado Democrático de Direito, nos termos proclamados no
art. 1o da Constituição Federal.
A segurança nas relações jurídicas é um valor
que deve ser buscado pelo ordenamento positivo, constituindo poderoso fator de
paz social.
No entanto, muito se tem discutido, em sede de
doutrina e jurisprudência, a respeito da impossibilidade de rediscutir algum
caso já julgado, diante de eventual inconstitucionalidade, invalidade ou
injustiça na decisão, no caso concreto.
Assim, passaram os Tribunais Superiores a
entender, que em alguns casos, a Coisa Julgada poderia ser relativizada, dando
azo à chamada relativização da coisa julgada, que é toda uma discussão entorno
da não possibilidade de discussão da matéria após o prazo de discussão da matéria.
O debate em torno do tema envolve,
primordialmente, o confronto entre dois princípios: o da segurança jurídica,
através da coisa julgada, e o da decisão justa.
Ex. Investigações de paternidade ajuizadas há
anos atrás quando não havia o DNA, só havia o exame HLA, julgadas improcedentes
e transitadas em julgado e hoje esses supostos filhos pretendem ajuizar de novo
essas ações com argumento que o processo civil e o direito não podem ficar
alheios aos avanços tecnológicos e, afinal de contas, o DNA é um avanço
tecnológico. Por outro lado eles sustentam ainda a proteção ao direito
fundamental a identidade, que por ser um direito fundamental constitucional e
consequentemente deve se sobrepor à coisa julgada.
O argumento preponderante em prol da relativização
da coisa julgada é o nobre primado da justiça. Segundo essa corrente, o valor
da segurança jurídica não é um valor absoluto no ordenamento jurídico, dado que
deve conviver com um valor de primeiríssima grandeza, qual seja o da justiça
das decisões emanadas pelo judiciário.
O princípio da segurança jurídica pode e deve
ser harmonizado com outros princípios que entendam ser de igual ou maior
relevância, dado que os princípios não constituem um fim em si mesmos, mas
fazem parte de um todo, sendo essa a razão pela qual devem ser sopesados.
Com essas idéias acabam sustentando a
possibilidade de repropositura de ações, ou a anulação de uma sentença já
transitada em julgado.
O primeiro acórdão que se manifestou foi do
Min. Delgado, que relativizou a coisa julgada em benefício da fazenda pública,
foi ela a destinatária da tese. CASO: Em SP foi ajuizada ação de indenização
por desapropriação indireta, e as pessoas que se sentiram prejudicas ajuizaram
ação. No curso da ação fizeram um acordo que foi homologado, passaram-se dois
anos da rescisória, os novos procuradores descobriram que a terra já era do
Município e não dos indenizados. Houve o ajuizamento de ação anulatória sob o
argumento de que a moralidade administrativa estava acima da coisa julgada, e a
tese acabou sendo acolhida. A partir de então, esta se espalhou.
O grande fundamento da tese é o princípio da
proporcionalidade, na exata medida em que, se estiver em jogo direitos
fundamentais e a coisa julgada, devem preponderar os direitos fundamentais. Ou
se estiver em jogo o interesse público e a coisa julgada, o interesse público
deve predominar.
Aqueles que aceitam a relativização, tratam
ainda de quais os meios que se tem para relativizar, o STJ admitiu o cabimento
por meio de ação anulatória (no caso do Delgado, da fazenda, cumulada com
repetição de indébito). E a jurisprudência, de um modo geral, aceita a ação
anulatória.
Nas investigações o entendimento dominante é
que não precisa ser ajuizada nem a ação anulatória, nem as declaratórias de
inexistência, mas que bastaria o ajuizamento de uma nova ação de investigação
de paternidade.
Importante salientar que a regra é a
prevalência da Coisa Julgada. Os tribunais Superiores têm admitido, em casos
excepcionais, a relativização da coisa julgada, levando sempre em consideração
o direito em conflito.
A Segurança jurídica, primada na proteção da
confiança e na boa-fé, não pode ser abalada sem que haja uma ponderação sensata
e prudente dos princípios e direitos em jogo.
Há quem defenda a natureza de garantia fundamental
da coisa julgada e, como tal, o vê como “verdadeiro direito fundamental”,
indispensável à concreta eficácia do direito de segurança, expressamente
previsto no caput do art. 5o da Constituição Federal. Sendo assim, a coisa
julgada trata-se de “uma garantia essencial do direito fundamental à segurança
jurídica”.
A admissibilidade da relativização da coisa
Julgada não é tem pacífico em sede de doutrina, e nem de jurisprudência. Muita
se debate ainda.
Não se pode admitir é que, a parte que foi
desleixada com a produção probatória ou a situação que se pôs no momento, venha
a se valer de tal instituto para desconstituir uma obrigação, quando poderia e
deveria tê-lo feito no momento oportuno, sob pena de grave de insegurança
jurídica, incondizente com o Estado Democrático de Direito.
O Ministério Público, por sua vez, a quem foi
atribuída a função de proteger a ordem jurídica, o regime democrático e os
interesses sociais e individuais indisponíveis, bem como os meios para
fazê-los, no art. 129, CF, deve atuar seja como parte ou em sua ação
fiscalizatória, para que eventual relativização da coisa julgada, se for o
caso, ocorra apenas nos casos estritamente necessários e, que a ponderação de
interesses e justifique tal medida.
Referências:
1. Manual de Processo Civil. Daniel Assumpção.
2. A RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA NO
PROCESSO CIVIL. Wantuil Luiz Cândido Holz.
http://fdc.br/Arquivos/Mestrado/Revistas/Revista08/Discente/Wantuil.pdf.
3. Material Aula – Jakqueline Mielke. Verbo
Juridico.
ANEXO, para fins de conhecimento! Notícia do
site do MPSC de 14/08/2013 –
Direitos Humanos e Cidadania
Justiça nega direito de rever paternidade
A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça
(STJ) deu provimento a recurso do Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) e
anulou decisão de segundo grau que permitia a um homem apresentar prova
pericial a fim de negar paternidade já reconhecida por ação transitada em
julgado.
No caso, o homem ajuizou ação negatória de
paternidade em 2006, quando já havia decisão transitada em julgado declarando a
paternidade. A decisão havia sido baseada em prova testemunhal, tendo em vista
que o réu mudou-se para os Estados Unidos sem cumprir a intimação para
realização do exame de DNA que ele concordou em fazer.
Inconformado, o réu apelou ao Tribunal de
Justiça de Santa Catarina (TJSC), que atendeu o pedido para realização do exame
de DNA na ação negatória, por entender que só há coisa julgada material
propriamente dita quando tiver ocorrido o esgotamento de todos os meios de
prova hábeis.
Porém, a Coordenadoria de Recursos Cíveis do
MPSC ingressou com recurso especial no STF contra a decisão do TJSC, por
entender que - conforme a jurisprudência - só é admissível a flexibilização da
coisa julgada quando a ação investigatória de paternidade foi julgada
improcedente por insuficiência de provas. Isso acontece a fim de resguardar o
direito da criança ou em caso de não haver, na época da ação, a disponibilidade
do exame de DNA.
No entanto, conforme sustentou o Coordenador
de Recursos Cíveis do MPSC em exercício, Procurador de Justiça Robinson
Westphal, no recurso, "o exame de DNA já se encontrava disponível na
ocasião da instrução da ação investigatória e não foi realizado em virtude da
inércia do investigado, que preferiu agarrar-se à oportunidade de ir residir
nos Estados Unidos a levar a efeito seu direito à ampla defesa, mediante a
realização de todas as provas que entendia pertinentes".
Segundo o relator no STJ, Ministro Luís Felipe
Salomão, não há registros de que o suposto pai tenha buscado a antecipação da
prova ou a sua realização em data que lhe fosse mais favorável, tendo em vista
sua mudança para o exterior.
Assim, de acordo com a Súmula 301 do STJ,
"em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de
DNA induz presunção de paternidade". Essa disposição foi o fundamento para
que o juízo declarasse a paternidade. Por maioria de votos, a Turma entendeu
que a relativização é possível em casos excepcionalíssimos, que não é o do
recurso.
*Com informações da Assessoria de Imprensa do
STJ
99. A IMPORTÂNCIA DO SUS E A SUA IMPLEMENTAÇÃO
A
conquista do Estado Democrático de Direito, em seu alcance e sentido mais
amplo, traz para o centro do ordenamento jurídico os direitos fundamentais, e
com eles princípios e programas sociais para a concretização do plano nacional
de uma sociedade livre, justa e solidária.
Do
ponto de vista do tratamento normativo-constitucional dado a saúde é possível
afirmar que o avanço jurídico refletido nas normas da Constituição foimarcante.
Para
se ter uma real dimensão da importância do Sistema Único de Saúde devem ser
colocados alguns pressupostos a esta explanação, com base nas disposições
constitucionais sobre o tema.
O
direito à saúde é um direito fundamental.
Vê-se que a Constituição da República tratou da saúde no art. 6º, como Direito
Social. Assim procedendo, reconheceu que a saúde, enquanto um direito de 2ª
geração e de conteúdo prestacional, é um direito fundamental a ser tutelado e
implementado pelo Estado.
Nesse ponto é válido que se diga que a saúde, para além de um fator individual,
é tratado como conjunto de fatores determinantes e condicionantes, entre
outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o
trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e
serviços essenciais.
Ou
seja, dizem respeito à saúde o complexo de ações que se destinam a garantir às
pessoas e à coletividade condições de bem-estar físico, mental e social.
Saúde é um dever do Estado.
Ao
cuidar da Ordem Social, em Seção “Da saúde” (art. 196 a 200), a Constituição
inaugura as disposições estabelecendo que saúde é um direito de todos
(confirmando sua fundamentalidade) e, além disso, é um dever do Estado
(enaltecendo sua prestabilidade).
O
Estado utiliza-se de uma organização, de uma estrutura, de um sistema para
efetivar esse dever.
Essas ações e serviços de saúde (para a PREVENÇÃO e ACESSO), citados como
conteúdo do dever e do direito prestacional, integram uma rede regionalizada e
hierarquizada. Daí, constitui-se em um sistema único, o Sistema Único de
Saúde.
Para
esmiuçar a estrutura normativa da Constituição, a ordem jurídica sanitária foi
detalhada na Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, conhecida como Lei
Orgânica da Saúde.
Daí
conceitua-se: o SUS como o conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por
órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da
Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público
(inclusive instituições de controle de qualidade, equipamentos de saúde,
insumos, medicamentos); (À iniciativa privada resta a possibilidade de
participar do SUS em caráter complementar).
Por
mandamento constitucional do art. 198, são diretrizes a descentralização, o
atendimento integral e a participação da comunidade, todas com reflexos direto
na política de implementação do sistema – Municipalização, complexo de
serviços, Conselhos Municipais.
Assim, nesse passo, podemos chegar a conclusão
que: Saúde é um direito fundamental; Saúde é um programa social
constitucionalmente reconhecido; Saúde é um dever estatal; Saúde é um dever a
ser implementado por um Sistema Único, o SUS.
Logo, a implementação descentralizada, efetiva, universal, integral do SUS é,
de todos os ângulos que possa se analisar, uma essencialidade a democracia a
alcançar o bem-estar social.
Assim a importância dessa implementação, além de falar por si, frente a
natureza do direito que se visa implementar, também atende a uma exigência
estatal. Ela reflete a expressão da organização social e econômica do país, o
momento histórico de conquista e, principalmente, o conhecimento dos desafios
sociais e políticos a serem enfrentados.
Fica
claro com isso o encontro de ideias e a inserção do papel do MP nesse contexto.
Frente as atribuições outorgadas ao Ministério Público após 1988 (art. 127), a
defesa da ordem social, em especial à saúde, cresceu a partir que o próprio SUS
começou a se tornar realidade. E o desafio ainda é enorme frente a missão
institucional.
A falta de tratamento médico adequado, o não fornecimento de medicamentos
ou a cobrança irregular, no atendimento, na rede pública de saúde e a ainda
incipiente implementação dos órgãos, agentes e estrutura básica para realização
das ações de saúde (visando a sua universalidade, integralidade e gratuidade),
bem como a participação da população nas políticas públicas, são alguns
exemplos de casos em que deve ocorrer a intervenção do Ministério Público em
defesa do cidadão na seara da saúde.
Frise-se, como já dito, que a saúde é uma matéria multidisciplinar, envolvendo
esforços dos aplicadores do direito e dos colaboradores com as políticas
públicas, e uma especial atenção dos membros do MP, em coordenar e integrar as
políticas públicas que envolvem o conteúdo do direito, tais como: meio
ambiente, saneamento básico, moradia, alimentação, consumo, entre outras.
Para
sanar as irregularidades que se apresentam e para efetivar o papel ministerial,
o Promotor de Justiça deve atuar ativamente, seja por intermédio de termos de
ajustamento de conduta ou recomendações, reuniões com a comunidade,
participação dos Conselhos Municipais, realização de audiências públicas, seja
por ação civil pública.
Portanto, pela sua importância refletida diretamente no bem-estar populacional,
a multidisciplinaridade da matéria, revelando verdadeira vontade de
concretização da Constituição e a tutela de sua efetivação, mister a atenção a
esta seara de atuação ministerial e a efetiva implementação do SUS.
100. TRANSGÊNICOS E O DIREITO À INFORMAÇÃO
A expressão organismos geneticamente
modificados, os transgênicos, acabou por fazer parte do cotidiano dos
consumidores brasileiros nos últimos anos, em razão da comercialização de
produtos com organismos geneticamente modificados ou derivados destes.
Os alimentos transgênicos são apenas uma das
formas de atuação da biotecnologia, que embora de recente conhecimento e
divulgação, já é estudada desde meados do século XIX, quando o monge austríaco
Gregor Mendel lançou as bases da genética, explicando a transmissão de
características de geração a geração.
Com o conhecimento e estruturação do DNA
(ácido desoxirribonucleico) e o correspondente código genético, teve início a
biotecnologia moderna, sendo desenvolvida, então, a biologia molecular, e o uso
dos genes pela engenharia genética.
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo
225, §1º, inciso II, incumbiu o Poder Público e a coletividade de defender e
preservar o meio ambiente para às presentes e futuras gerações, cabendo ao
Poder Público preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do
país, e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material
genético.
Regulamentando mencionado artigo
constitucional, foi editada a Lei 11.105/2005, que dispõe sobre normas de
segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam organismos
geneticamente modificados, dentre outros.
Assim, passou-se a admitir atividades e
projetos que envolvessem organismos geneticamente modificados e seus derivados,
sendo criados, ainda no âmbito da mencionada lei, o Conselho Nacional de
Biossegurança e a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio).
A esta comissão coube a competência de
estabelecer normas para as pesquisas com OGM e seus derivados, aos projetos
relacionados, bem como critérios de avaliação, monitoramento de riscos, dentre
outras.
O primeiro organismo geneticamente modificado
liberado pela CTNBio para cultivo experimental no Brasil foi a soja Roundup
Ready, que foi desenvolvida para resistir ao herbicida Roundup Ready, que além
de exterminar ervas daninhas, acabava por exterminar a própria soja natural.
Para se conseguir a soja Roundup Ready,
cientistas introduziram na soja natural um gene encontrado em algas e bactérias
capaz de resistir ao dito herbicida.
Ao lado da possibilidade de avanços
tecnológicos na indústria alimentícia, no que tange a criação de produtos
geneticamente modificados, encontra-se a garantia dos consumidores aos seus
direitos básicos elencados no art. 6º do Código de Defesa do Consumidor, dentre
eles, o direito a vida, segurança, educação, e principalmente, a informação
clara e precisa dos produtos, seus riscos e benefícios.
A Carta Magna de 1988 estabeleceu como
princípios a serem verificados quando da realização de atividades que causem
significativa degradação do meio ambiente, o da prevenção e da precaução, que
informam todo o ordenamento jurídico vigente,
O princípio da precaução é o que deve ser
obedecido quando não se tem certeza científica acerca das consequências que
determinado ato possa acarretar ao meio ambiente e a saúde da população, como
no caso, os alimentos transgênicos.
A liberação para o comércio e utilização dos
alimentos transgênicos, sem que se possa ter a efetiva certeza de seus riscos
para a saúde e meio ambiente, infringe normas básicas de proteção e defesa do
consumidor.
A Resolução nº 39, da 248ª Assembléia Geral
das Nações Unidas proclamou os Direitos Fundamentais do Consumidor. Segundo tal
resolução, estão entre os direitos básicos dos consumidores: direito à
segurança – garantia contra produto ou serviço nocivo à saúde; direito de
escolha – opção entre vários produtos de serviços com qualidade satisfatória e
preços compatíveis; direito à informação – conhecimento sobre dados
indispensáveis sobre produto ou serviço para uma decisão consciente; direito à
indenização – reparação financeira por dano causado por produto ou serviço;
direito à educação para o consumo – meios para o cidadão exercitar
conscientemente sua função no mercado; e, direito a um meio ambiente saudável –
defesa do equilíbrio ecológico para melhorar a qualidade de vida agora e
preservá-la para o futuro.
O Código de Defesa do Consumidor, como já
dito, elenca entre os direitos básicos do consumidor o direito a informação
adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação
correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como
sobre os riscos que apresentam.
Mencionado diploma consumerista, em seu art.
10, estabelece a proibição de que o fornecedor coloque no mercado de consumo
produto ou serviço que sabe ou deveria saber apresentar algo grau de nocividade
ou periculosidade à saúde e a segurança dos consumidores.
Imprescindível, portanto, que o produto
colocado a disposição dos consumidores tenha sido avaliado e monitorado quanto
a riscos pela CTNBio, bem como que traga, em seus rótulos, como corolário do
direito a informação dos consumidores, informações claras e precisas sobre seu
conteúdo e riscos que eventualmente possam causar aos consumidores.
Por certo, haverá que se realizar a
compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento
econômico e tecnológico do país, de modo a viabilizar os princípios nos quais
se funda a ordem econômica, sempre com base na boa-fé e equilíbrio das relações
de consumo, o que se consubstancia em princípios a serem observados pela
Politica Nacional da Relações de Consumo (art. 4º, inciso III do CDC).
Por oportuno, destaca-se a atuação do
Ministério Público, mediante ação civil pública, sempre que se constate qualquer
infringência às normas constitucionais e legais aplicáveis, bem como ante a
ocorrência de efetivo dano aos consumidores.
101. TRIBUNAL DO JÚRI
A instituição do Júri é prevista na
Constituição Federal de 1988 como direito fundamental em seu art. 5º, a qual
assegura a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, além
de assegurar os princípios da soberania dos veredictos e plenitude de defesa.
Estão sujeitos à júri popular pela sua
natureza, o homicídio, o aborto, o infanticídio e o induzimento, auxilio ou
instigação ao suicídio, sejam eles consumados ou tentados.
A soberania dos veredictos é a alma do
Tribunal Popular, assegurando-lhe o efetivo poder jurisdicional e não somente a
prolação de um parecer, passível de rejeição por qualquer magistrado togado.
Esse princípio assegura que seja esta a última voz a decidir o caso, quando
apresentado a julgamento no Tribunal do Júri.
No plenário, certamente que está presente a
ampla defesa, mas com um toque a mais: precisa ser, além de ampla, plena. Os
dicionários apontam a diferença existente entre os vocábulos: enquanto amplo
quer dizer muito grande, vasto, largo, rico, abundante; pleno significa
repleto, completo, absoluto, cabal, perfeito. Há necessidade de cercar a defesa
do acusado de maiores garantias, mormente porque as decisões dos jurados não
são motivadas, julgando pela sua intima convicção, devendo, assim, a defesa ser
a mais completa possível, como a dizer, plena.
O procedimento do júri está previsto em
capítulo próprio no Código de Processo Penal, o qual prevê divisão do
procedimento em duas partes: a primeira denominada de judicium accusatione ou
sumário de culpa, abrangendo os atos praticados desde o recebimento da denúncia
até a decisão de pronúncia; e a segunda, chamada judicium causae, compreendendo
os atos situados entre a pronúncia e o julgamento pelo Tribunal do Júri, por
isso, que a doutrina menciona que o rito do júri é escalonado, bipartido.
A divisão do procedimento em duas fases ocorre
porque o julgamento popular expõe o réu perante a sociedade, envolvendo grave
constrangimento. Dessa forma, no Estado Democrático de Direito, sob pena de
constrangimento ilegal, não se pode colocar o indivíduo no banco dos réus
quando não haja ao menos o mínimo de elementos apontando que o fato ocorreu e
que o agente tenha praticado o delito. Por isso, que o juiz analisa a acusação
e a existência de crime doloso contra a vida antes de remeter o processo ao
julgamento pelo Tribunal popular, impedindo que processos sem mínimo lastro
probatório conduzam o réu a júri popular.
Em 2008, pela lei 11.689, houve substancial
alteração no procedimento de apuração nos crimes dolosos contra vida,
objetivando essa nova sistemática uma tramitação mais célere ao rito, buscando
aproximar ao máximo o julgamento da época dos fatos. Isso pode ser
verificado na simplificação do procedimento, concentrando-se as provas orais, o
interrogatório e as alegações finais em uma só audiência (art. 411); a
possibilidade de intimação da decisão de pronúncia do réu não localizado por
edital (art. 420, parágrafo único) e, inclusive seu julgamento a revelia (art.
457); e, ainda, suprimindo-se formas legais como o libelo-acusatório, que
apenas reproduzia a pronúncia em forma de quesitos.
Com a reforma, buscou também o legislador
adequar o procedimento à nova ordem constitucional, o que resta claro com o
estabelecimento da obrigatoriedade de apresentação de resposta à acusação pelo
réu, nem que seja por meio de defensor nomeado pelo juiz (art. 408); e com o
deslocamento do interrogatório para fase posterior à produção de prova oral,
permitindo o réu refutar, com sua versão, fatos narrados pelas testemunhas que
depuseram antes dele (art. 411, caput).
Ainda, importante referir que houve preocupação
do legislador atender um reclamo da comunidade jurídica – acusadores,
defensores e magistrados-, no sentido de uma quesitação menos complexa,
permitindo os jurados compreender exatamente as consequências do “sim” e do
“não” oposto na resposta de cada quesito (art. 483).
Não só acertos foram inseridos no novo
procedimento estabelecido. Muito criticado é o prazo de 90 dias para o término
da primeira fase do procedimento do júri (art. 412). A doutrina menciona que
tal dispositivo acabará resultando a liberação de indivíduos perigosos em razão
do excesso de prazo, pois o prazo de 90 dias é incompatível com a realidade
brasileira, em que a criminalidade crescente faz com que os fóruns criminais
estejam assoberbados de serviço.
Quanto ao procedimento em si, na primeira
fase, denominada sumário de culpa, com o oferecimento da denúncia ou
queixa-crime subsidiária (no caso de ação penal privada subsidiária da
pública), o juiz irá receber a inicial ou rejeitar liminarmente nas hipóteses
previstas no art. 395: quando for manifestamente inepta; faltar pressuposto
processual ou condição para o exercício da ação penal; ou faltar justa causa
para o exercício da ação penal. Não sendo caso de rejeição, receberá a inicial
e ordenara a citação do acusado para resposta, o qual terá o prazo de 10 dias
para responder.
Na sua resposta, o acusado poderá arguir
preliminares, bem como alegar tudo que interesse a sua defesa, além de juntar
documentos e justificações, especificar provas pretendidas e arrolar
testemunhas (art. 406, §2º), verificando, assim, verdadeiro caráter de
contestação, muito diferente da tradicional defesa prévia, que era limitada as
alegações genéricas de inocência e apresentação de rol de testemunhas.
Após a resposta à acusação, o juiz ouvirá o
Ministério Público ou querelante em 05 dias (art. 409); Em seguida, será
designada audiência de instrução, a qual será aprazada para realização dentro
de 10 dias. Visando concentrar os atos processuais, ficou estabelecido que
todas as provas orais serão realizadas em uma só audiência. Encerrada a
instrução, são realizados debates orais e, posteriormente, o magistrado irá se
manifestar pela pronúncia, impronúncia, absolvição sumária ou desclassificação
da infração penal.
A única decisão que importará no
prosseguimento do processo com o subsequente julgamento do réu perante o júri é
a decisão de pronúncia. O juiz pronunciará o acusado se estiver convencido da
materialidade do fato e a existência de indícios suficientes de autoria ou
participação (art. 413), fundamentando sua decisão apenas com a indicação da
materialidade e a existência de indícios de autoria e participação, declarando
também o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificando as
circunstâncias qualificadoras e causas de aumento da pena (art. 413, §1º).
Assim, depreende-se que não pode o magistrado se manifestar sobre as causa de
diminuição de pena, bem como, não poderá se manifestar sobre as circunstâncias
agravantes e atenuantes.
Encerrada a primeira fase do procedimento do
Júri com a decisão de pronúncia, os autos são remetidos ao juiz-Presidente do
Tribunal do Júri com vistas à preparação do processo para o Julgamento perante
o Conselho de Sentença. Ao receber os autos, o magistrado intimará as partes
para que apresentem rol de testemunhas (máximo de 5) e documentos e, após, não
havendo diligências a serem cumpridas, fará relatório sucinto do processo e
determinará a inclusão em pauta da reunião do Tribunal do Júri.
Importa destacar a possibilidade de
deslocamento do julgamento pelo júri para comarca distinta da que tramitou o
processo criminal, podendo o Tribunal competente determinar o
desaforamento para comarca próxima, da mesma região, mediante requerimento das
partes ou do juiz. Havendo interesse da ordem publica, dúvida sobre a
imparcialidade do Júri ou a segurança pessoal do acusado, bem como, comprovado
excesso de serviço, não podendo o julgamento ser realizado em 06 meses após a
decisão de pronuncia, poderá o Tribunal determinar o desaforamento.
Quanto à habilitação do assistente da
acusação, diferentemente da regra geral, no Procedimento do Júri, o assistente
deve se habilitar até 05 dias antes da sessão na qual pretenda atuar.
A sessão de julgamento não será adiada, como
regra geral, inclusive será realizada mesmo sem a presença do acusado solto,
desde que devidamente intimado. Contudo, conforme disposto no art. 455, se o
Ministério Público não comparecer, o julgamento será adiado para o primeiro dia
desimpedido.
Serão convocados 25 jurados e para a
instalação dos trabalhos, ao menos 15 devem comparecer, em seguida é feito o
sorteio de 07 jurados que formarão o conselho de sentença, podendo a acusação e
a defesa recusar 03 nomes imotivadamente.
Formado o conselho de sentença, os jurados se
comprometem a examinar a causa com imparcialidade e a proferir a decisão de
acordo com a sua consciência e os ditames da justiça. Prestado o compromisso
será iniciada a instrução com a oitiva do ofendido, se possível, a inquirição
das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa e ao final, se o réu
estiver presente, será procedido o seu interrogatório. Os jurados poderão
formular perguntas por intermédio do juiz presidente.
O uso de algemas pelo réu não será permitido
durante o período em que permanece no plenário, salvo se absolutamente necessário
à ordem dos trabalhos, a segurança das testemunhas ou a garantia da integridade
física dos presentes. De acordo com a Súmula Vinculante 11, a excepcionalidade
do uso deve ser justificada por escrito, sob pena de responsabilidade
disciplinar, civil e penal e de nulidade do ato processual, sem prejuízo da
responsabilidade civil do Estado.
Finda a instrução, serão abertos os debates, a
começar pela acusação, após a defesa se manifestará, podendo a acusação
replicar e a defesa treplicar, inclusive, sendo admitida a reinquirição de
testemunha já ouvida em plenário.
Durante os debates, as partes não poderão
fazer referência à decisão de pronúncia, as decisões posteriores que julgaram
admissível a acusação ou a determinação do uso de algemas como argumento de
autoridade de prejudiquem ou beneficiem o acusado; ao silêncio do acusado ou a
ausência de interrogatório por falta de requerimento em seu prejuízo.
Objetivando evitar interferências excessivas
de qualquer dos polos no curso da exposição que estiver sendo realizada pela
parte adversa, dispõe a lei que compete o juiz regular a intervenção de uma das
partes quando a outra estiver com a palavra durante os debates, concedendo até
03 minutos para cada aparte.
Concluídos os debates, os jurados serão
indagados se estão habilitados a julgar e caso positivo, serão realizados os
quesitos e sua votação. O Conselho de sentença será questionado sobre a
materialidade e autoria, sendo os quesitos redigidos de forma simples, em
proposições afirmativas.
Se houver mais de 3 votos negativos quanto à
materialidade ou quanto à autoria ou participação será encerrada a votação,
implicando absolvição do réu. Também serão os jurados questionados quanto às
causas de diminuição, qualificadoras e causas de aumento da pena.
Encerrada a votação, o Juiz-presidente
proferirá a sentença condenatória, fixando a pena-base ou sentença absolutória,
se for o caso. Ainda, se reconhecidos pelos jurados a desclassificação para
outro delito de competência do juiz singular caberá ao juiz-presidente proferir
a sentença, agindo assim, também quanto aos delitos conexos aos crimes
desclassificados.
Ao final da sessão de instrução e julgamento,
o juiz lerá a sentença em plenário.
102. O USO DE ALGEMAS - GIAN
Primeiramente, cumprimento o Procurador-Geral
de Justiça e Presidente desta Comissão de Concurso, Excelentíssimo Senhor
SANDRO JOSÉ NEIS, estendendo aos demais membros da banca os meus cumprimentos.
O tema que me foi proposto é o de número 13,
que diz respeito ao uso de algemas na atividade policial repressiva e na
condução de pessoas presas, tema de intenso debate na doutrina e na
jurisprudência.
Em uma primeira abordagem legal, necessário
mencionar que, embora a prática seja corriqueira, até o presente momento, não é
disciplinada expressamente no Código de Processo Penal, sendo o diploma
adjetivo, portanto, omisso.
Registre-se que a única referência expressa na
legislação é taxada no art. 199 da Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/84),
dispositivo que remete a regulamentação de seu emprego à emissão de decreto
federal, decreto esse editado, enfim, em meados de 2016.
Porém, até a edição deste ato normativo,
tortuoso caminho se deu até a pacificação do uso das algemas.
Ora, até 2016, diante da situação lacunosa no
ordenamento jurídico, a possibilidade de seu emprego começou a ser analisada
por intermédio de interpretações doutrinárias e sistemáticas da legislação em
vigor.
Num primeiro olhar hierárquico, o tema em voga
é disciplinado no art. 5º da Constituição, mediante a conjugação de incisos que
proíbem a submissão do preso a tratamento desumano e garantem o seu direito à
intimidade, à imagem e à honra.
Num patamar internacional, em análise de
convencionalidade, oportuno mencionar as regras mínimas da ONU a respeito do
tratamento de prisioneiros, as quais dispõem que o uso de algemas jamais poderá
ocorrer como medida de punição.
Mais abaixo, no plano infraconstitucional,
mesmo não fazendo menção expressa, conforme já mencionado, o Código de Processo
Penal admite a utilização de força física, desde que aquela estritamente
necessária, nos casos de resistência à prisão ou tentativa de fuga do
agente.
Dessa maneira, entende-se que, quando
realmente indispensável, o uso da força mediante o emprego de algemas pode ser
aceito, e, inclusive, é recomendável em face da pessoa que está sendo
segregada.
Constata-se, porém, que o emprego do objeto em
ações policiais sempre foi tratado de modo excepcional.
Assim que, considerando a omissão legal e a
superveniência de decisões conflitantes que afetavam a segurança jurídica, o
Supremo Tribunal Federal editou, em agosto de 2008, a Súmula Vinculante n. 11.
O enunciado determina que:
Só é lícito o uso de algemas em caso de
1) Resistência,
2) Fundado receio de fuga,
3) Ou de perigo à integridade física própria
ou alheia;
Imperiosa a justificativa da excepcionalidade
da medida por escrito, sob pena de responsabilidade
1) Disciplinar,
2) Civil e
3) Penal
Bem como de nulidade do ato processual a que
se refere,
Sem prejuízo da responsabilidade do
Estado.
Portanto, logo se nota que a posição tomada
pelo Supremo, quando da elaboração do enunciado sumular, veio a referendar e
reiterar os entendimentos à possibilidade excepcional e justificada do uso de
algemas.
Atente-se que a decisão tem por finalidade,
sem dúvidas, a prevenção ao cometimento de abusos por agentes policiais no
exercício das atividades repressivas.
De 2008 até 20016, portanto, o vácuo legal foi
preenchido por meio do enunciado sumular até que, neste ano, valendo-se da
disposição da Lei de Execução Penal, houve enfim a publicação de decreto
federal pelo então Presidente em exercício Michel Temer.
Nele,
O emprego de algemas tem como diretrizes:
I - A proteção e a promoção da dignidade da
pessoa humana e a proibição de submissão ao tratamento desumano e degradante;
III – tem como fundamento também o Pacto de
San José da Costa Rica, que determina o tratamento humanitário dos
presos;
II – e a Resolução das Nações Unidas sobre o
tratamento de mulheres presas e medidas não privativas de liberdade para
mulheres infratoras;
Além de referendar o enunciado de súmula do
Supremo Tribunal Federal, o decreto inovou ao dispor ser vedado o emprego de
algemas em mulheres durante
o trabalho de parto,
o trajeto da unidade prisional até a unidade hospitalar
e
após o parto, enquanto estiver hospitalizada.
Examinando, o teor da súmula, que permanece em
vigor, e o do decreto federal,
Percebe-se que o entendimento firmado parte de
três requisitos básicos concomitantes e justificadores do uso de força e, em
consequência, do emprego de algemas,
a) a indispensabilidade dessa medida;
b) a necessidade do meio utilizado;
c) a justificação.
Ressalte-se a observância de tais requisitos a
fim de que não sejam cometidos abusos, pois esses:
a) poderão constituir crime de abuso de
autoridade
b) infração administrativa e
c) ilícito civil;
Por essas razões, obriga-se a fundamentação
escrita, sendo que, existindo irregularidade no ponto, isto é, sendo
desnecessária a sua utilização, poderá, inclusive, ser a prisão em flagrante
considerada ilegal, importando seu imediato relaxamento.
Eis, portanto, que as atividades do Ministério
Público, como instituição permanente e essencial à função jurisdicional do
Estado,
adiciona ao exercício do controle externo da
atividade policial mais uma importante atribuição: aquela de velar pela
proporcionalidade e razoabilidade do uso da força física pelos agentes públicos
repressivos.
Pode, para tanto,
manifestar-se no processo penal pugnando pelo
relaxamento da prisão vexatória,
requerendndo a responsabilização do agente por
improbidade administrativa,
oferecer denúncia por ilícito penal e,
ainda,
informando o órgão correicional a fim de que
sejam apuradas violações funcionais.
Relevante, por fim, apontar que, mesmo diante
da preocupação tomada pelo Judiciário e Executivo, o subjetivismo de seus
termos poderá gerar discussões no momento do exame do caso concreto,
especialmente no que toca aos limites dos requisitos de indispensabilidade,
necessidade e justificação.
No entanto, deve-se dar o devido crédito aos
poderes estatais, em elogiável intenção de impedir o aviltamento da dignidade
da pessoa humana, inerente também aos indivíduos presos, evitando excessos e
constrangimentos desnecessários.
103. CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL
PELO MINISTÉRIO PÚBLICO
Cumprimento o Procurador-Geral de Justiça e
Presidente desta Comissão de Concurso, Excelentíssimo Doutor SANDRO JOSÉ NEIS,
estendendo aos demais membros da banca as minhas saudações.
O tema que me foi proposto é o de número 10,
que diz respeito ao controle externo da atividade policial pelo Ministério
Público.
Nessa matéria, é inegável que, a partir das
décadas de 70 e 80 do século passado, o Ministério Público se firma, tanto no
ordenamento jurídico quanto institucionalmente, como órgão essencial à função
jurisdicional do Estado.
Volta-se, portanto, para o exercício de
relevantes atribuições, como a defesa dos interesses sociais, individuais
indisponíveis e do regime democrático
e, em especial para o estudo do controle
externo da atividade policial, a proteção da ordem jurídica.
Assim, dentre as várias funções institucionais
atribuídas ao Ministério Público, destaca-se a fiscalização de atos que digam
respeito à chamada "polícia judiciária" e à apuração de infrações
penais.
E o fundamento de tal importante atribuição
esbarra no próprio surgimento do Estado Democrático de Direito, que se pauta na
contenção do poder estatal e na supremacia da lei sobre todos os agentes
públicos.
Dessa maneira, é de fundamental importância a
participação efetiva de instituição capaz de conter possíveis arroubos
autoritários em face dos cidadãos e, por que não, a proteção do próprio Estado
e regime democrático, tendo em vista a criação de sistema de freios e
contrapesos.
Daí a função do Ministério Público no controle
da atividade policial, fazendo com que esta atue sempre pautada nos princípios
constitucionais e legais regentes da persecução penal, salvaguardando a
sociedade de quaisquer medidas que tendam à violação de direitos e garantias
sociais e individuais indisponíveis, conquistados duramente ao longo das
gerações.
Outro fundamento à atividade ministerial, para
além de salvaguardar o próprio Estado de Direito, encontra guarida na titularidade
exclusiva da Ação Penal Pública pelo Ministério Pública.
É a instituição a maior interessada na
normalidade e legitimidade com que se emana o procedimento investigatório do
delito, do qual se utilizará para a formação de sua opinio delicti em eventual
propositura da peça acusatória.
Tem, portanto, relação com a qualidade do
inquérito, visando a revesti-lo de fortes elementos de convencimento e
suficientes à propositura da ação penal.
Ou seja, o controle externo deve ser entendido
como um instrumento de realização do jus puniendi.
Seu objetivo é dar ao Ministério Público um
comprometimento maior com a investigação criminal e, consequentemente, um maior
domínio sobre a prova produzida, a qual lhe servirá de respaldo na denúncia,
sempre na busca dos elementos indispensáveis para a instrução do processo.
O controle externo da atividade policial tem a
exata dimensão da atribuição dominus litis, permitindo-se afirmar que nem todas
as atividades praticadas pela Policia Civil estão sob a tutela deste
controle.
A respeito especificamente das atividades que
integram a atribuição ministerial,
Encontram-se, nas Leis orgânicas da carreira
diversos dispositivos que tratam, direta ou indiretamente, do controle externo,
pelo órgão ministerial, das atividades policiais.
Incluem-se, entre as prerrogativas conferidas
ao Ministério Público,
1. ter livre ingresso em estabelecimentos
policiais ou prisionais;
2. ter acesso a quaisquer documentos relativos
à atividade da polícia judiciária ou requisitá-los;
3. requisitar à autoridade competente a adoção
de providências para sanar a omissão ou para prevenir ou corrigir ilegalidade
ou abuso de poder;
4. d) requisitar à autoridade competente a
abertura de inquérito sobre a omissão ou fato ilícito ocorridos no exercício da
atividade policial, determinando as diligências necessárias e a forma de sua
realização, podendo acompanhá-las e também proceder diretamente a
investigações, quando necessário;
5. e) acompanhar atividades investigatórias;
6. f) recomendar à autoridade policial a
observância das leis e princípios jurídicos;
7. g) requisitar à autoridade competente a
instauração de sindicância ou procedimento administrativo cabível;
8. h) exigir comunicação imediata sobre
apreensão de adolescente;
9. i) avocar inquérito policial em qualquer
fase de sua elaboração e requisitar, a qualquer tempo, as diligências que se
fizerem necessárias;
Como se vê, a fiscalização é ampla, incidindo
não só sobre os atos diretamente relacionados à persecução penal, como também
sobre a esfera administrativa da unidade policial.
É pautada no conjunto de normas que regulam a
fiscalização exercida pelo Ministério Público em relação à Polícia, na
prevenção, apuração e investigação de fatos definidos como infrações penais, na
preservação dos direitos e garantias constitucionais das pessoas presas, sob
custódia direta da Polícia e no cumprimento das determinações judiciais.
Assim, a primeira espécie de controle externo
da atividade policial, é denominada de controle externo ordinário, consistente
naquela atividade ministerial exercida corriqueiramente, seja através dos
controles realizados na verificação do trâmite dos inquéritos policiais, e
conseqüente cumprimento de diligências requisitadas, seja através de visitas
periódicas (ao menos mensais) às Delegacias de Polícia e organismos policiais,
a fim de verificar a regularidade dos procedimentos policiais e da custódia dos
presos que porventura se encontrem no local.
Já no que se usou denominar controle externo
extraordinário, observa-se que este se dará quando da verificação concreta de
um ato ilícito por parte de alguma autoridade policial no exercício de suas
funções. Tendo o membro do Ministério público o dever de representar à
autoridade hierarquicamente superior daquela que é fiscalizada sempre que
detectar omissão indevida, ilegalidade ou abuso de poder.
Controle externo, claro, não é sinônimo de
subordinação ou hierarquia, fazendo com que a esfera administrativa não abranja
o poder disciplinar.
Trata-se, a bem verdade, de função
correicional extraordinária, que coexiste com a ordinária inerente à hierarquia
administrativa e que é desempenhada pela própria polícia.
Não se deve esquecer que, de acordo com o art.
129 de nossa Lei Maior, ao Promotor de Justiça cabe zelar pelos serviços de
relevância pública. Sempre que observar abuso de poder praticado por policial
ou qualquer omissão ao princípio administrativo da indisponibilidade do
interesse público, deve ele atuar em defesa da ordem jurídica, usando dos
instrumentos legais ao mesmo dispensados, tais como o uso de requisições,
notificações e procedimentos administrativos, adotando, inclusive, as medidas
cabíveis no âmbito administrativo e judicial.
Munido dos instrumentos legais supra, revela o
Ministério Público sua importante responsabilidade de não apenas defender a
ordem jurídica e a democracia, mas principalmente de atuar em defesa dos
anseios da sociedade e na busca incessante pela promoção dos direitos e das
garantias fundamentais.
104. O MINISTÉRIO PÚBLICO CONTRA A CORRUPÇÃO
Excelências, boa tarde. Primeiramente,
gostaria de cumprimentar o Procurador-Geral de Justiça e Presidente desta
Comissão de Concurso, em nome de quem estendo aos demais membros da banca os
meus cumprimentos.
O tema que foi a mim proposto diz respeito à
atuação do Ministério Público contra a corrupção,
nessa matéria, é inegável que, a partir das
décadas de 70 e 80 do século passado, o Ministério Público se firma, tanto no
ordenamento jurídico quanto institucionalmente, como órgão essencial à função
jurisdicional do Estado.
Volta-se, portanto, para o exercício de
relevantes atribuições, como a defesa dos interesses sociais, individuais indisponíveis
e do regime democrático
e, em especial para o estudo da corrupção, a
proteção da ordem jurídica.
Isso porque, na construção de um Estado do
Bem-Estar Social, norte traçado pela Constituição, não se concebe que as
prestações sociais, pelo menos em seu mínimo existencial, como saúde, educação,
segurança, sejam tolhidas em face da malversação dos bens públicos para fins
escusos e antirrepublicanos.
Daí se dizer que a corrupção se apresenta como
prática deletéria, e por que não, uma doença a corroer o sistema político e
social.
E uma das formas de se observar esse fenômeno
é por meio daquelas práticas realizadas na esfera privada das relações
pessoais.
Relevante, portanto, a reflexão sobre práticas
enraizadas no dia-a-dia da nação, é o chamado jeitinho brasileiro: comprar
produto falsificado; furar a fila; tentar subornar o guarda de trânsito.
Diante dessas corruptelas, o Ministério
Público do Estado de Santa Catarina, em projeto pioneiro no país, iniciou
programa de conscientização social intitulado “O que você tem a ver com a
corrupção?”.
De modo geral, o programa consiste num
processo de formação de consciência, mediante o estímulo à sociedade e
especialmente às novas gerações a adotar uma conduta comprometida com o
bem-estar coletivo.
Paralelamente a esses projetos educacionais de
médio e longo prazo, a instituição também conta com forte aparato para coibir a
corrupção das instituições e dos servidores públicos, diversificando seu
enfoque em diversos eixos:
1) a responsabilidade por improbidade administrativa,
2) o oferecimento de denúncia por crimes
contra a administração pública em geral,
3) o acompanhamento da normalidade e da
legitimidade das eleições e dos concursos públicos,
4) a fiscalização dos cargos políticos,
5) a idealização de reformas legislativas,
fomentando a iniciativa popular.
Num primeiro eixo, a atuação proba dos agentes
públicos é fundamental para a manutenção do Estado Democrático, que deve se
pautar seguindo os princípios maiores da supremacia e da indisponibilidade do
interesse público.
Não por outra razão que a Constituição
Federal, em seu art. 37, § 4º, estabelece que “Os atos de improbidade
administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função
pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, sem prejuízo
da ação penal cabível”.
Junto à responsabilidade da improbidade
administrativa, portanto, soma-se a punição criminal dos funcionários públicos
e dos partícipes na atividade delitiva, cuja progressão de regime está
condicionada, inclusive, à reparação do dano.
Isso com vistas a penalizar o agente, mas
também objetivando a impedir que a lesão seja pulverizada e suportada pela
população.
Se é certo que as atividades dos funcionários
públicos são observadas após a investidura no cargo, o Ministério Público
também busca garantir que a sua ascensão pública seja idônea.
Logo, as práticas deletérias não devem ser
combatidas somente durante o exercício do poder público, sendo indispensável
averiguar de que modo o agente alçou a tal posição.
Se o fez por modos escusos, é de se deduzir
que o exercício de seu múnus também será pautado por esses conchaves.
Portanto, a fiscalização dos concursos
públicos e dos pleitos eletivos se torna indispensável atividade para garantir
que os funcionários e mandatários sejam selecionados de forma igualitária e
impessoal.
Dessa forma, impugnar concursos públicos e
chapas eleitorais que abusam da influência econômica, política e social, são
fundamentais para garantir que a participação popular seja livremente exercida.
Enfim, conjuntamente à responsabilização
civil e criminal,
à fiscalização dos concursos e das
eleições,
bem como o acompanhamento do mandato
eletivo,
Não se olvida a atividade do Ministério
Público em fomentar a iniciativa popular de leis.
A esse respeito, as 10 medidas contra a
corrupção contam com incessante apoio do órgão.
Dentre elas estão a criminalização do caixa 2,
a busca por maior transparência dos órgãos públicos, o aumento de pena dos
crimes contra a administração pública, a definição destes como crimes
hediondos, a busca pela celeridade nas ações judiciais e a efetiva recuperação
dos produtos do crime fruto da corrupção.
Valendo-me de frase institucional para
encerrar o debate aqui proposto, “Se queremos um país livre de corrupção,
precisamos nos unir. É possível transformar a indignação com a corrupção em
mudanças efetivas para a sociedade, implementando mudanças sistêmicas e
estruturais, que buscam o fim da impunidade”.
Enfim, gostaria aqui de agradecer e de
externar a minha profunda vontade de integrar a carreira do Ministério Público
do Estado de Santa Catarina.
105. A INVESTIGAÇÃO CRIMINAL PELO MINISTÉRIO
PÚBLICO
Primeiramente, cumprimento o Procurador-Geral
de Justiça e Presidente desta Comissão de Concurso, Excelentíssimo Senhor
SANDRO JOSÉ NEIS, estendendo aos demais membros da banca os meus cumprimentos.
O tema que me foi proposto diz respeito à
investigação criminal pelo Ministério Público, abordagem de intenso debate na
doutrina e jurisprudência, especialmente nas últimas décadas.
E numa passagem histórica, percebe-se que, por
muito tempo, o Ministério Público realizou, de forma direta, a investigação
criminal, sem que se fosse questionada a sua legitimidade.
Todavia, a partir da década de noventa do
século passado, com o Ministério Público Federal e Estadual agindo de forma
eficiente e oferecendo denúncias em face da alta cúpula do poder, surgiu, de
forma mais vigorosa, forte oposição às investigações criminais realizadas pelo
órgão.
A posição insurgente dos que se opõem à
atividade investigativa pelo Ministério Público é sintetizada em dois
principais argumentos:
1) o primeiro, de que a investigação
pré-processual é de monopólio da Polícia Judiciária e
2) e o segundo, de que a ausência de previsão
explícita para o Ministério Público apurar, diretamente, infrações penais,
retira-lhe a legitimidade para realizá-la.
Esses argumentos, no entanto, não encontram
guarida no entendimento majoritário.
Isso porque, adianto, não há falar em
monopólio da Polícia na investigação criminal.
Verifica-se existir tão-somente exclusividade
da polícia no exercício na função de polícia judiciária, o que, notoriamente, é
diferente da função de apurar delitos.
E não apenas inexiste norma a conferir tal
monopólio, como há diversos artigos que permitem concluir do contrário.
1. Além de a Constituição da República
incumbir ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica, do regime
democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art.
127),
promoveu-lhe, entre outras a atribuição de
exercer, privativamente, a ação penal pública e exercer o controle externo da
atividade policial (art. 129).
Ora, pela teoria dos poderes implícitos (quem
pode o mais pode o menos), o simples fato de a Constituição da República
conferir ao Ministério Público o exercício, privativo, da ação penal pública
(art. 129, I, da CF) já lhe dá a atribuição para investigar.
Do contrário, o Órgão Ministerial ficaria
refém da Polícia para uma possível deflagração de ação penal, ou seja,
tornar-se-ia um mero repassador de provas colhidas por outra instituição.
Destarte, se a finalidade das investigações
criminais é recolher indícios suficientes para a propositura da ação penal e se
o Ministério Público, prescinde do inquérito policial para a deflagração desta,
tal investigação é apenas um dos meios para
constituir a justa causa.
Em outras palavras, é possível concluir que a
denúncia do Ministério Público é o mais, e a investigação criminal, o menos, e
quem tem a função maior também tem aquele que lhe está contida.
2. Há, também, determinadas situações que
recomendam a atuação do Ministério Público e não da Polícia.
Em alguns casos, seja pela magnitude da
infração, seja pelas pessoas envolvidas na autoria do delito, é mais coerente
que o Ministério Público exerça diretamente as investigações criminais,
sobretudo pelos princípios e garantias que lhe foram atribuídos na Constituição
da República
(principalmente a independência funcional e a
inamovibilidade).
Em função disso, situando-se as investigações
da macrocriminalidade e figurando autoridades, deve o Ministério Público apurar
tais infrações, por estar imune a influências externas indevidas, capazes, como
se sabe, de mitigar ou, até mesmo, inviabilizar as investigações.
3. Além disso, já tendo a instituição o
monopólio do inquérito civil, não é incomum, e de fato ocorre, que, no
exercício da proteção de direitos coletivos, vislumbre-se a ocorrência de
ilícito penal.
Nesses casos, muito mais evidente que não se
justifica a instauração de inquérito, pois tais diligências são suficientes
para a formação da convicção acerca da opinio delicti.
Assim, nada mais razoável do que se instaurar
uma ação penal com subsídio nos autos de um inquérito civil.
4. Essa conclusão é, frise-se, referendada
pelo Supremo Tribunal Federal, como ocorreu no Recurso Extraordinário
proveniente de Minas Gerais.
5. Enfim, o próprio Conselho Nacional do
Ministério Público e o Ministério Público do Estado de Santa Catarina já
disciplinaram essa atribuição ministerial por meio de atos regulamentares, que
estabelecem a possibilidade de instauração de procedimento investigatório
criminal – o PIC.
Não se quer, aqui, afirmar que a Polícia não
sejaórgãos de extrema importância dentro da administração da justiça,
Eis que deve continuar seu ofício de repressão
à criminalidade.
Contudo, em determinados casos, quando o
detentor da ação penal pública entender necessário, pode ele mesmo colher elementos
que configurem justa causa para a deflagração da denúncia, uma vez que, enfim,
legitimado para tanto.
106. OFENSAS NO JÚRI
Cumprimento o Procurador-Geral de Justiça e
Presidente desta Comissão de Concurso, Excelentíssimo Doutor SANDRO JOSÉ NEIS,
estendendo aos membros da banca as minhas saudações.
O tema que me foi proposto é o de número 10,
que diz respeito ao Comportamento do Ministério Público quando ofendido no
Júri.
Nesse sentido, é imperioso observar que o
Ministério Público se firma, no final do século passado, tanto no ordenamento
jurídico quanto institucionalmente, como instituição permanente e essencial à
função jurisdicional do Estado, recebendo, da Constituição de 1988, a
responsabilidade por importantes atribuições de nítida destinação social.
Se, anteriormente, o papel do Ministério
Público cingia-se de modo estreito à persecução criminal, como é a instituição
do júri e o objeto de estudo da presente exposição, atualmente, passa também
pela ampliação de seus poderes: alcançando as funções de garantidor do regime
democrático, do ordenamento jurídico e protetor dos interesses sociais e
individuais indisponíveis.
Efetivamente, vem o Ministério Público
ocupando, em todos os seus níveis e em todas as suas áreas de atuação, espaços
cada vez maiores no exercício de funções de grande relevo à manutenção do
equilíbrio jurídico, seja como órgão fiscal do ordenamento jurídico, seja como
agente da proteção dos valores e interesses do povo.
E na busca por defender a vida em comunidade,
a atuação frente ao Tribunal do Júri ganha destaque por ser o lócus em que o
Promotor de Justiça é o advogado da sociedade. É o advogado daquele que muitas
vezes já não está mais entre nós. O Ministério Público dá voz aos emudecidos,
na medida em que atua como porta voz da vítima.
Para tais consecuções, foram assegurados a
plena independência e o elevado grau de autonomia frente aos Poderes do Estado
A atribuição não é das mais singelas, sendo a
honra e a função de quem a exerce protegidas pela Constituição e pela
legislação ordinária, de modo a permitir o livre exercício do seu trabalho.
E por honra entende-se o conjunto de atributos
morais, físicos e intelectuais de uma pessoa, que a tornam merecedora de apreço
no convívio social e que promovem a sua auto-estima.
Dentre as prerrogativas do órgão, inclusive,
encontram-se a
VI - receber o mesmo tratamento jurídico
protocolar dispensado aos membros do Poder Judiciário perante os quais oficiem;
Tanto é assim que o Código Penal tipifica, nos
artigos 139 a 140, os crimes contra a honra, que são: calúnia, injúria e
difamação.
A esse respeito, o próprio código traz a
imunidade judiciária, como causas de exclusão da ilicitude dos crimes de
difamação e injúria,
segundo a qual não constitui injúria ou
difamação punível a ofensa irrogada em juízo, na discussão da causa, pela parte
ou por seu procurador.
Essa excludente abrange tanto a ofensa oral,
que pode ocorrer em Júris e debates em audiência, quanto a ofensa escrita, por
meia de petições, alegações finais, recursos e outras peças processuais, desde
que exista nexo entre a ofensa e a discussão da causa.
Todavia, não se pode compreendê-la como
absoluta, sob pena de tolher o direito fundamental de todos serem tratados de
forma digna e com respeito
Assim, vale destacar que o dispositivo abrange
apenas ofensas feitas em juízo, que não consistam na imputação de crimes,
porquanto apenas afasta a difamação e a injúria.
. Para que haja a exclusão, a ofensa deve
relacionar-se diretamente com a causa em questão, ou seja, somente incidirá a
excludente se a ofensa irrogada em juízo tiver nexo com a discussão da causa.
Logo, dois requisitos precisam fazer-se presentes:
a) que a ofensa seja irrogada em juízo; e
b) que se relacione com a causa em discussão,
havendo, necessariamente, relação causal entre o embate e a ofensa.
A excludente, neste caso, justifica-se por
duas razões básicas: de um lado, para assegurar a mais ampla defesa dos
interesses postos em juízo, sem o receio de que determinado argumento ou
determinada expressão possa ser objeto de imputação criminal; de outro lado, a
veemência dos debates, o ardor com que se defende esses direitos pode resultar,
eventualmente, em alusões ofensivas a honra de outrem, embora desprovidas do
animus ofendendi.
Em suma, deve-se ter em mente que é o ânimo de
debater, movido pelo interesse público e pela utilidade processual, que
justifica a exclusão do crime, e não de ofender a honra dos denunciantes,
havendo limites à imunidade judiciária.
107. O MINISTÉRIO PÚBLICO E O PLANEJAMENTO
URBANO
Cumprimento o Procurador-Geral de Justiça e
Presidente desta Comissão de Concurso, Excelentíssimo Doutor SANDRO JOSÉ NEIS,
estendendo aos demais membros da banca as minhas saudações.
O tema que me foi proposto é o de número 05,
que diz respeito ao Ministério Público e o Planejamento Urbano.
Impende inicialmente esclarecer que a
legitimidade do Ministério Público para agir em sede de planejamento urbano
decorre da própria Constituição Federal, que, em seu art. 129, III, dispõe a
função institucional de promover o inquérito civil público e a ação civil
pública para a proteção do meio ambiente.
Nesse diapasão, insta dizer que o planejamento
urbano é imprescindível para a proteção do meio ambiente artificial,
compreendido por todo o espaço urbano construído artificialmente pelo
homem.
Isso porque a organização das cidades visa a
garantir o direito difuso fundamental de terceira geração, que assegura a todos
o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Ainda em sede constitucional, o art. 182
dispõe que a política de desenvolvimento urbano tem por objetivo ordenar o
pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar dos
seus habitantes.
Para além do amparo constitucional, o
ordenamento jurídico legal não destoa dessas diretrizes traçadas.
Assim, a Lei do Parcelamento do Solo Urbano, o
Estatuto das Cidades e, mais recentemente, o Estatuto das Metrópoles traçam
instrumentos para que o Poder Público exerça de forma eficaz o planejamento urbano
das cidades brasileiras.
Num primeiro olhar, diz-se que o planejamento
urbano deve se nortear pela busca do cumprimento da função social da
propriedade, adequada às exigências fundamentais de ordenação.
Para tanto, são inúmeros os instrumentos previstos.
Instrumento básico do planejamento urbano é o
plano diretor, aprovado por lei municipal e ampla participação popular, sendo
parte integrante do processo de organização da cidade.
A omissão dos Poderes Legislativo e Executivo
municipais não se coaduna mais com a crescente ampliação dos núcleos urbanos.
A falta de plano diretor tem trazido inúmeros
prejuízos não só ao meio ambiente artificial, mas, sobretudo, ao meio ambiente
natural. A falta de saneamento básico, de serviços de iluminação, coleta de
lixo, praças, áreas verdes, são exemplos do que a falta de planejamento urbano
acarreta.
Desse modo, ao Ministério Público incumbe
provocar os Poderes Executivo e Legislativo Municipal na elaboração do plano
diretor, pois esse é a base de toda a legislação urbana que deve ser produzida
pelos municípios.
Diversos instrumentos previstos no Estatuto
das Cidades só podem ser implantados se tratados previamente no plano diretor,
razão pela qual a doutrina urbanística o define como ato-condição.
O plano diretor é a pedra angular em sede de
prevenção de danos ambientais urbanísticos.
Referido planejamento deve ser multisetorial,
abrangendo aspectos físicos do solo, questões econômicas, sociais,
orçamentárias, ambientais e urbanísticas.
De outra banda, o Estatuto das Cidades enumera
mecanismos de participação popular em sede de planejamento urbano, como por
exemplo a realização de audiências públicas. Nesse ponto, merece destaque a
atuação dos órgãos de execução do Ministério Público.
Considerando o Princípio da Prevenção, somado
ao Princípio da Participação Comunitária, deve-se dar vital importância à
oitiva da comunidade no que pertine ao planejamento urbano, pois a opinião dos
cidadãos, aliada à efetivação de estudos técnicos - como os de impacto
ambiental e de impacto de vizinhança -, pode ser muito útil para evitar o
crescimento de cidades desordenadas e não sustentáveis causadoras de
inevitáveis desequilíbrios ambientais, realidade essa que infelizmente é praxe
nas cidades de nosso País.
Nesse aspecto, deve o Ministério Público agir
proativamente, participando do planejamento urbano e impulsionando a realização
de audiências públicas pelo Poder Público a fim de angariar maiores e melhores
elementos daqueles que vivenciam cotidianamente os problemas urbanísticos e que
são os próprios destinatários do planejamento: os moradores da cidade.
Ultrapassado esse viés preventivo dos
planejamentos urbanos, não se pode deixar de mencionar o seu caráter
reparatório.
Como já mencionado alhures, a realidade das
grandes cidades apresenta inúmeros problemas sociais decorrentes da urbanização
desordenada.
Nesse ponto, deve-se chamar a atenção para os
núcleos urbanos formados informalmente por pessoas de baixa renda, geralmente
habitados nas periferias dos municípios.
Um dos desafios das cidades é assegurar o direito
social de moradia para todos os seus habitantes. O fenômeno da urbanização nas
últimas décadas não foi planejado, sendo que a migração do campo para a cidade
foi e é uma realidade vertiginosa. Em decorrência disso, muitas famílias vivem
em situação de risco em áreas precárias ou terrenos irregulares. São favelas,
loteamentos irregulares, pessoas em situação de rua.
Dentro desse quadro, a regularização fundiária
surge como uma das alternativas do planejamento urbano sob uma ótica
reparadora.
Segundo o Programa Minha Casa Minha Vida, a
regularização fundiária consiste no conjunto de medidas jurídicas,
urbanísticas, ambientais e sociais que visam à regularização de assentamentos
irregulares e à titulação de seus ocupantes, de modo a garantir o direito social
à moradia, o pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana e
o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Assim, deve o Ministério Público promover
ações visando à regularização das submoradias, não tão somente no afã de
tutelar o meio ambiente artificial, mas também porque a informalidade do
direito à moradia compromete a dignidade humana das pessoas.
Elas não têm como fruir do seu direito à
cidade e, portanto, nem são efetivamente cidadãs. Morar irregularmente é o
mesmo que navegar em permanente insegurança.
Além disso, a regularização fundiária, uma vez
levada a efeito, repercutirá na gestão racional dos territórios urbanos, já
que, regularizados, os assentamentos passam a integrar os cadastros municipais,
possibilitando a efetivação de inúmeros meios de proteção ambiental, como por
exemplo o serviço imprescindível de sanemento básico.
Portanto, pode-se dizer que o planejamento
urbano baseia o seu passo inicial na própria Constituição Federal, cujo comando
soberano é muito claro: subordina a propriedade urbana ao atendimento da sua
função social e assegura a todos o direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado.
Depois, o legislador, tanto no Estatuto da
Cidade como na Lei da Minha Casa Minha Vida, previu mecanismos capazes de
alavancar no planejamento urbano enfoques preventivos e reparadores, como a
necessidade de impulsionar a elaboração de plano diretor nos municípios, a
efetivação da participação popular na democratização da gestão municipal e a
regularização fundiária na política urbana para reparação dos malefícios
causados pela formação de núcleos habitacionais desordenados.
O que cabe ao Ministério Público, agora, é
fazer uso da sua atribuição para integrar o processo de planejamento urbano no
afã de habilitar a obediência do Poder Público às diretrizes previstas no
ordenamento jurídico, assegurando o bem-estar da coletividade e a preservação
do meio ambiente urbanístico ecologicamente equilibrado para as presentes e
futuras gerações.
108. CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL
PELO MINISTÉRIO PÚBLICO
Cumprimento o Procurador-Geral de Justiça e
Presidente desta Comissão de Concurso, Excelentíssimo Doutor SANDRO JOSÉ NEIS,
estendendo aos demais membros da banca as minhas saudações.
O tema que me foi proposto é o de número 10,
que diz respeito ao controle externo da atividade policial pelo Ministério
Público.
Nessa matéria, é inegável que, a partir das
décadas de 70 e 80 do século passado, o Ministério Público se firma, tanto no
ordenamento jurídico quanto institucionalmente, como órgão essencial à função
jurisdicional do Estado.
Volta-se, portanto, para o exercício de relevantes
atribuições, como a defesa dos interesses sociais, individuais indisponíveis e
do regime democrático
e, em especial para o estudo do controle
externo da atividade policial, a proteção da ordem jurídica.
Assim, dentre as várias funções institucionais
atribuídas ao Ministério Público, destaca-se a fiscalização de atos que digam
respeito à chamada "polícia judiciária" e à apuração de infrações
penais.
E o fundamento de tal importante atribuição
esbarra no próprio surgimento do Estado Democrático de Direito, que se pauta na
contenção do poder estatal e na supremacia da lei sobre todos os agentes
públicos.
Dessa maneira, é de fundamental importância a participação
efetiva de instituição capaz de conter possíveis arroubos autoritários em face
dos cidadãos e, por que não, a proteção do próprio Estado e regime democrático,
tendo em vista a criação de sistema de freios e contrapesos.
Daí a função do Ministério Público no controle
da atividade policial, fazendo com que esta atue sempre pautada nos princípios
constitucionais e legais regentes da persecução penal, salvaguardando a
sociedade de quaisquer medidas que tendam à violação de direitos e garantias sociais
e individuais indisponíveis, conquistados duramente ao longo das gerações.
Outro fundamento à atividade ministerial, para
além de salvaguardar o próprio Estado de Direito, encontra guarida na
titularidade exclusiva da Ação Penal Pública pelo Ministério Pública.
É a instituição a maior interessada na
normalidade e legitimidade com que se emana o procedimento investigatório do
delito, do qual se utilizará para a formação de sua opinio delicti em eventual
propositura da peça acusatória.
Tem, portanto, relação com a qualidade do
inquérito, visando a revesti-lo de fortes elementos de convencimento e
suficientes à propositura da ação penal.
Ou seja, o controle externo deve ser entendido
como um instrumento de realização do jus puniendi.
Seu objetivo é dar ao Ministério Público um
comprometimento maior com a investigação criminal e, consequentemente, um maior
domínio sobre a prova produzida, a qual lhe servirá de respaldo na denúncia,
sempre na busca dos elementos indispensáveis para a instrução do processo.
O controle externo da atividade policial tem a
exata dimensão da atribuição dominus litis, permitindo-se afirmar que nem todas
as atividades praticadas pela Policia Civil estão sob a tutela deste
controle.
A respeito especificamente das atividades que
integram a atribuição ministerial,
Encontram-se, nas Leis orgânicas da carreira
diversos dispositivos que tratam, direta ou indiretamente, do controle externo,
pelo órgão ministerial, das atividades policiais.
Incluem-se, entre as prerrogativas conferidas
ao Ministério Público,
10. ter livre ingresso em estabelecimentos
policiais ou prisionais;
11. ter acesso a quaisquer documentos
relativos à atividade da polícia judiciária ou requisitá-los;
12. requisitar à autoridade competente a
adoção de providências para sanar a omissão ou para prevenir ou corrigir
ilegalidade ou abuso de poder;
13. d) requisitar à autoridade competente a
abertura de inquérito sobre a omissão ou fato ilícito ocorridos no exercício da
atividade policial, determinando as diligências necessárias e a forma de sua
realização, podendo acompanhá-las e também proceder diretamente a
investigações, quando necessário;
14. e) acompanhar atividades investigatórias;
15. f) recomendar à autoridade policial a
observância das leis e princípios jurídicos;
16. g) requisitar à autoridade competente a
instauração de sindicância ou procedimento administrativo cabível;
17. h) exigir comunicação imediata sobre
apreensão de adolescente;
18. i) avocar inquérito policial em qualquer
fase de sua elaboração e requisitar, a qualquer tempo, as diligências que se
fizerem necessárias;
Como se vê, a fiscalização é ampla, incidindo
não só sobre os atos diretamente relacionados à persecução penal, como também
sobre a esfera administrativa da unidade policial.
É pautada no conjunto de normas que regulam a
fiscalização exercida pelo Ministério Público em relação à Polícia, na
prevenção, apuração e investigação de fatos definidos como infrações penais, na
preservação dos direitos e garantias constitucionais das pessoas presas, sob
custódia direta da Polícia e no cumprimento das determinações judiciais.
Assim, a primeira espécie de controle externo
da atividade policial, é denominada de controle externo ordinário, consistente
naquela atividade ministerial exercida corriqueiramente, seja através dos
controles realizados na verificação do trâmite dos inquéritos policiais, e
conseqüente cumprimento de diligências requisitadas, seja através de visitas
periódicas (ao menos mensais) às Delegacias de Polícia e organismos policiais,
a fim de verificar a regularidade dos procedimentos policiais e da custódia dos
presos que porventura se encontrem no local.
Já no que se usou denominar controle externo
extraordinário, observa-se que este se dará quando da verificação concreta de
um ato ilícito por parte de alguma autoridade policial no exercício de suas
funções. Tendo o membro do Ministério público o dever de representar à
autoridade hierarquicamente superior daquela que é fiscalizada sempre que
detectar omissão indevida, ilegalidade ou abuso de poder.
Controle externo, claro, não é sinônimo de
subordinação ou hierarquia, fazendo com que a esfera administrativa não abranja
o poder disciplinar.
Trata-se, a bem verdade, de função
correicional extraordinária, que coexiste com a ordinária inerente à hierarquia
administrativa e que é desempenhada pela própria polícia.
Não se deve esquecer que, de acordo com o art.
129 de nossa Lei Maior, ao Promotor de Justiça cabe zelar pelos serviços de
relevância pública. Sempre que observar abuso de poder praticado por policial
ou qualquer omissão ao princípio administrativo da indisponibilidade do
interesse público, deve ele atuar em defesa da ordem jurídica, usando dos
instrumentos legais ao mesmo dispensados, tais como o uso de requisições,
notificações e procedimentos administrativos, adotando, inclusive, as medidas
cabíveis no âmbito administrativo e judicial.
Munido dos instrumentos legais supra, revela o
Ministério Público sua importante responsabilidade de não apenas defender a
ordem jurídica e a democracia, mas principalmente de atuar em defesa dos
anseios da sociedade e na busca incessante pela promoção dos direitos e das
garantias fundamentais.
109. DEFESA DOS VULNERÁVEIS
Cumprimento o Procurador-Geral de Justiça e
Presidente desta Comissão de Concurso, Excelentíssimo Doutor SANDRO JOSÉ NEIS,
estendendo aos demais membros da banca as minhas saudações.
O tema que me foi proposto é o de número 05,
que diz respeito à tutela dos vulneráveis pelo Ministério Público.
No entanto, antes mesmo de ingressar nas
importantes atribuições conferidas ao órgão na tutela dos vulneráveis, cumpre
delimitar, de antemão, dois assuntos essenciais para a compreensão do tema:
1. O primeiro diz respeito à própria concepção
de vulneráveis, conceito esse que permite delimitar o aspecto subjetivo da
tutela;
2. E uma segunda abordagem preliminar abrange
quais direitos são tuteláveis pela instituição.
Quanto à conceituação do que se entende pelo
termo vulneráveis, uma primeira acepção é retirada do dicionário:
Diz-se vulnerável alguém que está suscetível a
ser
Ferido ou
Ofendido
Conforme a sua capacidade
de prevenir,
de resistir e
de conformar
impactos
Em acepção jurídica, vulnerabilidade é uma
situação
permanente ou provisória,
individual ou coletiva,
que fragiliza, enfraquece o sujeito de direitos,
desequilibrando sua relação com outras pessoas.
É um sinal de necessidade de proteção.
Daí decorre que a falta de recursos não se
presta para analisar, por si só, o que configura a fragilidade pessoal, uma vez
que esta decorre não apenas do contexto econômico, mas também das relações
sociais e culturais com o meio que o cerca.
E, aqui, a clássica definição Aristotélica
acerca do conceito de igualdade material de: “tratar desigualmente os
desiguais, na proporção da desigualdade” auxilia a compreender a importante
atribuição de tutelar esses interesses.
Ora, os desiguais merecem maior proteção e
defesa pelas instituições públicas, seja pela facilitação do acesso à justiça
seja pela facilitação do procedimento, inclusive por meio da criação de varas
especializadas e da inversão do ônus da prova.
Ao exemplificar a parte vulnerável, o
ordenamento jurídico traz uma gama de situações aptas a ensejar a atuação do
parquet.
Relembre-se, a respeito, a defesa na relação
de consumo,
dos interesses das pessoas com
deficiência,
das crianças e dos adolescentes,
dos idosos,
dos incapazes,
das populações indígenas,
das pessoas em situação de rua,
das mulheres em situação de violência
doméstica e familiar.
Afora o estudo acerca da parte subjetiva da
relação, é necessário averiguar também quais os direitos que podem ser
tutelados pelo Ministério Público.
E, nesse sentido, a atribuição é ampla,
recaindo a proteção tantos nos interesses
Difusos, marcados pela indivisibilidade e pela
indeterminação dos sujeitos, ligados por circunstância de fato;
Coletivos em sentido estrito, de natureza
indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas
por uma relação jurídica base;
Mas também, e ainda mais interessante, os
direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem
comum,
e os direitos indisponíveis, ainda que de um
único sujeito.
E nessa matéria, voltando-se agora para a
atribuição institucional,
É inegável que, a partir das décadas de 70 e
80 do século passado, o Ministério Público se firma, tanto no ordenamento
jurídico quanto institucionalmente, como órgão essencial à função jurisdicional
do Estado.
Volta-se, para o exercício de relevantes
atribuições, como do regime democrático, a proteção da ordem jurídica
e, em especial para o estudo em comento, a
defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis, conforme então
mencionados anteriormente.
Nesse ponto, revela-se importante referir que,
na tutela dos vulneráveis, o órgão pode figurar tanto como
INTERVENTOR de tais interesses ou quanto
como
AGENTE transformador.
1) A atividade interveniente ocorre quando o
Ministério Público atua como fiscal da ordem jurídica, não havendo, aqui, ação
direta e enfática na defesa dos vulneráveis, mas a precípua tarefa de defender
o ordenamento como um todo. A instituição está, de certa forma, portanto,
desvinculada dos interesses das partes e voltada à defesa do Estado Democrático
de Direito.
2) Por outro lado, ao exercer a atividade pro
populo, isto é, para o povo, na chancela dos interesses transindividuais, a
instituição se revela como órgão agente.
E poderá o fazer no plano judicial como no
plano extrajudicial.
a) Atuando fora do processo, a instituição tem
importante tarefa
- na homologação de acordos, como ocorre com a
fixação de alimentos perante o Promotor de Justiça,
- na investigação de danos transindividuais,
por meio do inquérito civil,
- na celebração de Termo de Ajustamento de
Conduta.
b) Já a atividade de quebrar a inércia da
Jurisdição é forma incisiva que se soma à atuação do Ministério Público na
defesa dos vulneráveis.
Nessa seara em especial, poder-se-ia
questionar, de forma errônea, que a legitimidade da Defensoria Pública
para a propositura de Ação Civil Pública, julgada recentemente constitucional,
esvaziaria aquela do órgão executor ministerial.
Todavia, não há
Esse embate na atuação de ambas as
instituições essenciais à função da justiça.
Existe, sim, a legitimidade
autônoma,
concorrente e
disjuntiva de ambas.
Implica dizer que a previsão de mais de um
legitimado não importa a ilegalidade ou até mesmo a inconstitucionalidade
progressiva dos demais, e sim que se confere proteção extra à defesa de grupo
ou de indivíduo, conforme decidiu recentemente o Supremo Tribunal Federal.
A situação é diferente da solução trazida na
ação civil ex delicto.
Isso porque, conforme se assentou neste
precedente judicial, a ação civil para reparação de danos decorrentes de
ilícito penal, não configuraria
nem interesse individual indisponível,
tampouco se fazia presente o interesse
social,
sendo causa a envolver direitos patrimoniais
renunciáveis de pessoas hipossuficientes, embora não necessariamente
vulneráveis.
Enfim, seja na defesa do ordenamento jurídico,
na atuação extraprocessual ou na legitimidade para a ação civil pública, a
atuação ministerial revela-se imprescindível.
E aqui, finalizando com citação de Bryan Garth
e Mauro Cappelletti, que bem elucida a busca pela proteção e a justiça dos
vulneráveis:
“A titularidade de direitos é destituída de
sentido na ausência de mecanismos para a sua efetiva reivindicação. O acesso à
justiça pode, portanto, ser encarado como o requisito fundamental – o mais
básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que
pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos”.
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partir do ativismo judicial que marcou a atuação do Poder Judiciário
norte-americano entre 1950 e 19703 Tudo começou em 1954, com o caso Brown vs.
Board of Education of Topeka. A Suprema Corte norte-americana entendeu que era
inconstitucional a admissão de estudantes em escolas públicas americanas com
base num sistema de segregação racial. Ao determinar a aceitação da matrícula
de estudantes negros numa escola pública até então dedicada à educação de
pessoas brancas, a Suprema Corte deu início a um processo amplo de mudança do
sistema público de educação naquele país, fazendo surgir o que se se chamou de
structural reform Segundo Owen Fiss, “o sistema de Ensino público fo
Temas de Tribuna Curso CEI - 20/02/2022 ● O
Ministério Público na "Terra Dois" ● O MP na defesa do meio ambiente
cultural. ● O MP resolutivo no combate à corrupção. ● O papel do MP na garantia
do princípio da impessoalidade nos processos seletivos em âmbito Municipal. ●
Regularização fundiária urbana; ● Envelhecimento populacional e políticas
públicas; ● Defesa da vítima; ● A atuação proativa do Ministério Público na
busca pela efetividade dos direitos fundamentais e na fiscalização de políticas
públicas. ● Atuação do MP nos crimes tributários. ● Controle de
constitucionalidade em nível estadual. ● O papel do MP no enfrentamento à
violência doméstica ● Legítima defesa da honra no júri ● Papel do MP no combate
às organizações criminosas ● Papel do MP no combate aos crimes contra ordem
tributária ● Atuação do MP nas audiências de custódia ● Membros do Ministério
Público e as redes sociais ● Depoimento especial e escuta especializada ●
Justiça Restaurativa ●
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